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MARCOS MALISKA O ESTADO MODERNO

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1 
 
CITAÇÃO: MALISKA, Marcos Augusto. Os Desafios do Estado Moderno. 
Federalismo e Integração Regional. Curitiba/Munique, 2003. Tese de 
Doutorado. Programa de Doutorado em Direito da Universidade Federal do 
Paraná (estágio de doutoramento na Ludwig Maximilian Universität). 
 
 
OS DESAFIOS DO ESTADO MODERNO. FEDERALISMO E 
INTEGRAÇÃO REGIONAL 
 
PRIMEIRA PARTE – O ESTADO MODERNO 
 
CAPÍTULO I – AS ORIGENS DO ESTADO MODERNO 
1. Da Idade Média ao Absolutismo Monárquico 
2. Nicolau Maquiavel 
3. Jean Bodin 
4. Do Absolutismo Político ao Estado Liberal 
 
CAPÍTULO II – O CONTRATUALISMO E O ESTADO DE 
DIREITO 
 
 
 
1. Thomas Hobbes 
2. John Locke 
3. Jean-Jacques Rousseau 
 
CAPÍTULO III – KANT E A RAZÃO ILUMINISTA 
UNIVERSAL 
 
 
1. O Estado de Natureza e o Estado Civil 
2. O Estado e a questão da Liberdade 
3. O direito cosmopolita 
2 
 
 
CAPÍTULO IV – HEGEL, IDEALISMO E NACIONALISMO. 
 
 
1. A Teoria política de Hegel no seu contexto histórico 
2. O conceito de Estado 
3. A Liberdade 
4. Hegel, Marx e o Estado Social 
 
CAPÍTULO V – KARL MARX E A CRÍTICA RADICAL AO 
ESTADO MODERNO 
 
 
 
1. Estado e Sociedade Civil 
2. O caso Holzdiebstahlsgesetz 
3. Os Fundamentos do Estado Social 
 
CAPÍTULO VI – MAX WEBER E O ESTADO RACIONAL 
MODERNO 
 
 
 
1. O Estado Racional 
2. As três formas de Legitimação do Poder 
3. A Burocracia 
 
CAPÍTULO VII – KELSEN E O DIREITO UNIVERSAL 
 
 
1. Estado e Direito 
2. A Unidade do Sistema Jurídico Nacional e Internacional 
3. Centralização e descentralização da Ordem Jurídica 
4. A união de Estados 
 
 
 
 
 
3 
 
 
 
PRIMEIRA PARTE – O ESTADO MODERNO 
 
 
CAPÍTULO I – AS ORIGENS DO ESTADO MODERNO 
 
1. Da Idade Média ao Absolutismo Monárquico 
 
A superação do modelo feudal medieval e o início do período 
absolutista determinaram o surgimento do Estado Moderno. Os autores 
identificam diversos momentos como marco inicial da concepção moderna 
de Estado, resgatando desde o episódio da prisão do Papa Bonifácio VIII por 
Felipe, o Belo, Rei da França, no século XIV, como o Tratado de Paz de 
Westphalia, assinado em Münster, na Alemanha, em 1648, onde se 
reconheceu o princípio fundamental dos direitos das gentes: a igualdade 
entre Estados.1 
A idade média caracterizou-se pela existência de diversas ordens 
jurídico-políticas.2 Ainda que estando o rei no ápice da estrutura social, seu 
poder político era partilhado com o clero, com os senhores feudais e ainda 
 
1 ACCIOLI, Wilson. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 199, e 
MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 22º ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 115. 
Segundo Kimminich, a Soberania foi reconhecida no Tratado de Paz de Westphalia como 
um instituto do direito e passou a ser o conceito central da ordem jurídica sobre a qual os 
Estados Europeus passaram a exercer os seus domínios e justificar o colonialismo e o 
imperialismo em todo o mundo. KIMMINICH, Otto. Deutsche Verfassungsgeschichte. 
Frankfurt am Main: Athenäum, 1970, p. 216. 
2 Sobre o pluralismo jurídico na idade média, ver: MALISKA, Marcos Augusto. 
Pluralismo Jurídico e Direito Moderno. Notas para pensar o direito na atualidade. 
Curitiba: Juruá, 2000; e WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico. Fundamentos 
de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1994. 
4 
 
com os incipientes comerciantes e seus territórios de comércio.3 A estrutura 
política, descentralizada em razão do desmonte do antigo império romano, 
era identificada com um grande número de pequenos feudos, cidades livres, 
todos com relativa autonomia política, situação que caracterizava uma 
verdadeira confusão entre os direitos. 4 
 A necessidade da unificação do poder encontrou na monarquia 
absolutista a forma ideal. O estabelecimento de uma ordem contínua, 
unitária, previsível e eficaz determinou as linhas fundamentais do Estado 
Moderno. O absolutismo, segundo escreve Alfonso Catania, “teve uma 
origem dramática, entrelaçada com as guerras religiosas dos séculos XVI e 
XVII. É a forma do Estado em si mesma, pois sua função é especificamente 
política, com a renúncia a legitimação do poder em qualquer credo religioso. 
Em um tecido social de profundas tensões ideológicas, afirma-se a função 
técnica do Estado como mantenedor de uma ordem unitária, contínua, 
previsível e eficaz.”5 
 O absolutismo monárquico representou a ruptura do modelo feudal-
medieval para aquilo que foi o início do caminho até o Estado de Direito 
Liberal das Revoluções Burguesas do final do Século XVIII. Sua 
 
3 Zippelius ao tratar das instituições do Heiligen Römischen Reichs chama a atenção para 
algumas cidades que já se caracterizavam por espaços livres de comércio, com autonomia 
política, e para a posição de supremacia que se encontrava o Rei na estrutura social e 
política. ZIPPELIUS, Reinhold. Kleine deutsche Verfassungsgechichte. Vom frühen 
Mittelalter bis zur Gegenwart. München: Beck, 1999, p. 67. 
4 Segundo Dalmo Dallari, o Estado Medieval caracterizou-se mais “como aspiração do 
que como realidade: um poder superior, exercido pelo Imperador, com uma infinita 
pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida; uma incontável multiplicidade 
de ordens jurídicas, compreendendo a ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das 
monarquias inferiores, um direito comunal que se desenvolveu extraordinariamente, as 
ordenações dos feudos e as regras estabelecidas no fim da Idade Média pelas corporações 
de ofícios. Esse quadro, como é fácil de compreender, era a causa e conseqüência de uma 
permanente instabilidade política, econômica e social, gerando uma intensa necessidade 
de ordem e de autoridade, que seria o germe de criação do Estado Moderno.” DALLARI, 
Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 19º ed. São Paulo: Saraiva, 1995, 
p. 59. 
5 CATANIA, Alfonso. Lo Stato Moderno. Sovranità e Giuridicità. Torino: G. 
Giappichelli Editore, 1996, p.11. 
5 
 
importância está em definir os traços característicos do Estado Moderno, em 
especial a centralização do poder político. Ainda que distante da divisão de 
poderes que será estabelecida posteriormente, bem como do domínio 
racional legal que caracteriza os Estados atuais, o Estado absolutista 
apresentou-se historicamente como o meio possível para fazer frente à 
instável estrutura medieval. O absolutismo tinha como fundamento teórico o 
direito divino dos reis, em que a autoridade do soberano era considerada 
como de natureza transcendental, proveniente diretamente de Deus. O poder 
de imperium era exercido exclusivamente pelo Rei, cuja pessoa era sagrada 
e desligada de qualquer liame de sujeição pessoal. 
 O fundamento divino do direito dos reis é uma característica do início 
do Estado Moderno enquanto Estado Absolutista. No entanto, ainda que o 
domínio racional do Estado seja uma característica do Estado de Direito e, 
portanto, não absolutista, a ciência política que surge no período do 
renascimento é, se não racionalista, ao menos profundamente realista. “O 
absolutismo monárquico que compõe o período de transição para os tempos 
modernos teve as suas fulgurações produzidas pelo verniz teórico dos 
humanistas da renascença, os quais, afastando os fundamentos teológicos do 
Estado, passaram a encarar a ciência política por um novo prisma, 
exageradamente realista.”6 
 Segundo escreve Roermund, o quadro constitucional da Monarquia é 
originário da Monarquia absolutista,fazendo com que não se possa dizer que 
a Monarquia absolutista não teve Constituição ou forma Constitucional. 
Também na Monarquia absolutista é possível identificar teoricamente a 
diferença entre lei e lei constitucional. No entanto, as normas do direito são 
expressão da vontade do soberano (Königswillens). Nesse plano, não é 
possível diferenciar a Constituição de outra forma de produção do direito, 
 
6 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, p. 115. 
6 
 
uma vez a ausência do sentido formal de Constituição. Em razão dessa 
específica diferenciação a lei, na Monarquia absoluta, diz Roermund, é 
constitucional, uma vez o Rei dizer que é.7 
 
2. Nicolau Maquiavel 
 
 Dois pensadores desta época destacaram-se: Nicolau Maquiavel e Jean 
Bodin. Segundo Norberto Bobbio, com Maquiavel (1469-1527) “começam 
muitas coisas importantes na história do pensamento político, inclusive uma 
nova classificação das formas de governo.”8 Segundo Maquiavel, “todos os 
Estados, todos os domínios que imperaram e imperam sobre os homens, 
foram e são repúblicas ou principados.”9 Em sua obra clássica, O Príncipe, 
Maquiavel tratou dos principados, dando especial atenção a maneira como 
eles podem ser governados e mantidos.10 Das repúblicas tratou o autor em 
outro momento, no Livro I da obra Discursos sobre a primeira década de 
Tito Livio. Maquiavel buscou despir e dissecar sem escândalo, restrições, 
hipocrisias e moralismos o cerne da alma humana, distanciando das alturas 
metafísicas e aproximando das baixezas políticas, baseado tão-só no estudo 
da História e principalmente no prosaico conviver com seu semelhante nas 
pouco sublimes refregas políticas de seu dia-a-dia de diplomata em 
 
7 ROERMUND, Bert van. Die Alte Eiche. Verfassungsgerichtsbarkeit in philosophischer 
Perspektive. Constitucional Review – Verfassungsgerichtsbarkeit – Constitutionele 
Toetsing. The Netherlands: Kluwer Law and Taxation Publishers, 1993, p. 139. 
8 BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Trad. Sérgio Bath. 4º ed. 
Brasília: Ed. da UNB, 1985, p. 83. 
9 MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Edson Bini. 12º ed. São Paulo: Hemus, 1996, 
p. 46. 
10 “Em verdade, é bom que se frise que o significado real da obra de Maquiavel – De 
Principatibus – comportaria a expressão Os Principados, mas em virtude ‘quiça’ de 
algum lirismo e dolo (aí sim), adotou-se errônea e repetidamente a denominação de O 
Príncipe. In. LEAL, Eduardo Costa Coelho. Por uma nova Teoria Geral do Estado ou o 
Estado que se pretende praticar. Bagé: Ed. da Urcamp, 1992, p. 19. 
7 
 
Florença.11 A obra de Maquiavel inovou na forma de tratar o político, 
deixando de lado o místico no trato da coisa pública para concebe-la 
unicamente como conquista e manutenção através da razão.12 
 O clássico O Príncipe, que no dizer de Themistocles Cavalcanti, “é 
um tratado relativamente pequeno, com um volume que se divide em 26 
capítulos, nos quais o autor procura reunir uma série de preceitos e de 
conselhos relativos à maneira e aos meios pelos quais os Estados se 
organizam, se governam, se estendem e se desenvolvem”, pode ser resumido 
aqui em quatro questões: (i) o livro foi escrito com intenções positivas, ou 
pretenderia Maquiavel somente expor aos povos, em forma de sátira, a 
iniqüidade dos Príncipes? (ii) é possível em política afastar-se dos preceitos 
da moral? (iii) foi Maquiavel o criador de uma verdadeira ciência política? 
(iv) Maquiavel criou realmente uma arte política, ou um manual de política? 
13 
 A primeira questão é respondida pelo próprio Maquiavel ao 
recomendar a malícia apenas quando necessária em face de homens maus. A 
segunda questão implicaria uma tese inteira, “porque a idéia generalizada é 
a que existe uma moral política, como existe uma ética profissional com 
princípios peculiares e que se orientam por um lema muito conhecido e muito 
mal aplicado: os fins justificam os meios”.14 A resposta à terceira questão 
implica dizer que não foi Maquiavel o primeiro autor “a tratar os assuntos 
políticos com objetividade. Ele se utilizou do material histórico, 
imprescindível para esses estudos, utilizou-se ainda da crítica histórica, o que 
 
11 BINI, Edson. Apresentação do livro O Príncipe. São Paulo: Hemus, 1996, p. 16. 
12 No dizer de Zippelius, a separação verdadeira das questões teológicas das éticas nós 
vamos encontrar no começo da era moderna com Maquiavel, o qual no seu O Príncipe 
investigou as condições técnicas necessárias para se chegar e se manter no Poder. 
ZIPPELIUS, Reinhold. Allgemeine Staatslehre. München: Beck, 1969, p.2. 
13 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Borsoi, 
1958, p. 94-96. 
14 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado, p. 95-96. 
8 
 
é talvez mais importante, mas ele se utilizou principalmente da análise do 
homem diante dos fatos históricos e do seu comportamento diante do fato 
político”15. Quanto a quarta questão, segundo Themistocles Cavalcanti, não 
se encontra em O Príncipe “nenhuma sistematização que permita chegar a 
essa conclusão. Talvez em Aristóteles encontrem-se elementos indicativos 
muito mais seguros para uma boa política do que em o Príncipe de 
Maquiavel, escrito em uma época tenebrosa e na qual não se primava pelo 
respeito aos princípios da moral pública”.16 
 A obra de Maquiavel foi utilizada pelas monarquias absolutistas para 
retirar o poder político da aristocracia feudal e da Igreja, criando os Estados 
Nacionais unificados. A influência de O Príncipe em sua época só se 
compara ao Contrato Social de Rousseau. A palavra [Estado]17, como o 
nome de um corpo político soberano, parece ter sido tornada amplamente 
corrente no pensamento moderno, através de seus escritos. “O Estado como 
uma força organizada, supremo em seu próprio território, e adotando uma 
política conscienciosa de engrandecimento em suas relações com outros 
Estados, tornou-se não apenas a típica instituição política moderna, mas, 
crescentemente, a mais poderosa instituição na sociedade moderna. 
Couberam-lhe mais e mais o direito e a obrigação de regular e controlar todas 
as outras instituições da sociedade, e orientá-las ao longo de linhas 
claramente estabelecidas pelos interesses do próprio Estado. A parte que o 
Estado, assim concebido, tem desempenhado na política moderna é uma 
 
15 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado, p. 96. 
16 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado, p. 96. 
17 “Rigorosamente é verdade, que a referida obra [O Príncipe], notabilizou a expressão 
ESTADO, quando em 1513, Maquiavel utilizou o termo ‘Stato’ de Florença.” LEAL, 
Eduardo Costa Coelho. Por uma nova Teoria Geral do Estado, p. 22. Observa Krüger 
que a palavra latina “status” na idade média não tinha nenhuma relação com a utilizada 
hoje. Para designar a vida em comunidade (Gesamtleben) se utilizavam outras 
expressões, em especial a “res publica”. KRÜGER, Herbert. Allgemeine Staatslehre. 
Stuttgart: W. Kohlhammer, 1966, p. 9-10. 
9 
 
indicação da clareza com que Maquiavel apreendeu a tendência da evolução 
política.”18 
 
3. Jean Bodin 
 
Quanto ao pensamento de Jean Bodin (1529-1596), Bobbio observa 
que “a obra mais importante do período de formação dos grandes Estados 
territoriais é De la République, de Jean Bodin. Publicada em 1576, em 
francês (uma edição latina sairá dez anos mais tarde), o livro é, sem exagero, 
a obra de teoria política mais ampla e sistemática desde a Política de 
Aristóteles”.19 O nome de Bodin passou paraa história do pensamento 
político como o teórico da soberania. Alerta Bobbio, no entanto, que “o 
conceito de soberania como caracterização da natureza do Estado não foi 
inventado por ele. (...) Já os juristas medievais, comentaristas do Corpus 
Juris, tinham traçado uma distinção entre as civitates superiorem 
recognoscentes e as civitates superiorem non recognoscentes – só estas 
últimas possuíam o requisito da soberania, podendo ser consideradas 
Estados, no sentido moderno do termo”.20 
 No dizer de Jean Bodin, “República é um justo governo de muitas 
famílias e do comum a elas com suprema autoridade”.21 Cada República tem 
 
18 SABINE, George. A history of Political Theory. Londres: Harrap, 1961, p. 180, citado 
por ACCIOLI, Wilson. Teoria Geral do Estado, p. 201-202. 
19 BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo, p. 95. 
20 BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo, p. 95. Henri Baudrillart escreve 
que foi Bodin o primeiro a fazer uma clara distinção entre Soberania e Governo, não 
obstante, segundo ele, o erudito tradutor de Aristóteles M. Barthélemy atribuir ao 
pensador grego tal distinção. Segundo Baudrillart os textos de Bodin são de incontestável 
prioridade. BAUDRILLART, Henri. Bodin et son Temps. Tableau des Théories 
Politiques et des idées économiques au 16ème Siècle. Réimpression de L’édition Paris 
1853. Darmstadt: Scientia Verlag Aalen, 1964, p. 267. 
21 BODIN, Jean. Los Seis Libros de la República. Trad. para o espanhol por Gaspar de 
Añastro Isunza. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1992, p. 147. A presente 
tradução para o espanhol foi realizada em 1590, com a autorização da Santa Inquisição, 
por Gaspar de Añastro, tesoureiro da infanta Catalina Micaela, filha do Rei Felipe II. 
10 
 
uma suprema autoridade que serve de meio para se julgar qual é a sua forma 
de Estado. Tem-se uma Monarquia quando a autoridade suprema está no 
Príncipe; um Estado Popular quando a autoridade suprema está em todo 
povo; e um Estado Aristocrático, quando a autoridade superior está na menor 
parte do povo. 22 
 Segundo Bodin chama-se cidadão o súdito livre dependente da 
suprema autoridade do outro. Todo cidadão é súdito, mas nem todo súdito é 
cidadão. Por exemplo, o escravo é mais súdito da República que o seu 
senhor, mas, no entanto não é cidadão.23 Bodin ainda observa que o Príncipe 
é obrigado a manter com as armas e com as leis a segurança dos súditos, em 
suas pessoas, bens e famílias e os súditos são obrigados reciprocamente para 
com o Príncipe dando-lhe fé, sujeição, obediência, ajuda e socorro.24 
 O pensamento de Bodin deu contornos a estrutura política que estava 
se consolidando. As suas investigações quando analisadas no contexto em 
que foram escritas demonstram claramente a genialidade do pensador 
francês. Escritas no contexto do absolutismo as idéias de Bodin já anteviam 
os novos rumos que o pensamento político iria seguir nos séculos seguintes. 
 
4. Do Absolutismo Político ao Estado Liberal 
 
No ambiente da época a burguesia, ainda que não figurante do cenário 
político, já desempenhava certa influência em razão das transformações 
econômicas que estavam acontecendo. No dizer de Paulo Bonavides, “a 
monarquia absoluta - e aqui vai uma das suas aparências mais enganadoras - 
já sem meio de qualquer ação impeditiva à expansão capitalista da primeira 
idade do Estado moderno, entra a estimulá-la com a adoção da política 
 
22 BODIN, Jean. Los Seis Libros de la República, p. 383. 
23 BODIN, Jean. Los Seis Libros de la República, p. 216-217. 
24 BODIN, Jean. Los Seis Libros de la República, p. 245. 
11 
 
mercantilista, política dos reis sequiosos de fundos com que manter a 
burocracia e os exércitos permanentes, política da qual a aristocracia tirava 
também sua fatia de participação ociosa, mas sobretudo política, verdadeira, 
profunda, necessária, dos interesses arraigados da classe mercantil e 
industrial.”25 
 Por fim, o absolutismo apresentou uma profunda contradição, ao 
manter a superestrutura política tradicional e abrir caminhos à infra-estrutura 
econômica da burguesia que lhe foram fatais. O desenvolvimento econômico 
capitalista em determinado momento não suportou mais a antiga estrutura 
política absolutista. Surge a necessidade do Estado de Direito. Segundo 
Nelson Saldanha, “a presença social da burguesia, apenas sensível de início 
[no período absolutista], torna-se dominante em seguida [no período liberal]. 
Ela condiciona historicamente uma nova perspectiva. Em vez do 
escalonamento feudal, baseado na tradição e no rang, um individualismo 
baseado no dinheiro e no ‘êxito’. Em vez de leis variáveis e de privilégios, 
leis iguais para todos – uma igualdade ainda formal apenas, mas isto só 
depois se notaria. O poder do Estado, concentrado no rei durante a fase 
inicial, passa dialeticamente às mãos de todos por força das revoluções 
liberais-burguesas: às de todos, ao menos em princípio. O desejo burguês de 
generalidade e impessoalização condicionam o novo conceito de lei, tirado 
das severas tradições clássicas e retemperado pelas conveniências do tiers-
état.”26 
 
 
25 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3º ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 70. 
26 SALDANHA, Nelson. Sociologia do Direito. 4º ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 
119-120. 
12 
 
CAPÍTULO II – O CONTRATUALISMO E O ESTADO DE DIREITO 
 
 O absolutismo político dos reis tornou-se incompatível com a estrutura 
econômica que estava se formando. A reação anti-absolutista, que afirmava 
ser o Estado um contrato entre o Rei e o povo, presumia um direito natural 
do homem anterior ao Estado, que deveria ser respeitado. Surge a 
necessidade da limitação da autoridade real pela soberania do povo, o Estado 
Liberal. O contratualismo, neste sentido, abriu caminhos para o Estado de 
Direito Liberal, pois provocou uma profunda reflexão acerca dos 
fundamentos do Estado ao questionar a legitimidade da ordem jurídica e 
política. São três os autores que retratam a trajetória do pensamento político 
que conduziu ao Estado de Direito Liberal: Hobbes, Locke e Rousseau. 
 
1. Thomas Hobbes 
 
A trajetória da Teoria do Contrato Social tem seu início com Thomas 
Hobbes (1588-1679). O inglês de Westport é considerado o primeiro autor 
de um tratado sistemático de filosofia política publicado na Inglaterra. 
Segundo Mintz, o impacto de Hobbes foi sutil, pois ele provocou uma intensa 
hostilidade ao obrigar os seus críticos empregarem o seu método racional de 
Argumentação.27 No dizer de Bobbio, “Hobbes é o maior filósofo político da 
Idade Moderna, até Hegel”.28 
As obras mais importantes de Hobbes para a compreensão do Estado 
Moderno são The Elements of Law Natural and Politic (1640), De Cive 
(1642 e 1647) e Leviathan (1651). Segundo M.M. Goldsmith na introdução 
da segunda edição The Elements of Law, esta foi a primeira obra da doutrina 
 
27 MINTZ, Samuel I. The Hunting of Leviathan. Seventeenth-Century reactions to the 
materialism and moral philosophy of Thomas Hobbes. New York: Cambridge, 1970, p. 
viii. 
28 BOBBIO, Norberto. A Teoria das formas de governo, p. 107. 
13 
 
de Hobbes, pois terminada em 1640, foi o seu primeiro trabalho sistemático 
sobre Política.29 Hans-Dieter Metzger sustenta que Elements of Law foi o 
primeiro Tratado Político da Revolução Inglesa, pois nele existem 
fundamentos que contribuíram ao discurso político que culminaram com a 
Revolução.30 
Hobbes é um clássico e, como tal, as interpretaçõessobre o seu 
pensamento são várias. Themistocles Cavalcanti descreve Hobbes como 
filosoficamente filiado a Spinoza, marcado por uma visão cética e fatalista 
que conduzia ao egoísmo moral e ao absolutismo político.31 Hobbes 
“representa o reacionarismo, o totalitarismo, o domínio do indivíduo pelo 
Estado, representado este pela figura do Leviatã, que serviu de nome à sua 
obra fundamental”.32 Para Mintz “Hobbes foi Nominalista e Materialista; ele 
elaborou seu sistema com base para uma descrição nominalista fundamental 
do conhecimento e uma descrição materialista fundamental do universo. As 
conseqüências ele deduziu dessas fundações filosóficas que fez tão 
intensidade na opinião pública contemporânea. Essas conseqüências foram 
claramente não religiosas; nas mãos de Hobbes Nominalismo e Materialismo 
tornaram-se instrumentos para um poderoso ceticismo sobre o real ou sobre 
a objetiva existência do absoluto, e em particular sobre o absoluto da divina 
providência, do bem ou do mal e da imortalidade da alma”.33 
 Sobre o pensamento político de Hobbes, Mario A. Cattaneo sustenta 
que não obstante Hobbes ter sido identificado por muito tempo como o 
teórico do absolutismo político, ou seja, como o fundador dos princípios do 
 
29 HOBBES, Thomas. The Elements of Law Natural and Politic. London: Frank Cass, 
1969, p. V. 
30 METZGER, Hans-Dieter. Thomas Hobbes und die Englische Revolution 1640-1660. 
Stuttgart-Bad Cannstatt: frommann-holzboog, 1991, p. 13. 
31 Sobre a relação entre Hobbes e Spinoza ver também: WILLMS, Bernard. Der Weg des 
Leviathan. In. Der Staat. Zeitschrift für Staatslehre, Öffentliches Recht und 
Verfassungsgeschichte. Beiheft 3. Berlin: Duncker& Humblot, 1979, p. 44. 
32 CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Teoria do Estado, p. 98. 
33 MINTZ, Samuel I. The Hunting of Leviathan, p. 23. 
14 
 
direito natural moderno e do poder absoluto do Estado, mais recentemente 
se tem o desenvolvimento de uma interpretação que reconhece a existência 
de muitos elementos do liberalismo na sua doutrina política. Dois pólos desta 
tendência são encontrados, por um lado em Leo Strauss, que tem devido ao 
direito natural de conservação de si o fundamento da filosofia política de 
Hobbes, e de outro lado Mayer-Tasch, que assinalou a presença de um direito 
à resistência no pensamento de Hobbes.34 
 No tocante a alguns pontos específicos da obra de Hobbes vale lembrar 
que para o pensador político inglês o Direito de Natureza é “a liberdade de 
cada homem em utilizar seu poder como bem lhe aprouver, para preservar 
sua própria Natureza, isto é, sua Vida e de, conseqüentemente, fazer tudo 
aquilo que segundo seu Julgamento e Razão é adequado para atingir esse 
Fim”.35 “Todo homem em natureza tem o direito a todas as coisas, tudo que 
ele possa listar para posse, uso e usufruto”.36 Deste modo, “a Condição 
Humana é a Guerra de uns contra os outros, cada qual governado por sua 
própria Razão, e não havendo algo que o homem possa lançar mão para 
ajudá-lo a preservar a própria vida contra os inimigos, todos têm direito a 
tudo, inclusive ao corpo alheio. Assim, perdurando esse Direito de cada um 
sobre todas as coisas, não poderá haver segurança para ninguém (por mais 
forte e sábio que seja), de viver durante todo o tempo que a Natureza permitiu 
que vivesse.”37 Desta forma, no Estado de Natureza o Homem está em 
 
34 CATTANEO, Mario A. Hobbes Théoricien de l’Absolutisme Eclairé. In. 
KOSELLECK, Reinhart e SCHNUR, Roman (org.) Hobbes-Forschungen. Berlin: 
Duncker & Humblot, 1969, p.199. Ver também: STRAUSS, Leo. Hobbes’ politische 
Wissenschaft. Berlin: Luchterhand, 1965 e MAYER-TASCH, Peter Cornelius. Thomas 
Hobbes und das Widerstandsrecht. Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1965. 
35 HOBBES, Thomas. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um Estado Eclesiástico e 
Civil. Trad. Rosina D’Angina. São Paulo: Ícone, 2000, p. 99. 
36 HOBBES, Thomas. The Elements of Law Natural and Politic, p. 72. 
37 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 99. 
15 
 
condição de igualdade, livre arbítrio e, por conseqüência, de permanente 
insegurança e guerra.38 
 No entanto, é também uma lei natural aquela que obriga os homens a 
procurarem a paz. Desta Lei Fundamental deriva uma segunda lei que dispõe 
que o “homem deve concordar com a renúncia de seus Direitos a todas as 
coisas, contentando-se com a mesma Liberdade que permite aos demais, à 
medida em que considere a decisão necessária à manutenção da Paz e em sua 
própria defesa.” Diz Hobbes, “se cada qual fizer tudo o que tem Direito, 
reinará a Guerra entre os homens, não haverá razão para que alguém se prive 
daquilo que tem Direito, pois isso significará oferecer-se como Presa (ao que 
ninguém é obrigado) e não dispor-se à Paz”.39 
 Da segunda lei da natureza acima referida deriva uma terceira, que 
dispõe: Que os homens cumpram os pactos que celebrarem. “Se esta lei não 
vigorar, os pactos serão vãos, não passando de palavras Vazias e uma vez 
que o Direito de todos os homens a todas as coisas continuaria a vigorar, 
prevaleceria a condição de Guerra”.40 A origem e a Fonte da Justiça se 
encontram nessa Lei da Natureza, que segundo Hobbes implica na existência 
de “uma espécie de Poder coercitivo que obrigue igualmente os homens a 
cumprirem seus Pactos e esse poder deve infundir o temor de alguma pena 
superior ao benefício esperado com o rompimento do Pacto e capaz de dar 
força à Propriedade adquirida pelos homens através do Contrato mútuo, 
como recompensa do Direito universal a que renunciaram. Esse Poder não 
pode existir antes da constituição do Estado”.41 
 
38 Sobre o pensamento político de Hobbes, em especial sobre a condição humana no 
Estado de Natureza, ver SCHELSKY, Helmut. Thomas Hobbes. Eine Politische Lehre. 
Berlin: Duncker & Humblot, 1981, p. 333 e seg. 
39 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 100. 
40 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 108. 
41 HOBBES, Thomas. Leviatã, p. 108. 
16 
 
 A doutrina política de Hobbes, desta forma, encontra-se entre a 
justificativa de um absolutismo racional e os pré-elementos de um Estado de 
Direito. Ao mesmo tempo em que enfatiza a necessidade de se cumprir os 
pactos como forma de dar “força à propriedade adquirida pelos homens 
através do Contrato mútuo”, Hobbes recente que a doutrina do direito natural 
sustentada pelos antimonarquistas poderia conduzir à anarquia. O seu culto 
profundo à ordem o leva a sustentar um posicionamento que não se 
fundamenta no direito divino, mas, no entanto, exige a presença de um 
Estado forte e de governo absoluto com embasamentos racionais. 42 
 
2. John Locke 
 
 O Contratualismo encontrou em John Locke (1632-1704) o teórico da 
Revolução Inglesa de 1688 que produziu na sua obra clássica Two Treatises 
of Government a defesa doutrinária do partido parlamentar.43 No Segundo 
Tratado sobre o Governo, também conhecido como Ensaio sobre o Governo 
Civil, Locke engendra todo um sistema a propósito da origem, da natureza e 
do alcance da intervenção do Governo. Segundo Bobbio, “o Segundo 
Tratado sobre o Governo Civil (1690) de Locke, pode ser considerado como 
a primeira e mais completa formulação do estado liberal. É um dos três ou 
quatro livros decisivos da história do pensamento político moderno. Sua 
importância está na clara solução que dá aos principais problemas que 
haviam sido debatidos naquele século, muito rico em disputas e lutas 
 
42 ACCIOLI, Wilson. Teoria Geral do Estado, p. 147. Cattaneo sustenta também que a 
concepção de Hobbes é a elaboração e a justificaçãodo absolutismo iluminado. 
CATTANEO, Mario A. Hobbes Théoricien de l’Absolutisme Eclairé, Ob. Citada, p. 200. 
43 No excelente trabalho realizado pelo Prof. Peter Laslett, do Trinity College, de 
Cambridge, com comentários críticos a obra de Locke, encontra-se, sobre a relação da 
obra do filósofo político inglês e a Revolução Gloriosa de 1688, o consenso, não em 
absoluto, de que a obra justificou a Revolução, pois parte do texto foi escrito em 1689. 
LASLETT, Peter. Introdução a obra Dois Tratados sobre o Governo. Trad. Julio Fischer. 
São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 67. 
17 
 
políticas na Inglaterra”. 44 Da mesma forma observa Walter Euchner, quando 
escreve que “Locke desenvolveu o modelo de uma Monarquia Liberal 
Constitucional dando forma ao moderno Estado Constitucional”.45 
A obra de Locke Two Treatises of Government é uma crítica a teoria 
de Robert Filmer, exposta em sua obra Patriarcha: or the Natural Power of 
Kings, refutando a tese do direito divido dos reis.46 No Primeiro Tratado, 
Locke esclarece que não há legitimidade no argumento que o fundamento da 
autoridade dos reis deriva do domínio particular e a jurisdição paterna de 
Adão. Escreve o autor que “o conhecimento de qual é a linhagem mais antiga 
da descendência de Adão foi há muito tanto tempo completamente perdido 
que em todas as raças da humanidade e famílias do mundo não resta, a 
nenhuma mais que a outra, a menor pretensão a ser a casa mais antiga e a ter 
o direito de herança”.47 
 Segundo Locke, para se compreender o Poder Político é necessário 
entender o estado em que todos os indivíduos naturalmente estão, qual seja, 
um estado de liberdade perfeita e igualdade.48 Por liberdade perfeita, entende 
Locke, a liberdade “para regular suas ações e dispor de suas posses e pessoas 
de modo como julgarem acertado, dentro dos limites da lei da natureza, sem 
pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem”, e por 
 
44 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo 
Fait. 4º ed. Brasília: Ed. UNB, 1997, p. 37. 
45 EUCHNER, Walter. John Locke. Zur Einführung. Hamburg: Junius, 1996, p. 81. 
46 Michael Rostock observa que a obra de Locke dirige-se contra Filmer e contra Hobbes. 
Contra o primeiro em razão da tese inaceitável para Locke do direito divino dos reis 
(göttlichen “Vaterschaftsrechten” der Monarchen), e contra Hobbes em razão da 
situação fática de constante opressão que se encontravam os cidadãos perante o Monarca. 
ROSTOCK, Michael. Die Lehre von der Gewaltenteilung in der politischen Theorie von 
John Locke. Meisenheim am Glan: Anton Hain, 1974, p.11-12. 
47 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins 
Fontes, 1998, p.380. 
48 Segundo A. John Simmons, “o Estado de Natureza é sobre diversos aspectos o conceito 
central da obra Treatises de Locke. (...) O Estado de Natureza definido por Locke é o 
limite da política.” SIMMONS, A. John. On the Edge of Anarchy. Locke, Consent, and 
the Limits of Society. New Jersey: Princeton University Press, 1993, p. 13. 
18 
 
igualdade, “que é recíproco todo o poder e jurisdição, não tendo ninguém 
mais que outro qualquer – sendo absolutamente evidente que criaturas da 
mesma espécie e posição, promiscuamente nascidas para todas as mesmas 
vantagens da natureza e para o uso das mesmas faculdades, devam ser 
também iguais umas às outras, sem subordinação ou sujeição...”.49 
Sobre a questão da igualdade no Estado de Natureza, observa Rolf 
Meyer, que é injustificada a crítica de Rainer Rotermundt a Locke, feita em 
seu trabalho Das Denken John Lockes, acerca de uma mistificação do ao 
mesmo tempo dualismo entre igualdade e desigualdade natural. Segundo 
Meyer, Locke pensa em uma igualdade de direitos e não em uma igualdade 
de poder. Todos os Homens são iguais em espécie e posição. Assim, ainda 
que os Homens em geral sejam dotados de igual aptidão e senso, alguns em 
especial podem se destacar em relação à média dos outros. Ainda assim esses 
não são corretamente em relação aos outros superiores, senão que estão na 
mesma posição. A partir daí, afirma Meyer, é que se pode dizer que um 
Homem segundo o direito natural não pode ser senhor de outro Homem.50 
Locke coloca duas questões como fundamentais para a necessidade do 
fundamento do Estado Civil e do abandono do Estado de Natureza. Segundo 
ele, “se o homem no estado de natureza é livre como se disse, se é senhor 
absoluto de sua própria pessoa e suas próprias posses, igual ao mais eminente 
 
49 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo, p. 382. 
50 MEYER, Rolf. Eigentum,Repräsentation und Gewaltenteilung in der politischen 
Theorie von John Locke. Frankfurt am Main: Peter Lang, 1991, p. 44-45. É necessário 
observar, no entanto, que a crítica de Rotermundt é feita no contexto de um trabalho de 
analise minuciosa da lógica do pensamento não só político como também econômico 
burguês. Neste sentido, Rotermundt discute o pensamento de Locke, que segundo ele não 
é só fundamento do liberalismo político, mas também da clássica economia política (p.7), 
numa extensão e profundidade que a crítica de Meyer aqui citada pende muito mais para 
uma visão ideológica em prol de uma interpretação liberal do que propriamente uma 
discussão de fundo sobre o tema. Tal discussão, ainda que de grande importância, 
infelizmente, esse trabalho não comporta realizar. Ver: ROTERMUNDT, Rainer. Das 
Denken John Lockes. Zur Logik bürgerlichen Bewuβtseins. Frankfurt am Main, Campus 
Verlag, 1976. 
19 
 
dos homens e a ninguém submetido, por que haveria ele de se desfazer dessa 
liberdade? Por que haveria de renunciar a esse império e submeter-se ao 
domínio e ao controle de qualquer outro poder?”51 
Escreve Walter Euchner que por mais que o Estado de Natureza de 
Locke seja um Estado repleto de direitos, é uma questão de pura sorte estar 
livre da vontade de outros nesse estado. A liberdade no Estado de Natureza 
significa o direito a dispor de sua pessoa e de seus bens nos limites da lei 
natural. Se o Homem abdica da liberdade natural isso não significa abdicar 
da liberdade em si, mas sim de ter uma verdadeira garantia de que a liberdade 
será protegida.52 
 Locke ao responder as questões por ele próprio formuladas acima 
escreve que é “evidente de que o Homem, embora tivesse tal direito no 
estado de natureza, o exercício do mesmo é bastante incerto e está 
constantemente exposto à violação por parte dos outros, pois que sendo todos 
reis na mesma proporção que ele, cada homem um igual seu, e por não serem 
eles, em sua maioria estritos observadores da eqüidade e da justiça, o 
usufruto que lhe cabe da propriedade é bastante incerto e inseguro. Tais 
circunstâncias o fazem querer abdicar dessa condição, a qual, conquanto 
livre, é repleta de temores e de perigos constantes. E não é sem razão que se 
procura e almeja unir-se em sociedade com outros que já se encontram 
reunidos ou projetam unir-se para a mútua conservação de suas vidas, 
liberdades e bens, aos quais atribuo o termo genérico de propriedade”.53 
Ao buscar um conceito de propriedade em Locke observa Rolf Meyer 
que Locke ficou devendo uma definição de propriedade, pois em várias 
passagens da sua obra encontram-se definições com duplo sentido o que 
 
51 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo, p. 495. 
52 EUCHNER, Walter. Naturrecht und Politik bei John Locke. Frankfurt am Main: 
Europäische Verlagsanstalt, 1969, p. 193. 
53 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo, p. 495. 
20 
 
possibilitam diferentes interpretações.Meyer faz referência a duas passagens 
da obra Dois Tratados em que Locke utiliza, num primeiro momento, 
propriedade como sinônimo de vida, liberdade e bens e num segundo 
momento como tudo aquilo que o Homem tem na sua pessoa como qualidade 
de bom. Este último conceito, que Locke recomenda que seja entendido em 
todos os momentos, é um conceito bem mais abrangente. No entanto, a 
interpretação própria de Locke acerca do conceito de propriedade é dada no 
sentido de propriedade material e, desta forma, segundo Meyer, conceitos 
como possessão e bens não estão mais subordinados ao conceito de 
propriedade, senão que possuem igual forma.54 
 Para Locke, desta forma, o governo tem por finalidade a conservação 
da propriedade privada, pois “é o remédio adequado para as inconveniências 
do estado de natureza, que certamente devem ser grandes quando aos homens 
é facultado serem juizes em suas próprias causas, pois é fácil imaginar que 
aquele que foi injusto a ponto de causar injúria a um irmão dificilmente será 
justo o bastante para condenar a si mesmo por tal”.55 O Estado de Locke é, 
portanto, uma união livre de proprietários que encontram no governo civil a 
forma adequada de proteger os direitos naturais os quais lhes são legítimos 
por natureza, uma vez no estado de natureza estarem ausentes de garantias 
de sua manutenção. 
 
3. Jean-Jacques Rousseau 
 
 No Século XVIII o contratualismo encontrou em Jean-Jacques 
Rousseau (1712-1788) o autor que deu fundamento teórico a Revolução 
 
54 MEYER, Rolf. Eigentum,Repräsentation und Gewaltenteilung in der politischen 
Theorie von John Locke, p. 51-52. Sobre o conceito de propriedade em Locke ver 
também: THOMAS, D. A. Lloyd. Locke on Government. London e New York: 
Routledge, 1995, Cap. 4. 
55 LOCKE, John. Dois Tratados sobre o Governo, p. 391-392. 
21 
 
Francesa. O autor genebrino, filho de uma família de Relojoeiros, tem a sua 
obra principal Contrat Social considerada como l’Évangile de la Revolution 
de 1789.56 No dizer de Vossler “com Jean Jacques Rousseau encontrou o 
pensamento ocidental sobre o Estado uma grande transformação, que eu 
acho, pode se dizer, de modo geral, a mais significativa transformação desde 
a cristianização. Rousseau diferencia-se de todo pensamento sobre o Estado 
da idade média e da idade moderna até ele, pois coloca a questão da Teoria 
do Estado sobre uma nova e completa transformação de fundamentos, ele 
abre com um golpe a nova época do pensamento e prática política, uma época 
que até hoje nós nos encontramos e trabalhamos”.57 
 Não obstante a importância de Rousseau para a ciência política, “a 
questão política em geral – e o condicionamento e levantamento ainda 
novamente fragmentário das respostas através de Rousseau – não se 
encontram no centro de seu interesse; Rousseau não provém da Política, pois 
para ele ela se encontra com, ao lado ou atrás de outras questões. Ela é assim 
uma parte, e na verdade uma subordinada e dependente parte, de um grande 
sistema de pensamento, no qual o ponto central em outro lugar se encontra. 
Somente a partir da compreensão deste grande esquema é que é possível 
compreender o pensamento de Rousseau. Toda frase e pensamento da Teoria 
Política de Rousseau têm sua raiz na pedagogia, nos costumes, na religião 
etc”.58 
 A interdisciplinaridade do pensamento de Rousseau lhe possibilitou 
uma análise livre acerca do homem e da sua condição social. Essa 
perspectiva emancipadora do pensamento de Rousseau lhe colocou numa 
posição muito à frente de sua época. Sob essa perspectiva, expõe Rousseau 
 
56 DERATHÉ, Robert. Jean-jacques Rousseau et la science politique de son temps. Paris: 
J.Vrin, 1970, p. 7. 
57 VOSSLER, Otto. Rousseaus Freiheitslehre. Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 
1963, p. 9. 
58 VOSSLER, Otto. Rousseaus Freiheitslehre, p. 21. 
22 
 
em Du Contrat Social uma teoria política que tem no Contrato Social a 
garantia da liberdade civil e da propriedade.59 Segundo Rousseau, “encontrar 
uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a 
pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, 
obedeça apenas, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes 
(...) é o problema fundamental a que o Contrato Social dá a solução”.60 
 Rousseau distingue a liberdade natural da liberdade civil.61 Com o 
Contrato Social o homem perde a liberdade natural, mas ganha a liberdade 
civil. A primeira é a “que tem por limites as forças do indivíduo”, a liberdade 
civil é a “que é limitada pela vontade geral”.62 O Contrato Social de Rousseau 
não é um contrato, senão uma tentativa, com o auxílio de antigas palavras, 
de esclarecer uma nova descoberta da idéia de Estado, na qual o sentido, que 
significa vontade livre, é por si próprio definido e próprio realizado nos 
Estados, isto é a volonté générale.63 
 A Lei é a expressão da vontade geral. Por Lei entende Rousseau que 
“quando todo o povo estatui algo para todo o povo, considera apenas a si 
mesmo, e forma-se então uma relação, isto é, do objeto inteiro sob um ponto 
de vista ao objeto inteiro sob outro ponto de vista, sem nenhuma divisão do 
 
59 Anota Fetscher que Rousseau não concorda com a idéia de que já no Estado de 
Natureza possa se ter como de direito a propriedade, em todo caso não também o seguinte, 
ou seja, de que a ausência de propriedade possibilite, para todos, em igual caso no Estado 
de Natureza, o direito a tudo. Ele apresenta, por isso, que toda posse antes da realização 
do contrato social é usurpação. FETSCHER, Iring. Rousseaus Politische Philosophie. Zur 
Geschichte des demokratischen Freheitsbegriffs. Neuwied: Hermann Luchterhand, 1960, 
p. 33. 
60 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social e Discurso sobre a Economia Política. 
Trad. Márcio Pugliesi e Norberto de Paula Lima. Curitiba: Hemus, s/d., p. 27. 
61 Rousseau ao sustentar o princípio da socialibilidade natural do Homem diverge da 
posição assumida pela Escola do Direito Natural, em especial Hobbes, mas também 
Locke. Ver: DERATHÉ, Robert. Jean-jacques Rousseau et la science politique de son 
temps, p. 151, 132 e 142. 
62 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, p. 31. No dizer de Fetscher o conceito 
central do pensamento político de Rousseau não é o de Contrat Social, senão o de volonté 
générale. FETSCHER, Iring. Rousseaus Politische Philosophie. Zur Geschichte des 
demokratischen Freheitsbegriffs, p. 111. 
63 VOSSLER, Otto. Rousseaus Freiheitslehre, p. 244. 
23 
 
todo. Então a matéria sobre a qual se estatui é geral como a vontade que 
estatui”.64 A Lei só é legítima se houver a participação dos homens na sua 
elaboração. “As leis são propriamente e apenas as condições de associação 
civil. O povo submetido às leis deve ser o autor destas; (...) Aquele que redige 
as leis não tem, portanto, ou não deve ter nenhum direito legislativo, e o 
próprio povo não pode, ainda que o queira, despojar-se desse direito 
incomunicável uma vez que, segundo o pacto fundamental, apenas a vontade 
geral obriga os particulares, e que só podemos nos assegurar que uma 
vontade particular é conforme a vontade geral senão após tê-la submetido ao 
sufrágio livre do povo”.65 
 Segundo Rousseau, pela mesma razão que a soberania não pode ser 
alienada ela não pode ser representada. A soberania consiste na vontade 
geral, e a vontade não é representada: “é a mesma, ou é outra, não há meio 
termo”. A idéia da representação é moderna66, pois nas antigas Repúblicas e 
mesmo nas Monarquias o povo jamais foi representado. Escreve Rousseau“que o povo inglês pensa ser livre, mas engana-se grandemente; só o é 
durante a eleição dos membros do parlamento: assim que estes são eleitos, é 
escravo, nada é. Nos curtos momentos de sua liberdade, o uso que dela faz 
bem merece que a perca”.67 
 Ainda que o povo não possa ser representado no Poder Legislativo, 
observa Rousseau que ele “pode e deve ser representado no poder executivo, 
que é a força aplicada à lei”.68 O emprego da lei geral em um caso concreto 
 
64 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, p. 48. 
65 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, p. 52. 
66 “...nos vem do governo feudal, deste iníquo e absurdo governo no qual a espécie 
humana é degradada, e onde o nome de homem é desonrado.” ROUSSEAU, Jean-
Jacques. Do Contrato Social, p. 102. 
67 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, p. 101-102. 
68 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social, p. 102. 
24 
 
não compete ao Povo senão ao Governo, que é dependente do povo unido e 
por esse também controlado.69 
 
 
CAPÍTULO III – KANT E A RAZÃO ILUMINISTA UNIVERSAL 
 
 Immanuel Kant (1724-1804) é um marco no pensamento filosófico. 
Estudado em diversas áreas Kant é o autor da transição do antigo ao 
moderno. O interesse por Kant começa pela sua biografia, marcada por uma 
disciplina pessoal extraordinária, de horários rígidos, pontualidade e 
imutabilidade. Kant está na tradição do Iluminismo. Karl Popper descreve 
Kant como o último defensor do Iluminismo.70 Kant viu com simpatias, ainda 
que com alguns perigos, as Revoluções Americana e Francesa. Tais 
acontecimentos serviram de fundamentos para a sua filosofia política, 
trabalhada por ele na sua velhice.71 
 O pensamento de Kant permite muitas coisas dizer. Para os objetivos 
desse trabalho revela-se suficiente o resgate de seu pensamento na extensão 
que possa retratar a concepção de Estado e a sua importância no cenário da 
modernidade, e nesse sentido entram em cena questões como os direitos 
naturais e as situações de tais direitos na natureza e no governo civil, a ordem 
 
69 FETSCHER, Iring. Rousseaus Politische Philosophie, p. 138. 
70 POPPER, Karl R. Immanuel Kant. Der Philosoph der Aufklärung. Eine Gedächtnisrede 
zu seinem hundertfünfzigsten Todestag. In. KOPPER, Joachim und MALTER, Rudolf. 
(orgs.) Immanuel Kant zu ehren. Frankfurt am Maim: Suhrkamp, 1974, p. 335. Segundo 
Popper, “enquanto eu vejo Kant como o último defensor do Iluminismo se apresenta ele 
também como fundador daquela escola que destruiu com o Iluminismo, a Escola 
Romântica do Idealismo alemão, a Escola de Fichte, Schelling e Hegel. Eu afirmo que 
essas duas opiniões são inconciliáveis”. 
71 HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant. 4˚ ed. München: Beck, 1996, p. 209-210, e SANER, 
Hans. Widerstreit und Einheit. Wege zu Kants politischen Denken. München: R. Piper, 
1967, p. 13 e 17. Saner observa que o pensamento político de Kant encontra-se na 
periferia da sua obra, pois tratou ele desse tema já quase no fim de sua vida, porém isso 
não é dizer periferia do pensamento. 
25 
 
interna dos Estados e os fundamentos de um Estado de Direito, bem como, 
e de grande atualidade, os seus escritos sobre um direito cosmopolita, ou 
seja, de um direito além dos limites do Estado. 
 
1. O Estado de Natureza e o Estado Civil 
 
Na concepção de Kant, o estado de natureza é um estado provisório 
que deve levar ao estado civil. Essa passagem não significa a eliminação do 
estado de natureza, mas a sua conservação. “O estado civil é aquele estado 
que deve de fato possibilitar o exercício dos direitos naturais através da 
organização da coação, motivo pelo qual não é um estado completamente 
novo, mas é, deve ser, tanto quanto possível análogo ao estado de natureza, 
e inclusive é tanto mais perfeito quanto mais numerosos são os direitos 
naturais que consegue salvaguardar (Locke)”.72 
Observa Kant que se antes de entrar no estado civil não se quisesse 
reconhecer nenhuma aquisição como legítima, nem provisoriamente, este 
estado seria, por sua vez, impossível. Porque no que se refere à forma as leis 
contêm sobre o Meu e o Teu no estado natural o que prescrevem no civil 
concebido somente segundo as noções da razão pura. Existe, todavia, a 
exceção de que no estado civil se dão as condições segundo as quais deve 
ser executada a lei natural de conformidade com a justiça distributiva. Se não 
houvesse Meu e Teu exterior no estado natural, ao menos provisoriamente, 
não haveria nenhum dever de direito sob esta relação, nem, portanto, 
nenhuma obrigação de sair desse estado.73 
 
72 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo 
Fait. 4º ed. Brasília: Ed. UNB, 1997, p. 119. 
73 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, p. 
431. 
26 
 
É importante também anotar que, segundo Kant, o estado natural não 
deveria ser um estado de injustiça (injustus), no qual os homens unicamente 
se tratassem segundo a medida exclusiva de suas forças; porém, é ao menos 
um estado de justiça negativa (status justitae vacuus), no qual, se o direito 
fosse controvertido, não haveria juiz competente para ditar uma sentença 
legítima em virtude da qual cada um pudesse obrigar o outro a sair desse 
estado de guerra e fazê-lo entrar num estado jurídico. Com efeito, ainda que, 
segundo as noções de direito de cada um, se pode adquirir por ocupação ou 
por contrato algo exterior, esta aquisição não é, todavia, nada mais que 
provisória, enquanto lhe falte a sanção da lei pública, porque não está 
determinada por nenhuma justiça pública (distributive) e não está garantida 
por nenhuma potência que exerça o direito.74 
Observa Höffe que a distinção do pensamento de Kant e de Hobbes 
encontra-se justamente no fato do primeiro discordar do segundo quanto aos 
motivos que levam o Homem procurar a paz propiciada pelo Estado Civil. 
Para Hobbes o Homem procura a paz em razão do receio da morte e o desejo 
de felicidade. Para Kant os motivos pragmáticos em face dos rígidos 
fundamentos racionais não possuem mais espaço. A felicidade dos Estados 
não se encontra em sorte, mas no Direito, na comunidade racional como 
liberdade externa. Conseqüentemente reina sozinho o argumento de que as 
decisões em um Estado de Direito Público sobre o direito e o não direito não 
estão fundamentadas no arbítrio, mas no Direito.75 
O pensamento de Kant, desta forma, está em harmonia com a corrente 
jusnaturalista que entende o estado civil como complemento do estado de 
natureza, ou seja, está na tradição de Locke e contrário a posição assumida 
por Hobbes. No entanto, Kant também difere do pensamento de Locke 
quanto a justificativa do estado civil, pois para Locke o Estado Civil é 
 
74 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 430. 
75 HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 229. 
27 
 
entendido como uma utilidade, pois o estado de natureza seria inconveniente, 
e segundo Kant o Estado Civil é uma obrigação moral. 
 
2. O Estado e a questão da liberdade 
 
 O Estado é no pensamento de Kant “construção a posteriori, que serve 
a uma necessidade racional da convivência humana. É dado ético e não 
empírico”.76 O pensamento de Kant, no dizer do pensador italiano Norberto 
Bobbio, é uma das expressões teoricamente mais rigorosas do Estado 
Liberal77. 
 Para Kant o Estado é uma instituição de segunda ordem que está a 
serviço das instituições de primeira ordem, a saber, a Propriedade sobre as 
coisas, o Casamento e a Família. Kant fala de um Estadode Direito Público 
(öffentlichen Rechtszustand), o qual não se encontra em qualquer Estado, 
mas na República, que segundo Höffe, podemos hoje dizer corresponde ao 
Estado Constitucional.78 
 O Estado de Direito apresenta-se através de duas características, ou 
seja, as decisões sobre o direito não estão junto a uma pessoa privada, mas 
junto ao Poder Público, ou seja, o Estado de Direito tem um caráter estatal; 
e segundo ele não se trata de qualquer Estado, senão de uma ordem política 
de domínio de conflito (politische Ordnung der Konfliktbewältigung), a qual 
segundo a norma kantiana da Crítica da Razão Prática é determinada através 
de uma rigorosa lei geral.79 
Segundo Kant, “uma cidade (civitas) é a reunião de um número maior 
ou menor de homens sob a lei de direito. (...) Cada cidade encerra em si três 
 
76 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4º ed. Rio de Janeiro: 
Forense, 1980, p. 104. 
77 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 09. 
78 HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 225-229. 
79 HÖFFE, Otfried. Immanuel Kant, p. 229. 
28 
 
poderes, isto é, a vontade universalmente conjunta numa pessoa tripla (trias 
politica): o poder soberano (soberania) na pessoa do legislador; o poder 
executivo (segundo a lei) na pessoa do governo e o poder judicial (como 
reconhecimento de o Meu de cada qual segundo a lei) na pessoa do juiz 
(potestas legislatoria, rectoria et judiciaria)”.80 
 O poder legislativo somente pode pertencer à vontade coletiva do 
povo, que como membros reunidos de tal sociedade (societas civilis ou 
Gesellschaft) chamam-se cidadãos (cives ou Staatsbürger). Os atributos 
inseparáveis da natureza de cidadãos são, primeiro, “a liberdade legal de não 
obedecer a nenhuma outra lei além daquelas a que tenham dado seu 
sufrágio”; segundo, a igualdade civil, “que tem por objeto o não reconhecer 
entre o povo nenhum superior além daquele que tem a faculdade moral de 
obrigar juridicamente da mesma maneira que, por sua vez, pode ser 
obrigado”; terceiro, o atributo da independência civil (der bürgerlichen 
Selbständigkeit), “que consiste em ser devedor de sua existência e de sua 
conservação, como membro da república, não ao arbítrio de outro no povo, 
mas sim aos seus próprios direitos e faculdades, e, por conseguinte em que a 
personalidade civil não possa ser representada por nenhum outro nos 
assuntos de direito”.81 
 A doutrina de Kant, colocando como fim do Estado a liberdade, 
entendida como “independência do arbítrio de outro na medida em que possa 
subsistir com a liberdade de todos, segundo uma lei universal,”82 “opõe-se à 
concepção, prevalecente na sua época, que atribuía ao Estado, e por isso ao 
príncipe, o fim principal de dirigir os súditos para a felicidade, e era a 
concepção que correspondia ao regime chamado de despotismo (ou 
absolutismo) iluminado.”83 
 
80 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 431. 
81 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 432. 
82 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 337. 
83 BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 134. 
29 
 
Anota Paulo Bonavides que em Kant o problema da Liberdade não se 
reveste mais em “saber se a liberdade existe” para se converter em outro 
muito mais profundo, qual seja, “como é possível a liberdade”.84 Essa 
questão está ligada ao dualismo que Kant anuncia existir entre o mundus 
intelligibilis e o mundus sensibilis, entre o noumenon e o phaenomenon, 
entre a experiência e o imperativo categórico. O noumenon é a coisa em si 
(das Ding an sich), já o phaenomenon é a coisa como ela se apresenta ou 
manifesta. A doutrina Kantiana da liberdade repousa, por conseguinte nessa 
consideração essencial do homem sob dois aspectos: o homem fenômeno, 
como ente empírico, e o homem como noumenon, como ser inteligível: “o 
homem como phenomenon, recebe, como noumenon, dá a lei”. Como ser 
empírico, o homem se submete às leis psicológicas; como ser racional, 
inteligente, “ele se ergue acima de toda condicionalidade empírica, movido 
por força que lhe confere a consciência do dever, que existe na intimidade 
dele mesmo e que sempre intervém no domínio das suas ações, qual supremo 
agente da razão, elevando-o a uma ordem moral superior”.85 
A força que move o ser racional chama-se imperativo categórico, que 
se reveste na ação em si mesma, objetivamente necessária, sem relação com 
qualquer outro fim. A fórmula do imperativo categórico: “Age como se a 
máxima de tua ação se devesse tornar, pela sua vontade, em lei universal da 
natureza”, é um imperativo formal, que prescreve apenas a forma e não o 
 
84 Escrevendo sobre o direito no pensamento de Kant, anota Müller que o Homem é um 
fim em si, e não meio para se atingir outro fim. O ser do Homem encontra-se na sua 
liberdade. A liberdade de um encontra seu limite na liberdade do outro, e ela é pensada 
apenas nessa condição.O direito, nesse sentido, constitui-se sempre em uma lei geral, no 
qual eu encontro o meu dever de igual modo que os outros. MÜLLER, Jörg Paul. Das 
Weltbürgerrecht (§ 62) und Beschluβ. In. HÖFFE, Otfried. (org.) Immanuel Kant. 
Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehre. Berlin: Akademie Verlag, 1999, p. 260. 
85 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social, p. 92-99. Sobre esta 
distinção ver também LUDWIG, Bernd. Kommentar zum Staatsrecht (II). In. HÖFFE, 
Otfried. (org.) Immanuel Kant. Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehre. Berlin: 
Akademie Verlag, 1999, p. 174-175. 
30 
 
conteúdo (matéria) da ação: agir por respeito ao dever.86 “A existência deste 
imperativo moral tem como corolário a realidade das condições que tornam 
factível a moralidade assim definida. Estas condições são os chamados 
postulados da razão prática, quais sejam, a liberdade, a imortalidade da alma, 
Deus. O imperativo categórico não teria sentido se o homem não fosse livre 
em seu agir.”87 
 A felicidade para Kant é algo pessoal e incomunicável, sendo que o 
Estado deve propiciar a liberdade para o cidadão através da constituição 
legal, para que a partir daí cada um possa alcançar a sua felicidade pessoal. 
O Estado de Kant é um Estado de Direito, na concepção que entende que o 
Estado tem como função principal e específica a instituição de um Estado 
jurídico, ou seja, de um Estado no qual cada um possa coexistir com os outros 
segundo uma lei universal. 
Kant tem muito claro que o Estado deve estabelecer as condições 
segundo as quais cada indivíduo possa perseguir os próprios fins sem 
prejudicar os outros e sem ser prejudicado por eles, ou seja, o Estado deve 
ser o instrutor e o conservador da ordem somente mediante o direito. Esse 
entendimento está em posição inversa ao Estado paternal, que pretende 
buscar a felicidade do cidadão. 
 O maior filósofo alemão antes de Kant, Wilhelm Leibniz, escreveu em 
A Justiça como Caridade do Sábio (1677-78), as tarefas do soberano ao 
pretender dar a felicidade para seus súditos: “Em primeiro lugar se deve agir 
de maneira que todos os cidadãos estejam, dentro do possível, satisfeitos e 
tranqüilos de ânimo... Em segundo lugar se deve agir de maneira a fazer com 
que todos os cidadãos sejam moderados, isto é, capazes de dominar as 
paixões .... Quinto, que sejam devotos... Nono, que sejam bonitos de corpo, 
 
86 Sobre o conceito kantiano ver LUDWIG, Ralf. Der Kategorische Imperativ. Eine Lese-
Einführung. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 1995. 
87 LEITE, Flamarion Tavares. O Conceito de Direitoem Kant. São Paulo: Ícone, 1996, 
p. 33. 
31 
 
ágeis e ao mesmo tempo robustos; ... Décimo, que estejam treinados para 
qualquer virtude da alma e do corpo... Décimo primeiro, que disponham dos 
meios necessários à vida, porque a miséria deixa os homens infelizes e 
malvados”.88 
 Para Kant, o Estado não deve se substituir ao cidadão na realização de 
tarefas que efetivamente não lhe cabem; o Estado agindo assim torna-se, 
inevitavelmente, despótico. Kant adverte: “Disso se vê claramente o mal que 
pode causar na vida do Estado, não menos do que na moral, o princípio da 
felicidade..., ainda que com a melhor das intenções dos seus sustentadores. 
O soberano quer fazer feliz o povo segundo a sua visão e torna-se déspota; o 
povo não quer deixar-se despojar do direito comum a todos os homens à 
própria felicidade e torna-se rebelde”.89 
 
3. O direito cosmopolita 
 
 A teoria de Kant não se limitou a análise das condições do Direito e 
do Estado nos limites de um território com poder definido, mas estendeu-se 
à análise do Direito Internacional (Das Völkerrecht) chegando a proposição 
de um direito cosmopolita (Das Weltbürgerrecht). Observa Jochen von 
Bernstorff que para Kant a relação entre os estados é marcada por uma 
situação de liberdade natural em constante situação de guerra. O objetivo do 
direito internacional seria buscar segundo o subjetivo arbítrio dos estados a 
paz universal através de uma situação de direito. A paz perpétua seria 
 
88 Citado por BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 
138. 
89 Citado por BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant, p. 
139. 
32 
 
atingida por meio de uma permanente união de Estados ou Congresso de 
Estados.90 
 Inicialmente é necessário pontuar, em harmonia com a citação acima, 
que o direito internacional proposto por Kant está condicionado ao 
“subjetivo arbítrio dos estados”, e isso significa dizer que os estados 
permanecem titulares de suas vontades como entes independentes, ou em 
outros termos, como afirma Pinzani, a Soberania para Kant é indivisível, pois 
uma vez renunciada uma parte, perde-se toda. Na analogia entre Estado e 
Indivíduo, como os indivíduos também os Estados possuem autonomia, 
traduzida esta na soberania estatal. 91 
 Segundo Kant, o direito dos estados nas suas relações recíprocas, o 
qual em língua alemã não corretamente se expressa, chama-se Völkerrecht. 
A expressão em alemão Völkerrecht foi traduzida do latim ius gentium, que 
seria o direito dos povos. Para Kant a terminologia adequada seria 
Staatenrecht. Segundo Pinzani, Kant rejeita qualquer constituição étnica do 
Estado e todo conceito emocional de Estado Nacional, como os Românticos 
mais tardes desenvolveram. O Estado é uma pessoa moral e os seus cidadãos 
podem, em sentido intelectual e jurídico, serem vistos como uma família. 
Sua mãe é a República e não qualquer característica étnica ou de língua e 
cultura de definida Nação; eles não pertencem a um sangue, mas a uma 
comunidade estatal, eles não formam gens, mas civitas. 92 
 Os quatro elementos do Direito Internacional são, segundo Kant: i) 
que os Estados nas suas relações internacionais estão em situação de não 
direito; ii) que esta situação é uma situação de guerra, ou seja, do direito do 
 
90 BERNSTORFF, Jochen von. Der Glaube an das universale Recht. Zur 
Völkerrechtstheorie Hans Kelsens und seiner Schüler. Baden-Baden: Nomos, 2001, p. 
15. 
91 PINZANI, Alessandro. Das Völkerrecht. In. HÖFFE, Otfried. (org.) Immanuel Kant. 
Metaphysische Anfangsgründe der Rechtslehre. Berlin: Akademie Verlag, 1999, p. 253. 
92 PINZANI, Alessandro. Das Völkerrecht, p. 237 e KANT, Immanuel. Die Metaphysik 
der Sitten, p.466. 
33 
 
mais forte; iii) que uma União de Povos (Völkerbund), através da idéia de 
um prévio Contrato Social, é necessária, seja em razão da clareza da relação 
entre estados como da proteção contra agressões externas: iv) que a união 
entre Estados não implica na existência de um poder soberano, como na 
hipótese de uma Constituição Burguesa, senão em uma Comunidade 
(Genossenschaft) ligada por uma Federação.93 O Congresso de Estados 
pensado por Kant não se aproxima do modelo americano de união das 
colônias britânicas, com a constituição de um Estado, senão uma forma 
civilizada de resolver os conflitos.94 
 A idéia de uma paz universal através da associação dos diversos povos 
da terra não é filantrópica (ethisch) senão um Princípio do Direito.95 A 
Natureza dispôs todos como ocupantes do globus terraqueus em 
determinadas fronteiras e o possuidor de Terras, onde os habitantes podem 
viver, sempre como possuidores de um pedaço determinado do todo, 
conforme um direito anterior. Pode-se pensar como justo então que assim 
encontram-se todos os povos originários em uma comunidade de Terras, não, 
porém uma comunidade de possuidores e por isso de uso, ou de proprietários, 
senão da possibilidade física do comércio (Wechselwirkung), ou seja, em 
relações de uns com outros e do direito de se tentar essa relação, sem a qual 
o estrangeiro paira sempre como um inimigo. Esse direito tão longe quanto 
possível da união de todos os povos, sob a determinação de uma lei universal, 
chama-se ius cosmopoliticum (weltbürgerliche).96 
 
93 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 467. 
94 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 475. Ao comentar sobre a necessidade 
de um permanente Congresso de Estados faz referência Kant a uma Assembléia que 
reuniu diversas Cortes e pequenas Repúblicas Européias na primeira metade do Século 
XVIII na proposta de uma Europa Federal, mas que acabou por não prosperar (p. 474-
475). 
95 Segundo Muller o direito cosmopolita para Kant tem força jurídica, é direito positivo, 
para todos em sua autoridade interna como direito racional. MÜLLER, Jörg Paul. Das 
Weltbürgerrecht (§ 62) und Beschluβ, p. 269. 
96 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten, p. 475-476. 
34 
 
 Kant apresenta três definitivos aspectos para uma Paz Perpétua 
(Ewigen Frieden). O primeiro se apresenta pela necessidade de toda 
Constituição Burguesa de um Estado ser republicana; o segundo definitivo 
aspecto se apresenta através do direito internacional como um sistema 
federativo de Estados Livres. Segundo o Filósofo de Königsberg o povo não 
quer a guerra e por isso forma um Estado, com a existência de um Juiz 
imparcial que irá resolver os conflitos. Da mesma forma, os Estados não 
querem a guerra entre eles, porém eles não reconhecem um legislativo 
superior, fato que para Kant apresenta-se como inconcebível, pois como o 
cidadão irá confiar o seu direito a um Estado que não garante esse direito em 
relação a outros estados, no momento em que a união de Estados Livres em 
Federação é uma condição necessária do direito internacional. O terceiro 
definitivo aspecto de uma paz perpétua, segundo Kant, é o direito 
cosmopolita como condição de uma geral hospitalidade.97 Neste ponto anota 
Muller que os Homens tem a necessidade natural não apenas de coexistência, 
mas também de trânsito, de encontro, de trocas também além dos limites do 
Estado. Esse direito elementar autoriza que se visite qualquer lugar da terra 
e lá não se encontre hostilidade. Este é o direito do visitante, o direito de 
tentar no mínimo um contato com o morador. Este não tem o direito de 
exprimir hostilidades somente pelo fato do outro ser estrangeiro.98 
 
 
CAPÍTULO IV – HEGEL, IDEALISMO E NACIONALISMO. 
 
 No Século XIX surge no cenário do pensamentopolítico e filosófico 
europeu Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), o grande pensador 
 
97 KANT, Immanuel. Zum Ewigen Frieden. In. Schriften zur Anthropologie, 
Geschichtsphilosophie, Politik und Pädagogik 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1977, 
p. 204-217. 
98 MÜLLER, Jörg Paul. Das Weltbürgerrecht (§ 62) und Beschluβ, p.266. 
35 
 
alemão que ficou deslumbrado com a Revolução Francesa, plantando uma 
árvore na Praça do Mercado, em Tübingen, juntamente com Schelling; que 
se impressionou com a figura de Napoleão quando, montado em seu cavalo, 
passou em revista pelas ruas da cidade de Jena após o ataque do exército 
francês; que com a restauração das monarquias, apresentou-se como o 
teórico oficial do Império Prussiano; e que não obstante a sua inclinação para 
a Monarquia Constitucional festejou todos os anos da sua vida, com uma 
garrafa de vinho, o aniversário da tomada da Bastilha. Um pensador 
complexo como sua filosofia, o professor imperial que chocou os ovos 
socialistas. 
 Não é tarefa fácil sistematizar o pensamento de Hegel. A profundidade 
e a dialética com que ele trata dos assuntos faz com que Hegel só seja 
compreensível no seu todo. As obras que tratam de sua filosofia mostram 
que estudar Hegel é também estudar o momento histórico em que ele viveu, 
pois como ele mesmo definiu, a filosofia é a teoria do seu tempo, e o tempo 
de Hegel é o da sociedade burguesa (bürgerlichen Gesellschaft) que veio em 
especial com a Revolução Francesa e com a transformação na Indústria.99 
 O pensamento político de Hegel tem especial importância nesse 
trabalho, pois ele é um marco importante no desenvolvimento da Teoria do 
Estado Moderno. Com Hegel surgem muitas questões que serão depois 
interpretadas sob os mais diversos pontos de vista, desde a ligação de Hegel 
com o Hiltherstaates, com a Teoria Marxista-Leninista e com o pensamento 
burguês.100 Portanto Hegel é um autor de múltiplas interpretações que fez 
uma profunda analise quando dos fundamentos do modelo de Estado que 
hoje está sendo posto em questão frente às estruturas supranacionais. 
 
99 BARION, Jakob. Hegel und die Marxistische Staatslehre. Bonn: H. Bouvier Verlag, 
1963, p. 11. 
100 BARION, Jakob. Hegel und die Marxistische Staatslehre, p. 11 e AVINERI, Schlomo. 
Hegels Theorie des modernen Staates. Traduzido do inglês para o alemão por R. u. R. 
Wiggershaus. Frankfurt am Maim: Suhrkamp, 1976, p. 7. 
36 
 
 
1. A Teoria Política de Hegel no seu contexto histórico 
 
Para Hegel toda discussão política é também uma discussão histórica, 
pois a história é o sentido da chave da transformação, e como atualização do 
mundo é o hieróglifo da razão do qual a filosofia tem a tarefa de decifrar.101 
A compreensão do pensamento político de Hegel implica, desta forma, 
também no conhecimento dos acontecimentos históricos de sua época. A 
abstração dos conceitos que se encontram em todo o texto, por exemplo, dos 
Fundamentos da Filosofia do Direito, abstração essa reconhecida pelo 
próprio Hegel no prefácio da obra é o resultado de investigações que datam 
de muito tempo antes de sua ida para Berlin para assumir a Cátedra de 
Filosofia.102 O interesse de Hegel pela política data do período em que residiu 
em Bern, onde teve uma clara influência dos acontecimentos da Revolução 
Francesa.103 
A Revolução Francesa tem uma importância central no pensamento de 
Hegel. A modernização trazida pela Revolução e nesse sentido o 
rompimento com o antigo regime eram para Hegel a única esperança de 
transformação das relações sociais existentes. Hegel foi um crítico do ancien 
régime na Alemanha. Analisando a situação alemã, Hegel alterou com o 
 
101 Citado por AVINERI, Schlomo. Hegels Theorie des modernen Staates, p. 11. 
102 Hegel nasceu em Stuttgart em 1770, estudou em Tübingen entre 1788-1793 depois foi 
ser Hauslehrer em Bern na Suíça entre 1793 e 1796. Foi para Frankfurt em 1797 e lá 
permaneceu até 1800. Em 1801, em razão da morte do seu pai em 1799 o que lhe 
propiciou uma herança que lhe deu independência financeira decidiu-se transferir para 
Jena, um centro avançado do pensamento alemão no final do Século XVIII, sendo que lá 
permaneceu como Privatdozent junto a Universidade até 1807. No período entre 1805 e 
1807 Hegel escreveu Phänomenologie des Geistes. Entre 1807 e 1808 Hegel foi redator 
do Bamberger Zeitung; entre 1808 e 1816 foi ele Reitor do Ginásio em Nürnberg e entre 
1816 e 1818 foi ele Professor em Heidelberg. Em 1818 Hegel assumiu a Cátedra de 
Filosofia da Universidade de Berlin. Em 1821 ele publicou Grundlinien der Philosophie 
des Rechts. Hegel permaneceu em Berlin até a sua morte em 1831. HELFERICH, 
Christoph. Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Stuttgart: Metzler, 1979. 
103 AVINERI, Schlomo. Hegels Theorie des modernen Staates, p. 14-15. 
37 
 
passar dos anos o seu entendimento sobre o estado e a política na 
Alemanha.104 Em seu texto Die Verfassung Deutschland, datado de 1802, 
escreve Hegel que a Alemanha não é mais um Estado, pois não está 
organizada como poder de Estado. Escreve ele que enquanto os teóricos do 
Estado de Direito ainda se ocuparem com as questões do Heiligen Römisch-
Deutschen Reichs entre a Hungria, Polônia, Prússia etc. como também sobre 
questões politicamente irrelevantes, mais ainda estará distante a unidade 
alemã.105 Analisando essa questão, relata Avineri que para Hegel o azar da 
Alemanha e também, neste sentido, da Itália encontrava-se na ausência de 
uma distinção conceitual de Estado, o qual está assentado sob uma defesa da 
comunidade e em um efetivo exercício do poder estatal, e a quimera de um 
Império Mundial (Weltreichs), que é sempre mais uma abstração e impede 
um verdadeiro Poder de Estado. Para Hegel a Alemanha necessitava libertar-
se desse medieval romântico sonho de um Römisch-Deutschen Reiches e 
também da pretensão de universalidade da Igreja Católica. O Estado 
Moderno está fundado em um poder central e na tolerância religiosa.106 
 A unidade alemã, e nesse sentido encontra-se a transformação do 
pensamento político de Hegel sobre a situação na Alemanha, segundo ele 
seria mais bem guiada sob a liderança da Áustria do que da Prússia. É 
necessário ponderar que Hegel em seus estudos posteriores acompanhou as 
transformações ocorridas na realidade, e nesse ponto a restauração da 
monarquia prussiana sob a forma constitucional se aproximou em muito do 
ideal de Estado por ele definido. Portanto, a postura de Hegel variou 
 
104 Segundo Hocevar Hegel até 1802 era Republicano e partidário da Revolução Francesa. 
HOCEVAR, Rolf. K. Hegel und der Preuβische Staat. Ein Kommentar zur 
Rechtsphilosophie von 1821. München: Wilhelm Goldmann Verlag, 1973, p.57. 
105 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Die Verfassung Deutschland. In. Politische 
Schriften. Nachwort von Jürgen Habermas. Frankfurt am Maim: Suhrkamp, 1966, p. 55. 
106 AVINERI, Schlomo. Hegels Theorie des modernen Staates, p. 74. Sobre a formação 
do Estado Nacional Alemão, ver: DANN, Otto. Nation und Nationalismus in 
Deutschland. 1770-1990. München: Beck, 1993. 
38 
 
conforme a mutação dos acontecimentos históricos. De toda forma, 
sustentou Hegel naquele momento anterior que a Prússia era um mecânico, 
hierárquico e autoritário aparelho estatal, onde todas as coisas encontravam-
se nas mãos do Estado, onde tudo era regulado e regulamentado. Para Hegel 
a Prússia não vinha em questão, pois a característica do Estado Moderno 
estava na representação e nesse sentido os Reinos da Áustria e da

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