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Módulo Direito Autoral1 Noções Gerais de Direitos Autorais Brasília 2015 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Paulo Sergio de Carvalho Diretor de Desenvolvimento Gerencial Paulo Marques Coordenadora-Geral de Educação a Distância Natália Teles da Mota Curso cedido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG Conteudista: Daniel Babinski (2012) Revisor de conteúdo e elaboração dos exercícios: Camila Parahyba (2013) Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap. © Enap, 2014 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Comunicação e Pesquisa SAIS – Área 2-A – 70610-900 — Brasília, DF Telefone: (61) 2020 3096 – Fax: (61) 2020 3178 SUMÁRIO 1. Breve Evolução Histórica do Direito Autoral .................................................................... 5 2. Conceito de Direito Autoral ............................................................................................ 7 3. A Legislação de Direito Autoral no Brasil ......................................................................... 9 5 1. Breve Evolução Histórica do Direito Autoral Conforme já mencionado, o surgimento do Direito Autoral está francamente relacionado ao desenvolvimento dos meios de comunicação ao longo de toda Idade Moderna. Embora na Antiguidade Clássica fossem valorizadas e incentivadas diversas formas de expressão artística e cultural, não havia o reconhecimento dos mais elementares direitos de autor, como, por exemplo, a proteção jurídica contra reprodução, representação ou execução não autorizada de obra intelectual. Tampouco havia definição jurídica quanto à titularidade das obras, de modo que estas poderiam ser herdadas como bem comum. Assim, Euforion, filho de Ésquilo, conquistou por quatro vezes a vitória em concursos de tragédia apresentando peças inéditas do pai como se fossem suas (PARANAGUÁ E BRANCO, 2009: 14). Foi somente com a invenção da tipografia e da imprensa, e a consequente massificação das obras literárias, que a questão do Direito Autoral ganhou relevância1. O ávido interesse do público consumidor por obras artísticas, no contexto da Renascença, acabou por estruturar privilégios reais concedidos na forma de monopólios a livreiros e editores. Estas concessões estatais eram denominadas na Inglaterra de copyright, ou seja, direito de reprodução, o qual não tinha intuito de proteger os autores, mas sim os editores. Os livreiros e editores enfrentavam custos altíssimos para a edição das obras literárias, as quais contavam frequentemente com gravuras e informações adicionais. Em pouco tempo surgiram as primeiras reproduções e impressões não autorizadas: inaugura-se, portanto, a “pirataria”. Por não arcarem com os pesados custos da edição original, estas “cópias” eram vendidas por preços muito mais baratos, ocasionando severos prejuízos aos livreiros e editores. Neste contexto, é fácil compreender porque o surgimento do sistema inglês de proteção pelo copyright está relacionado não à proteção do autor, e sim à exploração econômica de determinada obra intelectual. Por exemplo, a exigência de que os livreiros detivessem autorização dos autores para publicação surgiu apenas no século XVI. Entretanto, com o fim da censura estatal e do sistema de privilégios para concessão de monopólio estatal, os livreiros ingleses adotaram nova tática para garantir a subsistência de sua atividade. Passaram a reivindicar proteção jurídica aos autores, a fim de conseguir destes a cessão dos direitos de exploração econômica da obra. 1. Curiosidade: estima-se que antes da prensa desenvolvida por Gutenberg, existiam cerca de 30 mil livros na Europa. A maior parte seria constituída de bíblias, as quais levavam cerca de um ano para serem manuscritas. Cerca de cinquenta anos depois da invenção da prensa, o número de livros em circulação naquele continente teria atingido 13 milhões de exemplares. (TRIDENTE: 2009, p.3-4). Módulo Direito Autoral1 6 A primeira legislação inglesa específica nesse sentido foi denominada Statute of Anne (Estatuto da Rainha Ana), datada de 1710. Esta lei disciplinava a concessão de patentes de impressão e direito de cópia por um determinado período, após o qual a obra cairia em domínio público. Tratava-se de grande inovação jurídica, uma vez que o privilégio dos editores era antes entendido como perpétuo. Paralelamente à experiência inglesa, a França Revolucionária introduziu outro modelo de proteção jurídica ao Direito Autoral no momento em que desmontava seu sistema de privilégios editorais. Por meio de Decreto datado de 24 de julho de 1793, regularam-se os direitos de propriedade dos autores de escritos de todo o gênero, do compositor de música, dos pintores e dos desenhistas. Veja, pois, que o foco do Direito Autoral recaía na figura do autor da obra intelectual, e sua proteção fundamentava-se no direito civil da propriedade. Nascia, assim, a concepção francesa do droit d’auteur. A inovação do modelo francês2, também chamado de continental, está justamente no fato de conceituar o Direito Autoral a partir de uma natureza jurídica dupla: reconhece-se não apenas o aspecto patrimonial do direito autoral, fundado no conceito de propriedade, mas também se protege o aspecto pessoal do mesmo direito, de natureza extrapatrimonial. Os chamados direitos morais do autor, em contraposição aos direitos patrimoniais, buscam assegurar o direito de personalidade do autor exteriorizado na obra. É importante destacar, no entanto, que alguns autores apontam que o desenvolvimento das duas modalidades de proteção do Direito Autoral não ocorre de maneira estanque, mas, ao contrário, são sistemas historicamente indissociáveis: O surgimento do direito autoral parece ser o exemplo histórico perfeito para confirmar esta especificação: se por um lado, (i) o estágio de evolução das forças produtivas na Europa, marcado especialmente pela invenção da prensa, permitiu o surgimento do copyright, de outro, (ii) as nuanças das lutas de classes que, tanto na Inglaterra quanto na França, antecederam a Revolução Francesa foram determinantes na elaboração do droit d’auteur. Copyright e droit d’auteur são, portanto, sistemas ligados na origem uma vez que o "direito dos autores" somente pode surgir em oposição ao "privilégio dos editores" (TRIDENTE: 2009, p. 11). O incremento dos meios de comunicação, já no século XIX, exigiu articulação jurídico-política entre os países para a definição de padrões internacionais mínimos de proteção dos direitos autorais concedidos aos autores de obras literárias, artísticas e científicas. Para atender a esse anseio, foi firmada a Convenção Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, realizada em Berna, na Suíça, em 9 de setembro de 1886. Destaca-se que a Convenção de Berna estabelece ampla e detalhada proteção ao autor, a partir de prerrogativas tanto de ordem moral quanto patrimonial, nos moldes do modelo francês de organização jurídica autoral. Por esse motivo, a referida Convenção não contou com a participação dos Estados Unidos da América até 1989, uma vez que este país não reconhecia a garantia dos direitos morais de autor, por adotar o modelo inglês de proteção. Aliás, na tentativa de salvaguardar o conceito do modelo anglo-saxão de copyright, organizou-se a 2. Veremos no próximo item que a legislação brasileira adotou o modelo francês, conforme explicitado no art. 22 da Lei de Direitos Autorais - LDA. 7 Convenção Universal dos Direitos de Autor, na cidade de Genebra, em 19533. Atualmente, a Convenção é regida pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), vinculada à Organização das Nações Unidas. O nosso país ratificou a Convenção em 1975, a qual está em vigor até hoje em nosso sistema jurídico ejá serviu de inspiração legislativa para inúmeros normativos nacionais, dentre eles o brasileiro. Atualmente, a Convenção é regida pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) a qual "se dedica à constante atualização e proposição de padrões internacionais de proteção às criações intelectuais em âmbito mundial"4.A referida Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1974 (Decreto Legislativo no 94, de 4 de dezembro de 1974) e promulgada pelo Presidente da República em 1975 (Decreto no 75.699, de 6 de maio de 1975). Ela está em vigor até hoje em nosso sistema jurídico e já serviu de inspiração para a elaboração de diversas leis sobre o tema. 2. Conceito de Direito Autoral Antes de apresentarmos o conceito de direitos autorais, é preciso discorrer um pouco acerca do estudo do direito sobre a Propriedade Intelectual. Este ramo do Direito se ocupa especificamente da proteção jurídica concedida pelo Estado às criações do espírito e inteligência humana, tanto no campo da invenção quanto na expressão artística. Nesse sentido, pode-se dizer que a propriedade intelectual é o ramo do Direito que estuda os direitos intelectuais, ou seja, os direitos exclusivos dos autores e inventores sobre suas obras, invenções ou descobrimentos (BITTAR: 1994, p. 3). Usualmente, divide-se o gênero da Propriedade Intelectual em duas espécies jurídicas distintas. Estamos falando da Propriedade Industrial e do Direito Autoral. A Propriedade Industrial se refere à proteção de uma atividade, produto, símbolo, nome ou ideia, aproveitados empresarialmente, seja no comércio ou na indústria. Verifica-se, portanto, que as criações humanas protegidas pela Propriedade Industrial possuem forte valor utilitário, de modo que a proteção jurídica centrou-se no seu aproveitamento econômico. Aqui estão incluídas as marcas, patentes, desenhos industriais e indicações geográficas. O Direito Autoral, por sua vez, é a disciplina jurídica que busca tutelar as relações jurídicas que decorrem da expressão de ideias por meio de obras artísticas, científicas e literárias. Diferentemente do valor utilitário dos bens protegidos pela Propriedade Industrial, o direito autoral tem por objeto obras de valor estético. 3. É importante destacar que o Brasil, assim como a grande maioria dos países, ratificou as duas Convenções internacionais, com a finalidade de salvaguardar suas obras intelectuais nos países membros das duas Convenções. Entretanto, o sistema autoral brasileiro reproduz, em grande medida, as normas e princípios contidos na Convenção de Berna. 4. http://www.onu.org.br/onu-no-brasil/ompi/. 8 Sua função específica é disciplinar o conceito de obra intelectual, os direitos do autor destas, e os chamados direitos conexos, referentes aos artistas intérpretes ou executantes, além dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão. O termo é empregado comumente no plural – direitos autorais – justamente para designar a pluralidade de faculdades e liberdades juridicamente conferidas ao autor sobre o exercício de sua criatividade artística, científica ou literária. É importante destacar que os programas de computador (softwares) são considerados obras intelectuais pelo inciso XII do art. 7º da Lei de Direitos Autorais, de modo que recebem o mesmo tratamento conferido aos livros, por exemplo. No entanto, também estão sujeitos à legislação específica, por força do art. 7º, §1º da referida norma. Ao longo do texto, sempre que oportuno pontuaremos eventuais diferenças quanto à proteção da propriedade intelectual de softwares. Apenas a título de sistematização, apresentamos quadro-síntese da estrutura do Direito da Propriedade Intelectual no Brasil: 9 3. A Legislação de Direito Autoral no Brasil Em meio à literatura jurídica brasileira, convencionou-se dividir a história do direito de autor no Brasil em três fases distintas (CHAVES: 1987, p. 27): O primeiro marco legal sobre o tema foi a Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos primeiros cursos de Ciências Jurídicas no Brasil. O referido ato normativo, em seu artigo 7º, estabelecia os direitos autorais dos professores sobre o material produzido para as cadeiras dos cursos, pelo prazo de dez anos: Art. 7.º - Os Lentes farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feitos, com tanto que as noutrinas estejam de accôrdo com o systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez anos. A Constituição Republicana de 1891 garantiu expressamente os direitos autorais, porém ainda de forma bastante genérica. Contudo, foi durante sua vigência que se promulgou a primeira lei específica acerca do Direito Autoral no país, a saber, a Lei nº 496/1898, também denominada Lei Medeiros e Albuquerque, nome de seu relator. Destaca-se que esta lei foi inspirada já nos preceitos da Convenção Internacional de Berna (1886), mencionada anteriormente. Em que pese o esforço, a lei foi logo revogada pelo Código Civil de 1916. O Código Civil de 1916 inaugura, de fato, a segunda fase dos direitos autorais no país, a partir de sua classificação sistemática em três capítulos diferentes: “Da propriedade literária, artística e científica”, “Da edição” e “Da representação dramática”. Os direitos autorais, neste ato normativo, são apresentados como bens móveis, passíveis de cessão. Ao autor de obra artística, literária ou científica era assegurado o direito exclusivo de reproduzi-la. Ademais, caso tivesse herdeiros e/ou sucessores, o referido direito era a eles transmitido pelo prazo de sessenta anos contados da data de sua morte. Se não houvessem herdeiros ou sucessores, a obra caía em domínio comum. 10 O rápido desenvolvimento dos meios de comunicação ao longo do século XX ensejou a promulgação de vários atos normativos e leis esparsas, os quais buscavam conferir, na medida do possível, atualidade à proteção jurídica dos direitos autorais. Porém, foi por meio da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, que houve a publicação do primeiro Estatuto sobre o tema, com o objetivo de consolidar toda legislação então esparsa em texto único, de fácil manuseio. Sua revogação, em quase sua totalidade, somente ocorreu quando da aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, também chamada de Lei dos Direitos Autorais – LDA, cujo objeto é exposto em seu art. 1º: “Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”. Em atenção aos acordos e convenções internacionais dos quais o Brasil é partícipe, a nossa legislação determina a proteção da lei aos estrangeiros domiciliados no exterior, desde que haja reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil (art. 2º, parágrafo único, LDA). Por fim, é preciso destacar que a Constituição Brasileira de 1988 concedeu nova dimensão ao caráter constitucional dos direitos autorais, os quais foram previstos no art. 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal, ao lado das demais garantias individuais: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; A previsão dos direitos de autor em lugar tão destacadona Carta Magna orienta a análise e estudo destes direitos à luz dos demais princípios constitucionais. Assim, é evidente que a LDA deve ser sempre interpretada não apenas em sua letra, mas também a partir da contextualização de seus direitos e deveres à lógica constitucional. Apenas a título de exemplo, nossa Constituição institui a função social da propriedade, no art. 5º, inciso XXIII. Diante disso, pergunta-se: os direitos patrimoniais de autor também estão sujeitos a esta função social? Veremos adiante em nosso estudo. Recentemente, a LDA foi alterada pela Lei no 12.853, de 14 de agosto de 2013, a qual dispôs sobre a gestão coletiva de direitos autorais. Módulo Obras Intelectuais1 Noções Gerais de Direitos Autorais Brasília 2015 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Paulo Sergio de Carvalho Diretor de Desenvolvimento Gerencial Paulo Marques Coordenadora-Geral de Educação a Distância Natália Teles da Mota Curso cedido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG Conteudista: Daniel Babinski (2012) Revisor de conteúdo e elaboração dos exercícios: Camila Parahyba (2013) Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap. © Enap, 2014 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Comunicação e Pesquisa SAIS – Área 2-A – 70610-900 — Brasília, DF Telefone: (61) 2020 3096 – Fax: (61) 2020 3178 SUMÁRIO 1. Introdução ...................................................................................................................... 5 2. Obras Protegidas ............................................................................................................ 5 3. Autoria de Obras Intelectuais.......................................................................................... 8 4. Registro de Obras Intelectuais ...................................................................................... 11 5 1. Introdução Neste capítulo, trataremos de apresentar o conceito de obra intelectual à luz da LDA, identificando quais são as obras protegidas (arts. 7º a 10), o conceito de autoria (arts. 11 a 17) e, por fim, a finalidade do registro de obra intelectual (arts. 18 a 21). 2. Obras Protegidas Como ponto de partida, precisamos entender que tipo de manifestações ou criações são protegidas pela LDA enquanto obras intelectuais, dado que nem todas estas gozam da proteção jurídica concedida pela legislação. Esta abrange apenas as criações do espírito que tenham sido exteriorizadas, independentemente do meio em que a obra foi expressa – tangível ou intangível. A definição legal de obra intelectual encontra-se no art. 7º da LDA, o qual, aliás, apresenta grande lista exemplificativa de obras intelectuais, cobrindo grande parte das criações do espírito humano no campo artístico, científico e literário. Senão vejamos: Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; Módulo Obras Intelectuais1 6 X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial. (grifos nossos) Deste rol exemplificativo das obras intelectuais, podemos destacar alguns pontos que podem ser úteis para o processo de desenvolvimento de materiais didáticos de ensino a distância ou mesmo presencial. É natural e conveniente que em qualquer processo de ensino sejam utilizadas obras intelectuais protegidas como facilitadores do aprendizado. Entretanto, há regras que precisam ser observadas. O art. 29 da LDA apresenta as circunstâncias de utilização que demandam prévia autorização do detentor dos direitos autorais, as quais se estudarão mais adiante. Por ora, chamamos apenas a atenção para o fato de que as obras audiovisuais sonorizadas ou não (inciso VI), as composições musicais (inciso V), as obras fotográficas (inciso VII) e as traduções e adaptações (inciso XI), são todas protegidas pelos direitos autorais, de modo que sua utilização em sala de aula, virtual ou presencialmente, deve estar amparada em prévias autorizações dos detentores dos referidos direitos. Por outro lado, o artigo 8º da LDA esclarece, de forma taxativa, quais os objetos que não estão protegidos pelos direitos autorais, na forma da lei: Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; 7 IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras. Dentre os itens descritos acima, destacamos o inciso I, em que se anuncia a não proteção das ideias como direito autoral. Como vimos, os direitos autorais abrangem apenas as expressões das criações do espírito, mas não as ideias são consideradas de uso comum e não podem ser protegidas por si só. Nesse sentido, valer-se de ideias semelhantes como inspiração para a criação de obra intelectual não pode ser considerado plágio. A originalidade da obra intelectual não se confunde com o ineditismo da ideia, mas sim com os aspectos objetivos e subjetivos presentes na estrutura e desenvolvimento da ideia expressos na obra. Somente a partir da análise destes é que poderemos dizer se estamos diante de caso de plágio ou não1. A esse respeito, Paranaguá e Branco (2009: 32-33) nos relatam interessante história que retrata ideia como objeto não protegido pelos direitos autorais: Em 1981, o médico e escritor Moacyr Scliar — eleito em 2003 para a Academia Brasileira de Letras — escreveu um breve romance intitulado Max e os felinos. Nele, um menino alemãochamado Max se via, após um naufrágio transatlântico (vindo da Europa para o Brasil), dividindo um bote salva-vidas com um jaguar. Cerca de 20 anos depois, o escritor Yann Martel foi agraciado com a mais elevada distinção literária da Inglaterra pelo livro Life of Pi — publicado no Brasil pela Editora Rocco com o título de A vida de Pi —, no qual um menino indiano chamado Pi se via, após um naufrágio transatlântico (indo da Índia para o Canadá), dividindo um bote salva-vidas com um tigre de bengala. Na época da premiação do livro de Martel com o Man Booker Prize, a imprensa especulou a respeito da possibilidade de Scliar processar Martel por plágio. O escritor gaúcho sempre disse que não tinha essa intenção, e efetivamente não moveu qualquer processo. Afinal, Martel havia se apropriado de uma imagem, de uma ideia de Scliar. E ideias não são protegidas por direito autoral. A propósito, proteção jurídica da ideia se constitui em diferença importante entre o direito autoral e o direito da propriedade industrial, sendo que neste a proteção recai sobre o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras (inciso VII), seja por meio de um pedido de registro de marca ou de patente. Não podemos nos esquecer de que a obra em que se descreve uma invenção é protegida por direito autoral, recaindo este sobre sua forma literária ou artística, nos termos do art. 7º, § 3º, da LDA. Porém, a proteção da invenção, em seus aspectos científicos e técnicos, dependerá do atendimento aos requisitos expostos na Lei nº 9.279/96, ou seja, a Lei de Propriedade Industrial - LPI. 1. Veremos mais a esse respeito acerca das limitações dos direitos autorais. 8 Outro ponto de destaque do art. 8º da LDA é o tratamento conferido aos nomes e aos títulos isolados, os quais, por força do inciso VI, não possuem proteção de direitos autorais. Quanto aos nomes, as palavras em si não são protegidas, de modo que podemos nos valer de todo o vocabulário da nossa língua sem precisar solicitar prévio consentimento a ninguém. Entretanto, devemos ter cuidado com as marcas, ou seja, os sinais distintivos registrados para a exploração comercial ou industrial de produtos e serviços, nos termos dos artigos 122 e seguintes da LPI. Assim, recomenda-se a não utilização de logotipos ou imagens associadas a marcas famosas nos materiais didáticos. Por outro lado, a mera citação do nome não está protegida. Por exemplo, posso dizer que as redes sociais, como o Facebook, favorecem o ensino. Não posso utilizar, no entanto, o logotipo no lugar do nome, pois este é protegido pela LPI. A respeito dos títulos das obras, cumpre ressaltar que a proteção à obra intelectual pode se estender ao título, desde que este seja original e inconfundível com obra de mesmo gênero, divulgada anteriormente por outro autor2. Ou seja, não se confere proteção ao título de um livro nomeado “Direitos Autorais”, ou a um filme intitulado “Amor”. No entanto, o título do documentário “Soberano 2 – A Heroica Conquista do Mundial de 2005”, dirigido por Carlos Nader e Maurício Arruda, certamente gozará de proteção, em razão de sua originalidade. 3. Autoria de Obras Intelectuais O art. 11 da LDA afirma que autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Por sua vez, o parágrafo único do mesmo artigo indica que a proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos na LDA. Afinal, podem as pessoas jurídicas ser autoras de obras intelectuais? A despeito do grande avanço da tecnologia, é certo que as obras intelectuais são entendidas como criações do espírito humano, e, como tal, somente poderiam ser criadas por pessoas físicas. Assim sendo, poderíamos responder que as pessoas jurídicas não podem ser criadoras de obra intelectual. É verdade que é possível, no entanto, reconhecer a sua condição de titular de direitos autorais. Mas como isso é possível? Para responder esta pergunta, façamos uma rápida revisão. Dissemos que o Direito Autoral representa a proteção jurídica concedida ao autor sobre sua criação, não apenas quanto ao aspecto pessoal, de natureza personalista e extrapatrimonial, mas também no tocante ao aspecto patrimonial, fundado no conceito de propriedade. Ou seja, como já dito, os direitos autorais se dividem entre os direitos morais e patrimoniais do autor. A partir desta distinção, embora a LDA proíba a negociação dos direitos morais de autor, permite que a titularidade dos direitos patrimoniais, sobretudo voltados para a exploração econômica da obra intelectual, seja alienada enquanto bem móvel para qualquer terceiro, desde que observadas as suas disposições normativas. É desta forma que uma editora ou um estúdio cinematográfico adquirem direitos sobre qualquer obra intelectual, controlando, a partir daí, sua publicação ou execução. Não serão autoras da obra, mas serão, as titulares dos direitos econômicos que recaem sobre a obra. Explica PARANAGUÁ E BRANCO (2009: 40) que “essa distinção é bastante importante para refletirmos sobre os propósitos da lei. Embora se chame Lei de Direitos Autorais, na verdade a LDA protege principalmente o titular dos direitos, que nem sempre é o autor”. 2. O título de publicações periódicas, como os jornais e revistas, é protegido até um ano após a saída do seu último número. No caso de publicações periódicas anuais, esse prazo se eleva a dois anos, nos termos do art. 10, parágrafo único, da LDA. 9 Entretanto, a depender das particularidades das obras intelectuais, a identificação da autoria, bem como o exercício dos direitos de autor, pode sofrer algumas modificações. Vejamos alguns exemplos a seguir. Obras Simples A autoria, por sua vez, não precisa ser indicada por meio do nome civil verdadeiro do autor da obra intelectual, sendo inúmeros os autores conhecidos por seus pseudônimos, iniciais, nomes artísticos ou mesmo sinais convencionais, como o cantor antigamente conhecido como Prince e que entre 1993 e 2000 apresentou-se por um símbolo impronunciável. Obras de Domínio Público Na forma do art. 14 da LDA, é considerado titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público, ou seja, obra sobre a qual não existe mais restrição quanto à sua utilização comercial. Esse prazo é de setenta anos, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor (art. 41 da LDA). Nestes casos, não poderá o autor opor-se a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua. Como exemplo, podemos dizer que existem várias traduções das obras clássicas gregas e romanas para o português. Cada tradução desta transforma-se em obra intelectual nova, nos termos do art. 7º, inciso XI, da LDA. Entretanto, não se pode impedir que sejam realizadas outras traduções, as quais também serão consideradas obras distintas, e assim protegidas. Obras Coletivas A obra coletiva é aquela “criada por iniciativa, organização e responsabilidade de uma pessoa física ou jurídica, que a publica sob seu nome ou marca e que é constituída pela participação de diferentes autores, cujas contribuições se fundem numa criação autônoma” (art. 6º, inciso VIII, alínea “h”, da LDA). Como principal exemplo, podemos citar as enciclopédias, que se valem de diversos autores especializados nos mais diversos ramos do conhecimento, para a criação de obra autônoma sob sua marca. Mesmo nestes casos é assegurada a proteção às participações individuais, na figura do exercício dos direitos morais de autor. Por ora, cabe dizer que os participantes individuais poderão proibir que se indique ou anuncie seu nome em obra coletiva, sem prejuízo do direito de haver a remuneração contratada (art. 17, § 1º, da LDA). Caberá ao organizador, no entanto, a titularidade dos direitos comerciais sobre o conjunto da obra coletiva, de modoque não se faz necessário colher a autorização de todos os participantes para a utilização desta obra. Bastará apenas a do organizador. 10 Obras em Coautoria A autoria de obras criadas em regime de coautoria, isto é, aquelas criadas por dois ou mais autores em comum, deverá estar sempre representada pelo nome, pseudônimo ou sinal convencional de todos os seus autores. Trata- se de situação bastante frequente no mundo musical, em que usualmente verificamos que o autor da melodia não é o letrista. Exemplo: “Garota de Ipanema”, música de Tom Jobim e letra de Vinicius de Moraes. Ambos devem ser indicados quando de sua apresentação. No entanto, as obras podem ser classificadas como divisíveis ou indivisíveis, de acordo com o seu conteúdo. Por obra indivisível podemos entender a elaboração de um livro, o qual não nos permita saber quem efetivamente escreveu cada parte. Quando definida coautoria indivisível, é importante lembrar que nenhum dos autores poderá, sem o consentimento dos demais, publicar ou autorizar a publicação da referida obra, salvo na coleção de suas obras completas (art. 32 da LDA). E na hipótese de não haver consenso entre os autores de obra indivisível? Neste caso a legislação brasileira adota regra democrática: os autores decidem por maioria, conforme determina o art. 32, § 1º, da LDA. O coautor dissidente poderá sempre vedar que se inscreva seu nome na obra, bem como se eximir de contribuir para as despesas de publicação, desde que renuncie a sua parte nos lucros. Caso a contribuição de coautor possa ser utilizada separadamente, são asseguradas todas as faculdades inerentes à sua criação como obra individual, desde que sua utilização não acarrete prejuízo à exploração da obra comum (art. 15, § 2º, da LDA). Como exemplo de obra divisível citamos a publicação de uma coletânea de contos ou poemas, desde que reúna textos de dois ou mais autores. Não serão considerados coautores, para os fins legais, aqueles que simplesmente auxiliaram o autor na produção da obra intelectual, como os revisores e atualizadores, por exemplo (art. 15, § 1º, da LDA). Quanto às obras audiovisuais, serão considerados coautores o roteirista e o diretor (art. 16 da LDA), sendo que caberá ao diretor o exercício dos direitos morais de autor3. 3 3. Os direitos morais estão elencados no art. 24 e seguintes da LDA e será objeto de estudo na sequência. 11 4. Registro de Obras Intelectuais Após analisarmos as obras intelectuais protegidas e a questão da autoria, você pode se perguntar: a proteção dos direitos autorais depende de registro das obras intelectuais? O art. 18 da LDA é bastante claro quanto à desnecessidade de registro para a proteção aos direitos presentes nesta lei. Cabe ao próprio autor decidir-se pelo registro ou não de sua obra. Decidindo-se pelo registro, deverá fazê-lo em órgão público definido no art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 19734: Art. 17. Para segurança de seus direitos, o autor da obra intelectual poderá registrá- la, conforme sua natureza, na Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto Nacional do Cinema, ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. §1º Se a obra for de natureza que comporte registro em mais de um desses órgãos, deverá ser registrada naquele com que tiver maior afinidade. §2º O Poder Executivo, mediante Decreto, poderá, a qualquer tempo, reorganizar os serviços de registro, conferindo a outros órgãos as atribuições a que se refere este artigo. O serviço de registro poderá ser cobrado. O valor e o processo de recolhimento serão estabelecidos por ato do titular do órgão da Administração Pública Federal a que estiver vinculado o registro das obras intelectuais (art. 20 da LDA). Porém, você deve se perguntar agora: Se o registro é facultativo e pago, por que registrar? Embora não constitua nenhum direito, pois vimos que a proteção jurídica nasce com a criação da obra intelectual, o registro pode se constituir em importante meio de prova de anterioridade da obra, em caso de alguma disputa judicial ou não, pois confere publicidade à sua criação e proteção. No entanto, caso se comprove que a obra fora criada antes por outra pessoa que não a registrou, de nada valerá o registro. 4. Como já vimos, a Lei nº 5.988, de 1973, foi quase na sua integralidade revogada pela LDA, subsistindo vigentes apenas o art. 17, §§ 1º e 2º. Esclarece-se, por oportuno, que a responsabilidade pelo registro das obras cinematográficas recai hoje sobre a ANCINE (Agência Nacional de Cinema). Módulo Direitos do Autor2 Noções Gerais de Direitos Autorais Brasília 2015 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Paulo Sergio de Carvalho Diretor de Desenvolvimento Gerencial Paulo Marques Coordenadora-Geral de Educação a Distância Natália Teles da Mota Curso cedido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG Conteudista: Daniel Babinski (2012) Revisor de conteúdo e elaboração dos exercícios: Camila Parahyba (2013) Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap. © Enap, 2014 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Comunicação e Pesquisa SAIS – Área 2-A – 70610-900 - Brasília, DF Telefone: (61) 2020 3096 – Fax: (61) 2020 3178 SUMÁRIO 1. Introdução ...................................................................................................................... 5 2. Dos Direitos Morais ........................................................................................................ 6 3. Dos Direitos Patrimoniais ................................................................................................ 7 3.1 Temporariedade ........................................................................................................... 8 3.2 Prévia Autorização ...................................................................................................... 10 3.3 Proteção Automática e Individualidade e Independência da Proteção ......................... 11 4 Dos Direitos de Autor na Administração Pública ............................................................ 12 5 1. Introdução Já verificamos que existem dois modelos de proteção jurídica no Direito Autoral, os quais são frutos dos embates políticos e econômicos do fim da Idade Moderna. Dissemos na ocasião que o modelo inglês, por motivos históricos, preocupava-se com a exploração econômica da obra, mediante o direito de cópia (copyright). Por sua vez, o modelo francês do droit d’auteur tinha por ênfase a figura do autor, consagrando a existência de dois feixes de direitos sob a égide do Direito Autoral – os direitos morais, vinculados aos direitos de personalidade, e os direitos patrimoniais, decorrentes da exploração da obra protegida. O sistema brasileiro de Direito Autoral baseia-se no modelo francês de proteção, conforme atesta o art. 22 da LDA: “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Em síntese, podemos classificar o sistema brasileiro de proteção ao Direito Autoral na forma do quadro abaixo: Direitos do Autor Neste capítulo, veremos detalhadamente a seguir no que consiste cada uma destas categoriais jurídicas. Ao final, estudaremos as hipóteses em que a Administração Pública pode se tornar detentora de direitos autorais, assim como a situação dos servidores públicos que produzem obras protegidas no exercício de suas funções. Módulo Direitos do Autor2 6 2. Dos Direitos Morais Classificam-se usualmente os direitos morais autorais em direitos de personalidade, na medida em que se ocupam da relação do autor com sua obra. Assim como os demais direitos de personalidade – como o nome, imagem, dignidade,honra etc. – são inalienáveis e irrenunciáveis, na forma do art. 27 da LDA. Embora não esteja na lei, pode-se dizer que são também imprescritíveis e impenhoráveis, como os demais direitos de personalidade. Ou seja, ao criar uma obra intelectual o autor passa a ser detentor dos direitos morais indicados no art. 24 da LDA, os quais não podem ser comercializados, doados, renunciados, penhorados, assim como serão perpétuos. Estes direitos morais são a própria materialização da personalidade do autor e resguardam a relação deste com a titulação, circulação e elaboração de sua obra intelectual. São eles: Direitos Morais do Autor - art. 24 da LDA É importante destacar que estes direitos já estavam previstos na Lei nº 5.988, de 1973, à exceção do inciso VII, o qual determina o direito de acesso a exemplar único e raro de obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de buscar preservar sua memória. Neste caso, assim como nas hipóteses dos incisos V e VI, os terceiros envolvidos deverão ser indenizados na medida de seu prejuízo. Vejamos agora um pouco mais destes direitos morais. Diante do quadro, é possível se perguntar: se os direitos morais de autor são personalíssimos, o que ocorre quando o autor morre? Bem, neste caso, a LDA determina que a seus sucessores transmitem-se os direitos previstos nos incisos I a IV. Trata-se, no entanto, de verdadeira 7 gafe legislativa, pois como vimos, os direitos morais são intransmissíveis. Na verdade, seus sucessores apenas exercerão a defesa dos direitos morais do autor, na forma prevista pelos incisos1. Encerrado o prazo de setenta anos contados de 1º de janeiro subsequente ao falecimento do autor, competirá ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra, uma vez que será de domínio público (art. 25, § 2º, da LDA). Obras Audiovisuais. O exercício dos direitos morais sobre as obras audiovisuais pertence exclusivamente aos seus diretores (art. 25 da LDA). Trabalhos Arquitetônicos. O art. 26 da LDA permite a renúncia de autoria de projeto arquitetônico alterado, sem o consentimento do autor, durante a execução ou após a conclusão da construção. Neste caso, o proprietário da construção responderá pelos danos que causar ao autor sempre que, após o repúdio, indicar a autoria do projeto ao renunciante. Embora tenhamos visto que compete apenas ao autor realizar alterações nas suas obras, o legislador fez importante deferência aos trabalhos arquitetônicos, em razão de sua especificidade, protegendo o autor, no entanto, das alterações que lhe sejam desagradáveis. 3. Dos Direitos Patrimoniais A proteção quanto à exploração econômica dos direitos autorais é garantida pelos direitos patrimoniais inerentes à obra intelectual. Segundo o art. 28 da LDA, cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor sobre sua obra literária, artística ou científica. Por outro lado, como vimos anteriormente, os direitos patrimoniais do autor estão ligados à ideia de propriedade, e desta forma são considerados alienáveis. Diferentemente dos direitos morais, portanto, os direitos patrimoniais podem ser avaliados pecuniariamente, ou seja, possuem “preço”. Assim, pode o autor da obra intelectual vender, ceder ou mesmo doar os direitos patrimoniais que possui sobre ela a qualquer terceiro, inclusive pessoa jurídica. Entretanto, o exercício dos direitos patrimoniais está sujeito a alguns princípios e regras previstos na legislação, os quais disciplinam sua proteção. 1. PARANAGUÁ E BRANCO (2009: 48) relatam curiosa história a respeito da manutenção do ineditismo de obra intelectual de autores falecidos: “Parte da obra de Franz Kafka só se tornou pública porque Max Brod desobedeceu a orientação de seu amigo íntimo, que lhe pediu para queimar todas as suas obras que não tivessem sido publicadas quando de sua morte. Graças a Max Brod, o mundo conheceu O castelo e O processo, duas das obras mais significativas do escritor tcheco”. 8 Vejamos, a seguir, quais são os principais: Direitos Patrimoniais do Autor 3.1 Temporariedade O art. 41 da LDA determina que os direitos patrimoniais do autor perdurem por setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, mesmo prazo concedido às obras póstumas. Na hipótese do autor não ter cedido os direitos de sua obra e tampouco possuir herdeiros, a obra imediatamente cairá em domínio público, de modo que estará disponível para irrestrita utilização, desde que observados os direitos morais de autor, como vimos. No caso de obras indivisíveis produzidas em coautoria, o prazo será contado da morte do último dos coautores vivos. Para as obras anônimas ou pseudônimas, será contado o prazo de 1º de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação, exceto no caso em que descobrirmos o autor, de modo que voltaríamos à regra do art. 41 da LDA. Por fim, frisamos que o prazo de proteção de setenta anos também existe sobre as obras audiovisuais e fotográficas, contado de 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação. Por que um prazo tão longo? Temos que lembrar que os direitos autorais buscam não apenas proteger a figura do autor, mas também a exploração econômica de suas obras. São inúmeros os casos históricos que conhecemos de famílias de autores, músicos, poetas que se tornaram miseráveis após o falecimento destes. Estes exemplos inflamaram uma iniciativa de proteção, a qual encontrou reconhecimento na Convenção de Berna (1886), a qual determinou a adoção de prazo mínimo de cinquenta anos para os países signatários. No Brasil, o Código Civil de 1916 previa o prazo de sessenta anos contados a partir do dia do falecimento do autor (art. 649, § 1º), repetido pelo art. 42, § 2º da Lei nº 5.988, de 1973, o qual apenas estabeleceu que a contagem se desse de 1º de janeiro do ano subsequente ao 9 falecimento. O atual prazo de setenta anos previsto na LDA era exatamente o mesmo concedido pelos Estados Unidos, justamente até 1998, quando o Congresso estadunidense prorrogou o prazo anterior por mais vinte anos. O motivo? Pressão de grandes grupos da mídia, sobretudo na tentativa de salvar um ratinho mundialmente famoso que cairia em domínio público em 2003. Agora nos resta esperar 2023 para ver o que vai acontecer ao Mickey Mouse... E o defunto autor? Ao iniciar sua obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis brinca com o fato de ser o próprio defunto o autor da narrativa. Entretanto, há quem realmente acredite que existem autores no além-vida, os quais produzem as obras chamadas de psicografadas. Nestes casos, como fica a proteção dos direitos autorais?! Paranaguá e Branco nos relatam curiosa história ocorrida no Brasil: O caso se tornou clássico. Humberto de Campos (1896-1934), escritor e político, eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1920, publicou diversos livros de poesia, contos e crônicas. Apesar de ter falecido em 1934, a partir de 1937 várias crônicas e romances atribuídos ao escritor começaram a ser psicografados. Entre as obras, todas editadas pela Federação Espírita Brasileira, a de maior notoriedade entre os espíritas foi Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho. Em 1944, a viúva de Humberto de Campos, d. Catarina Vergolino de Campos, ingressou em juízo contra a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier, médium que havia psicografado os livros, a fim de obter uma declaração, por sentença, estabelecendo se essa obra mediúnica “era ou não do "espírito" de Humberto de Campos” e, em caso afirmativo, para deter os direitos autorais sobre a obra. O assunto causou muita polêmica e, durante um bom tempo, ocupou espaço nos principais periódicos do país. A autora foi julgada carecedora da ação proposta, por sentença de 23 de agosto de 1944 do dr. João Frederico Mourão Russell, juiz de direito em exercício na 8a VaraCível do antigo Distrito Federal. D. Catarina Campos recorreu da sentença, mas o Tribunal de Apelação do antigo DF a manteve. 10 3.2 Prévia Autorização Enquanto o prazo de setenta anos ainda não tiver sido alcançado, a utilização da obra intelectual estará sempre condicionada à prévia e expressa autorização do titular dos direitos patrimoniais sobre ela. O art. 29 da LDA apresenta extensa lista exemplificativa de atos cuja referida autorização é obrigatória: Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral. II - a edição. III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações. IV - a tradução para qualquer idioma. V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual. VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra. VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário. VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação. b) execução musical. c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos. d) radiodifusão sonora ou televisiva. e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva. f) sonorização ambiental. g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado. h) emprego de satélites artificiais. i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados. j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas. IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero. X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. Considerando a elaboração de cursos a distância, podemos destacar os incisos IV (tradução), VII (distribuição pela internet), VIII (utilização direta e indireta de obras) e IX (inclusão em base de dados e armazenamento em computador). É preciso observar que as traduções são protegidas por direitos autorais (inciso IV) – a eventual edição ou publicação de obra intelectual estrangeira vertida para o português não dependerá apenas da cessão dos direitos sobre a obra original, mas também dos direitos sobre a versão traduzida, os quais pertencem originalmente ao tradutor. 11 Veremos adiante no nosso estudo em que condições se operam essas cessões. Quanto à distribuição de obra intelectual pela internet ou sua inclusão em bases de dados ou armazenamento em computador, lembramos que é necessário o prévio e expresso consentimento do titular dos direitos patrimoniais sobre a obra. Veremos adiante que os negócios jurídicos envolvendo direitos autorais sempre se interpretam restritivamente (art. 4º da LDA), de modo que não se presumem autorizações, tampouco se aceitam genéricas. Assim, é preciso que o autor dos conteúdos que serão produzidos para os cursos a distância autorize prévia e expressamente a adaptação de seu curso à modalidade a distância, bem como sua utilização e disponibilização pela internet. Posso utilizar obras protegidas em material didático ou sala de aula? Por fim, o inciso VIII estabelece que a utilização de qualquer obra intelectual no material didático deve ser precedida de prévia e expressa autorização do titular dos direitos. Falamos, por exemplo, de filmes, livros, imagens de obras plásticas etc. Entretanto, veremos na sequência em que casos é possível utilizar obras protegidas sem necessidade de prévio e expresso consentimento do autor, sem infringir qualquer direito autoral. Por que eu preciso de autorização do autor se eu comprei um livro ou um CD? O art. 37 da LDA estabelece que a aquisição do original de obra ou exemplar não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor, salvo convenção em contrário entre as partes e os casos previstos em lei. Como já dissemos, os direitos patrimoniais do autor estão ligados à exploração econômica da obra. Quando adquirimos um livro ou CD, adquirimos apenas o bem material em que a obra está fixada. Ou seja, posso livremente dispor do meu CD ou livro, nos limites do meu direito de propriedade sobre ele. Entretanto, não possuo direitos patrimoniais sobre seu conteúdo, exceto nos limites previstos na lei. É por isso que precisaríamos de autorização do autor para fazer cópias integrais das músicas ou dos livros, mesmo quando os adquirimos legalmente. 3.3 Proteção Automática e Individualidade e Independência da Proteção Proteção Automática Quando estudamos as obras intelectuais protegidas, vimos que o art. 18 da LDA afirma que o registro é facultativo, ou seja, a proteção jurídica sobre os direitos autorais independe da solenidade – é automática e existe a partir da criação da obra intelectual. Individualidade e Independência da Proteção O art. 31 da LDA estabelece que as diversas modalidades de utilização das obras protegidas são independentes entre si, de modo que a autorização concedida pelo autor ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais. Ou seja, cada obra é protegida individualmente, de modo que a versão original de um livro e a sua tradução para outra língua gozam de proteções específicas, sobre as quais incidem prazos de exercício de direitos patrimoniais diferentes. Assim sendo, reforçamos a preocupação em se obter autorizações prévias e expressas para todos os tipos de utilizações que se pretende, pois como diz a lei, a autorização concedida pelo autor para um tipo de uso não se estende a outros tipos de usos. Não posso traduzir se apenas obtive autorização para reproduzir, ou ainda, não poderia adaptar o livro para o cinema ou teatro. 12 4 Dos Direitos de Autor na Administração Pública Como já dissemos anteriormente, as obras protegidas pelos direitos autorais são criações do espírito humano. Como tais, somente podem ser fruto da atividade intelectual de pessoa física. Entretanto, é possível que os autores destas obras cedam seus direitos para pessoas jurídicas, as quais se transformariam em titulares dos direitos autorais, na extensão da referida cessão. Veremos o que ocorre na Administração Pública. Vislumbram-se três hipóteses pelas quais a Administração Pública poderia se tornar eventual detentora de direitos autorais: (a) na atividade de fomento de cultura; (b) contratando obras intelectuais; e (c) produzindo obras intelectuais, por meio de seus servidores. Fomento à cultura É sabido que cabe ao Estado brasileiro, por preceito constitucional, garantir a valorização da cultura, por meio de incentivos para a produção e conhecimento de bens e valores culturais (art. 216, § 3º, da Constituição Federal de 1988). Nesse sentido, pode atuar na subvenção de obras protegidas, como filmes, peças teatrais e livros. Para estes casos, a LDA estabelece que não seja de domínio da Administração Pública ENAP - em qualquer esfera de governo - as obras por ela simplesmente subvencionada (art. 6º da LDA). Assim, os direitos autorais pertencerão exclusivamente aos criadores da obra intelectual em questão. Contratação de Obras Protegidas O art. 36 da Lei nº 5.988, de 1973, previa que os direitos do autor sobre as obras intelectuais produzidas no âmbito de prestação de serviços pertenceriam a ambas as partes – contratante e prestador –, salvo convenção em contrário. Mais recentemente, as recentes Lei de Propriedade Industriale Lei da Propriedade Intelectual de Programa de Computador estabelecem que os direitos relativos aos inventos industriais e aos programas de computador, respectivamente, pertencerão exclusivamente ao encomendante, salvo expressa manifestação das partes em contrário. E como ficam os direitos autorais? A LDA é silente quanto ao tema e não reproduz o regime de copropriedade estabelecido pela legislação anterior. Ou seja, não determina a quem pertencem os direitos autorais de obras produzidas a partir de prestação de serviços, exceção feita aos artigos escritos para a imprensa, desde que não assinados, cujos direitos pertencerão aos editores (art. 36 da LDA). A princípio, portanto, prevalece a regra de que as partes podem determinar a titularidade destes direitos. Mas atenção! Apenas a titularidade dos direitos patrimoniais, pois os direitos morais permanecerão com o autor, por força do art. 27 da LDA2. Destacamos que o Tribunal de Contas da União - TCU já se debruçou sobre o tema, em razão de consulta formulada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE. Na ocasião, o Fundo desejava saber se os manuais e cadernos produzidos com recursos do órgão poderiam ser enquadrados como obras intelectuais e, como tais, se conferiam direitos autorais aos seus criadores. 2. Art. 27. Os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis. 13 Por meio do Acórdão TCU 883/2008 – Plenário, a Corte de Contas publicou o entendimento de que a Administração Pública poderia contratar a criação de obras intelectuais protegidas, como por exemplo, os manuais e cadernos produzidos pelo FNDE. Adiante, indicou que caso seja do interesse da Administração obter a titularidade dos direitos patrimoniais sobre obra protegida contratada, deverá prever expressamente a transmissão destes direitos no contrato a ser firmado com o criador: 1) não havendo previsão expressa de transmissão dos direitos patrimoniais para o encomendante, eles permanecerão sob a titularidade do autor, sendo irrelevante que a obra tenha sido custeada pelo Erário, por encomenda da Administração Pública. 2) ao encomendar obra protegida pela LDA (não apenas serviços técnicos especializados), deve a Administração ter a cautela de prever a transferência (total ou parcial) dos respectivos direitos patrimoniais do autor, sempre que tal medida for necessária para evitar futuros embaraços à utilização da obra pelo ente público contratante3. (grifos nossos) Quanto ao segundo ponto, é importante não esquecer o disposto no art. 111 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: “A Administração só poderá contratar, pagar, premiar ou receber projeto ou serviço técnico especializado desde que o autor ceda os direitos patrimoniais a ele relativos e a Administração possa utilizá-lo de acordo com o previsto no regulamento de concurso ou no ajuste para sua elaboração”. O entendimento do Acórdão é de que este artigo não transmite necessariamente os direitos patrimoniais do autor para a Administração. Na verdade, o TCU o interpreta como um dever de cautela a toda Administração, no sentido de que esta preveja, sempre que necessário, a transmissão de direitos patrimoniais de autor em seus contratos: O dispositivo não obriga o autor a ceder seus direitos patrimoniais à Administração, se isso não foi previsto ‘no regulamento do concurso ou no ajuste’. O preceito é dirigido à própria Administração, obrigando-a a prever a transferência dos direitos patrimoniais do autor no instrumento da avença, de modo a não pairar qualquer dúvida a respeito do sentido e alcance do negócio jurídico. Cabe ao autor da obra aceitar ou não tal condição, acatando ou recusando a encomenda, mas ficando desde logo ciente estar diante de um contrato coligado, que envolve não só a produção da obra encomendada, mas também a cessão dos direitos sobre a obra produzida, aspectos que conservam sua autonomia e que são regulados por disciplina jurídica própria4. Obras protegidas criadas por servidores públicos Verificamos anteriormente que tanto a Lei de Propriedade Industrial quanto a Lei de Propriedade Intelectual de Programa de Computador estabelecem que os direitos sobre seus objetos protegidos pertencem exclusivamente ao contratante ou empregador. Entretanto, como isso ocorre no caso da Administração empregadora? O art. 93 da LPI estabelece que a mesma sistemática se aplica à Administração direta, indireta e fundacional, federal, estadual ou municipal. Ou seja, nos casos de propriedade industrial, é pacífico que a propriedade de invenção ou de modelo de utilidade pertencem apenas à Administração, quando decorrerem de contrato 3. Trecho do item 6 do relatório do Acórdão em questão. 4. Idem. 14 de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado (art. 88 da LPI). Por outro lado, a própria Administração Pública, por meio do Decreto nº 2.553, de 16 de abril de 1998, incentiva o desenvolvimento de bens de propriedade industrial pelos seus servidores, a partir da possibilidade de premiação por meio de parcela do valor das vantagens auferidas pelo órgão, durante a vigência da patente ou do registro: Art. 3º Ao servidor da Administração Pública direta, indireta e fundacional, que desenvolver invenção, aperfeiçoamento ou modelo de utilidade e desenho industrial, será assegurada, a título de incentivo, durante toda a vigência da patente ou do registro, premiação de parcela do valor das vantagens auferidas pelo órgão ou entidade com a exploração da patente ou do registro. § 1º Os órgãos e as entidades da Administração Pública direta, indireta e fundacional promoverão a alteração de seus estatutos ou regimentos internos para inserir normas que definam a forma e as condições de pagamento da premiação de que trata este artigo, a qual vigorará após publicação no Diário Oficial da União, ficando convalidados os acordos firmados anteriormente. § 2º A premiação a que se refere o caput deste artigo não poderá exceder a um terço do valor das vantagens auferidas pelo órgão ou entidade com a exploração da patente ou do registro. Infelizmente, a correlação não existe na LDA, a qual não possui qualquer posição a respeito do tema, a despeito do antigo art. 36 da Lei nº 5.988, de 1973. Este artigo, por sua vez, determinava o regime de copropriedade para as obras criadas no estrito cumprimento de dever funcional. Entretanto, diferentemente da hipótese prevista para as obras protegidas contratadas, o Tribunal de Contas da União entende que para as obras criadas no estrito cumprimento de dever funcional não se aplica o regime de livre disposição entre as partes, de modo que o direito autoral seria exclusivo da Administração Pública empregadora. Argumenta, a propósito, que os servidores não poderiam auferir benefícios privados decorrentes do exercício de função pública sem que haja expressa previsão legal para tanto. Nesse sentido, caso a criação de obra protegida esteja dentre as atribuições funcionais de determinado servidor, este não poderá deter qualquer direito sobre a obra, pois a LDA não o previra. Por exemplo: o servidor que possui como dever funcional a elaboração de manual, não deterá qualquer direito autoral sobre este, na interpretação do Tribunal. Por outro lado, embora o referido Acórdão não o explicite, é possível admitir que o direito autoral seja exclusivo do servidor para os casos em que a obra protegida criada não decorra do desempenho das tarefas próprias de seu cargo. Por exemplo: servidor que publica artigo em revista científica sobre objeto de seu trabalho, ou ainda que ministre curso voluntário de treinamento. 15 Proposta de Alteração da LDA Entre os dias 25 de abril e 30 de maio de 2011, o Ministério da Cultura submeteu a apreciaçãopública o texto da Segunda Proposta de Revisão da LDA. Esta versão propõe nova regra geral sobre a matéria. A iniciativa prevê a autorização do empregador, ente público ou privado, para utilizar, com exclusividade, as obras criadas no estrito cumprimento das atribuições e finalidades decorrentes de vínculo estatutário ou de emprego. A exclusividade, no entanto, perduraria por apenas dez anos, conforme proposta do novo art. 52-C: Art. 52-C. Salvo convenção em contrário, o empregador, ente público ou privado, considerar-se-á autorizado, com exclusividade, a utilizar as obras criadas no estrito cumprimento das atribuições e finalidades decorrentes de vínculo estatutário ou contrato de trabalho. § 1º - A exclusividade da autorização cessa em dez anos, contados da data da primeira utilização da obra pelo empregador ou, na ausência desta, da data de conclusão da obra. § 2º - O autor poderá dispor livremente dos direitos relacionados às demais modalidades de utilização da obra, desde que não concorra com o uso realizado pelo empregador. Módulo Utilização das Obras Protegidas2 Noções Gerais de Direitos Autorais Brasília 2015 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Paulo Sergio de Carvalho Diretor de Desenvolvimento Gerencial Paulo Marques Coordenadora-Geral de Educação a Distância Natália Teles da Mota Curso cedido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG Conteudista: Daniel Babinski (2012) Revisor de conteúdo e elaboração dos exercícios: Camila Parahyba (2013) Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap. © Enap, 2014 Enap Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Comunicação e Pesquisa SAIS – Área 2-A – 70610-900 — Brasília, DF Telefone: (61) 2020 3096 – Fax: (61) 2020 3178 SUMÁRIO 1. Introdução ...................................................................................................................... 5 2. Transferência dos Direitos de Autor ................................................................................ 5 3. Limitações dos Direitos de Autor .................................................................................... 7 4. Avanço Jurisprudencial ................................................................................................. 11 5 1. Introdução Neste capítulo, estudaremos os requisitos que devemos observar quando da utilização de obras protegidas. Num primeiro momento, daremos atenção à formalização das transferências de direitos de autor, seja ela total ou parcial. Em seguida, apresentaremos as hipóteses em que o público pode se valer de obras protegidas sem o prévio e expresso consentimento do autor. Por fim, veremos como o Poder Judiciário tem enfrentado a questão das limitações e restrições à proteção dos direitos autorais. 2. Transferência dos Direitos de Autor Como já vimos anteriormente, os direitos patrimoniais de autor, diferentemente dos direitos morais, podem ser transferidos a terceiros, de modo que nem sempre o titular dos direitos autorais sobre uma determinada obra é, de fato, seu autor. A própria legislação disciplina a transferência dos direitos de autor, seja ela parcial ou total, estabelecendo as limitações para tanto no art. 49 da LDA: Capítulo V Da Transferência dos Direitos de Autor Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei. II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita. III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos. IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário. V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato. VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. Módulo Utilização das Obras Protegidas2 6 O art. 49 da LDA estabelece que a transferência dos direitos autorais possa ocorrer por meio de licenciamento, cessão e concessão de direitos, ou por outros meios admitidos em Direito. É importante destacar que estes instrumentos contratuais não possuem definições jurídicas muito precisas, sobretudo a concessão, o que acaba inviabilizando sua utilização1. De qualquer modo, é possível apontar algumas particularidades entre a licença e a cessão, conforme veremos a seguir. Licença. A licença é uma modalidade de autorização para utilização de determinada obra, sendo mais conhecida pelo termo licença de uso. Vimos que o art. 29 da LDA determina o prévio e expresso consentimento do autor para utilização da sua obra, em quaisquer modalidades. A licença se presta justamente para garantir essa utilização, sem haver qualquer transferência de titularidade dos direitos patrimoniais. Ou seja, o autor permanecerá detentor de todos os direitos patrimoniais sobre a obra protegida. Destaca-se que a licença pode ser a título gratuito ou oneroso, com cláusula de exclusividade ou não. Pode ser admitida na forma oral, exceto para os contratos de edição (art. 53 da LDA). De qualquer forma, é recomendável que os esse tipo de contrato seja sempre formalizado. Cessão. A cessão, por sua vez, envolve a transferência da titularidade da obra intelectual a um terceiro. Nesse sentido, é muito mais ampla que a licença, pois confere uma maior liberdade ao cessionário quanto à utilização da obra, que não estará mais restrita aos termos precisos do licenciamento. Na prática, o cessionário atuará como efetivo titular dos direitos adquiridos, sejam eles parcial ou totalmente. A cessão total ou parcial se fará sempre por escrito, presumindo-se onerosa, nos termos do art. 50 da LDA. Outro requisito muito importante é que o instrumento de cessão apresente elementos essenciais para a transação, como as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço. Caso não haja previsão no contrato, o prazo máximo de cessão será de 05 (cinco) anos e somente valerá para o país em que se celebrou o contrato. Sérgio Branco e Pedro Paranaguá (2009:100-101) nos apresentam didático exemplo para nos auxiliar nas diferenciações entre licença e cessão na prática: Tanto a cessão quanto a licença podem ser totais ou parciais, o que significa que podem se referir à integralidade do uso econômico da obra ou apenas a alguma(s) das faculdades de seu aproveitamento econômico. Um exemplo talvez seja esclarecedor. Como todos sabemos, Paulo Coelho se celebrizou a partir de sua obra O alquimista. Considerando-se a hipótese de o autor ser o único titular dos direitos patrimoniais sobre sua obra (ou seja, se não tiver transferido seus direitos a ninguém), ele pode autorizar o uso da obra O alquimista por terceiro ou ceder seus direitos. Vejamos na prática essas possibilidades: • Paulo Coelho é consultado por um diretor de teatro de Fortaleza interessado em transformar O alquimista em peça teatral. Paulo Coelho autoriza, por meio de licença, a adaptação da obra para o palco. Nesse caso, Paulo Coelho continua sendo o titular de todos os direitos. O diretor cearense não pode fazer nada com a obra a não ser realizar sua montagem. Trata-se, portanto, de uma licença parcial. 1. Sobre a concessão em especial:“Por fim, a concessão, mencionada no caput do art. 49, ocupa um lugar curioso. Entendendo que a licença é uma autorização de uso e a cessão uma transferência de titularidade de direito, a concessão não encontra lugar nas definições doutrinárias. Na verdade, a LDA também não esclarece o que pode vir a ser concessão, o que prejudica o uso dessa modalidade contratual na prática” (Fundação Getulio Vargas: 2011, p. 56). 7 • Paulo Coelho é procurado pelo mesmo diretor de teatro, que tem, porém, diversas ideias para uso do livro. O diretor pede que lhe seja concedido uma licença total, para que, no prazo de cinco anos, por exemplo, possa explorar a obra em toda a sua amplitude. Nesse caso, o licenciado (o diretor de teatro) teria poderes muito amplos. Se quisesse, poderia transformar o livro em filme, em peça de teatro, em espetáculo de circo, em musical, em novela, em história em quadrinhos etc. Ainda assim, por se tratar de licença (mesmo que total), Paulo Coelho continuaria titular dos direitos patrimoniais. • O diretor de Fortaleza também poderia querer transferir definitivamente para si o direito de transformar o livro em espetáculo teatral. Para isso, demandaria uma cessão parcial da obra. Ou seja, se Paulo Coelho fizesse uma cessão de seus direitos patrimoniais referentes à possibilidade de transformar o livro em peça, estaríamos diante de uma hipótese muito semelhante a uma compra e venda. Se assim fosse, o próprio Paulo Coelho ficaria desprovido desse direito no futuro, uma vez realizada a cessão. • Por fim, temos a possibilidade de uma cessão total. Nesse caso, todos os direitos patrimoniais pertenceriam ao diretor de teatro, se com ele o contrato fosse celebrado. Assim, se no futuro alguém desejasse transformar o livro O alquimista em filme, precisaria negociar com o diretor de teatro, e não com Paulo Coelho, que, embora autor, teria se desprovido dos direitos patrimoniais relacionados com a obra por ter realizado sua cessão total. (grifos nossos) Atenção. Vimos anteriormente que o art. 31 da LDA estabelece que as diversas modalidades de utilização das obras protegidas são independentes entre si, de modo que a autorização ou cessão firmada pelo autor não se estende a quaisquer das demais modalidades. Assim sendo, a cessão somente se opera para modalidades de utilização já existentes à data do contrato (art. 49, inciso V, da LDA). No caso de silêncio do contrato de licenciamento ou cessão quanto à modalidade de utilização, este deverá ser interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma, a qual deve ser indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato (art. 49, inciso VI, da LDA). Ressalta-se, portanto, a importância de contemplar todos os pormenores possíveis nos contratos que envolvem direitos autorais! 3. Limitações dos Direitos de Autor Afirmamos no primeiro capítulo que o Direito Autoral pode ser considerado ramo específico da disciplina da Propriedade Intelectual. Ao final deste mesmo capítulo, em seguida, verificamos que a Constituição Brasileira de 1988 concedeu nova dimensão ao caráter constitucional dos direitos autorais, os quais foram previstos no art. 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal, ao lado das demais garantias individuais. Por outro lado, a Constituição Federal, no mesmo artigo 5º, também determina que seja garantido o direito de propriedade (inciso XXII) e que esta atenderá a sua função social (inciso XXIII). Nesse mesmo sentido, a Constituição afirma que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, respeitando-se o princípio da função social da propriedade (art. 170, inciso III, da Constituição Federal). 8 Percebe-se, pois, que não existem direitos absolutos em nossa legislação. Entendido o Direito Autoral como direito de propriedade, deve estar submetido à lógica constitucional, que determina a observância à função social. Mas como e em que medida o Direito Autoral também está sujeito a esta função social da propriedade? Embora a Constituição Federal categoricamente afirme ser exclusivo direito do autor a utilização, publicação ou reprodução de suas obras (art. 5º, inciso XXVII, da Constituição Federal), existem algumas situações, no entanto, em que não é necessário obter prévia e expressa autorização do autor para utilizar obra protegida. Por este motivo, a própria LDA, por meio de seu art. 46, já traz os casos em que a utilização de uma determinada obra protegida não constituirá ofensa aos direitos autorais: Capítulo IV Das Limitações aos Direitos Autorais Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos. b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza. c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros. d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários. II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro. III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra. IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou. V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização. 9 VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro. VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa. VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Vamos analisar alguns pontos interessantes deste artigo, pois estamos diante de casos em que se permitem a utilização parcial ou integral da obra protegida. Imprensa. Analisando as situações elencadas acima, podemos concluir que houve grande preocupação do legislador em permitir um fluxo maior de informações por meio das revistas e jornais. Admite-se a reprodução integral de notícias, desde que respeitada a fonte (inciso I, alínea “a”), assim como a reprodução de discursos pronunciados em reuniões publicas (inciso I, alínea “b”). Por outro lado, permite-se a utilização parcial de obras protegidas, por meio da citação de passagens de qualquer obra, pra fins de estudo, crítica ou polêmica (inciso III). Buscou- se, assim, garantir o acesso das pessoas ao conhecimento, além de permitir o debate de ideias. Acessibilidade. O legislador também permitiu a reprodução integral, sem
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