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Consulta e Abordagem Centrada na Pessoa

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“O distanciamento começou quando René Laënnec fez um rolo de 
cartolina que mais tarde evoluiu e se transformou no estetoscópio”.1
O evento central da vida do profissional médico continua sendo 
o encontro entre pessoas representado pela consulta médica, 
apesar do progresso e do desenvolvimento que aconteceram na 
sociedade e na medicina. A consulta é a principal manifestação 
da relação clínica que se estabelece entre o médico e a pessoa, 
sendo fator determinante para seu sucesso ou não.
“A unidade essencial da prática médica, a ocasião quando, na inti-
midade da sala de consulta ou da enfermaria, uma pessoa que está 
doente, ou acredita estar doente, busca a ajuda de um médico em 
quem confia”.2
As consultas tratam de questões de considerável importân-
cia para quem as traz e têm consequências a todos os envolvidos. 
Qualquer problema pode ser apresentado ao médico de famí-
lia e comunidade, e ele deve dar uma resposta. As razões para 
uma consulta podem variar desde problemas clínicos, adminis-
trativos, sociais, até àqueles de difícil classificação. As queixas 
apresentadas na consulta podem ser definidas configurando 
diagnósticos ou podem ser vagas, indiferenciadas e muitas vezes 
inexplicáveis sob o ponto de vista da linguagem médica.
Dr. José: “Bom dia, seu Alfredo*, em que posso ajudá-lo hoje?”
* Ver Capítulo 1.
Alfredo: “Bom dia, doutor. Então, como pode ver, fiquei bem da 
espinha no nariz, e o encontro com a Vera correu bem.”
Dr. José: “Ótimo, fico feliz que tudo correu bem; e hoje em que 
posso ajudá-lo?.”
Alfredo: “Bem, hoje..., até fico constrangido de falar, pois acho 
que estou tirando o lugar de alguém que pode estar precisando 
mais da consulta, mas pensei que o senhor pode me ajudar.”
Dr. José: “Cada um tem os seus problemas. Vamos lá, pode falar...”
Alfredo: “É o seguinte: estou desempregado e procurando emprego, 
e me pediram um tal de currículo. Não tenho a menor ideia do que 
seja, mas fiquei com vergonha de perguntar. Até agora era só mostrar 
a carteira de trabalho e fazer uma conversa para conseguir emprego. 
E ainda tenho que fazer uma entrevista e nunca passei por isso.”
Dr. José: “Não se preocupe, vou lhe dar umas dicas com relação 
à entrevista, e tive uma ideia sobre quem pode lhe ajudar com o 
currículo: está ocorrendo na escola um curso de informática para 
inclusão digital, aberto à comunidade, e podes aprender lá como 
fazer. E, agora, vamos aproveitar para ver aqueles exames que com-
binamos fazer na consulta anterior?.”
A consulta em Atenção Primária à Saúde (APS) deve re-
presentar “uma prática social entre médico e pessoa, com tro-
ca de conhecimentos, com um contrato, sendo fundamentada 
na parceria, na busca de construir o cuidado mediante ações 
dentro e fora do consultório, de ambas as partes. Prática esta, 
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CONSULTA E ABORDAGEM 
CENTRADA NA PESSOA
José Mauro Ceratti Lopes
Aspectos-chave
 � Individualizar a consulta.
 � Não seguir regras, exceto estas: lembrar que cada pessoa é única; 
construir relação específica; o contato visual é fundamental; iniciar 
a consulta com perguntas abertas: “– Em que posso ajudar?”; har-
monizar é um objetivo essencial (rapport); e buscar empatia.
 � Demonstrar interesse: contato visual exclusivo nos primeiros segun-
dos da consulta.
 � Detalhar e sumarizar (não deixar pontos “subentendidos”: deta-
lhar os fatos; esmiuçar sem ser inconveniente). Saber usar o tempo 
adequadamente; consultas longas são improdutivas). Desenvolver 
ferramentas internas: utilizar o autoconhecimento, saber seus limi-
tes, identificar dificuldades, dominar emoções.
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onde o médico e a pessoa busquem aprender sobre os proble-
mas de saúde, refletir sobre suas repercussões, suas relações e 
determinação no processo de cuidado”.3
Na relação entre pessoas, o sentimento de afeição entre elas 
pode ser “à primeira vista” apaixonante ou seguir um caminho 
de construção por meio do conhecimento mútuo, progressivo, 
longitudinal, em que se estabelece uma relação harmonizada ba-
seada na confiança e no afeto. Essa possibilidade de uma segun-
da chance na relação ou na construção é uma característica da 
APS, não acontecendo em outros níveis do sistema. A consulta 
também é o encontro entre pessoas com expectativas, objetivos 
e tarefas definidas de parte a parte, em que se estabelece uma 
relação cujos objetivos principais são o cuidado à saúde e a qua-
lidade de vida. O preparo para esse encontro inicia bem antes, e 
consiste em várias etapas para ambos, o médico e a pessoa.3
Para o médico, começa 1) no curso de graduação, na sua 
postura e nos seus interesses frente ao aprendizado, e nos mo-
delos de médico com os quais se identifica; 2) segue com a 
escolha da especialidade; 3) continua com o preparo na especia-
lização; 4) tem relação com o seu momento da vida atual; e 5) 
culmina nos momentos preliminares à consulta, como influên-
cia da consulta imediatamente anterior, conhecimento prévio 
da pessoa, etc. Para a pessoa que busca ajuda, começa 1) com 
sua história pessoal, familiar, genética e cultural, dos contatos 
com o adoecer; 2) progride com o estabelecimento do estilo de 
vida, ciclo de vida e outros aspectos biopsicossociais que inter-
ferem na saúde; 3) segue com a decisão pelo momento de buscar 
ajuda – muitas vezes, não é ela quem decide, às vezes, é preco-
ce; outras, é tardia; 4) passa pela escolha do médico; e 5) segue 
na recepção da Unidade de Saúde e tem seus momentos finais 
pré-consulta no ambiente e nas conversas da sala de espera.3, 4
Para ambos, médico e pessoa que busca ajuda, toda essa 
preparação tem seu clímax na consulta, pois, quando essas 
duas pessoas se encontram, tem-se dois especialistas: o médi-
co, especialista em diagnósticos, exames e medicamentos; e a 
pessoa, especialista nela própria.
Nesse momento, cada um tem suas ideias e expectativas, pois, 
quando uma pessoa decide buscar atendimento, ela já refletiu so-
bre a questão e vai para a consulta com modelo explicativo para 
suas queixas e seu sofrimento (ideias, preocupações e expectativas 
sobre o problema), com tratamento e prognóstico e com expecta-
tivas com relação ao médico. Algumas podem chegar ao médico 
para consultar com uma compreensão incompleta, rudimentar e 
inexata de seus problemas e a elaboram a partir da opinião médi-
ca. Mas, em ambas as situações, a pessoa sempre tem uma teoria 
sobre o que está acontecendo com ela, que vai repercutir no seu 
comportamento frente à investigação e ao tratamento.
A pessoa que vai ao médico tem expectativas não apenas 
sobre a doença, mas também sobre como vai ser o atendimen-
to. E o médico, ao atendê-la, também tem suas expectativas, 
conhecendo ou não a pessoa anteriormente.
No Quadro 13.1, são apresentadas algumas ideias de am-
bos, ao iniciar a consulta.
Mas a consulta não se encerra com a tomada de decisões e a 
pessoa saindo do consultório, pois ainda há os exames a fazer, o 
atendimento em equipe, o contato com a família, as consultorias.
Na prática profissional do médico de família e comunida-
de (MFC), a consulta é, sem dúvida, o evento principal. Enten-
der o que acontece na consulta (seus conteúdos e processos) 
é a chave para exercer o papel do MFC. O foco da consulta é 
uma tarefa valiosa e gerenciável a partir da qual a Medicina de 
Família e Comunidade pode acontecer de fato.
Por isso, esse tema está presente em diversos outros capí-
tulos deste livro, que colaborarão para que o leitor construa 
uma forma de abordagem adequada para a prática da Medici-
na de Família e Comunidade.
Considerando a organização da Atenção Primária à Saú-
de(APS) no país hoje, cerca de 1 milhão de consultas devem 
ocorrer a cada dia, e a consulta em APS tem um quadro de 
qualidades específicas que a tornam diferente das consultas 
em outros cenários do sistema de saúde:
 ƒ A pessoa toma a decisão de consultar. Em outros cenários, 
em geral, ela é encaminhada por outro médico. As pessoas 
que consultam na APS têm sua própria agenda, frequen-
temente desconhecida do MFC, até que a apresentem a 
ele. Uma comunicação efetiva entre a pessoa e o MFC é 
a chave para uma identificação adequada e a discussão de 
questões pertinentes. Ao identificar alguma questão que 
considere relacionada à alteração de sua saúde e a inter-
prete como um problema, uma pessoa:
 – Pode escolher não fazer nada.
 – Pode tratar-se ela própria.
 – Pode procurar ajuda.
Isso é um processo que tem tempos de desenvolvimento 
individualizados em cada pessoa. Uma pessoa com dor pode 
acorrer imediatamente ao médico ou demorar dias para fazê-lo.
 ƒ A consulta na APS é bem definida para o que se denomina 
“medicina da pessoa inteira”. O médico de família é geral-
mente o primeiro e, com frequência, o único acesso aos 
cuidados de saúde para as pessoas, que podem apresen-
tar-se a ele por uma variedade de razões, repetidamente 
e por um longo período de tempo. Família, amigos e co-
munidade da pessoa são também conhecidos pelo MFC 
pela mesma maneira. Portanto, o MFC pode entender a 
pessoa e a apresentação no contexto da vida dela em sua 
plenitude. Um grande entendimento de quem a pessoa é, e 
o significado do que apresenta pode assim ser alcançado.
 ƒ Médicos de família e as pessoas a quem atende são facil-
mente acessíveis um ao outro, possivelmente durante muitos 
anos. Isso resulta em oportunidade para um tipo de medi-
cina que permite o desenvolvimento de um relacionamen-
to profissional entre pessoas e médicos e proporciona:
 – uma observação estendida entre o médico e a pessoa, per-
mitindo a coleta e o processamento de informação ao lon-
go do tempo, utilizando o conceito de demora permitida;
 – um processo diagnóstico estendido que pode ser desen-
volvido e alterado ao longo do tempo e ao qual podem 
incorporar-se muitos níveis de informação, incluindo 
físico, psicológico e aspectos sociais;
Quadro 13.1
PENSAMENTOS DO MÉDICO E DAS PESSOAS NA CONSULTA
Médico Pessoa
 – “Poderemos nos entender fa-
cilmente e trabalhar juntos?”
 – “Poderemos concordar so-
bre diagnósticos e planos de 
tratamento?”
 – “Esta consulta vai requerer 
mais atenção?”
 – “Será que vou acertar?”
 – “Posso confiar em você?”
 – “Você vai me entender, minhas 
forças, minhas fraquezas, meus 
problemas, minha dor, e minha 
situação única?”
 – “Você vai fazer as perguntas cer-
tas, dar informações adequadas, 
explorar as várias possibilidades?”
 – “Você é competente?”
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 – um cuidado compreensivo, o qual considera necessida-
des físicas, psicológicas e sociais da pessoa, da família, 
do trabalho e da comunidade;
 – a continuidade do cuidado, o qual pode ser iniciado 
pela pessoa e flexibilizar-se para necessidades impre-
vistas, bem como as previstas;
 – o cuidado preventivo, em que cada encontro é uma 
oportunidade para promoção da saúde.
 ƒ A consulta na APS é uma atividade central dentro do sis-
tema de saúde, sendo por meio dela que as pessoas aten-
didas pelo MFC ganham acesso a serviços de saúde mais 
especializados ou de maior complexidade. O MFC, assim, 
tem um papel central para usarem-se adequadamente os 
recursos de saúde. Ele é a primeira linha de contato das 
pessoas com o sistema de saúde, sendo as pessoas e seus 
problemas, ao mesmo tempo, sua maior fonte de satisfação 
e de frustração no trabalho. A consulta da APS é o meio 
pelo qual mais frequentemente se pratica a medicina quer 
para os médicos, quer para as pessoas.
É importante reconhecer essas características e realizar 
o que deve ser parte de uma consulta, pois deixar de ver isso 
no contexto de muitas consultas ao longo do tempo leva a um 
entendimento limitado do processo de cuidar da APS.
Existem numerosas perspectivas e estratégias para reali-
zar uma consulta com sucesso no cenário da APS, mas um dos 
aspectos fundamentais é definir uma metodologia de aborda-
gem que proporcione a garantia de prestar um cuidado ade-
quado e dentro das necessidades da pessoa, da família ou da 
comunidade que se está atendendo.
Independentemente do modelo de abordagem, é essencial 
que o médico, ao atender, tenha consciência das habilidades 
necessárias (Quadro 13.2), principalmente no controle do 
cenário e na organização da consulta. Com isso, transmitirá 
segurança à pessoa que busca ajuda. Uma consulta bem or-
ganizada proporciona condições para as pessoas expressarem 
suas opiniões no tempo disponível e constrói confiança na 
competência do médico em buscar as informações necessárias 
ao processo para chegar a um diagnóstico adequado.
Alguns aspectos são essenciais, e uma consulta bem orga-
nizada é caracterizada, pelo médico:
 ƒ Ter controle de cena: ambiente, tempo, etc.
 ƒ Estimular a pessoa a falar, de forma orientada.
 ƒ Encorajar a pessoa a falar sobre ela e suas percepções.
 ƒ Enfatizar aspectos fortes apresentados ou identificados.
 ƒ Incorporar esse modelo de comportamento expresso nos 
itens anteriores.
Existem três conceitos que devem ser apropriados pelo 
MFC para que a consulta possa ser entendida de modo pleno:
1. A diferença entre conteúdo e processo na consulta.
2. Os papéis dentro da consulta.
3. O método de abordagem centrado na pessoa.
 � O CONTEÚDO E O PROCESSO NA 
CONSULTA
Existe uma distinção básica entre o conteúdo (as tarefas que 
estão focadas em uma consulta) e o processo (os comporta-
mentos que ocorrem em uma consulta). Existem certas tarefas 
que devem ser cumpridas dentro da consulta. Exemplos são 
definir a razão para o atendimento da pessoa e chegar a um 
plano de manejo. Isso é conteúdo.
Mas o modo como a consulta é conduzida (o processo) é muito 
importante e determina a eficácia do encontro. O processo descre-
ve o modo pelo qual o médico e a pessoa comportam-se um com o 
outro, verbalmente e não verbalmente. Pode-se fazer um paralelo 
com o teatro: o conteúdo é o script e o processo é a direção.
Papéis dentro da consulta
A sociedade designou para médicos e pessoas certos papéis 
ou modos de comportar-se. Os médicos receberam poder, au-
toridade e respeito para atender às necessidade das pessoas 
e tomar certas decisões em nome delas. Esse é o modelo pa-
ternalista tradicional: o médico decide e a pessoa cumpre as 
determinações (ou faz de conta que cumpre). Nesse modelo, 
a pessoa tem sido sugestionada a dar essa responsabilidade ao 
médico e a entrar num papel de “doente” ou “dependente”.
Esse modelo de abordagem médica tradicional desconsi-
dera um aspecto essencial na relação interpessoal: a autono-
mia. Com relação à autonomia, pode-se dividir a consulta em 
quatro modelos,5 conforme demonstrado na Tabela 13.1.
Diante das mudanças que ocorreram na sociedade, da faci-
lidade de acesso a informações e da garantia de direitos, houve 
repercussão na relação entre o médico e as pessoas, as quais fo-
ram encorajadas a assumir seu papel no cuidado à saúde e nas 
decisões a serem tomadas de forma participante e parceira.6
Para isso, é essencial que os médicos tomem conhecimen-
to desses papéis e dessas tendências e, em cada encontro com 
as pessoas, determinemos o quanto eles são do melhor inte-
resse para o seu bem-estar e quanto eles são prejudiciais. Às 
vezes, quando a pessoa está muito doente, de forma aguda ou 
grave, pode-se assumir a total responsabilidade pelo cuidado. 
Mas, na maior partedas situações, vendo a consulta como 
o encontro entre duas pessoas, cada qual com suas próprias 
áreas de expertise, focar a consulta nas ideias, nas crenças e 
nas expectativas da pessoa parece ser a opção mais saudável.
Entretanto, conflitos podem surgir entre o médico e as 
pessoas, com base em questões relacionadas a seus valores e 
interesses, e aqueles da comunidade ou Estado. A parceria 
para se estabelecer exige confiança da pessoa no médico. Essa 
confiança e o estabelecimento da parceria implicam crenças:
 ƒ Na pessoa, ao acreditar que o médico vai zelar pela segu-
rança de seu corpo durante a prestação do cuidado;
 ƒ No médico, ao comprometer-se com os melhores interes-
ses para a pessoa;
 ƒ Na competência técnica e na humanidade do médico.
A relação clínica que se estabelece pela consulta represen-
ta valores, como um indicador, do contexto social onde está 
inserida, assim como da evolução dos valores sociais.
Essa influência cultural e suas mudanças repercutem tan-
to ou mais na consulta do que a experiência passada com a 
Quadro 13.2
HABILIDADES ENVOLVIDAS NA CONSULTA EM APS
 – Organizar a consulta
 – Entrevistar
 – Coletar a história
 – Examinar adequadamente
 – Elaborar diagnóstico diferencial
 – Resolver problemas
 – Medicar adequadamente
 – Criar vínculo
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consulta dos envolvidos. Muitas vezes, a empatia é imediata 
e recíproca no primeiro encontro. Em outras, em virtude das 
expectativas, das ansiedades, das defesas, das experiências an-
teriores e dos medos de ambas as partes, o primeiro encontro 
pode não ser muito bom. Em ambos os casos, a continuidade 
pode mudar isso, e muitas vezes inverter essa primeira impres-
são. A pessoa não recebe uma preparação formal sobre como 
“fazer” a consulta. Ela vai construindo isso durante seus con-
tatos com médicos e sistema de saúde. As mulheres desenvol-
vem mais esses aspectos pelos repetidos contatos com os ser-
viços de saúde (problemas ginecológicos, acompanhamento 
dos filhos, do marido, dos pais ou dos sogros, pré-natal, parto, 
etc.), enquanto os homens têm menos contato. Esse “despre-
paro” das pessoas para participar da consulta e exercer o papel 
de especialista em si mesmo pode repercutir no desfecho do 
cuidado e na participação (Quadro 13.3).
O elemento-chave para alcançar êxito na consulta é pre-
servar e melhorar a relação entre o médico e a pessoa, sendo 
esse processo de interação entre ambos fundamental para o 
sucesso do diagnóstico e do tratamento e, possivelmente, o 
aspecto mais terapêutico do encontro para cuidar da saúde.
Hipócrates,* que exerceu uma medicina inteiramente vol-
tada para as pessoas, interessada pelo sofrimento do homem, 
examinava os doentes de forma cuidadosa e conversava com 
eles sobre suas queixas, denotando o quanto valorizava a rela-
ção médico-pessoa. Foi ele o primeiro a nortear os preceitos 
da ética e dessa relação, com citações objetivas:
O médico deverá saber calar-se no momento oportuno [...] deverá 
manter uma fisionomia serena e calma e nunca estar de mau hu-
mor [...]. Deverá dar toda a atenção ao paciente, responder calma-
mente às objeções, não perder a tolerância e manter a serenidade 
diante das dificuldades.
Com isso, Hipócrates enfatizou a necessidade de o médi-
co preparar-se para receber as pessoas em suas necessidades, 
adotando postura cautelosa, tranquilizadora e acolhedora 
* Hipócrates, considerado o pai da Medicina, nasceu na ilha de Cos, 460 
anos a.C., e pertence ao ramo de Cos da família Esculápio (ou Asclepíades) 
por descendência masculina. O termo esculápio é igualmente empregado 
para designar os médicos em geral, na medida em que praticam a arte de 
Esculépio (ou Asclepios), o deus da medicina na época clássica.
frente às fragilidades de cada uma. Hoje, ainda deve-se levar 
em conta os escritos de Hipócrates, mas o profissional pode 
e deve ser mais interativo e, como disse um colega, “pode até 
chorar com as pessoas; só não deve chorar mais que elas”.2
Tradicionalmente, a sociedade autoriza o médico a tomar 
decisões e ter o poder e a autoridade a respeito das necessida-
des da pessoa. Esta, por sua vez, é encorajada a dar essa res-
ponsabilidade ao médico e permanecer no papel de “doente” 
ou “dependente”, pelo menos temporariamente. Há que se 
dosar esse poder chegando a um equilíbrio que possa auxiliar, 
sendo terapêutico.
Para a consulta ser bem-sucedida, o médico e a pessoa de-
vem trabalhar juntos e acordar, dividindo informações a res-
peito das possibilidades e das consequências. A afetividade na 
relação clínica faz a diferença para que a pessoa sinta-se melhor 
e aderida ao tratamento, construindo um vínculo que, ao mes-
mo tempo em que seja técnico, haja a cumplicidade do afeto, o 
que implica desenvolver habilidades apropriadas, ter embasa-
mento teórico e basear-se nas necessidades e nas experiências 
individuais.6
Se, de um lado, existe a pessoa buscando ajuda, com todo 
seu contexto e suas necessidades, do outro, existe o médico, o 
que torna inevitáveis as seguintes dúvidas: como vai sua dis-
ponibilidade e sua disposição? Quais são suas concepções? Seu 
desejo de empatia? De que tempo dispõe? Que pressão sofre da 
demanda que o espera para o atendimento? Como vai a sua vida 
pessoal? Como vai a sua formação contínua, seu estudo e o seu 
trabalho? Qual a recordação de experiência passada idêntica à 
que tem na sua frente? Ou seja, é fundamental cruzar os aspec-
tos subjetivos do médico e da pessoa para que ambos come-
cem a sentir a atuação mais humanizada, com o reconheci-
mento das emoções e uma prática autorreflexiva.7
O médico de família e comunidade também precisa levar 
em conta que, por cuidar de membros de uma família, torna-
-se parte do complexo de relacionamentos familiares. Sofre-se 
constante influência pelas emoções vivenciadas. As pessoas só 
vão encontrar respostas aos seus apelos se permitirem a apro-
ximação do médico. Então, é por meio do afeto e de uma abor-
dagem centrada na pessoa que se pode dar respostas.
Observando outras consultas, é possível começar a refletir 
sobre como tornar a consulta mais efetiva. Observar suas con-
sultas por gravações é outra maneira.
Tabela 13.1
MODELOS DE ABORDAGEM MÉDICA
Informativo Interpretativo Deliberativo Paternalista
Valores da pessoa Definidos, fixos e conheci-
dos pela pessoa
Rudimentares e conflitantes; re-
quer esclarecimentos
Abertos para desenvolvimento e re-
visão mediante discussão moral
Objetivo e compartilhado 
pela pessoa e pelo médico
Obrigações do médico Providenciar informações 
factuais importantes e im-
plementar as intervenções 
selecionadas pela pessoa
Esclarecer e interpretar valores re-
levantes para a pessoa, bem como 
informar a pessoa e implementar a 
intervenção escolhida por ela
Articular e persuadir a pessoa dos 
mais admiráveis valores, bem como 
informar a pessoa e implementar a 
intervenção escolhida por ela
Promover o bem-estar da 
pessoa independentemen-
te de suas preferências ou 
escolhas
Concepção de autono-
mia da pessoa
Escolha e controle total so-
bre o cuidado médico
Autoentendimento relevante para 
o cuidado médico
Autodesenvolvimento moral rele-
vante para o cuidado médico
Assentir para valores obje-
tivos
Concepção do papel 
do médico
Especialista competente 
tecnicamente
Conselheiro ou orientador Amigo ou professor Guardião
Fonte: Emanuel e Emanuel.5
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O método clínico centrado napessoa
Existem vários modelos de abordagem à consulta, todos se 
apresentam com seus pontos fortes e suas limitações. Também 
existem diversas sistematizações da consulta em etapas para 
um melhor desempenho e resultado.
Mas considera-se que a consulta na prática do MFC apre-
senta características específicas relacionadas à continuidade e 
à longitudinalidade do cuidado que, de certa forma, inviabili-
zam uma consulta passo a passo. Pode-se dizer que a consulta 
é “rizomática”, pois, a partir do momento em que a pessoa e 
o médico fazem contato, ela pode tomar caminho diverso da-
quele que havia sido planejado ou esperado. Por exemplo, ao 
chamar uma pessoa, o médico pode ser surpreendido por ela 
entrar na sala já mostrando lesões de pele. Ou pode sentar e 
iniciar a chorar. Ou pode dizer que não quer conversar, apenas 
renovar sua medicação. Portanto, mais do que uma sequência, 
é importante ao MFC incorporar um método que assegure 
que suas atitudes serão na busca do melhor cuidado à pessoa 
que está consultando. E não apenas uma sequência.
Considera-se que o método que engloba e sistematiza os di-
versos aspectos positivos das diferentes formas de abordagem aos 
problemas de saúde é o método da abordagem centrado na pes-
soa,6 o qual utiliza-se como proposta metodológica para que uma 
consulta atenda às necessidades e às expectativas de médicos e 
pessoas, abrindo caminho para uma consulta adequada em APS.
O método clínico de abordagem centrado na pessoa tem 
seis componentes:
1. Explorar a doença e a experiência da pessoa em estar 
doente.
2. Entender a pessoa como um todo, inteira.
3. Elaborar um projeto comum ao médico e à pessoa para 
manejar os problemas.
4. Incorporar prevenção e promoção da saúde na prática diária.
5. Intensificar a relação médico-pessoa.
6. Ser realista.
Os seis componentes do método de abordagem centrado 
na pessoa são apresentados de forma separada, mas, na práti-
ca, estão estreitamente interligados, conforme representado no 
diagrama da Figura 13.1. O médico habilidoso deve mover-se 
com empenho para frente e para trás entre os seis componentes, 
seguindo as “deixas” ou “dicas” da pessoa. Essa técnica “de ir e 
vir” é o conceito-chave para utilizar e ensinar o método da abor-
dagem centrado na pessoa, e ela requer prática e experiência.
Como já falado, a consulta tem vários objetivos, etapas, 
tarefas, que estão sistematizados nos componentes da abor-
dagem centrada na pessoa, os quais vamos agora descrever, 
relacionando com a prática.
1o Componente
Explorando a doença e a experiência da pessoa 
com a doença
Uma determinada doença (disease) é o que todos com essa 
patologia têm em comum, mas a experiência sobre a doença 
(illness) de cada pessoa é única.
William Osler
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la hoje?”
Quadro 13.3
ORIENTAÇÕES PARA DIMINUIR DIFICULDADES DE RELACIONAMENTO
Médicos Pessoas
Onde os médicos erram O que fazer Onde as pessoas erram O que fazer
 – Pressupor que a pessoa não 
vai entender as explicações
 – Mentir ou omitir informa-
ções para poupar a pessoa 
sem que ela tenha manifes-
tado vontade de não saber
 – Confundir persuasão com 
coerção. Ameaçar de mor-
te não é a melhor forma de 
convencer de que um trata-
mento é melhor que outro
 – Sentir-se ofendido se a pes-
soa manifesta desejo de ou-
vir outras opiniões
 – Impor à pessoa apenas uma 
possibilidade de tratamen-
to, quando existem outras 
opções
 – Ser paciente e explicar quantas vezes for ne-
cessário. A pessoa não é obrigada a saber tudo 
sobre a doença, mas precisa entender o básico 
para tomar decisões
 – Evitar muitas informações
 – Falar sempre francamente, usando bom senso 
para perceber o que a pessoa está preparada 
para escutar
 – Ser cordial. Falar com a pessoa e escutar o que 
ela tem a dizer
 – Usar linguagem adequada, que possa ser en-
tendida facilmente sem ser formal ou coloquial 
demais. Escrever
 – Deixar em aberto a possibilidade de a pessoa 
buscar a opinião de outros profissionais
 – Saber respeitar as decisões da pessoa, mesmo 
que contrariem o que você acha melhor para ela
 – Caso se sinta constrangido, comunicar à pessoa 
e discutir a possibilidade de encaminhá-lo a ou-
tro profissional
 – Achar que o médico tem poder de 
curar tudo
 – Exigir garantias de que tudo vai 
dar certo
 – Insistir no tratamento mesmo 
quando a confiança no médico e 
a relação com ele estão abaladas
 – Chegar à consulta já com precon-
ceitos ou desconfiança no médico
 – Ser agressivo e culpar o médico 
pelo diagnóstico ou por coisas 
ruins que estão acontecendo
 – Ocultar do médico o desejo de 
procurar outros profissionais
 – Mentir sobre medicações que 
toma ou exames realizados
 – Tirar conclusões precipitadas so-
bre resultados de exames sem 
discutir com o médico
 – Buscar profissionais referen-
ciados
 – Informar-se sobre a experiên-
cia do médico
 – Caso não se sinta à vontade 
com o médico, procurar outro
 – Anotar dúvidas antes e após 
cada consulta
 – Exigir ver o resultado de exa-
mes. Não tirar conclusões pre-
cipitadas. Tirar dúvidas
 – Se duvidar do diagnóstico, 
pedir ao médico confirmação
 – Estar consciente de que a me-
dicina é inexata. Sempre po-
dem ocorrer imprevistos
 – Conversar com o médico, mas 
ter sempre a decisão final
Fonte: McWhinney.7
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Dona Rosa: “Doutor, vim consultar, pois tenho me sentido muito 
mal, sem forças, não consigo realizar as atividades de casa. Desânimo 
total. Meu marido e meus filhos estão reclamando que não sou mais 
a mesma. Acho que é a menopausa chegando, doutor. Ou será que é 
algo mais grave? Minha vizinha começou assim e estava com câncer. 
Quem sabe preciso fazer uns exames? Não posso ficar assim.”
Esse primeiro componente envolve o entendimento pelo 
médico de dois conceitos de saúde-doença com as pessoas: di-
sease e illness (Figura 13.2). Esses conceitos são fundamentais 
para definição do lócus da atenção dispensada à pessoa acome-
tida por uma patologia. Será adotada a interpretação que con-
sidera disease = doença, e illness = experiência com a doença.
A prestação de um cuidado efetivo requer assistência 
tanto para as doenças que acometem a pessoa quanto para 
a experiência da pessoa com essas doenças. O método médi-
co convencional identifica a doença, mas o entendimento da 
experiência com a doença requer uma abordagem adicional. 
O método clínico centrado na pessoa tem seu foco na doença 
e nas quatro principais dimensões da experiência da pessoa 
com a doença:
1. Suas ideias sobre o que está errado com ela:
“Acho que é a menopausa chegando, doutor.”
2. Seus sentimentos, principalmente medos sobre estar 
doente:
“Ou será que é algo mais grave? Minha vizinha começou assim e 
estava com câncer.”
3. O impacto de seus problemas na ocupação:
“Não consigo realizar as atividades de casa. Meu marido e meus 
filhos estão reclamando que não sou mais a mesma.”
1 – Explorando a doença e a experiência da pessoa
com a doença
2 – Entendendo a pessoa como um todo
Doença Pessoa
Experiência
da doença
Contexto próximo
Contexto distante
Dicas e movimentos
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• História
• Exame clínico
• Investigação
• Sentimentos
• Expectativas
• Ideias
• Função
3 – Elaborando
projeto comum
de manejo dos
problemas
– Problemas
– Objetivos
– Papéis
Decisões
conjuntas!
• Tempo e timing
• Equipe: construir e
trabalhar
• Uso adequado dos
recursos disponíveis
4 – Incorporando prevenção
epromoção à saúde
– Melhorias da saúde
– Evitar riscos
– Redução de riscos
– Identificação precoce
– Redução de complicações
6 – Sendo realista
5 – Intensificando a relação médico-pessoa
� Figura 13.1
O método clínico de abordagem 
centrada na pessoa.6
� Figura 13.2
A doença e a experiência da pessoa 
com a doença.
Fonte: Adaptada de Stewart.6
A doença e a experiência da doença
Experiência da doença
(illness):
É a experiência pessoal e subjetiva da pessoa;
os sentimentos, pensamentos, e alteração
do comportamento de alguém que se
sente doente.
Experiência da doença
(única)
Sinais,
sintomas,
exames
Sofrimento
(queixas)
 Pessoa doente
Doença (disease):
É uma construção teórica pela qual se
busca explicar os problemas das
pessoas em termos de anormalidades
de estrutura e/ou função de orgãos e
sistemas. Inclui físicas e mentais.
Doença processo
(comum a todos)
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4. Suas expectativas sobre o que deve ser feito:
“Quem sabe preciso fazer uns exames?”
A chave para essa abordagem é prestar atenção em “dicas” 
da pessoa relacionadas a esses aspectos. O objetivo é seguir a 
condução de quem consulta para entender a experiência do seu 
ponto de vista. Isso requer habilidade do médico ao entrevistar, 
obtendo informações que o capacitem a “entrar no mundo de 
quem busca ajuda”. Um exemplo de que isso não foi alcançado 
no decorrer da consulta é o “comentário da maçaneta” (quando 
a pessoa, ao final da consulta, diz algo como: “Ah! Doutor, tem 
mais uma coisa que eu ia esquecendo:...”), significando que o mé-
dico perdeu as dicas iniciais ou que a pessoa finalmente reuniu 
coragem para falar de um assunto difícil antes que fosse tarde.
Muitas pessoas com problemas assintomáticos não se sentem 
doentes e não aceitam ajuda ou não seguem o tratamento, como 
ocorre com frequência na hipertensão e no diabetes. Por outro 
lado, há pessoas que, preocupadas com a possibilidade de ter al-
gum problema, podem se sentir doentes sem ter doença alguma 
e buscam realizar exames ou mesmo tratamentos. Em função 
desses dois aspectos, pessoas e médicos que reconhecem essas 
situações, que conseguem ver a diferença e perceber o quanto 
isso é comum, estão menos propensos a buscar desnecessaria-
mente uma doença, a realizar prevenção em excesso ou a tratar 
pré-doenças (disease mongering). Embora presente, uma doença 
pode não explicar de modo adequado o sofrimento que traz, uma 
vez que a quantidade de aflição que a pessoa experimenta refere-
-se não só a repercussões orgânicas, mas principalmente ao sig-
nificado pessoal da experiência da doença. Então, o médico deve 
obter de quem está doente a resposta a estas perguntas:
 ƒ O que mais está preocupando você?
 ƒ Quanto o que você está sentindo afeta sua vida?
 ƒ O que você pensa sobre isso?
 ƒ Quanto você acredita que eu posso ajudar?
A partir das respostas às perguntas anteriores, evitam-se 
as interações típicas centradas na doença, nas quais o médi-
co tem como primeira tarefa fazer o diagnóstico, atendendo 
a “voz da medicina”, em geral, não ouvindo a pessoa sobre 
suas próprias tentativas de dar sentido ao seu sofrimento. Ao 
contrário do que se observa na interação centrada na doença, 
é necessária uma abordagem na qual o médico dê prioridade 
para a pessoa expor seu modo de vida como base para enten-
der, diagnosticar e tratar os problemas.
A história de uma doença é, antes de mais nada, a história 
da pessoa, tendo como protagonistas o corpo e a pessoa. Com 
habilidades adequadas na consulta, é possível separar os dados 
que falam, de um lado, e um funcionamento corporal disfun-
cional fisiopatológico que leva ao diagnóstico, de outro. Para 
fazer isso, as informações sobre a disfunção do corpo devem 
ser separadas daquelas que têm significados pessoais, os quais 
darão ao médico a oportunidade de conhecer quem a pessoa é.6
Pode-se dizer que as razões para uma pessoa ir ao médi-
co costumam ser mais importantes que o diagnóstico, o qual 
frequentemente é óbvio ou já é conhecido por contatos ante-
riores. A razão pode estar vinculada aos estágios que repre-
sentam a experiência com a doença – a preocupação, a desor-
ganização e a reorganização –, aos quais deve-se estar atentos.
Para compreender a experiência com a doença, é funda-
mental, durante a consulta, o médico estar atento a “dicas e 
movimentos”, que geralmente a pessoa manifesta sobre as ra-
zões pelas quais está indo ao médico naquele momento. Tais 
sinais podem ser verbais ou não verbais e podem ser represen-
tados por expressões, emoções, sentimentos, gestos para en-
tender ou explicar sintomas, dicas que enfatizam preocupa-
ções particulares da pessoa, histórias pessoais que relacionam 
a pessoa a condições médicas ou de risco, comportamento 
sugestivo de preocupações não resolvidas ou de expectativas.
Uma consulta pode ter um bom início com perguntas 
abertas, como:
 ƒ Em que posso ajudá-lo(a)?
 ƒ O que trouxe você aqui hoje?
 ƒ O que motivou esta consulta?
Partindo de uma pergunta aberta e deixando a pessoa fa-
lar sem interrupções por cerca de 2 minutos, obtém-se a quase 
totalidade das informações necessárias para manejar o proble-
ma que a trouxe para consultar. Depois, pode-se complemen-
tar as informações com as perguntas objetivas que forem ne-
cessárias, sem que se esqueça de avaliar as quatro dimensões 
da experiência com a doença: sentimentos, ideias da pessoa 
sobre o que está errado com ela, efeito da doença sobre o fun-
cionamento da pessoa e suas expectativas.
“O oposto de falar não é escutar. O oposto de falar é esperar.”
Franz Lebovitz
Permitir à pessoa recontar a história de sua doença pode 
expandir o foco da consulta incluindo a experiência da pessoa 
com a doença, levando a um resultado mais rico, significativo 
e produtivo. Em geral, os médicos interrompem precocemente 
as pessoas, o que representa uma falha no “ir e vir”.
Ao explorar a doença e a experiência da pessoa com a doença, 
não deve-se deixar de lado a realização qualificada de aspectos 
fundamentais da abordagem médica (anamnese e exame clí-
nico) para chegar ao diagnóstico, prescrever medicamentos e 
requisitar exames, mas simultaneamente deve-se levar em con-
sideração como a doença está afetando aquela pessoa em par-
ticular e, a partir disso, construir um entendimento integrado.
2o Componente
Entendendo a pessoa como um todo, inteira
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la hoje?”
Dona Rosa: “Olha, doutor, estou um pouco melhor dos sintomas 
da menopausa, mas sabe o que é? Não tenho dormido bem, ando 
esquecida, vivo suspirando.”
Dr. Mário (usando o conhecimento prévio sobre dona Rosa): 
“Bem, dona Rosa, se a menopausa vai bem, que outras questões 
estão lhe tirando o sono e causando suspiros?”
Dona Rosa: “Pois é, doutor, coisas da vida: filhos, marido, a vio-
lência que nos cerca.”
Dr. Mário: “Então, vamos falar sobre cada uma dessas questões.”
O segundo componente é um entendimento integrado da 
pessoa inteira, resultando das informações que, ao longo do tem-
po, o médico acumula sobre aqueles que atende, significando que 
vai além de diagnosticar doenças ou assistir resposta a doenças.
O médico de família e comunidade começa a conhecer a 
pessoa inteira e sua experiência com a doença em um contexto 
de sua vida e em um estágio de desenvolvimento pessoal. Seu 
conhecimento da pessoa deve incluir a família, o trabalho, as 
crenças e as vivências nas várias etapas que compõem o ciclo vi-
tal individual e familiar. Muitas vezes, essas informações são ob-
tidas antes mesmo de a pessoa adoecer, pelo contato em função 
das demaispessoas da família ou das atividades na comunidade.
Um médico que entende a pessoa inteira pode reconhecer 
o protagonismo da família em melhorar, agravar ou mesmo 
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causar doenças em seus membros, sabe que doenças graves em 
um membro da família reverberam por todo o sistema familiar 
e que as crenças culturais e as atitudes da pessoa também in-
fluenciam em seu cuidado.
Entender a pessoa como um todo pode ajudar o médico a 
aumentar sua interação com ela em períodos específicos do ciclo 
de vida, ajudando-o a compreender sinais e sintomas pouco de-
finidos ou reações exageradas e fora de contexto. Para conhecer 
a pessoa inteira, é necessário compreender o desenvolvimento 
individual, saber o que é um desenvolvimento saudável e saber 
que a formação da personalidade surge como resultado do modo 
como cada fase do desenvolvimento acontece. É fundamental, 
ainda, ter consciência de que as fases do desenvolvimento afe-
tam a vida das pessoas. Para isso, ao atender alguém, é preciso 
saber a posição em que a pessoa se encontra no ciclo de vida, as 
tarefas que ela assume e o(s) papel(éis) que desempenha.
A pessoa estar doente é apenas uma dimensão dos papéis 
que ela desempenha ao longo da vida, portanto, é um recurso 
reduzido para entender a experiência da doença e o sofrimento.
Fonte de informações ou abordagem familiar é utilizar ou-
tras pessoas da família para prestar informações e auxiliar no 
cuidado, pois cerca de um terço das pessoas vai acompanhada às 
consultas. Isso é especialmente importante nas situações que en-
volvem doença mental, doenças crônicas e sintomas medicamente 
inexplicáveis. O acompanhante, com frequência, é visto como um 
dificultador, cabendo ao médico de família e comunidade desen-
volver e incorporar habilidades para utilizá-lo adequadamente ou 
dispensá-lo se for mais conveniente. Assim, para entender a pes-
soa como um todo, deve-se obter respostas para perguntas como:
 ƒ Que tipos de doenças existem na família?
 ƒ Em que ponto do ciclo vital familiar está a família?
 ƒ Em que ponto do desenvolvimento individual está a pessoa?
 ƒ Quais as tarefas da família e da pessoa nessa etapa do ci-
clo de vida?
 ƒ Existem pendências das etapas anteriores?
 ƒ Como a doença afeta as tarefas dos integrantes da família?
 ƒ Como a família experienciou doenças anteriormente?
A elaboração do genograma familiar como instrumento 
de conhecimento, interpretação e intervenção é fundamental. 
Mais dados sobre abordagem familiar podem ser obtidos no 
Capítulo 26. A partir das informações familiares, associadas a 
outras, comunitárias ou profissionais, pode-se estabelecer os 
diferentes contextos em que a pessoa vive, e considerar fatores 
dos diversos cenários é uma marca registrada da abordagem 
centrada na pessoa. O contexto pode ser dividido em próximo 
(envolvendo família, previdência, educação, emprego, lazer e 
apoio social) ou distante (envolve comunidade, cultura, situa-
ção econômica, sistema de saúde e geografia).
Com um entendimento da pessoa como um todo, o médi-
co tem possibilidades de romper com a abordagem tradicio-
nal, fazendo com que a doença deixe de ser vista como uma 
entidade específica com uma existência separada de quem a 
sofre, desenvolvendo uma visão ampla, na qual o importante 
é entender os múltiplos fatores relacionados ao adoecer e suas 
relações com a experiência da doença, fazendo o diagnóstico 
da pessoa e instituindo uma abordagem terapêutica multifato-
rial e interdisciplinar.
3o Componente
Elaborando um projeto comum ao médico e à 
pessoa para manejar os problemas
Escolhas finais pertencem às pessoas, mas essas escolhas ganham 
significado, riqueza e precisão se elas são resultado de um processo 
de mútua influência e entendimento entre médico e pessoa.6
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la 
hoje?”
Dona Rosa: “Bem, lembra da nossa última conversa?”
Dr. Mário: “Claro que sim, falamos das suas preocupações, e você 
ficou de pensar se gostaria ou não de usar alguma medicação, por 
algum tempo, para ficar menos ansiosa.”
Dona Rosa: “Isso mesmo, e minha resposta é...”.
Esse terceiro componente da abordagem centrada na pes-
soa é o compromisso mútuo de encontrar um projeto comum 
para tratar dos problemas. É importante em qualquer situa-
ção, mas torna-se fundamental como ferramenta para realizar 
um manejo de sucesso às pessoas com doenças crônicas, de-
senvolvendo intervenção terapêutica.
Desenvolver um plano efetivo de manejo requer do mé-
dico e da pessoa a busca pela concordância em três áreas 
principais:
1. A natureza dos problemas e o estabelecimento das priori-
dades.
2. Definição dos objetivos do tratamento.
3. Caracterização dos papéis do médico e da pessoa.
A natureza dos problemas e o estabelecimento das 
prioridades
Com frequência, os médicos e as pessoas doentes têm pon-
tos de vista divergentes em cada uma dessas áreas, e a busca 
de uma solução não envolve apenas barganha e negociação, 
mas um movimento para conciliar opiniões ou achar terreno 
comum, devendo o médico incorporar ideias, sentimentos, ex-
pectativas e ocupação da pessoa ao planejar o manejo da situa-
ção. O processo deve responder às seguintes questões:
 ƒ Qual vai ser o envolvimento da pessoa no plano terapêutico?
 ƒ Quão realista é o plano no que se refere à percepção da 
pessoa de sua doença e qual a experiência com sua doença?
 ƒ Quais são os desejos da pessoa e sua disposição para lidar 
com o problema?
 ƒ Como cada parte (médico e pessoa) define seus papéis na 
interação?
Em geral, os médicos falham na busca de um plano de in-
tervenção conjunto, e esse aspecto da abordagem centrada na 
pessoa é essencial para evitar mal-entendidos sobre medica-
ção e para redução de exames e de encaminhamentos, bem 
como para promover a aderência ao tratamento.
Definir o problema a ser manejado, por meio de um diag-
nóstico ou da tranquilização, é essencial, pois ter entendimen-
to ou explicação sobre sintomas físicos ou emocionais preo-
cupantes é uma necessidade humana fundamental. Dar uma 
denominação (nome, rótulo, designação) para o problema que 
a pessoa está enfrentando é importante, pois:
 ƒ Ajuda a pessoa a entender a causa;
 ƒ Fornece uma ideia do que esperar em termos de evolução 
do problema;
 ƒ Permite dar informações sobre o prognóstico.
As pessoas costumam formular uma hipótese sobre o que 
têm antes de apresentarem-se ao médico e constroem seu mode-
lo explicativo. Assim, cabe ao médico validá-lo ou não e para ex-
plicar o problema e o manejo recomendado de forma consistente 
com o ponto de vista da pessoa de modo que faça sentido nas pa-
lavras dela, que ela entenda e concorde com as recomendações.
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Definição dos objetivos do tratamento
As dificuldades na relação surgem quando o médico e a pes-
soa têm ideias diferentes sobre o problema, ou as prioridades 
são diferentes. Ou ainda, a pessoa exerce sua autonomia de 
forma negativa em relação às necessidades de cuidado. Por 
exemplo, o médico diagnostica hipertensão arterial sistêmica, 
mas a pessoa atribui os níveis tensionais elevados ao fato de 
estar apressada ou trabalhando muito, ou a pessoa não adere 
ao tratamento. Nesse processo de entendimento e de definição 
do problema, o médico deve evitar jargões e termos científicos 
e estimular a pessoa a perguntar.
É importante o médico ter cuidado para definir o momen-
to de determinar o manejo. Paraisso, algumas questões devem 
ser observadas:6
 ƒ Buscar o momento adequado:
 – “Você poderia me ajudar a entender o que nós podería-
mos fazer juntos para colocar seu diabetes sob controle?”
 ƒ Encorajar a participação:
 – “Eu estou interessado no seu ponto de vista, especial-
mente, porque você é o único que vai viver com nossas 
decisões sobre os tratamentos.”
 ƒ Clarear a concordância da pessoa:
 – “Você vê alguma dificuldade em fazer isso?”
 – “Você precisa de mais tempo para pensar sobre isso?”
 – “Existe algo que você gostaria de falar sobre esse tra-
tamento?”
 – “Muitas pessoas têm dificuldade em lembrar de tomar 
medicações. Quanto você costuma esquecer de tomar 
seus remédios para a pressão?”
 – “Você não está indo tão bem como eu esperava, e eu 
estou querendo saber se há algum problema com a me-
dicação que eu não consigo explicar?”
 ƒ A não aderência pode ser a expressão da discordância so-
bre os objetivos do tratamento. Quando alternativas ou 
opções do médico e da pessoa para o enfrentamento da 
situação são igualmente efetivos, em geral, não existem di-
lemas no processo de estabelecimento do manejo por par-
te do médico. As dificuldades surgem quando a escolha da 
pessoa recai sobre um tratamento que o médico considera 
menos eficaz ou mesmo inadequado, ou quando ela não 
adere ao tratamento proposto. A primeira tarefa para o 
médico é suspeitar que uma pessoa é “não aderente”, pen-
sando em “não aderência”, quando:
 – esquece suas consultas ou abandona o cuidado;
 – é incapaz de falar corretamente como toma os medica-
mentos (p. ex., tem que olhar no frasco);
 – apresenta frasco com mais comprimidos que o esperado;
 – há falta de resposta clínica esperada para uma inter-
venção terapêutica;
 – o nível da medicação está abaixo do esperado para a 
dose de medicação prescrita;
 – há ausência de um efeito esperado com o uso da me-
dicação para uma dose dada (p. ex., pulso rápido com 
uma alta dose de β-bloqueador);
 – há situações de alcoolismo, outro abuso de substâncias 
ou doença psiquiátrica.
Caracterização dos papéis do médico e da pessoa
Pode-se dizer que costumam ocorrer problemas na definição 
dos papéis entre o médico e a pessoa quando:
 ƒ a pessoa está buscando por um médico especialista que 
lhe diga o que está errado e o que ela deve fazer; o mé-
dico, por outro lado, deseja uma relação mais igualitária, 
na qual ele e a pessoa compartilhem a tomada de decisão;
 ƒ a pessoa deseja uma relação paternalista na qual o médico 
faça por ela o que os próprios pais não fizeram; o médico, 
por sua vez, deseja ser um cientista biomédico que possa 
aplicar as descobertas da medicina moderna aos proble-
mas das pessoas;
 ƒ a pessoa busca apenas assistência técnica do médico; o 
médico, entretanto, aprecia uma abordagem holística e 
deseja conhecer a pessoa como um todo.
Ao praticar uma abordagem centrada na pessoa, o médico 
deve ser flexível com relação à abordagem que a pessoa busca 
ou da qual ela necessita, observando os aspectos culturais, o tipo 
de problema e o perfil da pessoa. A participação da pessoa na 
tomada de decisão irá variar, dependendo de suas capacidades 
emocionais e físicas, e o médico deve adaptar-se a cada situação.
O trabalho em equipe é outro aspecto importante a ser 
considerado, pois, quando a pessoa está recebendo cuidado de 
múltiplos profissionais de saúde, ela pode assumir diferentes 
papéis e relacionamentos com cada um desses profissionais.
A partir da contemplação dessas três áreas, o médico e a 
pessoa adquirem a capacidade de tomar decisões conjuntas, 
que caracteriza o terceiro componente.
O processo de estabelecer o projeto ou o manejo conjunto 
envolve estratégias, tais como o médico definir e descrever o 
problema:
 ƒ “Você tem uma amigdalite.”
 ƒ “Existem possibilidades de seus sintomas serem..., e o que 
nós vamos necessitar fazer é...”
Proporcionando espaço para a pessoa e fazer perguntas, 
como: “O que você pensa sobre isso?”. Diante de respostas 
como: “Eu não sei. Você é o médico...”, o médico deve respon-
der: “Sim, e vou dar a você informações e minha opinião, mas 
suas ideias e seus desejos são importantes para fazer nosso 
plano conjuntamente”.
Ao final, o médico deve sumarizar, para confirmar o en-
tendimento, o plano e os papéis. Quando as divergências são 
grandes, pode-se utilizar a grade a seguir, preenchendo-a con-
juntamente, pois essa visualização permite um trabalho me-
lhor na busca do manejo conjunto.
GRADE PARA DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS
Tema Pessoa Médico/outros
Problemas
Objetivos
Regras
4o Componente
Incorporando prevenção e promoção da saúde 
na prática diária
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la hoje?”
Dona Rosa: “Bem, vim para dizer que estou mais calma, que as 
coisas em casa estão se encaminhando.”
Dr. Mário: “Ótimo, que bom que estás mais tranquila. Vamos 
aproveitar tua vinda e verificar o que podemos fazer em termos 
de prevenção”.
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A implementação do quarto componente da abordagem 
centrada na pessoa busca incorporar prevenção e promoção da 
saúde no dia-a-dia da prática médica. A prevenção da doença 
requer um esforço colaborativo por parte da pessoa e do médi-
co. Encontrar um projeto comum dentre as múltiplas possibili-
dades para prevenção de doenças e promoção da saúde torna-
-se um componente importante de cada contato ou consulta.
Aplicar o método clínico centrado na pessoa está de acor-
do com a definição de promoção da saúde da Organização 
Mundial da Saúde (OMS), que através da Carta de Otawa 
(1986) o considera “como o processo de capacitar pessoas 
para controlar e melhorar sua saúde”. A incorporação de pre-
venção e promoção da saúde tem como objetivos principais:
 ƒ melhorar a saúde;
 ƒ reduzir riscos;
 ƒ detectar precocemente a doença;
 ƒ diminuir os efeitos da doença;
 ƒ evitar intervenções e procedimentos desnecessários ou de 
risco.
A prevenção e a promoção da saúde requerem continuida-
de e cuidado abrangente como a filosofia por trás da prática. 
É necessário utilizar protocolos para prevenção e promoção 
apoiados por um sistema de registro eficaz, fundamentados na 
literatura médica; saber delegar atividades à equipe; utilizar 
recursos da rede de assistência familiar e comunitária e, prin-
cipalmente, desenvolver um esforço colaborativo por parte do 
médico e da pessoa para que cada visita seja uma oportunida-
de de prevenção e promoção da saúde.
5o Componente
Intensificando a relação médico-pessoa
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la hoje?”
Dona Rosa: “Dr., hoje vim para conversar mais sobre a menopausa 
e alguma dúvidas que tenho. Sabe com são conversas de coma-
dres, não é?”
Dr. Mário: “Sei bem como são essas conversas, comadres sabem 
de tudo um pouco”.
Dona Rosa: “Pois é, colocam um monte de ideias na cabeça da 
gente.”
Dr. Mário: “Mas que bom que vieste falar, e vejo que trouxeste 
uma lista com as dúvidas, o que facilita nosso trabalho. Vamos lá, 
por onde queres começar?”
O médico de família quando vê a mesma pessoa, ao longo 
do tempo, com uma variedade de problemas, adquire um con-
siderável conhecimento sobre ela e seu histórico, o que pode 
ser útil no manejo de problemas futuros.
Um dos desafios da prática do MFC é que cada visita possa 
se revelar uma surpresa, com apresentação de motivos ou quei-
xas não esperados. A cada visita, no contexto da continuidade 
do cuidado, o médico esforça-se para construir um relaciona-
mento com cada pessoa como base para um trabalho conjunto 
e para explorar o potencialcurativo da relação médico-pessoa.
O médico deve reconhecer que diferentes pessoas reque-
rem diferentes abordagens, as quais variam de acordo com 
idade, gênero, problema, estado emocional, etc. Ele deve agir 
de uma variedade de modos para alcançar as diferentes ne-
cessidades de quem busca ajuda, “caminhando com” a pessoa 
e colocando a si mesmo e seu relacionamento a trabalhar para 
mobilizar as forças da pessoa com propósitos curativos. Para 
tanto, o médico deve ter conhecimento sobre:
 ƒ Quais são as características do relacionamento terapêutico.
 ƒ Como compartilhar o poder.
 ƒ Como estabelecer um relacionamento saudável e interessado.
 ƒ Desenvolver o autoconhecimento.
 ƒ Reconhecer e utilizar a transferência e contratransferência.
As pessoas quando consultam esperam que o médico de-
monstre segurança e controle (não confundir com paterna-
lismo e centrado no médico), atuando tecnicamente, o que 
transmite e proporciona confiança no profissional. O tempo 
pode e deve ser administrado conforme a necessidade da pes-
soa e nossa disponibilidade. Um dos recursos é utilizar a es-
cuta ativa, primeiro demonstrando que estamos interessados 
na pessoa e seus problemas, o que pode ser desenvolvido com 
contato visual, sorriso e acenos de cabeça; depois ouvir a pes-
soa durante pelo menos dois minutos sem interromper é sufi-
ciente para que fale o essencial; e a partir daí assumimos com 
a escuta ativa: ouvir mas direcionando para o que desejamos 
e precisamos fazer. Para isso, podemos utilizar frases como:
 ƒ “Isso é importante, podemos voltar a esse assunto depois, 
mas agora preciso fazer algumas perguntas…”
 ƒ “Certo, entendo… mas gostaria de esclarecer melhor “tal 
aspecto”…
 ƒ “Vejo que você gosta de conversar, mas agora preciso que 
me ajude sobre…”
 ƒ “Vejo que você gosta de conversar… mas agora preciso 
que respondas a perguntas. Vou te interromper às ve-
zes para que eu possa entender o que está acontecendo 
contigo”.
 ƒ “Olha, preciso de tua ajuda… Por uma dificuldade minha 
não estou conseguindo manter a atenção. Podes me ajudar, 
tentando ser um pouco mais objetivo?” (Na pessoa que é 
sempre assim podemos avisá-la antes: “Hoje dispomos de 
X tempo para trabalhar nos teus problemas”.)
Consultas longas podem não ser produtivas, principalmen-
te se geram desconforto e ansiedade no profissional. Quando 
já temos vínculo, podemos notificar a pessoa das dificuldades 
em atendê-la: “Puxa vida, dona Fulana, a Senhora é boa de 
conversa! Mas agora preciso que me ajudes com algumas res-
postas…” OU …“Acabou seu tempo por hoje… vamos ter que 
continuar outro dia”. Às vezes temos que fazer anamnese num 
dia, o restante da consulta em outro, desde que haja “demora 
permitida”, ou seja, não exista risco de vida: “Olha, seu caso é 
complicado. Vamos ter que parar por hoje. Preciso que voltes 
amanhã para continuarmos a consulta”.
Mesmo as consultas de pessoas com problemas emocionais 
devem ter um limite de tempo, senão as consultas perdem a 
intensidade e podem ser ineficazes na sua função terapêutica.
Uma das dúvidas sobre o escrever: Durante a anamnese 
ou depois? Pode-se escrever durante ou depois, ficando a cri-
tério do profissional o que lhe for mais confortável (é impor-
tante avaliar como a pessoa reage). Às vezes, temos que dizer 
à pessoa atendida que vamos ouvi-la e ir fazendo anotações, 
informando-a de que ela pode seguir falando. Do contrário, 
fica um “ditado”. O melhor é fazer algumas anotações durante 
a consulta, sem perder contato visual ou demonstração de in-
teresse pela pessoa, e concluir ao final.
O tempo de uma consulta na APS, levando-se em consi-
deração princípios como continuidade e vínculo, depende das 
demandas trazidas, mas em geral fica em torno de 15 minutos. 
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O profissional tem que aprender a administrar seu tempo. Al-
gumas consultas podem levar minutos, outras mais tempo. O 
recurso de deixar falar dois minutos permite ao profissional 
identificar a agenda (queixas) da pessoa e ver como vai admi-
nistrar o tempo. Se forem muitos problemas, vai ser realista e 
juntamente com a pessoa definir prioridades e agendar retor-
no para abordar os restantes.
A ampliação do tempo de consulta deve estar condiciona-
da à necessidade. Tem que pensar no atributo longitudinalida-
de, e de que não é preciso fazer tudo naquele momento. Outro 
recurso, após criarmos vinculo, é dividir com as pessoas as 
nossas dificuldades.
Desenvolver a escuta ativa, ou seja: ouvir com atenção e 
interesse, mas sabendo interromper, manter o foco e direcio-
nar a consulta. O profissional deve ter controle técnico sobre o 
setting da consulta e saber utilizar a equipe.
6o Componente
Sendo realista
Dr. Mário recebe dona Rosa:
Dr. Mário: “Entre e sente-se, dona Rosa, em que posso ajudá-la hoje?”
Dona Rosa: “Dr., hoje vim para coletar o citopatológico, revisar a 
pressão e falar sobre a alimentação saudável que vi na TV”.
Dr. Mário: “Dona Rosa, hoje estou atrasado, tive um caso mais 
complicado para atender e demorei mais do que pretendia. Se im-
portaria se eu verificasse a pressão, a enfermeira Graça coletasse o 
citopatológico e conversássemos sobre a alimentação e tudo mais 
na próxima consulta?”
Dona Rosa: “Sem problemas, Dr., vi que a situação está agitada hoje”.
Ser realista possibilita ao médico usar tempo e energia de 
forma eficiente, não tendo expectativas além das possibilida-
des. Para isso, ele deve desenvolver habilidades de definição 
de prioridades, alocação otimizada de recursos e utilização do 
trabalho em equipe. O MFC é o prestador do primeiro cuidado 
na entrada das pessoas no sistema de saúde, motivo pelo qual 
deve ser administrador dos recursos da comunidade e respeitar 
seus próprios limites de energia física e emocional, não espe-
rando demais de si mesmo, das pessoas e do sistema. A admi-
nistração do tempo é um dos principais dilemas do médico de 
família, que em geral, pela proximidade com as pessoas e soli-
citações da equipe, tem dificuldade em assumir o controle do 
cenário em que atua de forma consciente e técnica.
Uma das tarefas do cuidado à saúde atualmente é conci-
liar o desenvolvimento científico e a humanização, evitando os 
danos provocados por remédios ou tratamentos, a realização 
de cirurgias e de exames caros e desnecessários e, muitas ve-
zes, do tratamento impessoal e sem afeto dispensado às pes-
soas. A implementação de um cuidado que privilegie a pessoa 
e sua autonomia passa por fazer uma abordagem que permita 
uma visão caleidoscópica de quem está sendo atendido.
Na maioria das vezes, o motivo apresentado pela pessoa 
leva a um diagnóstico óbvio, sendo de alta importância conhe-
cer e entender as razões que a levaram ao médico e suas rela-
ções na causa ou agravamento da doença. Isso somente será al-
cançado fazendo um diagnóstico da pessoa. Apesar de parecer 
simples e óbvio, esse é o desafio que tem acompanhado o médi-
co através dos tempos, e é essencial para que possamos realizar 
uma intervenção terapêutica multifatorial e interdisciplinar.
Envolver pessoas em decisões sobre sua saúde e cuidados 
de saúde é relevante para todos profissionais da área em to-
dos os cenários. Centrar na pessoa é crucial para um atendi-
mento de boa qualidade, mas alcançar um verdadeiro cuida-
do centrado na pessoa através dos serviços de saúde requer a 
transformação dos sistemas, bem como das atitudes, existindo 
algumas recomendações estratégicas aos médicos para a supe-
ração desse desafio:
 ƒ Envolver pessoas ou famílias nas decisões.
 ƒ Manter pessoas ou famílias informadas.
 ƒ Melhorar a comunicação com pessoas e famílias.
 ƒ Dar às pessoas e às famílias aconselhamentoe suporte.
 ƒ Obter consentimento informado para aqueles procedimen-
tos ou processos de maior risco ou possibilidade de dano.
 ƒ Obter retorno das pessoas e famílias e ouvir suas opiniões 
sobre o cuidado prestado.
 ƒ Ser franco e leal quando efeitos colaterais ocorrerem; re-
conhecer os erros.
Um aspecto que não pode ser esquecido é que a população 
adstrita deve ser em número que nos permita atender com a 
melhor qualidade e resolutividade possível.
A abordagem centrada na pessoa tem sido usada não ape-
nas para melhorar o cuidado, mas também no ensino médi-
co. Um ensino médico centrado no aluno é uma maneira de 
proporcionar aos estudantes de medicina uma formação mais 
adequada às suas necessidades de aprendizagem.
REFERÊNCIAS
1. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: Fundação Petrópolis; 1997.
2. Jones R, Britten N, Culpepper L, Gass D, Mant D, Grol R. Oxford textbook of 
primary medical care. New York: OUP Oxford; 2005.
3. Lopes JM. A pessoa como centro do cuidado:a abordagem centrada na pessoa 
no processo de produção do cuidado médico em serviço de atenção primária à 
saúde [dissertação]. Porto Alegre: UFRGS; 2005.
4. Curra LCD, Lopes JMC. A importância do afeto na prática do médico de fa-
mília e comunidade. Porto Alegre: Associação Gaúcha de Medicina da Família 
e Comunidade; 2004.
5. Emanuel EJ, Emanuel LL. Four models of the physician-patient relationship. 
JAMA. 1992;267(16):2221-6.
6. Stewart M. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico. 
Porto Alegre: Artmed; 2010.
7. McWhinney IR. Manual de medicina de família e comunidade. Porto Alegre: 
Artmed; 2010.
LEITURAS RECOMENDADAS
Cassel EJ. The nature of suffering and the goals of medicine. N Engl J Med. 
1982;306(11):639-45.
Chin JJ. Doctor-patient relationship: from medical paternalism to enhanced au-
tonomy. Singapore Med J. 2002;43(3):152-5.
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Am J Bioeth. 2004;4(2):W16-9.
Helman CG. Cultura, saúde e doença. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.
Jenkins L, Britten N, Barber N, Bradley CP, Stevenson FA. Consultations do not 
have to be longer. BMJ. 2002;325(7360):388.
Stephenson A. textbook of general practice. London: Arnold; 1998.
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