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Manual do Professor Nelson Dacio Tomazi Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Paraná Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista de Assis (SP) Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná Professor de Sociologia na Universidade Estadual de Londrina (PR) e na Universidade Federal do Paraná Associado à Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (Abecs) Marco Antonio Rossi Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (PR) Especialista em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (PR) Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina (PR) Professor de Metodologia de Ensino de Sociologia na Universidade Estadual de Londrina (PR) Pesquisador-assistente da Stiftung Walter Benjamin (Frankfurt/Alemanha) COMPONENTE CURRICULAR SOCIOLOGIA VOLUME ÚNICO ENSINO MÉDIO sociologia Volume único 5-a edição São Paulo, 2016 para o ensino médio 182 ca p ít u lo Os movimentos sociais Os movimentos sociais são ações coletivas com o objetivo de manter ou mudar uma situação. Eles podem ser locais, regionais, nacionais e internacio- nais. Há vários exemplos de movimentos sociais em nosso dia a dia: as greves trabalhistas (por melhores salários e condições de trabalho), os movimentos por melhores condições de vida na cidade (transporte, habitação, educação, saúde etc.) e no campo (pelo acesso à terra ou pela manutenção da atual situação de distribuição de terras), os movimentos étnico-raciais, feministas, ambientalistas e estudantis. Além dos movimentos organizados, existem outros que podemos chamar de conjunturais. São os que duram alguns dias e desaparecem para, depois, surgir em outro momento, com novas formas de expressão. Por causa dessa diferença e mobilidade, é preciso analisar cada tipo de movimento para entender as ideias que motivam e sustentam suas ações, assim como seus objetivos. Os movimentos sociais não são predeterminados; dependem sempre das condições específicas em que se desenvolvem, ou seja, das forças sociais e políticas que os apoiam ou os confrontam, dos recursos existentes para manter a ação e dos instrumentos utilizados para obter repercussão. Os movimentos sociais que se mantêm durante longo tempo tendem a criar uma estrutura de sustentação e uma organização burocrática, por mínima que seja, para continuar atuando. Ao se institucionalizar, correm o perigo de perder o vigor, pois, para continuar sua ação, precisam obter recursos e assumir gastos com aluguel de uma sede, telefone, pessoal de apoio fixo e materiais. A preocupação que antes se concentrava em organizar as ações efetivas divide-se, assim, com o cuidado em manter uma estrutura fixa, deslocando parte das energias para outro foco. Confrontos e parcerias Os movimentos sociais são sempre de confronto político e podem trabalhar para transformar ou manter determinada situação. Na maioria dos casos, eles têm uma relação com o Estado, seja de oposição, seja de parceria, de acordo com seus interes- ses e necessidades. Observam-se várias formas de atuação dos movimentos sociais: contra ações do poder público consideradas lesivas aos interesses da popu- lação ou de um setor dela, como determinada política econômica ou uma legislação que prejudique os trabalhadores ou os outros setores da sociedade; quando para pressionar o poder público a resolver problemas relacionados à segurança, à educação, à saúde etc. (um exemplo são as ações que exigem do Estado medidas contra a exploração sexual e o trabalho infantil); em parceria com o poder público para fazer frente às ações de outros grupos ou empresas privadas (é o caso dos movimentos de proteção ambiental); 18 183Capítulo 18 | Os movimentos sociais para resolver problemas da comunidade, inde- pendentemente do poder público, muitas vezes tomando iniciativas que caberiam ao Estado (por exemplo, as várias ações realizadas por Organiza- ções Não Governamentais – ONGs – e associações de moradores de bairros). Existem também movimentos cujo objetivo é desen- volver ações que favoreçam a mudança da sociedade com base no princípio fundamental do reconhecimento do outro, do diferente. Por meio desses movimentos, procuram-se disseminar visões de mundo, ideias e va- lores que proporcionem a diminuição dos preconceitos e discriminações que prejudicam as relações sociais. Exemplos são os movimentos étnico -raciais, de mino- rias sexuais, feministas, pela paz e contra a violência. Conforme o sociólogo alemão Axel Honneth (1949-), as lutas sociais vão além da defesa de interesses e ne- cessidades, tendo como alvo também o reconhecimento individual e social. Quando um indivíduo se engaja em um movimento social, procura fazer que suas experiên- cias com os sentimentos de desrespeito, vergonha e injustiça inspirem outros indivíduos, de modo que sua luta se transforme numa ação coletiva, de reconhecimento pessoal e social. Honneth afirma: Cartaz de Campanha do Dia Internacional de Combate ao Trabalho Infantil, promovida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), 2011. Exemplo de movimento social que visa mudar determinada situação. O IT /F N P E T I […] uma luta só pode ser caracterizada de “social” na medida em que seus objetivos se deixam generalizar para além dos horizontes das inten- ções individuais, chegando a um ponto em que eles podem se tornar a base de um movimento coletivo. HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2003. p. 256. O recurso da greve Na sociedade capitalista, a greve é um dos instrumentos mais utilizados pelos trabalhadores para reivindicar, por exemplo, a manutenção dos direitos adqui- ridos, melhores salários e condições de trabalho mais dignas. A greve pode ser organizada pelos trabalhadores de uma empresa, de uma categoria profissional ou, no caso de uma greve geral, pelos setores da sociedade que decidam de- monstrar a insatisfação da população, por exemplo, com um governo. A greve pode ser analisada por muitos pontos de vista. Aqui indicaremos o que pensam os três autores clássicos da sociologia: Karl Marx (1818-1883), Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920). Para Karl Marx a greve aparentemente é apenas um movimento reivindicatório por melhores salários e condições de trabalho. Mas, analisando um pouco melhor o movimento, percebe-se que em uma greve operária existem sempre três atores sociais: o trabalhador, o empresário capitalista e o Estado. O trabalhador representa a força de trabalho e só tem isso para defender. Assim, sua luta por melhores salários e condições de trabalho o coloca em confronto com o empresário, que representa o capital, cujo objetivo é conseguir o maior lucro possível. A greve, para Marx, é a expressão mais visível da luta entre a burguesia e o proletariado. 207Capítulo 20 | Os movimentos sociais no Brasil das na base da educação brasileira (1947) e o que defendia a independência na exploração do petróleo, caso do “O petróleo é nosso” (1954). Dois outros tipos de movimentos que também surgiram a partir da década de 1950 e se prolongaram até o golpe civil-militar de 1964 foram os das associa- ções de moradores, que reivindicavam saneamento (água e esgoto), transporte, educação, saúde etc., e os movimentos pela casa própria, que pleiteavam o estabelecimento de políticas de financiamento público para a aquisição de casa própria pelo trabalhador. Movimentos sociais urbanos recentes Revoltas constantes aconteceram nas cidades brasileiras durante o século XX, reivindicando melhoria nos transportes,mais escolas, fim das mortes no trânsito, construção de passarelas sobre rodovias, fim da violência etc. Esses movimentos foram e continuam a ser movimentos pontuais, de curta duração, e visam resolver questões específicas da vida cotidiana dos cidadãos urbanos no Brasil. Há outros movimentos sociais mais duradouros que tiveram e ainda têm muita repercussão, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), o Movimento contra o Custo de Vida (MCV), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). As CEBs, no início da década de 1960, fundamentadas nas diretrizes do Concílio Vaticano II (1962-1965), criaram espaços comunitários para debater a realidade social, evangelizar e alfabetizar adultos. Contavam com o apoio da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Juventude Estudantil Católica (JEC). Dessas organizações surgiu a Ação Popular (AP), que pregava a defesa de um socialismo humanista como instrumento de libertação do homem. Outro exemplo foi o MCV, iniciado em 1973, na cidade de São Paulo, que chegou ao fim por ocasião do Plano Cruzado (1986), que por pouco tempo obteve algum sucesso na redução dos preços dos alimentos. Outro movimento social duradouro é o MTST, surgido em 1997 a partir da necessidade de organizar a reforma urbana e garantir moradia a todos os cidadãos. As formas de atuação do MTST variam de um local para outro, mas basicamente se de- senvolvem por meio de ocupações de edifícios abandonados. O objetivo é pressionar o poder público a permitir a ocupação desses espaços. O MTST também reivindica a implementação, por parte do governo, de programas de moradia e acesso pela população de baixa renda a financia- mentos para compra de imóveis. Movimentos culturais Em 1960, no contexto das lutas estudantis lideradas pela UNE (União Nacional dos Estudantes), tiveram início as atividades do Centro Popular de Cultura (CPC), um dos instrumentos de conscientização política dos jovens e estudantes, prin- cipalmente. Com grupos aliados, como o Centro de Estudos Cinematográficos e, mais tarde, os Teatros de Arena e Oficina, o CPC procurava romper com o elitismo cultural por meio da arte e da cultura e desenvolver uma estética com- promissada com a transformação social. E d A lv e s/ C B /D . A P re ss Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) estendem faixas durante ocupação em prédio no Pistão Sul, Brasília, DF, 2013. 208 Unidade 5 | Direitos, cidadania e movimentos sociais No teatro, despontaram Gianfrancesco Guarnieri (com a peça Eles não usam black-tie) e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, (com a peça Rasga coração). No cinema, Cacá Diegues, Pedro de Andrade, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Leon Hirszman, entre tantos outros, produziram filmes que marcariam de forma permanente a sétima arte no Brasil. Na música, Carlos Lyra (com a canção O subdesenvolvido) foi um dos nomes de destaque. Na poesia, entre outros, Ferreira Gullar. Apesar do curto tempo de existência, já que foi extinto após o golpe civil-militar de 1964, o CPC ainda aparece no imaginário cultural das lutas sociais no país como um símbolo de resistên- cia política por meio da arte, da cultura, enfim, da sensibilidade criativa. Hip-hop Hip-hop é um movimento sociocultural iniciado no final da década de 1960, nas áreas centrais de comunidades jamaicanas, latinas e afro-americanas da cidade de Nova York (EUA), com o intuito de reagir aos conflitos e à violência sofrida pelas classes populares urbanas. É um tipo de cultura das ruas, um movimento de reivindicação de espaço e voz das periferias. Reúne quatro manifestações artísticas principais: o canto do rap (sigla para rythm -and-poetry), a instrumentação dos DJs, a dança do break dance e a pintura do grafite. Sobressaem as letras questionadoras e agressivas, o ritmo forte e intenso e as imagens grafitadas pelos muros das cidades. A ideia é protestar, se divertir e dilatar o campo de manifestação dos jovens da periferia. Nesse sentido, no conjunto de suas manifestações, colabora com os processos de politização dos habitantes das periferias das grandes cidades, espaços urbanos atravessados pelas consequências da ausência do poder público e da indiferença social. No Brasil, o movimento hip-hop foi adotado, sobretudo, pelos jovens negros e pobres de grandes cidades – São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Porto Alegre – como forma de discussão e protesto contra o preconceito racial, a miséria e as péssimas condições de vida. O hip-hop tem servido como ferramenta de inte- gração social e mesmo de ressocialização de jovens, no sentido de romper com essa realidade. Desconstruindo e rompendo com a naturalização do sofrimento vivido por pessoas pobres, procura dizer não à aceitação da miséria e às condi- ções de vida como única possibilidade de sobrevivência. Além disso, dissemina a ideia de que a criminalidade não é fonte de renda ao favorecer os mais ricos. Conforme a arquiteta e urbanista brasileira Raquel Rolnick, o hip-hop passou a atuar nas áreas centrais como forma de mostrar que os moradores da periferia também fazem parte da cidade, também a compõem e a caracterizam, negando-se a aceitar a “não cidade”, o “não lugar”, que historicamente ocupam nas cidades – em geral, territórios originados de um modelo de urbanização sem urbanidade que destinou aos pobres um lugar longínquo, desequipado e sem condições para viver, ou seja, uma “não cidade”. O movimento hip-hop cria alternativas de arte e trabalho através da música em locais onde o Estado dificilmente age com polí- ticas de educação e formação. As ações promovidas pelo hip-hop acontecem em núcleos de aprendizagem educacionais, oficinas, centros de inserção de jovens no mercado de trabalho e blocos culturais. Hoje, no Brasil, em termos musicais, o movimento mistura vários grupos que mesclam diversas manifestações da cultura brasileira em sua arte. E le s nã o U sa m B la ck T ie . D ire çã o : L eo n H ir sz m an , B ra si l, 19 81 /E m b ra fil m e Cartaz do filme Eles não usam black- -tie, 1981. Direção de Leon Hirszman. 209Capítulo 20 | Os movimentos sociais no Brasil Movimentos ligados ao mundo do trabalho A indústria no Brasil já vinha se estruturando lentamente desde o final do sé- culo XIX. Com o fim da escravidão e o processo de imigração crescente, houve um incremento da industrialização. Indústrias de alimentos e de vestuário foram implantadas, bem como as vinculadas à construção civil (tijolos e cimento). O capital estrangeiro, que já se fazia presente nos setores ferroviário e energé- tico, aumentou ainda mais sua participação no Brasil durante os anos da Primeira Guerra Mundial. Assim, desenvolveram-se em território nacional as indústrias de máquinas, material elétrico, produtos químicos, farmacêuticos e de higiene pessoal, entre outras. Criou-se, assim, um exército de trabalhadores urbanos repleto de imigrantes com experiência em iniciar lutas e movimentos operários na Europa. Os movimentos sociais ligados ao mundo do trabalho tiveram início antes do fim da escravidão. Segundo o sociólogo brasileiro Aziz Simão (1912-1990), a partir da década de 1870 começaram a surgir as Ligas Operárias em várias partes do Brasil com o objetivo de organizar o processo de resistência dos trabalhadores contra os patrões. Por essa razão, as Ligas Operárias tornaram-se conhecidas como associações de resistência. Mesmo consideradas ilegais e severamente reprimidas, as greves eram cons- tantes nas principais cidades do país. A repressão aos operários, sempre excessi- va, apoiava-se em uma legislação que permitia até a expulsão de trabalhadores imigrantese a condenação por “delitos ideológicos”. Mesmo assim, em 1906, no Rio de Janeiro, houve o 1o Congresso Operário Brasileiro de tendência anar- cossindicalista, predominante no movimento operário até 1922, ano da criação do Partido Comunista do Brasil (PCB). Entre 1922 e 1930, ocorreram inúmeras greves operárias em várias cidades do Brasil, sendo que a greve geral de 1917 reuniu aproximadamente 30 mil trabalhadores que exigiam: jornada de oito horas diárias, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, aumento de salários e redução de aluguéis. No primeiro período em que Getúlio Vargas governou o país (1930-1945), apesar dos ganhos trabalhistas, várias greves aconteceram em muitas cidades do Brasil. Elas só cessaram por ocasião do golpe que instituiu o regime ditatorial do Estado Novo, em 1937, devido à repressão. Entre 1961 e 1964, formaram-se sindicatos e centrais sindicais de âmbito na- cional. Nesse intervalo, houve greves em todo o país, silenciadas a partir de 1964, quando teve início o período ditatorial. O massacre de Ipatinga Na década de 1960, na Usiminas e em empreiteiras a ela vinculadas trabalhavam cerca de 12 mil operários. Os trabalha- dores das empreiteiras viviam em condições muito precárias e recebiam baixos salários. No início de outubro de 1963, um conflito entre trabalhadores e policiais militares terminou com 300 trabalhadores presos. Diante disso, os outros trabalhadores, bem como a população de Ipatinga, reuniram-se em frente à Usiminas e decretaram uma greve geral. O então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, havia enviado reforço policial para reprimir os protestos, e naquele momento ocorreu um grande massacre, pois os policiais, armados de fuzis e metralhadoras, passaram a atirar contra a massa que se aglomerava em frente à empresa. Saldo: mais de três mil feridos e, estima-se, mais de cem mortos. Após esse massacre, em reuniões com trabalhadores, empregadores, alguns parlamentares e o comandante da PM de Minas Gerais, foi acertada uma série de compromissos, como aumento salarial, assistência às famílias enlutadas e abertura de inquérito para punição dos responsáveis. Entretanto, com o golpe civil-militar de abril de 1964, esses compromissos foram cancelados ou revisados e os militares que participaram do massacre foram condecorados. 210 Unidade 5 | Direitos, cidadania e movimentos sociais Movimentos trabalhistas recentes Nos últimos anos da ditadura civil-militar, muitas greves ocorreram no Brasil. Em 1979, em 15 dos 23 estados aconteceram mais de 400 greves, apesar de proibidas por lei e duramente punidas. No processo de redemocratização do país, tiveram importante papel os movimentos grevistas realizados na década de 1980 em São Paulo, principalmente na região chamada ABCD (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul e Diadema), onde se concentrava o maior parque industrial do Brasil e, portanto, o maior número de trabalhadores industriais. Eles questionaram não só as condições salariais e de trabalho, mas tam- bém a legislação, que não permitia a livre organização dos trabalhadores e o direito de manifestação. Desses movimentos surgiram a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT). Os movimentos grevistas continuam a se suceder e ainda são a principal forma de luta dos trabalhadores, inclusive dos servidores públicos. Considerada crime contra a segurança nacional durante o período ditatorial, a greve de servidores públicos, conforme a Constituição de 1988, é reconhecida como direito, sendo proibida apenas aos servidores militares. Todavia, ainda não há regulamentação para o exercício desse direito. Por isso, as greves dos servidores públicos são analisadas e julgadas, como as paralisações dos trabalhadores do setor privado. A repressão aos trabalhadores ainda é uma realidade hoje, caso do alarmante combate à greve de professores das escolas e universidades estaduais do Pa- raná em abril de 2015, quando a polícia militar utilizou todo tipo de expediente e armamento para conter os professores que protestavam contra as ações do governo Beto Richa (PSDB). Entre outras medidas, essas ações aumentavam im- postos, retiravam direitos do magistério público e se apropriavam de parcela significativa do fundo previdenciário dos servidores paranaenses. Existem sindicatos das mais diversas categorias de trabalhadores no Brasil. Esses sindicatos se reúnem, nacionalmente, em centrais sindicais. A seguir, um quadro com os nomes das centrais sindicais brasileiras reconhecidas pelo Ministério do Trabalho, em 2015, e seus índices de representatividade. Central sindical Sigla Índice de representatividade Central dos Sindicatos Brasileiros CSB 7,43% Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil CTB 9,13% Central Única dos Trabalhadores CUT 33,67% Força Sindical FS 12,33% Nova Central Sindical de Trabalhadores NCST 7,84% União Geral dos Trabalhadores UGT 11,67% Policiais Militares reprimem manifestações de professores em greve no Estado do Paraná em frente à Assembleia Legislativa em Curitiba, 2015. R o d o lfo B uh re r/ La im ag em /F o to ar en a 211Capítulo 20 | Os movimentos sociais no Brasil A greve no Brasil sempre foi de alguma forma delimitada pela ação do Estado. Sob o ponto de vista das Constituições de 1824, 1891 e 1934, houve omissão acerca do direito de greve; a Constituição de 1937 declarou a greve como recurso antissocial. A Constituição de 1946 reconheceu-a como direito dos trabalhadores, mas com amplas restrições aos chamados serviços essenciais e industriais básicos. As Constituições de 1967 e 1969 reproduziram tais restrições, especificadas na legislação ordinária. A Constituição de 1988 assegurou amplo exercício do direito de greve, estabelecendo que a lei definiria os serviços ou atividades essenciais e sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sendo que os abusos cometidos poderiam ser punidos conforme a lei. A lei garante o direito, mas sempre há uma série de condições a serem cumpridas e condicionadas a análises da Justiça do Trabalho. Movimentos civis e militares No Brasil, houve movimentos de caráter estritamente militar e outros nos quais os militares tiveram apoio de parcela da população civil. Os envolvidos nesses movimentos se utilizaram de articulações golpistas, intervenções armadas ou ações de resistência e levantes. Merecem destaque alguns desses movimentos, inspirados pela defesa da Independência e da República, na maior parte dos casos. • Conjuração mineira (1789-1792), defendia a independência do Brasil e a ins- tituição da República; • Conjuração baiana (1796-1799), reivindicava a independência do Brasil, o fim da escravidão, a instituição da República e um governo democrático com liberdades plenas de livre comércio; • Confederação do Equador (1824), envolvia Ceará, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e pleiteava a independência do Brasil e a instituição da República; • Cabanagem (1835-1840), na província do Grão-Pará, favorável à independên- cia da província do Grão-Pará, reivindicava melhores condições de vida para os cabanos (moradores das cabanas à beira dos rios) e maior participação nas decisões políticas; • Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835-1845), no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, onde foi proclamada a República Juliana, preten- dia que fosse criada uma república separada do Império brasileiro, a República Rio-Grandense ou República de Piratini; • Sabinada (1837-1838), na Bahia, reivindicava autonomia política e administra- tiva para as províncias e a instituição do federalismo republicano; • Revolução Praieira (1848-1849),em Pernambuco, lutava pelo voto livre e uni- versal, liberdade de imprensa, independência dos poderes constituídos e fim do poder moderador, exercido pelo Imperador. Todos esses movimentos foram reprimidos violentamente e seus líderes, pre- sos, degredados ou enforcados. A ideia era que a punição fosse rigorosa, de forma a não encorajar novos processos revolucionários. Exemplos da violência imperial podem ser verificados ao analisar o número de mortos no combate à Cabanagem. Cerca de 30% a 40% da população existente, de aproximadamente 120 mil habitantes, foi dizimada. 217Capítulo 20 | Os movimentos sociais no Brasil Na década de 2000, alguns partidos políticos passaram a incorporar às suas pautas as demandas do movimento LGBT, que são, resumidamente: o direito à vida, independentemente de orientação sexual; o direito à integridade social; a garantia aos direitos civis, incluindo o direito ao casamento civil e à união estável entre pessoas do mesmo sexo, com reflexos nos direitos de pensão, sucessão de bens, adoção de filhos etc.; o direito a tratamento médico, no qual travestis e transexuais buscam ser atendidos pelos órgãos de saúde públicos para realizar as mudanças hormonais e/ou cirúrgicas conforme o desejo; e o direito de revisão de nome e de sexo nos registros civis para os transexuais. Mais recentemente, por meio de eventos como as paradas gays, organizadas nas grandes cidades, o movimento procura divulgar essas demandas e conseguir o apoio de toda a sociedade civil. A luta, no entanto, tem enfrentado a atuação de grupos contrários a seus avanços políticos, como as bancadas de fundamentalis- tas religiosos e conservadores, o que parece ser o grande desafio do movimento para os próximos anos. Movimentos sociais recentes: politização e despolitização De 1988 aos dias atuais, pode-se observar uma série de movimentos pela efetivação de direitos existentes e pela conquista de novos. Esses movimentos desenvolveram algo muito importante: a politização da esfera privada, ao tornar as demandas das populações pobres (urbanas e rurais), dos negros, das mulheres, das crianças, entre outras, uma preocupação de toda a sociedade, não somente do Estado. Assim, abriu-se no Brasil a possibilidade de se desenvolverem movimentos sem o controle do Estado, dos partidos políticos ou de qualquer instituição. O objetivo desses movimentos não é alcançar o poder do Estado. Por meio deles, a população organizada participa politicamente sem precisar estar atrelada às estruturas estatais de poder. O que importa é ir além da legislação existente, procurando construir espaços políticos públicos, nos quais possam ser debatidas todas as questões que envolvem a maioria da sociedade, como saúde, alimen- tação, transporte e segurança públicos. Apesar da crescente democratização do país, desde 2003, verificou-se uma redução do ritmo das reivindicações dos movimentos sociais. A ascensão do PT ao poder representou a consagração dos movimentos sociais mas, de modo paradoxal, também a efetivação de um grande dilema: o exercício do governo por um presidente oriundo do movimento sindical e a perda de autonomia dos movimentos sociais. Esses dois fatores contribuíram para diminuir a capacidade de intervenção popular. Há setores desses movimentos e organizações sociais, porém, que não per- deram de vista a necessidade de avançar na luta pela garantia de direitos já estabelecidos e pela conquista de novos direitos, não aceitando a justificativa de que o governo está fazendo o possível. Movimentos conservadores É importante citar os movimentos sociais que lutam pela manutenção de con- dições sociais, políticas e econômicas conservadoras. Esses movimentos se articu- lam ao propor intervenções militares e até o fechamento do Congresso Nacional. Geralmente, são movimentos contra a ampliação dos direitos e disseminadores 218 Unidade 5 | Direitos, cidadania e movimentos sociais de preconceitos e desinformação, como as campanhas contrárias ao divórcio, à legalização do aborto ou à garantia dos direitos civis aos homossexuais, além de alguns fundamentalismos religiosos e ideológicos. Esses movimentos opõem- -se também às possibilidades de igualdade de condições de acesso aos bens públicos, como saúde, educação, transporte e moradia. Outro setor que utiliza todos os recursos contra qualquer proposta de mudan- ça da estrutura da propriedade rural é o agropecuário. Essa postura se expressa nas campanhas contrárias a mudanças na regulamentação do uso da terra no Brasil e à demarcação das terras indígenas, evidenciando uma oposição cerrada ao novo código florestal e às possibilidades de reforma agrária ou uso inteligente da terra voltado para a cultura de alimentos que privilegia produtos naturais, sem agrotóxicos, cultivados por trabalhadores vinculados a cooperativas familiares e solidárias em pequenas porções de terra. Do vertical ao horizontal As manifestações urbanas de junho de 2013 no Brasil trouxeram alguns aspec- tos novos em relação aos movimentos anteriores, tanto na formação e articulação quanto na no modo de atuação, em decorrência, principalmente, do impacto crescente da globalização e dos novos modelos de comunicação trazidos à tona pela chamada sociedade da tecnologia e da informação. Protesto no Rio de Janeiro, entre várias manifestações ocorridas nas principais cidades brasileiras em junho de 2013. Dezenas de milhares de manifestantes marcharam pelas ruas reivindicando melhores serviços públicos, o fim da violência policial e da corrupção do governo. Lu ci a n a W h it a ke r/ R e u te rs /L a ti n st o ck Ainda que as antigas matrizes de mobilização social através de estruturas vertica- lizadas (sindicatos, igrejas, partidos ou associações) continuem existindo e atuando de maneira mais significativa, surgem a cada dia novas mobilizações, mais hori- zontais, que permitem diferentes modos de participação e formação política aos indivíduos e grupos sociais. Algumas características desse novo caráter horizontal podem ser apontadas: utilização de ferramentas virtuais para a articulação e a efetivação das mani- festações sociais; articulação desconectada de um movimento social com trajetória e pertenci- mento claros; existência de muitos protagonistas, sem a obrigatoriedade de líderes que se destaquem entre os participantes; 219Capítulo 20 | Os movimentos sociais no Brasil Os movimentos sociais e as transformações recentes [...] O universo dos movimentos sociais se amplia e se restringe ao mesmo tempo. Ampliam-se as formas e restringem-se as esperanças quanto a suas potencialidades transformadoras. A defesa de particularismos, os radicalismos e a intolerância de alguns têm levado analistas e militantes a repensar a questão da transformação social. A liberdade, a igualdade, a solidariedade e a fraternidade estão a merecer novas reflexões sobre que trilhas seriam necessárias para alcançá-las. Muitos movimentos se institucionalizaram em organizações por meio de políticas sociais. A grande novidade passou a ser a centralidade das ONGs no cenário das demandas sociais [...]. O perfil do militante dos movimentos também se alterou. Nos anos 60, 70 e 80 os militantes não dissociavam sua vida particular da atuação nos movimentos, e estes eram associados à política. [...] Nos anos 90, os antigos militantes envelheceram, ou cansaram-se, ou tornaram-se dirigentes de organizações, parlamentares etc. E não se formaram novos quadros de militantes. Os poucos novos que surgiram passaram a atuar de forma radicalmente diferente. O slogan “o importante é ser feliz” é bastante ilustrativo. Ninguém quer mais sobrepor os interesses do movimento aos de suavida pessoal, particular. A militância passou a ser mais seletiva e qualitativa. A militância quantitativa — que dava visibilidade aos movimentos nas ruas, na mídia etc. — reduziu-se consideravelmente ou simplesmente desapareceu. Estamos apenas constatando as novas opções dos mais jovens. Usualmente, nos anos 90 se participa de causas coletivas quando estas causas têm a ver com o mundo vivido pelas pessoas, e não porque estejam motivadas pelas ideologias que fundamentam aquelas causas. [...] Quanto a nós, preferimos continuar acreditando na necessidade das utopias e esperando que as lições que os movimentos sociais democráticos e progressistas têm dado ao mundo venham a contribuir para a redefinição dessas utopias, a reinstaurar a esperança e a crença de que vale a pena lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. [...] Os movimentos são fluidos, fragmentados, perpassados por outros processos sociais. Como numa teia de aranha eles tecem redes que se quebram facilmente, dada a sua fragilidade; como as ondas do mar que vão e voltam, eles constroem ciclos na história, ora delineando fe- nômenos bem configurados, ora saindo do cenário e permanecendo nas sombras e penumbras, como névoa esvoaçante. Mas sempre presentes. GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos. São Paulo: Loyola, 2006. p. 339-342. GOHNnas palavras de marca da horizontalidade como crítica, não só contra a ação/omissão do Esta- do, mas contra outros setores da sociedade, como organismos internacionais e bancos multinacionais; luta por políticas públicas aliadas à qualidade; não envolvimento com partidos políticos; diversificação de manifestações, motivadas por razões muito diferentes, uma vez que alguns querem maior eficiência do Estado (em relação à saúde, mobilidade urbana, educação e segurança), outros pedem o fim do Estado, outros ainda pretendem a volta dos militares ao poder, outros exigem total liberdade, e outros defendem a ideia individualista segundo a qual “se sobe na vida por esforço próprio”, o que configura uma pauta de reivindicações ampla e até contraditória; falta de propostas para alcançar o que pretendem, o que leva à descontinuidade e até à fugacidade do movimento. Os novos – ou novíssimos – movimentos sociais são descentralizados, articulam-se através das redes sociais e respondem rapidamente a questões que emergem muito repentinamente e que devem receber respostas rápidas. São respostas de quem atua com rapidez num tempo repleto de carências e dúvidas políticas, econômicas, sociais e culturais. São novas formas de se fazer presente na cena política contemporânea. 222 Unidade 5 | Direitos, cidadania e movimentos sociais Jornadas de junho de 2013 As manifestações de junho foram um evento sem precedentes, único e irreprodutível nas suas origens. O inusitado de uma janela histórica permitiu reunir contradições sociais muitos fortes, a ponto de deixar as mentes mais perspicazes em paralisia – ou seja, com enorme dificuldade para entender o que levou tanta gente diferente às ruas. Junho foi único. O Movimento Passe Livre (MPL) sur- preendeu em termos de reivindicação e capacidade de mobilização. Mas sua atuação não explica o que se su- cedeu. Seus sucessos iniciais estão ligados à dificulda- de dos governos para ler as insatisfações – muito mais para lidar com elas. Os jornais falharam. A polícia ainda age como se estivesse em tempos de ditadura. Diante da paralisia das velhas instituições, as mídias sociais surgiram como grande novidade e tiveram um papel catalisador. A mídia alternativa foi fundamental para desbancar as maquiagens arquitetadas por governos e forças políticas antidemocráticas. O jogo mudou na medida em que o mar de descontentes reconheceu a le- gitimidade de protestar. Em algum momento, protestar por qualquer coisa ganhou vasto apoio da sociedade. À mobilização dos grupos ligados à agenda social soma- ram-se as insatisfações das classes médias, que há mui- to ensaiavam ir às ruas. Ambos os vetores somaram-se porque, quanto maior a massa, mais as pautas ganha- vam destaque. A direita empresarial do antigo movi- mento “Cansei” e o MPL nas ruas, lutando por transpor- tes públicos de qualidade e contra a corrupção. Cada um a seu modo, mas todos nas ruas. Tanto é verdade que, tão logo as contradições começaram a tornar-se claras, o movimento geral perdeu fôlego e dispersou. Porém, mais do que contraditórias, as pautas de junho eram genéricas, pouco claras. Congregaram interesses distintos, embora isso não tenha sido percebido, num primeiro momento. Vale a pena um esforço para en- tender as forças presentes nos protestos como de fato são – e não como se manifestam na aparência. [...] Minha tese é que as contradições no seio da sociedade motivaram os protestos de junho. Foi um momento em que os contrários não se dividiram, somaram-se. Pouco antes, a pauta pública havia deixado de se renovar. As ruas expressaram o esgotamento dos avanços sociais. Ambos os extremos da sociedade pressionavam por políticas governamentais que os favorecessem. [...] Mas, não devemos ignorar a relação dialética entre os ganhos sociais e as classes. A visão das esquerdas mostra-se míope por não perceber que os setores abastados também foram afetados (ainda que indire- tamente) pelos movimentos das classes subalternas. Seja no aumento das filas nos aeroportos, seja pelo custo dos serviços em geral ou pelo “ultrajante” res- gate da cidadania, que permite ao oprimido reclamar seus direitos… A dialética sugere que nenhuma ação histórica existe sem sua antítese. E não se eleva o poder dos pobres sem alterar a correlação de forças com os ricos. O governo é o colchão que acomoda todas essas demandas. [...] Diante de todos esses contrastes, erraram todos os que viram, nas ruas de junho, consequências de longo prazo. Os protestos não desencadearam mudanças; por enquanto, eles expressaram reações diante do que houve anteriormente: maior acesso das maiorias a uma parcela da riqueza; incômodo de setores da classe média com isso. Talvez o próprio projeto de ampliar benefícios sociais sem alterar a estrutura de renda esteja no seu limite. É possível que manter a trajetória iniciada há dez anos não seja mais praticá- vel, sem produzir fissuras nas estruturas que repro- duzem desigualdade e privilégios. Isso, naturalmente, despertará reações no chamado “andar de cima”. Para escandalizá-lo, nem é preciso falar de reforma agrária – basta mencionar a reforma tributária… Junho não pode ser visto como algo maior do que foi. Foi um momento de catarse, não de transformações sociais. Nenhum dos movimentos que se uniram na- quela ocasião têm hoje força para lançar isolada- mente uma convocação expressiva de protesto. Os fatores históricos que permitiram aqueles aconteci- mentos dispersaram-se e os diferentes setores, antes unidos em uma mesma luta, já não se reconhecem. Se a pauta de reivindicações não pôde ser capturada pelas direitas, hoje na oposição, uma boa dose de reali- dade permitirá perceber a dimensão dos desafios com que se deparam as esquerdas, no futuro próximo. Para que sejam efetivos, os avanços sociais deverão atingir diretamente os privilégios das classes dominantes. Haverá vontade e força suficiente para tanto? [...] VITAGLIANO, Luiz Fernando. Jornadas de junho: três enganos e uma hipótese. Disponível em: <http://outraspalavras.net/ brasil/jornadas-de-junho-tres-enganos-e-uma-hipotese/>. Acesso em: 1o dez. 2015. Para refletir
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