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Alguns_conceitos_Bionianos (2)

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Organiza 
Federación Psicoanalítica de América Latina 
Septiembre 13 al 17 de 2016 
Cartagena, Colombia 
 
 
 
“REVERIE, O SONHAR DO ANALISTA 
A MORTE NO SONHO E A MORTE DO SONHO” 
 
 
Ana Maria Cardoso Castro 
 
 
Eixo: O corpo na clínica 
Palavras-chave: reverie, corpo do analista, identificação projetiva 
 
 
Resumo: 
 
O presente trabalho tenta explicar brevemente os conceitos de continente- contido, 
função alfa, elementos beta e reverie dentro da teoria bioniana e cotejá-la com a 
experiência clínica. A autora dá exemplos de reveries e sonhos com duas pacientes, 
que apresentam falhas em sua função alfa. Associa esses fenômenos a aspectos 
de comunicação por identificação projetiva na relação analítica. 
 
 
Desenvolvimento 
 
 
Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo. 
Fernando Pessoa 
 
Bion partindo de Freud 
 A partir da teoria freudiana, sabe-se que o processo primário está ligado à 
satisfação imediata dos desejos, portanto relacionado ao princípio de prazer, e que 
o processo secundário está ligado ao princípio de realidade. Na vigência do principio 
de realidade, o sujeito substitui o prazer imediato pelo seguro. Tendo a atenção 
vinculada aos orgãos de percepção, estabelece-se o processo de pensar, como 
uma antecipação da ação. Os processos oníricos continuam atrelados ao principio 
de prazer, assim como o fantasiar, manifestando-se nas formações do inconsciente. 
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Federación Psicoanalítica de América Latina 
Septiembre 13 al 17 de 2016 
Cartagena, Colombia 
 
Para Bion, a preconcepção quando se encontra com a realização, gerando 
satisfação, dá origem a uma concepção. No entanto quando encontra a frustração, 
se tolerado pelo ego, poderá resultar num pensamento. Em outras palavras, o 
pensar surge como uma de solução para se lidar com a frustração. Mas, se ao 
contrário disso, a capacidade de tolerar frustração for frágil, o a experiência do “não 
seio” ou nas palavras de Klein, o seio mau será expulso através do mecanismo de 
identificação projetiva. .Quando o número de evacuações de elementos beta é 
excessivo, dá-se o nome de tela beta. 
 O modelo que proponho é o de um bebê cuja expectativa de um seio 
se una a uma "realização" de um não-seio disponível para satisfação. Essa 
união é vivida como um não seio, ou seio "ausente", dentro dele. O passo 
seguinte depende da capacidade de o bebê tolerar frustração. Depende de 
que a decisão seja fugir da frustração ou modificá-la (BION, 1994). 
Nos diz CASSORLA:”O modelo continente/contido (Bion, 1962) baseia-se na 
função digestiva: a mente humana deve “digerir”, “metabolizar” elementos brutos, 
sensoriais e afetivos– chamados elementos beta–, que devem ser contidos 
(acolhidos e metabolizados) por outra mente, continente, e tornados passíveis de 
serem potencialmente pensados– elementos alfa. O continente apropriado capaz de 
efetuar essa complexa função, chamada alfa, não se deixa dominar ou destruir, 
propiciando uma relação intersubjetiva criativamente transformadora.” (CASSORLA, 
2007). 
A evolução do pensamento de Bion, um aparelho para pensar pensamentos 
O autor iniciou seus estudos com grupos, e com eles estabeleceu uma teoria 
própria. As ideias de Bion sobre os grupos foram muito influenciadas pelos 
conceitos kleinianos de funcionamento mental. Baseado nessa teoria, que tem como 
premissa a oscilação entre as posições esquizoparanoide e depressiva, são 
estabelecidas aproximações entre os grupos de suposto básico- de funcionamento 
PS - e os grupos de trabalho, onde predominaria o funcionamento PD. 
Depois disso, Bion passa a trabalhar e teorizar sobre os psicóticos. Pela 
primeira vez em 1959 afirma que o paciente psicótico não tem capacidade 
de reverie, nascendo assim o conceito que pretendo estudar. 
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Septiembre 13 al 17 de 2016 
Cartagena, Colombia 
 
Percebe a complexidade do fenômeno psicótico e a importância da formação 
e existência da parte psicótica e não psicótica da personalidade. Bion estabeleceu 
um significativo trajeto na descrição da mente através de um modelo de “espiral 
helicoidal expansiva e ascendente, como um universo em expansão (BION, 1964) 
Einstein, quando perguntado sobre suas motivações para a pesquisa, afirmava que 
a emoção mais profunda é inspirada pelo senso do mistério: 
 ... a existência de algo que nós não conseguimos penetrar […] da beleza 
radiante do mundo a nossa volta, acessíveis a nossa mente apenas em suas 
formas mais primitivas, esta é a emoção fundamental que inspira a arte e a 
verdadeira ciência. (Gleiser, 1997 ) 
Para Bion, as experiências emocionais são a base para a formação de um 
aparelho mental capaz de pensar. O campo da mente é um mundo de 
possibilidades infinitas, como nos diz Einstein. Essa situação permite a constituição 
de um mundo interno singular. Bion levou o método socrático de "saber que não 
sabe", às últimas conseqüências. Em seu modelo, o analista passou a diminuir a 
importância da memória, assim, levando em conta outros os fenômenos contidos no 
campo analítico, incluindo a mente, as lembranças, as sensações corporais do 
analista. Ele percebeu que as resistências eram contra a contra a dor psíquica e 
que o trabalho do analista seria expandir a capacidade da mente de transformar 
suas emoções em elementos pensáveis. Bion destaca os requisitos essenciais do 
estado mental do analista para promover esse processo: “sem memória e sem 
desejo” e com “capacidade negativa, o que corresponde à tolerância ao não saber. 
De modo sintético: há um inexaurível fundo de ignorância sobre o qual nos 
baseamos - e isto é tudo que temos para nos basear. Mas tenhamos a 
esperança de que existe uma coisa, tal como a mente ou uma personalidade 
ou um caráter, e que nós não estejamos apenas falando sobre coisa 
nenhuma. (Bion, 1985) 
O Modelo Continente/Contido, Elementos Beta, Função Alfa e Reverie 
Quando Bion analisa a relação da mãe e do bebê, tenta estabelecer um 
paralelo entre a amamentação e uma “alimentação” psíquica. Neste relacionamento, 
a mãe seria responsável pela digestão e metabolização da frustração. Como no 
início da vida o bebê não estaria aparelhado com essa função, teria que primeiro 
constituí-lo através do relacionamento com sua mãe, auxiliado pela capacidade 
de reverie desta, a qual forneceria o continente adequado às vivências do bebê. A 
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conceituação de Bion, quanto à origem, natureza e funcionamento do continente da 
mãe ele concluiu que para todo um conteúdo projetado deve haver um continente 
receptor. Contando com a capacidade de reverie e continência da mãe, o bebê vai 
construindo sua “auto-continência”. A expansão da continência está ligada à 
compreensão afetiva das experiência, que vai abrindo espaço e oferecendo 
recursos ao bebê ( ou paciente) para enfrentar o doloroso desconhecido. O primeiro 
objeto psíquico, o mais fundamental, é o objeto continente, introjetado na relação 
com uma mãe com capacidade de reverie (Bion, 1962). O pré-requisito fundamental 
para que seja utilizada com o filho é o "amor da mãe pelo pai". 
 Este conceito implica que a função alfa materna permite a transformação dos 
dados sensoriais – protopensamentos e protopercepções - em elementos alfa. São 
eles os responsáveis pelo pensamento onírico e pelas capacidades de despertar ou 
dormir, assim como pela diferença entre consciente e inconsciente e a memória, 
graças à formação da barreira de contato na construção do espaço mental. 
Para Bion, a reverie é um fator da função alfa. A reverie é um componente da 
funçãomaterna, capaz de conter as identificações projetivas da criança, 
independentemente delas serem percebidas por esta, como sendo boas ou más. 
Ele nos diz: 
“O seio bom e o seio mau são experiências emocionais... O componente 
físico, leite, mal-estar produzido pela saciedade ou o seu oposto podem 
revelar prioridade cronológica a itens beta em elementos alfa. Intolerância à 
frustração pode ser tão marcante que a função alfa seria dificultada pela 
evacuação de elementos beta. O componente mental, amor, segurança, 
ansiedade, ao contrário do somático, requer um processo análogo ao da 
digestão. O que isso poderia ser é obscurecido pelo uso de alfa-conceito de 
função, mas a pesquisa pode encontrar um valor psicanalítico. “(...) 
“...quando a mãe ama o bebê , com o que ela faz? Deixando de lado os 
canais físicos de comunicação, minha impressão é que seu amor se 
expressa por rêverie.(...) Podemos deduzir de reverie, como uma fonte 
psicológica de suprimento das necessidades do bebê de amor e 
entendimento, que tipo de receptor psicológico se requer para habilitar o 
bebê a aproveitar a reverie, assim como consegue, graças às capacidades 
digestivas do canal alimentar , aproveitar o seio e o leite que ele provê”. 
(BION, 1962) 
 
 
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Existem outras penumbras associativas ligadas à reverie: 
O significado de rêverie transcende a ideia de imaginação e a fantasia se estende a 
um cenário, a uma história (Botella, 2007). Junqueira Filho (1991) rastreia sua 
origem etimológica: 
“Este substantivo que surge no middle english tardio origina-se do 
adjetivo rêverie do francês arcaico, que significa júbilo e regozijo, que por sua vez 
vem do verbo rever (fazer, agradecer, festejar, regalar). Interessa aqui enfatizar que 
no século XVII o termo passou a ser sinônimo de outras expressões. Brown 
study (absorvido em devaneio, pensativo) e Day dream (quimera, sonho, devaneio), 
ganhando assim seu sentido atual, aquele que Bion atribui potencialmente na 
psique materna.3” (p. 57) 
Rêverie é um estado particular de consciência receptiva e uma atividade 
psíquica para se manter nesse estado (Parson, 2007). 
 
 Helena 
Elas não tem gosto ou vontade 
Nem defeito, nem qualidade 
Têm medo apenas 
Não tem sonhos, só tem presságios 
O seu homem, mares, naufrágios 
Lindas sirenas, morenas. 
Chico Buarque 
 
Helena é uma paciente na casa dos 20 anos, que está comigo há 6 meses, 
na freqüência de uma sessão semanal. Veio após um surto psicótico, quando não 
chegou a ser internada, foi medicada e acompanhada em casa. Sua mãe é 
enfermeira. Ainda está em acompanhamento psiquiátrico e vem apresentando 
melhoras. Disse que lembranças de abusos sexuais cometidos pelo seu pai na 
infância irromperam sua mente de modo violento, Nessa época, ela trabalhava 
como recepcionista num centro de saúde, onde teve contato com meninas 
abusadas. O que mais a exasperava, era o fato de que as meninas eram levadas 
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para tratamento ginecológico pelos próprios abusadores (pais, padrastos, tios ou 
conhecidos), e que a equipe de saúde dizia não poder denunciá-los por temer 
retaliação. Esses homens eram descritos como perigosos. Ela traz um sentimento 
de culpa por ter “deixado“ seu pai abusar dela, revolta por sua mãe não ter 
percebido nem a defendido dos abusos, muita raiva do pai e desejo que ele morra. 
O descreve como violento na relação com a mãe, principalmente por ocasião do 
divórcio deles, quando era adolescente. Mas se lembra que a mãe por trabalhar 
muito, a deixava aos desse pai, que era muito atencioso e dedicado. Desde seu 
adoecimento não o vê mais. É homossexual, e recentemente passou a morar com 
uma companheira, vivendo pela primeira vez um relacionamento afetivo sério. 
Numa quinta feira, no dia marcado para a sessão dela, começo a passar mal 
um pouco depois do primeiro paciente da tarde. É uma dor de estômago aguda. 
Começo a pensar que, se a dor não passar, não vou conseguir trabalhar até o fim 
do dia. E não passa. O paciente seguinte se atrasa, o que me dá tempo para 
cancelar o último. Mas ainda teria, Helena a penúltima do dia. Resolvo avisá-la 
também, por telefone, e sem sucesso por mensagem. Mas ela não me atende, nem 
visualiza minha mensagem. Acho estranho. A paciente seguinte chega, mas não 
consigo ouvi-la, minha dor é maior. Tenho que explicar a ela minha situação e 
interromper a sessão no meio. 
Vou pra casa e a dor vai se amenizando. Não tenho ideia do que pode ter 
ocorrido, não há explicação lógica para esses sintomas. 
No dia seguinte estou melhor, apesar de indisposta. Vou atender meus 
pacientes da manhã. A última desmarca, por mensagem, mas ainda teria a 
penúltima, Júlia, uma adolescente da qual falarei mais tarde.. Eu simplesmente me 
esqueço dela, e saio do consultório minutos antes dela chegar. Recebo um recado 
mais tarde de sua mãe, perguntando se eu estava passando bem e que estava 
preocupada comigo e pergunta se teria acontecido algo errado. Só então me dou 
conta do lapso. E fico sem entender. À tarde, recebo o recado do psiquiatra da 
Helena, ele diz que teve que interná-la quinta feira à tarde, pois teve duas tentativas 
de suicídio nos dias anteriores. 
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Nessa noite tenho um sonho bastante inquietante. Vou sair de viagem, mas 
tenho como bicho de estimação uma cachorra. Um passarinho entra como intruso e 
é odiado por isso. Por um motivo inexplicável, eles estão num recipiente parecido 
com um aquário gigante. O passarinho deverá ser assassinado por afogamento. 
Como vou viajar, deixo a mangueira ligada dentro do aquário e saio. Vou me 
angustiando com a possibilidade das mortes, me sinto culpada – pela cachorra que 
não devia morrer- e arrependida - já não acho que o passarinho deve morrer. Me 
sinto impotente em evitar, estou a quilômetros de distância. Ao acordar em pânico 
de madrugada, demoro a perceber que estou em casa, e que está tudo bem. Vou ao 
local onde no sonho estariam os bichos. E me lembro imediatamente das duas 
pacientes, Helena e Júlia. 
Entendo que no instante que Helena estava sendo internada, ela me 
comunicou “a quilômetros de distância” por Identificação projetiva sua dor, que em 
mim foi vivenciada no corpo, como uma dor de estômago, que fala de algo 
completamente indigesto, tanto pra ela quanto pra mim. Essa angústia-dor, que é 
da ordem do irrepresentável, ocupa a analista, sua mente é invadida por elementos 
beta, trazendo o impedimento de estar com outros pacientes. 
Só consigo visitar Helena na clínica uma semana depois. Ela me parece 
disposta. Está tentando se livrar da idéia de que ela tem culpa pelo abuso sexual 
que sofreu do seu pai. O colapso atual veio de uma lembrança nítida, uma cena 
onde ela estava sendo penetrada pelo pai. Ela diz que não agüentou e quis morrer. 
Foi pra um bairro próximo a sua casa e se aproximou de um abismo, ia pular. Mas 
de repente viu a pena de um pássaro no chão, e resolve voltar pra casa. A pena a 
fez recuar. Depois junta todos os seus remédios, mas sua companheira chega e ela 
não os ingere. 
Quando a função alfa está perturbada, o paciente não tem condições 
de sonhar. Os elementos beta por ele eliminados, muitas vezes 
consequentes à destruição de formação simbólica incipiente 
(reversão da função alfa) (Bion, 1963) demandam que o analista os 
sonhe. Isto é, o analista transformará experiências emocionais brutas 
do paciente em imagens visuais. (CASSORLA,2009)Do nosso caso, ao de transformar as experiências insuportáveis da paciente, 
eu as vivi no corpo e depois sonhei, numa tentativa de elaborar minhas próprias 
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experiências e da paciente. . “Os elementos beta por ele (paciente) eliminados,(...) 
demandam que o analista os sonhe. Isto é, o analista transformará experiências 
emocionais brutas do paciente em imagens visuais,(...) A diferença também foi que 
o que ocorreu não foi no encontro da dupla. A analista sonha só, em sua casa, mas 
usando alguns materiais – tela beta- da Helena.Dessa forma ressalto o que 
Cassorla diz: “Naturalmente este sonho é seu e ele foi fruto de vicissitudes de sua 
própria personalidade (…)Ao percebermos que o sonho sonhado pelo analista, 
ainda que tentativa de sonhar o do paciente, é um sonho próprio, do analista, fica 
evidente que fatores próprios, da pessoa real do analista entram em jogo. Eles 
serão tanto mais exigidos quanto menor a capacidade de simbolizar do paciente.” 
(CASSORLA, 2009) 
Júlia 
"Estou sendo antimelódica. Comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos 
contrários" 
Clarice Lispector 
 
 A mãe me procura por orientação da escola. Júlia, que prefere ser 
chamada(o) Júlio ou simplesmente Ju, quer ser menino, ela tem treze anos 
incompletos nessa ocasião. A mãe não parece demasiado angustiada ou 
preocupada, pelo contrário. É muito risonha e leve. Teve descompromissado 
namoro com o pai da menina. Quando engravidou, sem planejar, pois o namorado 
era vasectomizado, ela resolve se separar, pois considerava-o imaturo. Fez toda a 
preparação pré- natal sozinha, com o apoio de seus pais. Quando questiono como 
seus pais reagiram a ideia ela diz que “eles adoraram, pois estavam se 
aposentando e foi ótimo ter um bebê pra cuidar!” 
 A criança foi reconhecida pelo pai, mas a mãe não forçou o contato entre eles. 
A mãe nos primeiros meses teve depressão pós parto. Quando tinha dois anos, 
Claudia se casa com seu atual marido, que aceitou Júlia, mas sem assumi-la como 
filha. 
 A mãe me diz que a filha é linda, e até 6 meses antes era super feminina. A 
mudança, segundo ela, ocorreu com o crescimento dos seios. Passa a usar roupas 
que cobrem o corpo, corta o cabelo. Tem medo de ser estuprada por homens. 
Começam a pesquisar sobre mudança de sexo, em blogs e sites. 
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 Na escola tem problemas com os colegas e professores, desde que passou 
a se vestir como menino. Tem comportamento de auto-mutilação quando fica 
angustiada. 
Quando recebi essa paciente, antes mesmo de vê-la, enquanto realizava as 
entrevistas iniciais com a mãe, me lembrei de um trecho de um conto de Clarice 
Lispector, que se encontra no livro “Laços de Família”. O conto é intitulado “A Menor 
Mulher do Mundo”. Nele, um pesquisador descobre uma rara mulher de cinco 
centímetros na África. A fotografia dessa mulher batizada pelo pesquisador de 
Pequena Flor se espalhou pelos jornais da cidade causando nos personagens do 
livro grande comoção. “Sentimentos mistos de ternura e violência foram 
despertados”. Foi em especial o trecho da menina no orfanato que me fez pensar na 
paciente. Gostaria de dividir esse meu sonho com vocês. : 
“A mãe dele estava nesse instante enrolando os cabelos em frente ao espelho 
do banheiro, e lembrou-se do que uma cozinheira lhe contara do tempo de orfanato. 
Não tendo boneca com que brincar, e a maternidade já pulsando terrível no coração 
das órfãs, as meninas sabidas haviam escondido da freira a morte de uma das 
garotas. Guardaram o cadáver num armário até a freira sair, e brincaram com a 
menina morta, deram-lhe banhos e comidinhas, puseram-na de castigo somente para 
depois poder beijá-la, consolando-a.” (LISPECTOR, 1998). 
 
Num primeiro momento, a impressão que tive da mãe da paciente foi muito 
marcante. Ela me pareceu muito despreocupada com a dificuldade da filha, não 
existindo uma sintonia com seu sofrimento. Além disso, seu olhar tinha algo 
estranho, como se sua íris fosse maior do que o normal, como se ela não fosse 
humana. Sua frieza negligente se confirmava com os relatos dela e da paciente. A 
falta de planejamento dessa gravidez e as circunstâncias em que ocorreram, levam 
a pensar que Cláudia não estava preparada psiquicamente para a maternidade. Ela 
não era um continente para a filha, que passa então a viver “um terror sem nome”. A 
mãe precisava depositar em Júlia todas as suas angústias, sobrecarregando a 
criança, e fazendo com que a mesma não conseguisse dormir uma noite inteira até 
os dois anos de idade. Bion esclarece que no início da vida o bebê necessita de 
um continente para seus conteúdos. E a mãe de Julia não se dispõe a isso, nao tem 
capacidade de reverie e por isso, não forneceu o continente adequado às vivências 
do bebê. Dessa forma se dá a orfandade da Júlia, ela não teve uma mãe psíquica, 
apenas biológica. E isso não bastou. Como no conto da Clarice, a órfã, pode 
parecer viva, mas brinca com a morte e com a morta, o tempo todo. A angústia de 
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morte impera. A mãe de Júlia não a pariu mentalmente. O pré-requisito fundamental 
para que a reverie seja utilizada com o filho é o "amor da mãe pelo pai". Nesse 
caso, de um pai anulado e supostamente estéril, esse pré- requisito não existe, 
impossibilitando a reverie. 
Ao pensar no conto e me intrigar com o olhar da mãe, procuro sair do nível 
concreto e aumentar a função alfa. Tenho uma lembrança sonhante e toda a idéia 
de orfandade psíquica, morte e falta de continente, passam a ser pensáveis. Do 
decorrer da análise, essas impressões me auxiliam a acompanhar Júlia e suportar 
sua solidão. A mãe não conseguiu amamentar a filha e teve depressão pós parto. A 
mãe capturou a menina e a manteve na condição de objeto, na condição de menina 
morta. Uma menina morta que não pode desenvolver-se. O aparecimento dos seios 
coincide com sua drástica mudança e desejo de ser homem. A paciente nesse 
episódio estaria revivendo a experiência de um não seio. A expectativa que o bebê 
Júlia teve de um seio não encontra uma realização. O olhar vazio da mãe anula 
qualquer possibilidade de um elemento feminino disponível para identificação. 
Associações 
Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido? 
Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces, 
para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial? 
Álvaro de Campos / Fernando Pessoa 
Uma vivência do dia anterior, que me ajuda na elaboração do sonho é um 
seminário clínico. Uma colega leva o caso de uma criança, uma menina, que ganha 
um filhote de cachorro, mas, por descuido dos pais, entra num balde d’água e morre 
afogado. Os pais não lhe contam a verdade e lhe dizem que ele morreu porque não 
teria mamado o suficiente. 
O balde, em meu sonho, ganha maiores dimensões e se torna uma grande 
recipiente transparente. Penso no aquário, mas também num grande útero, que 
pode gestar vida, mas que também pode levar à morte, caso os bebês não nasçam 
no tempo esperado, ou se o alimento for insuficiente. 
Fazendo uma analogia com a função analítica percebo que me sinto 
responsável por não ter percepção o sofrimento de Helena a ponto de intervir – 
partejar- a tempo, fazendo-a correr risco de morte- o próprio suicídio se desenhando 
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assombroso naquele momento. “O líquido amniótico é o fluido queenvolve 
o embrião, preenchendo a bolsa amniótica, que desta forma o protege de choques 
mecânicos e térmicos.” É um fator de proteção do bebê, mas no meu sonho é 
instrumento de morte. 
 Sinto-me irresponsável por não ter dado sessões-alimento em quantidade 
suficiente. Teria sido negligente como os pais da pequena paciente. E como a mãe 
de Helena, que ignorava os abusos perpetrados pelo marido. 
 Minha negligência se repete no dia seguinte, ao esquecer Júlia. Confesso 
que são duas pacientes muito difíceis. Estar um com elas por vezes é penoso. A 
mãe de Júlia parece perceber meu mal estar ao perguntar se eu estava bem. Eu 
realmente não estava. 
Penso ainda naqueles tanques de formol, onde se conservam corpos 
intactos. Será que eu gostaria de poder conservá-las artificialmente, até que eu 
pudesse me recompor, isto é, recompor minha capacidade analítica? 
 A pena do pássaro que a faz recuar me faz pensar no passarinho de meu 
sonho. Seria uma comunicação entre mentes ou uma transformação em alucinose 
da analista? O ambiente da clinica psiquiátrica propiciaria este tipo de 
transformação. (BION, 1965). Para Bion a alucinose é um mecanismo bastante 
freqüente em pacientes neuróticos, os quais quando submetidos à forte pressão, 
operam com transformações psicóticas, projetivas e em alucinose. 
Passarinho seria também o símbolo do órgão masculino, o pênis. Elemento 
masculino invasivo- intruso, que satisfariam os desejos manifestos da paciente 
Helena de matar o pai. 
Nas duas pacientes a figura paterna é problemática. Helena não teve um pai 
protetor e sim um invasor, um predador. A mãe não conseguiu protegê-la disso. Mas 
o pai era carinhoso, o que faz referência ao conto de LISPECTOR. A criatura 
Pequena Flor – nome que pode ser sugerido como símbolo do órgão genital 
feminino- provocava um misto de ternura e violência. Júlia teme o estupro, Helena é 
estuprada. Estupro: ternura e violência. 
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Júlia não teve pai, de fato, e se traveste de homem para procurar buscar essa 
referência nunca encontrada. As duas mães, de Helena e Júlia, não foram capazes 
de reverie com suas filhas porque “O pré-requisito fundamental para que (a reverie) 
seja utilizada com o filho é o "amor da mãe pelo pai". 
A cachorra é o elemento feminino que corre risco de morte. Vai morrer 
injustamente, apenas por violenta negligência. 
 
Conclusão 
As pacientes em questão tem deficiências na função alfa, com conseqüência 
dificuldade de sonhar. Muitas vezes tem pesadelos. A morte no sonho da analista 
desvenda que é a própria capacidade de sonhar que morre, ou corre o risco de 
morrer, em cada uma delas. Sonho como desejo, como atividade mental, como vida 
psíquica. A analista procura sonhar com elas, às vezes no lugar delas, mas nem 
sempre tem êxito. No caso do episódio da identificação projetiva exitosa de Helena, 
só resta viver um pesadelo a dois. No caso da Júlia, a mente da analista mais 
preservada naquele momento pode sonhar, ter reveries e pensar. Sonhando sonhos 
com quem não aprendeu a sonhar...vivências como essas evidenciam a 
atemporalidade nas trocas psíquicas inconscientes. Bion, em uma palestra em 1976 
na Sociedade Britânica de Psicanálise, propôs um modelo para pensarmos o 
método psicanalítico. Este seria como uma bengala para o cego. A bengala para o 
cego é como a psicanálise para o paciente, um modo de apreensão de realidades 
que fazem parte de algo maior. A bengala nos remete ainda de sustentação, de 
orientação, e de como podemos perscrutar o mundo, sonhando, pensando e 
criando. 
Vida é sonho 
 
“É certo; então reprimamos 
esta fera condição, 
esta fúria, esta ambição, 
pois pode ser que sonhemos; 
e o faremos, pois estamos 
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em mundo tão singular 
que o viver é só sonhar 
e a vida ao fim nos imponha 
que o homem que vive, sonha 
o que é, até despertar. 
... 
Eu sonho que estou aqui 
de correntes carregado 
e sonhei que em outro estado 
mais lisonjeiro me vi. 
Que é a vida? Um frenesi. 
Que é a vida? Uma ilusão, 
uma sombra, uma ficção; 
o maior bem é tristonho, 
porque toda a vida é sonho 
e os sonhos, sonhos são.” 
Calderón de la Barca (1600-1681) 
 
 
Referências bibliográficas 
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