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Relações de trabalho - acumulação flexivel ensaio[2464]

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RELAÇÕES DE TRABALHO NO REGIME DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL
Para compreender a pós-modernidade é necessário analisar as transformações politicas-econômicas do capitalismo no final do século XX. David Harvey (1992) considera abundantes os sinais e as marcas de mudanças significativas “nas relações de trabalho, hábitos de consumo, poderes e práticas do Estado, etc.”.
No ocidente, as sociedades ainda operam em função do lucro sendo este um principio organizador da vida econômica. Harvey recorre à linguagem da “escola de regulamentação”, entendendo que para o funcionamento do regime de acumulação é necessário que se mantenha uma configuração em que os comportamentos de indivíduos de todos os tipos propiciem a continuação do funcionamento deste regime. Para isto é preciso haver leis, normas, hábitos. etc. 
O sistema capitalista é altamente dinâmico e por isto instável, mas ao concentrar as atenções nas complexas inter-relações, costumes, práticas politicas etc. ganha aparência de ordem e de um funcionamento coerente por “um período de tempo ao menos”.
O capitalismo necessariamente produz crise, que são cíclicas de superprodução. Planeja-se o capitalismo para que a crise seja o mais suave possível e que o crescimento aconteça de modo mais rápido possível. David Harvey ressalta como problemas do sistema capitalista como a fixação de preços – ser anárquica, onde a mão invisível de Adam Smith nunca foi o suficiente por si mesma. Sendo necessária a intervenção e regulamentação do Estado para compensar as falhas do mercado e fornecer bens coletivos que não podem ser produzidos e vendidos pelo mercado. 
Outro problema é a necessidade de exercer controle suficiente sobre o emprego da força de trabalho. O intuito é convencer o homem ao trabalho visando à apropriação da força de trabalho necessária para a acumulação de capital. 
David Harvey entende que os contrastes entre as práticas politicas-econômicas da atualidade e as do período do pós-guerra são suficientemente significativos para tornar a hipótese de uma passagem do fordismo para o que pode ser denominado de regime de acumulação flexível. 
Com a reconstrução da Europa Ocidental e do Japão em meados dos anos 60, o fordismo dava sinais de que enfrentava problemas. Seu mercado havia encolhido e a concorrência aumentado, já que estes países passaram a disputar por mercado. 
É possível destacar a “incapacidade do fordismo e keynesianismo em conter as contradições próprias do capitalismo” no período entre 1965-1973. O grande problema era a rigidez. Existia uma grande rigidez dos investimentos do capital fixo de larga escala e de longo prazo pressupondo um crescimento estável do mercado de consumo. Também havia problemas de “rigidez no mercado, na alocação e nos contratos de trabalho”. As tentativas de superar esta rigidez esbarravam na resistência e no poder das classes trabalhadoras.
No espaço social nascido das oscilações e incertezas – no declínio do fordismo gerando uma recessão – surge novas experiências nas organizações industriais e da vida politica e social. Sendo a passagem do fordismo para um novo regime de acumulação. A Acumulação flexível, chamado por David Harvey, é caracterizada pela quebra com a rigidez do fordismo. Sua base de sustentação é a flexibilidade, que se dá nos processos de trabalho, no mercado de produtos e nos padrões de consumo. 
A produção passa agora a ser feita em menores escalas, que propicia atender a grupos cada vez mais específicos e acompanhar as rápidas mudanças nos padrões de consumo. A mudança na estrutura do mercado de trabalho foi acompanhada da mudança também na organização industrial. Com isso as empresas vão aderindo a subcontratações. Permitindo que sistemas de trabalho doméstico, familiar e paternalistas se revigorassem e passassem a ser peças centrais no sistema produtivo. 
Assim o mercado de trabalho sofreu grandes alterações. Com o enfraquecimento do poder sindical e com a grande quantidade de mão-de-obra excedente os regimes de contrato são cada vez mais flexível o que significa percas para o trabalhador. 
Em um processo histórico de industrialização e desindustrialização tido como normal, ou positivo, Cano (2015) percebe algumas características gerais, como, no processo de desenvolvimento industrial, a agricultura diminui sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) e no emprego em detrimento do aumento da participação do setor industrial, ao passo que, pela crescente urbanização impulsionada pela industrialização, a demanda pela produção agrícola se vê em seu maior ápice, forçando um maior crescimento, modernização e diversificação da mesma, sem que acarrete uma retomada do espaço anterior na economia nacional.
A industrialização, por sua vez, avança e cresce mais que qualquer outro setor. A expansão industrial intensifica a urbanização, impulsionando uma enorme modernização e diversificação da demanda de serviços de toda a ordem: comércio, transportes, saúde, educação, entre outras tantas. Tal demanda resulta num crescimento da participação do setor de serviços na economia e no emprego bem acima até mesmo da indústria, ocasionando uma perda de protagonismo na economia nacional, mas não a perda de importância na economia internacional. O que acontece aqui é um deslocamento geográfico da produção industrial para localidades do planeta que sejam menos onerosas, e por consequência, mais lucrativas, como é o caso da China com seu vasto contingente de mão-de-obra barata (CANO, Wilson. 2012; 2015).
Diferentemente dos países subdesenvolvidos, o desenvolvimento industrial, quando existente, não chega a se desenvolver sequer a indústria de bens não duráveis, mantendo-se num patamar de beneficiamento de bens primários. Nesse contexto, a desindustrialização ocorre de forma precoce, num processo que Cano vai chamar de negativa, atingidos pela crescente globalização do desenvolvimento do capitalismo num processo de divisão internacional do trabalho combinados a políticas liberalizantes, como as ocorridas na América latina em meados dos anos 90, minaram qualquer possibilidade de surgimento de uma indústria de transformação nesses países (CANO, Wilson. 2015).
No contexto especifico do Brasil, Perda de espaço industrial de transformação (manufatureira), setor mais tecnológico e susceptível a concorrência internacional, tanto no mercado externo quanto interno, para a China na divisão internacional do trabalho, ocasionando um retorno à maior presença econômica do Brasil na exportação de bens primários (commodities) ou semimanufaturados, assim como a grande maioria dos países subdesenvolvidos, tão rapidamente rebaixado a uma indústria de pouco desenvolvimento tecnológico – no caso sul-americano a predominância da industrial mineradora - com espaços definidos no mercado de consumo interno, que no caso brasileiro tem se destacado recentemente no ramo industrial de bens de consumo duráveis, como a indústria automobilística, de veículos de carga e autopeças, nos anos recentes com as políticas de incentivo fiscais, com uma importante presença na exportação para alguns países, com forte presença na Argentina, correspondendo a 71% da exportação desse ramo industrial em 2013 (idem).[1: Indústria de pouco desenvolvimento tecnológico principalmente por conta da opção do Brasil pela reforma liberalizante de abertura desregulada do país ao mercado importador e o câmbio supervalorizada, tornando a indústria nacional incapaz de competir com a de países como a China, fundamentada principalmente por sua mão de obra barata, perdendo espaços na indústria de consumo interno tanto nos bens de consumo de alta complexidade tecnológica, quanto nos de baixa complexidade, como no consumo de bens semiduráveis, como o ramo têxtil que disputa espaço com a China, pela perda de controle das importações.]
Não obstante, Silva et al. (2006) também perceberam tal crescimento da participação do setor de serviços na economia brasileira superiores a participação tanto da indústria quanto do comercio, só que diferentemente de Cano, e mais aindade outros autores que desprestigiam o crescimento do setor de serviços por acreditarem que a indústria é o motor de crescimento em longo prazo das economias capitalistas (OREIRO & FEIJÓ. 2010). Em oposição a isso, os autores demostram que inclusive no setor industrial cerca de 50% dos empregos dizem respeito a atribuições dos serviços, e também demonstra a forte presença de segmentos de serviços especializados na inovação e geração de receita do setor industrial, assim como, também, a atuação dos serviços na impulsão dos desenvolvimentos tecnológicos, em especial no setor de tecnologia da informação e comunicação.
Meirelles (2006), definindo os serviços a partir do processo de trabalho, nos mostra que as principais características estruturais do serviço são a sua oferta inelástica, interatividade e incerteza quanto ao resultado final do processo. Se tratando de um processo de trabalho, o serviço, quando demandado tem um fim determinado na finalização do processo, agindo nesse período de tempo determinado, tal processo se faz com interatividade entre prestadores e usuários, e diante da instabilidade dos fatores do processo de trabalho dos serviços, o resultado final sempre será incerto, porque, para a autora:
Cada serviço que se realiza é um novo processo, com novas combinações de insumos e de trabalho, combinações estas que se dão em um processo interativo entre prestador e usuário e, portanto, sujeito a variações. Nesse sentido, a qualidade da conexão e a reputação da empresa são fundamentais para a redução das incertezas e o desempenho final do serviço. (p. 352)
Diante disso, é possível notar que os fundamentos do setor de serviços, ao menos no que se observa no contexto brasileiro, é o extremo dinamismo, sazonalidade e concentração espacial das metrópoles superior observada no setor industrial (SILVA, et al. 2006; MEIRELLES. 2006). Tais fundamentos tornam o setor de serviços bastante instável, do ponto de vista econômico e empregatício, percebendo nas relações de trabalho bastante rotatividade, principalmente no que tange a sazonalidade, em oposição ao que tradicionalmente se entende no setor industrial, dotando de uma dinâmica toda peculiar.
Do ponto de vista da estruturação do mercado de trabalho, Silva, et al. (2006) observaram que:
Em 2003, os serviços mercantis não financeiros empregavam quase sete milhões de trabalhadores formais, montante superior ao observado no comércio ou na indústria. O total pago em salários e retiradas atinge a cifra de R$ 63 bilhões, inferior ao observado na indústria, mas superior ao comércio. A receita líquida gerada pelos serviços, entretanto, representa aproximadamente um terço do valor movimentado na indústria e metade do giro do comércio. A remuneração por pessoa ocupada, da ordem de R$ 9.338 por ano, é 51% superior ao que se observa no comércio, e 49% inferior aos valores da indústria. A receita líquida por funcionário nos serviços, contudo, representa apenas 45% do valor observado no comércio e 29% do montante obtido na indústria (p. 352).
	No mesmo texto os autores trazem o exemplo das empresas de telecomunicações, que em 1998, as operadoras de serviços de telecomunicação empregavam 70.404 pessoas e ao final de 2002, já no bojo das privatizações, tal número caíra para 51.718, porém as alterações não significariam apenas uma redução do efetivo humano. Já nesse curto período de tempo já fora percebido uma guinada no perfil dos ocupados, agora representando em seu efetivo um número maior de trabalhadores mais jovens, menos experientes e mais qualificados, e, não surpreendendo muito, com níveis salariais menores. Nessa nova configuração os autores destacam ainda que as chances de um funcionário com remuneração baixa se manter no emprego são maiores que a de um funcionário de remuneração maior. É percebida também uma maior presença de pessoas com nível superior de ensino, e que nas empresas privatizadas, a permanência no emprego aumenta em indivíduos com esse nível de instrução (idem).
Não obstante, Coutinho (2007), em seu estudo tendo como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1988 e de 1996, demonstra a existência de uma correlação direta de que quanto mais anos de estudos bem-sucedido maiores as possibilidades de indivíduo estar exercendo uma ocupação formalmente reconhecida. Muito embora, nesse mesmo trabalho, ele conclua que essa correlação não seja simples, mas dependente de um conjunto de outras variáveis que se omitem caso levemos em conta somente esta, no entanto tal correlação é substancial.
Alves e Soares (1996), por sua vez, evidencia que a educação por si mesma, não é condição de criação de postos de trabalho, mas como uma facilitadora de manutenção dos funcionários em seus postos, assim como, uma asseguradora de condições para adaptação a novos postos de trabalho. No recorte histórico estudado por eles, por exemplo, perceberam na Grande São Paulo do período de 1988 e 1995 uma retração no número de pessoas menores de 24 anos em postos de trabalho, uma maior escolaridade nos ocupados e uma considerável retração do número de ocupações no setor industrial em detrimento de um aumento no setor de serviços e comercio. É interessante perceber que o período estudado por ambos é o momento anterior ao demonstrado por Silva, et al. (2006) quando tratam das configurações do emprego nas empresas de telecomunicações na virada das privatizações sofridas pela área.
Especificamente no contexto Pernambucano e da Região Metropolitana de Recife, o Observatório do Mercado de Trabalho de Pernambuco (OMT-PE) nos traz informações valiosas para entender a dinâmica do mercado de trabalho formal de sua delimitação geográfica. Outro diferencial das informações do OMT-PE é que, seus dados dizem respeito a uma conjuntura político-econômica mais atual, fazendo o apanhado recente do atual período de crise pelo qual estamos passando.
Os dados que o Observatório analisa em seu 1º Boletim do Emprego de Pernambuco (2017) datam especificamente das manifestações observadas entre maio e dezembro de 2016. Tendo em vista o atual contexto, possivelmente os dados não manifestam o comportamento normal do mercado de trabalho de Pernambuco ou da RMR, mas não deixam de trazer manifestações peculiares de sua dinâmica.
Nesse sentido, dentro do conjunto de dados apresentado pelo OMT-PE, foram priorizados por determinados fenômenos que se acredita fazerem parte mais de uma estrutura, que de um fenômeno pontual como um período de crise.
Uma dessas manifestações é que no período de crise, tanto no estado quanto na região metropolitana, os postos de trabalhos criados restringiram-se à faixa etária de até 24 anos, apresentando saldos negativos em todas as demais.
No tocante a remuneração média dos ingressos e egressos no mercado de trabalho, se percebe que, em todos os meses de maio a dezembro a média da remuneração dos trabalhadores demitidos se manteve quase que numa distância considerável acima dos valores médios da remuneração dos admitidos, indicando um mecanismo de controle dos custos por meio do ciclo de desligamentos funcionários com remuneração mais alta e contratação de novos funcionários com remuneração inferior.
Tal hábito subentende constante rotatividade da mão de obra, nesse sentido, se percebe que o tempo médio dos vínculos desligados em Pernambuco foi 26,11 meses (2,1 anos) e na Região Metropolitana, 27,61 meses (2,3 anos).
Tais dados seguem o mesmo sentido de evidenciar que, na atual dinâmica do capitalismo, as relações de trabalho seguem uma lógica de maior flexibilização e a competição pelos postos de trabalho tem se tornado cada vez mais exigente e muito pouco recompensadora. Nesse sentido, altos níveis de instrução, mesmo significando um diferencial na competição, não garantem ao trabalhador médio do mercado de trabalho formal nem estabilidade, muito menos faixas salariais consideráveis. O mesmo constantemente é posto a competir no mercado de trabalho formal, enquanto for possível, dado a preferência do mercado em absorver em seuspostos um efetivo com faixa etária bastante definida.
REFERENCIAS
ALVES, Edgard L. G. e SOARES, Fabio V. Ocupação e Escolaridade: tendências recentes na grande São Paulo. In: ALVES, Edgard L. G. (Org.) Modernização Produtiva Das Relações De Trabalho: perspectivas de políticas públicas. Petrópolis, RJ: Vozes, Brasília, DF: IPEA, 1997.
BRASIL. Boletim do Emprego de Pernambuco. Ano 1 – Nº 1. Recife, PE: OMT-PE, Jan/2017
CANO, Wilson. (Des)Industrialização e (Sub)Desenvolvimento. In: Cadernos do Desenvolvimento. Rio de Janeiro, RJ: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2015.
CANO, Wilson. A Desindustrialização no Brasil. In: Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, Número Especial, p. 831-851, dez. 2012.
COUTINHO, Henrique. G.. Mercado De Trabalho, Escolaridade E Renda No Brasil - 1988 a 1998. Revista do Curso de Administração da Faculdade Maurício de Nassau, v. 2, p. 281-304, 2007.
HARVEY, David. A condição pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Edições Loyola, 1992.
MEIRELLES, Dimária S. Características Das Firmas E Dos Setores De Serviço, Segundo O Processo De Trabalho. In: NEGRI, João A. e KUBOTA, Luis C. (Org.). Estrutura e Dinâmica do Setor de Serviços no Brasil. IPEA. Brasília, DF. 2006. p. 349-375
OREIRO, José L. & FEIJÓ, Carmem A.. Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro. In: Revista de Economia Política, vol. 30, nº 2 (118), pp. 219-232, abril-junho/2010
SILVA, Alexandre M.; NEGRI, João A.; & KUBOTA, Luis C.. Estrutura E Dinâmica Do Setor De Serviços No Brasil. In: NEGRI, João A. e KUBOTA, Luis C. (Org.). Estrutura e Dinâmica do Setor de Serviços no Brasil. IPEA. Brasília, DF. 2006. p. 15-33

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