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ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS SOB A VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

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CENTRO UNIVERSITÁRIO – CATÓLICA DE SANTA CATARINA 
CURSO DE DIREITO 
PESQUISA EM CIÊNCIA JURÍDICA - TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 
IAGO LUÍS CESCONETTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA 
TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS SOB A 
VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JARAGUÁ DO SUL 
2017 
 
 
IAGO LUÍS CESCONETTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA 
TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS SOB A 
VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Curso de Graduação em 
Direito, do Centro Universitário – Católica 
de Santa Catarina, como requisito parcial 
à obtenção do título de Bacharel. 
Orientador: Prof. Raphael Rocha Lopes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JARAGUÁ DO SUL 
2017 
 
 
IAGO LUÍS CESCONETTO 
 
 
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA 
TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NAS SOCIEDADES EMPRESÁRIAS SOB A 
VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Curso de Graduação em 
Direito, do Centro Universitário – Católica 
de Santa Catarina, como requisito parcial 
à obtenção do título de Bacharel. 
Orientador: Prof. Raphael Rocha Lopes 
 
 
COMISSÃO EXAMINADORA 
 
Prof. Me. Luiza Landerdhal Christmann 
Centro Universitário – Católica de Santa 
Catarina 
 
 
Prof. Raphael Rocha Lopes 
Centro Universitário – Católica de Santa 
Catarina 
 
 
Prof. 
Centro Universitário – Católica de Santa 
Catarina 
 
 
 
Jaraguá do Sul, __ de ________ de 2017. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus pais, fontes inesgotáveis de 
afeto e compreensão. 
À minha namorada, protagonista em 
minha inspiração e felicidade. 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Agradeço à professora Luíza, sempre prestativa nos auxílios e preocupada 
com o bom andamento do trabalho. 
 Ao meu orientador, professor Raphael, que foi muito solícito durante todo o 
processo de orientação. 
 Aos professores que me ministraram as disciplinas atinentes ao Direito 
Empresarial, que transmitiram os estímulos necessários para surgir o interesse na 
pesquisa do tema do trabalho. 
 À minha ex-supervisora de estágio, Christiane, por me ensinar os primeiros 
passos na vida jurídica profissional, sempre com muita eloquência e amor pelo que 
faz. 
 Aos meus atuais supervisores de estágio, Kesley e Daniel, por mostrar todos 
os méritos e dificuldades do exercício da advocacia sempre de forma muito 
pedagógica e dinâmica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Cada um é o que é, conforme o quis, e – 
salvo nos casos em que aparecem males 
irreparáveis – será aquilo que se 
proponha ser, mas pela única via 
possível: o conhecimento.” 
 
Carlos Bernardo González Pecotche, 
2012 
 
 
RESUMO 
 
O presente trabalho teve como objetivo geral investigatório analisar os critérios de 
aplicação da teoria ultra vires societatis nas sociedades empresárias sob a vigência 
do Código Civil de 2002, junto ao acervo jurisprudencial do Tribunal de Justiça de 
Santa Catarina, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal 
de Justiça, bem como quanto à aplicação do Enunciado 219 da III Jornada de Direito 
Civil do Conselho da Justiça Federal, tendo em vista a incompatibilidade da 
segurança jurídica negocial dos sócios em face do intenso fluxo de mercado e da 
proteção ao terceiro de boa-fé. Diante de tal problemática, estabeleceu-se como 
hipótese os referidos tribunais mitigarem a aplicação da teoria ultra vires societatis, 
considerando a proteção ao negócio jurídico concretizado com terceiro de boa-fé e 
da dinamicidade das relações comerciais que permeiam o sistema econômico, 
conforme entendimento traçado no Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil do 
Conselho da Justiça Federal, bem como supõe-se também que as citadas Cortes 
Jurisdicionais constituem hipótese contra legem de mitigação considerando a 
percepção de benefício pela sociedade empresária no negócio jurídico discutido 
judicialmente. Em relação ao marco teórico foram utilizados os seguintes: 
GONÇAVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 
966 a 1.195 do Código Civil; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial; VON 
ADAMEK, Marcelo Vieira; AZEVEDO E NOVAES FRANÇA, Erasmo Valladão. 
Vinculação da sociedade: análise crítica do art. 1.015 do Código Civil; e BRASIL, 
Conselho da Justiça Federal. 3. Jornada de Direito Civil. Enunciado 219. In: 
JORNADA DE DIREITO CIVIL, 3., 2005, Brasília, DF. III Jornada de Direito Civil. 
Utilizou-se do método indutivo, da pesquisa qualitativa, do método de procedimento 
monográfico e das técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. O primeiro 
capítulo destinou-se ao conceito jurídico de administrador, representação da 
sociedade, teoria da aparência no Código Civil de 2002 e o conceito, histórico, 
inserção no ordenamento jurídico e relação com o terceiro de boa-fé da teoria ultra 
vires. O segundo capítulo tratou do Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil e 
das ressalvas de aplicação da teoria ultra vires. O terceiro capítulo visou o 
cumprimento do objetivo geral da pesquisa. Como resultado da pesquisa, restou 
refutada a hipótese nos três tribunais estudados, considerando a baixa quantidade 
de julgados para se formar um juízo majoritário acerca do tema do presente 
trabalho. 
 
Palavras-chave: Teoria ultra vires. Objeto social. Administrador. Representação. 
Código Civil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 8 
2 A TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO 
BRASILEIRO .................................................................................................. 11 
2.1 O INSTITUTO JURÍDICO DO ADMINISTRADOR .......................................... 11 
2.2 O INSTITUTO JURÍDICO DA REPRESENTAÇÃO ......................................... 13 
2.3 A TEORIA DA APARÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL ............................................ 17 
2.4 A TEORIA ULTRA VIRES ............................................................................... 20 
2.4.1 Histórico e conceito ...................................................................................... 20 
2.4.2 A teoria ultra vires dentro da ordem jurídica brasileira e a relação com o 
terceiro de boa-fé .......................................................................................... 22 
3 O ENUNCIADO 219 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CONSELHO 
DA JUSTIÇA FEDERAL ................................................................................ 27 
3.1 A NÃO PRODUÇÃO DE EFEITO DOS ATOS ULTRA VIRES APENAS EM 
RELAÇÃO À SOCIEDADE ............................................................................. 28 
3.2 A RATIFICAÇÃO DO ATO PELO ÓRGÃO DELIBERATIVO DA SOCIEDADE 
CASO NÃO HAJA EMBARGO ....................................................................... 32 
3.3 OS PODERES IMPLÍCITOS DO ADMINISTRADOR ...................................... 37 
3.4 A NÃO APLICAÇÃO DO ART. 1.015 DO CÓDIGO CIVILÀS SOCIEDADES 
POR AÇÕES .................................................................................................. 39 
4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL ACERCA DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO 
DA TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NAS SOCIEDADES 
EMPRESÁRIAS ............................................................................................. 42 
5.1 POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA ... 42 
5.2 POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
 ........................................................................................................................ 47 
5.3 POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ..................... 52 
5 CONSIDERAÇÕES ......................................................................................... 57 
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 61 
 
 
 
8 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 O presente trabalho teve por objetivo geral investigatório analisar o acervo 
jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, do Tribunal de Justiça do 
Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça acerca dos critérios de 
aplicação da teoria ultra vires societatis nas sociedades empresárias sob a vigência 
do Código Civil de 2002, bem como da aplicação do Enunciado 219 da III Jornada 
de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. 
 A motivação da pesquisa consistiu no fato de que, desde a publicação do 
Código Civil de 2002, consistentes são as discussões doutrinárias e jurisprudenciais 
acerca da inserção do Parágrafo único do art. 1.015 no texto legal, tendo em vista a 
mitigação da teoria ultra vires nos sistemas jurídicos estrangeiros, em especial o 
americano e o inglês, bem como à possível sobreposição da formalidade contratual 
perante a celeridade dos atos e negócios que permeiam a economia brasileira, 
burocratizando as relações comerciais e gerando insegurança jurídica ao terceiro de 
boa-fé que participa de tais relações; pela vertente diversa, a teoria possivelmente 
garante segurança jurídica aos próprios sócios, pois evitaria que a sociedade fosse 
prejudicada por atos de excesso de poder de seus sócios administradores ou 
estranhos a seu objeto social. 
Deste modo, diante das divergências acerca da aplicabilidade da teoria ultra 
vires societatis inserida no Código Civil de 2002, tendo em vista a incompatibilidade 
da segurança jurídica negocial dos sócios em face do intenso fluxo de mercado e da 
proteção ao terceiro de boa-fé, bem como a publicação do Enunciado 219 da III 
Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, indaga-se qual a posição 
jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de Santa 
Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul frente a essa divergência e 
quanto à aplicação do citado Enunciado no que tange às sociedades empresárias 
regidas pelo Código Civil de 2002. 
Diante do cenário em questão, deparou-se, a priori, com a hipótese de os 
referidos tribunais mitigarem a aplicação da teoria ultra vires societatis, considerando 
a proteção ao negócio jurídico concretizado com o terceiro de boa-fé e da 
dinamicidade das relações comerciais que permeiam o sistema econômico, 
conforme entendimento traçado no Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil do 
Conselho da Justiça Federal. Outrossim, sugeriu-se também que as citadas Cortes 
9 
 
Jurisdicionais constituem hipótese contra legem de mitigação considerando a 
percepção de vantagem financeira pela sociedade empresária no negócio jurídico 
discutido judicialmente. 
No que tange ao marco teórico do presente trabalho, foram utilizadas 
doutrinas e artigos científicos concernentes ao Direito Empresarial, quais sejam: 
GONÇAVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 
966 a 1.195 do Código Civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2010; REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 29. ed. rev. e 
atual. São Paulo: Saraiva, 2010; VON ADAMEK, Marcelo Vieira; AZEVEDO E 
NOVAES FRANÇA, Erasmo Valladão. Vinculação da sociedade: análise crítica do 
art. 1.015 do Código Civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e 
Financeiro, São Paulo, n. 146, p. 30-45, 2007; bem como BRASIL, Conselho da 
Justiça Federal. 3. Jornada de Direito Civil. Enunciado 219. In: JORNADA DE 
DIREITO CIVIL, 3., 2005, Brasília, DF. III Jornada de Direito Civil. 
O objetivo institucional desta pesquisa consistiu na produção de monografia 
para a obtenção do título de bacharel em direito na instituição Centro Universitário – 
Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul. 
Os objetivos específicos da pesquisa foram os de tratar da teoria ultra vires 
societatis, apresentando seu conceito dentro do Código Civil de 2002, suas 
hipóteses de cabimento e a sua relação com o terceiro de boa-fé; analisar as 
mudanças trazidas pelo art. 1.015, Parágrafo único do Código Civil no que tange a 
oposição dos atos do administrador a terceiros, comparado ao período 
imediatamente anterior à vigência do referido dispositivo legal, bem como verificar se 
o mesmo foi de encontro ou ao encontro do entendimento da época; analisar as 
ressalvas à aplicação da Teoria Ultra Vires Societatis trazidas pelo Enunciado 219 
da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal; e por fim verificar se 
as decisões judiciais do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça de 
Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tomam como 
fundamento as disposições do Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil do 
Conselho da Justiça Federal, implícita ou explicitamente, nos casos de atos ultra 
vires em sociedades empresárias. 
A metodologia utilizada consistiu-se no método indutivo, na medida em que 
melhor atendeu as necessidades que a análise impõe, haja vista que 
necessariamente se verificaram as decisões judiciais individualmente para que, ao 
10 
 
fim, se constituísse um entendimento por parte de cada um dos três tribunais 
selecionados. O lapso temporal de pesquisa dos julgados foi desde o dia 11 de 
janeiro de 2003, data do início da vigência do Código Civil de 2002, até a data que 
se realizou a busca. No que toca à análise de dados, utilizou-se da pesquisa 
qualitativa consistente na análise de texto, conteúdo e estudo de casos e decisões, 
bem como no debruçamento sobre o Código Civil e demais legislações correlatas e 
à doutrina especializada. O método de procedimento utilizado foi o monográfico. Por 
fim, referente às técnicas de pesquisa, utilizou-se da pesquisa bibliográfica e 
documental. 
Os capítulos do trabalho foram delimitados da seguinte forma. Primeiramente, 
foi conceituado o instituto jurídico do administrador, bem como da representação 
genérica e da representação no âmbito do contrato social. Em seguida dissertou-se 
acerca da teoria da aparência dentro do Código Civil e sua relação com o princípio 
da boa-fé. Após, passou-se a apresentar o conceito da teoria ultra vires bem como 
seu histórico, sua inserção no Código Civil de 2002 e a relação com o terceiro de 
boa-fé. 
No segundo capítulo foi tratado acerca do Enunciado 219 da III Jornada de 
Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, bem como suas ressalvas de aplicação 
da teoria ultra vires no ordenamento jurídico brasileiro. 
Por fim, no terceiro e último capitulo realizou-se a pesquisa jurisprudencial 
junto ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Tribunal de Justiça do Rio Grande do 
Sul e Superior Tribunal de Justiça, a fim de verificar os critérios de aplicação da 
teoria ultra vires bem com a aplicação do Enunciado 219 da III Jornada de Direito 
Civil do Conselho da Justiça Federal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
2 A TEORIA ULTRA VIRES SOCIETATIS NO ORDENAMENTO JURÍDICOBRASILEIRO 
 
 Antes de adentrar ao campo da teoria ultra vires e de como a mesma se 
comporta dentro da ordem jurídica pátria, cumpre abordar de forma sintética acerca 
de dois institutos jurídicos intrínsecos ao tema abordado: os do administrador da 
sociedade empresária e da representação da sociedade empresária por aquele. 
Após tais apontamentos, oportuno se torna dissertar acerca da teoria da aparência 
dentro do Código Civil Brasileiro, por possuir conteúdo que confronta com a teoria 
ultra vires. 
 
2.1 O INSTITUTO JURÍDICO DO ADMINISTRADOR 
 
 O Código Civil não traz um dispositivo que explana o conceito jurídico de 
administrador dentro da sociedade. Todavia, o art. 1.011, §2º do referido diploma 
legal (BRASIL, 2002) expõe que: “Aplicam-se à atividade dos administradores, no 
que couber, as disposições concernentes ao mandato”. 
 Desse modo, cumpre remeter-se ao conceito legal do instituto jurídico do 
mandato, trazido pelo art. 653 (BRASIL, 2002): “Opera-se o mandato quando 
alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar 
interesses. [...]”. 
 Ao firmar o elo do conceito trazido pelo dispositivo legal supra com o universo 
jurídico da sociedade e de sua representação, pode-se afirmar que o administrador é 
a pessoa que recebe poderes da sociedade para, em seu nome, praticar atos ou 
administrar interesses. 
 A sociedade, como pessoa de existência exclusivamente legal, necessita de 
pessoas naturais para atuar impulsionada por seus direitos e obrigações. Nesse 
sentido, indispensável se torna a criação de duas áreas distintas de atuação, sendo 
a de deliberação colegiada, como formadora da vontade; e a de execução das 
vontades pré-estabelecidas, por meio da figura do administrador (GONÇALVES 
NETO, 2010). 
 Nas palavras de Gonçalves Neto (2010, p. 209): 
 
12 
 
Administrador é a pessoa que executa a vontade da sociedade; é quem se 
apresenta pela sociedade nas relações jurídicas que ela mantém com 
terceiros. É o órgão da sociedade que exterioriza suas ações no mundo 
real. 
 
Em análise do entendimento do autor, compreende-se que o administrador é 
o sujeito que exerce ativamente a vontade da sociedade, regulando e gerindo as 
atividades que envolvam relação com terceiros. 
 Para fins de conceituação, oportuno citar que a sociedade empresária explora 
uma empresa (COELHO, 2012). A empresa, na forma do art. 966 do Código Civil, 
constitui-se em atividade econômica organizada, ou seja, ações que geram 
movimentação financeira de forma sistematizada (BRASIL, 2002). 
Tal atividade econômica deve ser previamente estipulada em contrato social, 
constituindo o objeto social da sociedade, ou seja, a que fim se destina. Deste modo, 
os administradores realizam atos a fim de cumprir com a atividade econômica da 
pessoa jurídica, dentro dos poderes que lhe foram atribuídos no contrato social, 
sempre perseguindo o referido objeto social. 
Em que pese o legislador civilista não tenha positivado um conceito fechado 
da figura do administrador dentro da sociedade no Código Civil, dá-se considerável 
atenção a este órgão da pessoa jurídica, tendo em vista haver seção específica para 
sua figura no subtítulo que trata das sociedades personificadas. Dentre as regras, 
cita-se o art. 1.011, caput (BRASIL, 2002), que expressa a necessidade de o 
administrador agir com cuidado e diligência em suas funções, como se o negócio 
seu fosse. 
Como analisa Gonçalves Neto (2010), a interpretação do dispositivo legal 
supra mencionado deve levar em conta que o exercício da administração de uma 
sociedade empresária demanda a assunção de riscos, de acordo com a atividade 
que lhe é objeto social. Caso seja aplicada literalmente, pode levar ao tolhimento da 
discricionariedade dos atos do administrador, o que vai de encontro à natureza de 
sua função, propriamente dinâmica e constituída de decisões rápidas. 
O administrador ainda pode ser sócio da sociedade ou não sócio, sendo este 
último nomeado em ato separado, que não no contrato social, como funciona com o 
primeiro. Segundo Ramos (2017), a diferença entre tais figuras reside no fato de que 
os poderes do administrador que é sócio são irrevogáveis, exceto por decisão 
judicial que reconheça a existência de justa causa para sua revogação, enquanto 
13 
 
que o administrador não sócio pode ter seus poderes revogados a qualquer tempo 
mediante a vontade dos sócios. Tais disposições encontram guarida no art. 1.019 do 
Código Civil. 
Compreendido o conceito atribuído ao administrador de sociedades, passa-se 
agora ao instituto da representação. 
 
2.2 O INSTITUTO JURÍDICO DA REPRESENTAÇÃO 
 
A representação, segundo Pontes de Miranda (apud MAIA JÚNIOR, 2004, p. 
23): 
 
É o ato de manifestar vontade, ou de manifestar ou comunicar 
conhecimento, ou sentimento, ou de receber a manifestação ou 
comunicação, por outrem (representado), que passa a ser o figurante e em 
cuja esfera jurídica entram os efeitos do ato jurídico, que se produz. (grifo 
do autor) 
 
Na análise do autor, a representação consiste em transmitir uma expressão 
de manifestação física oriunda de um indivíduo, ora representado, este que recebe 
os efeitos do ato jurídico, por consequência. 
Nas palavras de Maia Júnior (2004), a concepção da representação dentro da 
teoria dos contratos se enquadra com mais eficácia na definição que traz a noção de 
substituição da manifestação da vontade, esta sendo um requisito indispensável à 
celebração do negócio jurídico. Assim, opera-se a vontade por outra pessoa, que 
“faz as vezes” do representado, agindo e direcionando o efeitos jurídicos 
diretamente à esfera jurídica deste. 
Ainda no raciocínio de Maia Júnior (2004), via de regra, a manifestação de 
vontade em um negócio jurídico se dá pelas próprias partes, em uma pura e simples 
apresentação, e não por meio da representação, que consequentemente é exceção 
nesse sistema. O direito romano utilizava-se do princípio alteri stipulari nemo potest, 
ou seja, ninguém pode obrigar ou tornar credor pessoa diversa outorgando em nome 
próprio. 
Todavia, com a natural evolução das relações jurídicas e comerciais, 
constatou-se a ineficiência de aplicação do referido princípio, por inviabilizar as 
atividades dos interessados em contratar, o que fatalmente limitava a possibilidade 
da circulação de riqueza produzida. (MAIA JÚNIOR, 2004). 
14 
 
Deste modo, tendo sido admitida a intervenção de terceiros estranhos aos 
interesses materiais envolvidos nos negócios jurídicos, no intuito de desonerar as 
partes contratantes, desenvolveu-se a chamada cooperação jurídica, como meio 
para a expansão das atividades jurídicas dos sujeitos de direito. Nesse contexto, a 
representação se apresenta como espécie de cooperação jurídica. (MAIA JÚNIOR, 
2004). 
Pelo fato de a sociedade empresária ser uma ficção jurídica, ela não se 
expressa e tampouco transmite pensamentos ou desejos. Deste modo, a 
representação da sociedade torna-se crucial para que esta venha a cumprir com o 
fim a qual foi criada. 
O art. 47 do Código Civil (BRASIL, 2002) estipula que: “Obrigam a pessoa 
jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes 
definidos no ato constitutivo”. Deste modo, é através do administrador que a 
sociedade exerce sua personalidade jurídica perante terceiros. 
No entanto, a lei estabelece a possibilidade de os sócios agirem como 
administradores no silêncio do contrato social, conforme se verifica no art. 1.013, 
caput. Igualmente nada impede de ser designado contratualmente sócio como 
administrador, tendo em vista não haver vedação legal para tal caso. 
Neste ponto, conforme raciocina Gonçalves Neto (2010), não existe razão 
para distinguir as figuras do administrador-sócio, administrador-executivo e 
administrador-empregado, considerando que a função de administraçãonão se 
encontra vinculada exclusivamente à figura do sócio ou com a função ocupada pelo 
empregado antes da nomeação para tal cargo. 
Assim, tem-se a representação como o método jurídico para dar voz à 
sociedade pelo administrador, a fim de que a mesma possa contrair direitos e 
obrigações. Essa representação pode ser feita pelos sócios administradores ou por 
administrador não sócio, ambos devidamente previstos no contrato social. 
(COELHO, 2012). 
Todavia, a representação da sociedade difere das demais formas de 
representação presentes no ordenamento civil, tais como o contrato de 
representação comercial, o de mandato, entre outros. Nesse ínterim, cumpre citar 
algumas teorias que através dos tempos foram utilizadas para explicar a relação do 
administrador com a sociedade. 
15 
 
Conforme disserta Rubens Requião (2010), a primeira teoria utilizada foi a 
“teoria do mandato”, em que vislumbra o gerente ou administrador como um 
mandatário da sociedade, deste modo não responde pelos atos que pratica em 
nome desta, desde que no limites de seus poderes. Acrescenta-se a compreensão 
de Gonçalves Neto (2010), que afirma que ocorreria na teoria uma espécie de 
representação voluntária, por ser o administrador nomeado ou escolhido pela 
sociedade para dar vida à sua vontade. 
Todavia, tal teoria não se torna mais aceita por certos autores, pois, como 
afirma Requião (2010), na vida real os administradores podem expressar sua 
vontade pessoal durante os atos realizados pela sociedade, o que inevitavelmente 
diverge com os preceitos dessa teoria. Outrossim, Gonçalves Neto (2010) sustenta 
que a teoria não explica o modo com que o mandatário receberia o mandato da 
sociedade sem que esta tivesse alguém para exteriorizar essa vontade. Em síntese, 
a sociedade deveria, por meio de outro alguém, exteriorizar o ato de contratação do 
mandatário, o que apenas transferiria o problema teórico para aquele. 
A fim de suplantar tal questão, sustentou-se a tese de que haveria em 
realidade uma representação legal, em que a pessoa natural representaria a 
sociedade mediante prerrogativa conferida por lei, como ocorre no caso de tutores e 
curadores. Todavia, a teoria ainda não seria suficiente para explicar como a pessoa 
jurídica seria responsabilizada em decorrência dos atos exercidos fora do poder 
atribuído ao seu representante, tendo em vista que aquela responderia 
indiscriminadamente. (GONÇALVES NETO, 2010). 
Atualmente, a teoria majoritariamente aceita pelos autores é a teoria 
organicista, a qual difere da concepção da representação. Criada na Alemanha, 
aduz que não haveria vínculo jurídico entre os sujeitos e os órgãos que os mesmos 
ocupam, tendo em vista que estes apenas se constituem em presença real por meio 
das pessoas. Em suma, a pessoa jurídica opera por meio de seus órgãos. 
(GONÇALVES NETO, 2010). 
Sustenta Requião (2010) que o gerente, administrador ou diretor são órgãos 
da sociedade comercial, de modo que incorre em correta identificação entre pessoa 
jurídica e pessoa física. “O órgão executa a vontade da pessoa jurídica, assim como 
o braço, a mão, a boca executam a da pessoa natural”. (REQUIÃO, 2010, p. 512). 
Do mesmo modo, Pontes de Miranda (2000) explana que quando o órgão da 
pessoa jurídica pratica um ato, a fim de entrar no mundo jurídico como sendo dela 
16 
 
mesmo, há na verdade presentação, tendo em vista que o ato do órgão não é(são) 
da(s) pessoa(s) que o compõe(m), mas sim da própria pessoa jurídica, pois o órgão 
é seu. 
Nessa vertente, nas palavras de Maia Júnior (2004), a interpretação do termo 
“representação” inserto no art. 47 já citado acima não se dá pela via do instituto da 
cooperação jurídica. Em realidade, se trata da regulação sobre como a pessoa 
jurídica se fará presente nos atos que pratica, considerando sua inexistência no 
mundo dos fatos. 
Prossegue o autor: 
 
O órgão da pessoa jurídica declara a vontade desta, e não a vontade 
própria, pois não age por si; não é considerado ente autônomo e 
independente da pessoa jurídica. A pessoa jurídica atua por intermédio de 
seus órgãos, trata-se, com efeito, de presentação, e não de representação. 
A atuação dos administradores, nos limites dos poderes e atribuições 
previstos pelo estatuto da pessoa jurídica, não configura atuação ou 
conduta de terceiro, mas consubstancia a própria manifestação da pessoa 
jurídica, que se revela pelo modo previamente estabelecido em seus atos 
constitutivos. (MAIA JÚNIOR, 2004, p. 60-61) 
 
Deste modo, a conclusão da análise do jurista é que, em verdade, a pessoa 
jurídica, que necessita da pessoa natural para realizar atos em decorrência de sua 
própria natureza, não é representada pelo seu órgão administrador, mas sim 
presentada, de modo que o ator que a promove não age com independência em 
decorrência de ser uma pessoa com personalidade jurídica própria, mas sim atua 
por ser parte do todo institucional, dentro da função que exerce nos parâmetros 
previstos no estatuto que a rege, sendo a sociedade empresária, no contrato social. 
Como suporte aos fundamentos acima, na análise de Coelho (2015), a 
pessoa jurídica não transfere as suas decisões a um outorgado, mas sim depende 
completamente do administrador para que as vontades sejam manifestadas, 
fazendo-a presente no mundo real. Deste modo, o termo presentação ao tratar das 
prerrogativas externas do administrador sócio ou não sócio é o mais adequado. 
O autor prossegue com indagações a respeito de dois pontos importantes a 
serem considerados sobre o objeto social e às condições previstas no contrato 
social (COELHO, 2015, p. 481, grifo do autor): 
 
A primeira diz respeito ao objeto social da limitada: se o administrador 
pratica, em nome da sociedade, negócio jurídico estranho ao seu objeto, ela 
está validamente vinculada? A segunda se liga às condições, previstas no 
17 
 
contrato social, para a representação: se o administrador atua, 
individualmente, como representante da sociedade, na celebração de 
negócio jurídico, para o qual o contrato social exige a assinatura de dois 
membros da diretoria, está ela obrigada a cumprir as obrigações 
decorrentes do ato? 
 
Nesse ínterim que se inicia a abordagem acerca da teoria que é objeto da 
pesquisa jurisprudencial realizada no presente trabalho, qual seja a teoria ultra vires. 
 
2.3 A TEORIA DA APARÊNCIA NO CÓDIGO CIVIL 
 
 A teoria da aparência, conforme ensina Juliane Smith (2009), traduz-se no 
princípio jurídico que alicerceia as relações empresariais, apesar de não se 
encontrar expressa no Código Civil de 2002, porém com alguns dispositivos que a 
fundamentam de forma implícita. 
 Segundo o pesquisador, a teoria confere segurança jurídica aos negócios 
empresariais, pois põe óbice em possíveis imbróglios causados pelas exaustivas 
exigências de verificação das informações passadas por ambas as partes durante as 
tratativas das relações. 
 Smith (2009) ainda expõe que essa segurança se efetiva através da 
valorização do terceiro de boa-fé, que uma vez confiando nas informações recebidas 
bem como na aparência legítima do sujeito com quem está tratando, não deve ser 
levado ao prejuízo em detrimento dessa pessoa, caso faça crer obter a legitimidade 
que não possui. 
 Em uma concepção geral, nas palavras de Carlos Orlandi Chagas (2010), o 
fenômeno da aparência de direito, objeto da teoria em questão, é produto da 
celeridade dos negócios jurídicos na atualidade, bem como da grande complexidade 
dos mesmos, o que por inúmeras vezes impede procedimentos e diligências a fim de 
auferir a autenticidade das perspectivas exteriorizadas nas relações comerciais. 
Trata-se de uma necessidade jurídico-econômico-social, tendo em vista que tutela 
uma situação de aparência e mitiga-se a realidade objetiva, visando proteger a 
dinâmica das relações e resguardar a ordem jurídica. 
 Como manifestaVicente Paulo Francisco Rao (apud CHAGAS, 2010, p. 98), o 
fenômeno da aparência somente se caracteriza e produz efeitos quando são 
observados os seguintes requisitos objetivos e subjetivos: 
 
18 
 
São seus requisitos essenciais objetivos: a) – uma situação de fato cercada 
de circunstâncias tais que manifestamente a apresentem como se fôra uma 
segura situação de direito; b) – situação de fato que assim possa ser 
considerada, segundo a ordem geral e normal das coisas; c) – e que, nas 
mesmas condições acima, apresente o titular aparente como se fôra titular 
legítimo, ou de direito como se realmente existisse. 
São seus requisitos subjetivos essenciais: a) – a incidência em êrro de 
quem, de boa-fé, a mencionada situação de fato como situação de direito 
considera; b) – a escusabilidade dêsse êrro apreciada segundo a situação 
pessoal de quem nêle incorreu. 
Como se vê não é apenas a boa-fé que caracteriza a proteção dispensada à 
aparência de direito. Não é, tampouco, o êrro escusável, tão sòmente. São 
êsses dois requisitos subjetivos inseparàvelmente conjugados com os 
requisitos objetivos referidos acima – requisitos sem os quais ou sem algum 
dos quais a aparência não produz os efeitos que pelo ordenamento lhe são 
atribuídos. 
O fundamento da aparência assim caracterizada vem a ser, pois, a 
necessidade, de ordem social, de se conferir segurança às operações 
jurídicas, amparando-se, ao mesmo tempo, os interêsses legítimos dos que 
corretamente procedem. Essa proteção se realiza de modo peculiar porque, 
repetimos, enquanto nos simples casos de êrro [...] a vontade de quem nêle 
incide é protegida por via indireta mediante a possibilidade de anulação do 
ato, na aparência de direito a vontade de quem erra (supondo que o direito 
existe, ou que o titular ostensivo seja o titular verdadeiro) prevalece, como 
se realidade jurídica houvesse, e não apenas aparência. Nos têrmos 
expostos, portanto, a aparência de direito produz os mesmos efeitos da 
realidade de direito, salvo particulares restrições legais. E quando se afirma 
que tais efeitos são produzidos em prejuízo do titular verdadeiro, a 
afirmação deve ser entendida em têrmos: - o titular verdadeiro possui, 
normalmente, meios legais para obstar que outrem disponha de seu direito 
sem estar, para tanto, legitimado: mas, se por qualquer circunstância não 
usou ou não pôde usar dêsses meios, cumpre-lhe, é certo, respeitar a 
situação de quem corretamente negociou à vista e consideração da 
aparência de direito, mas sempre lhe resta a faculdade de reclamar do 
titular aparente e não legitimado, que semelhante situação causou, a 
reparação das perdas e danos. 
 
O autor explana primeiramente, em consistente raciocínio, que os requisitos 
objetivos e subjetivos são cumulativos, ou seja, todos devem estar presentes para 
que a situação de aparência de direito se configure. Aborda os pressupostos 
objetivos como sendo relativos ao viés da relação entre sujeitos a que se analisa, 
sendo então a latente expressão de juridicidade e segurança na situação de fato, de 
modo que possa ser assim compreendida e que o mesmo seja concluído em relação 
à pessoa que diz legítima; e os pressupostos subjetivos em relação ao erro incorrido 
a quem de boa-fé se envolveu no negócio e se tal erro pode ser perdoável. 
Em tempo, no que toca ao instituto do erro nos negócios jurídicos, em que 
pese o entendimento do autor ser anterior à publicação do Código Civil atual, nada 
impede de citar o conceito trazido pelo referido diploma acerca de tal figura jurídica 
presente no art. 138, como sendo: “quando as declarações de vontade emanarem 
19 
 
de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em 
face das circunstâncias do negócio”. (BRASIL, 2002). 
Dando seguimento, Rao (apud CHAGAS, 2010) ensina que o que diferencia o 
erro puro e simples no negócio jurídico, que geraria a possibilidade de tornar o ato 
anulável, é que na aparência o erro é convertido em direito real, como se de verdade 
fosse. Privilegia-se a intenção do negociante de boa-fé em detrimento de uma 
realidade jurídica que pode ser diversa do que foi manifestado pela outra pessoa 
negociante. 
Dentro da seara empresarial, mais precisamente no interim da presentação 
da pessoa jurídica dentro dos negócios empresariais, Orlando Gomes (apud 
CHAGAS, 2010), argumenta que a teoria da aparência se manifesta em quatro 
situações em que a boa-fé do terceiro deve ser tutelada, sendo elas na extinção do 
mandato do administrador, o qual continua ainda assim a administrá-la; na 
inexistência de ato formal que tenha investido o administrador no ofício que exerce 
junto ao órgão da pessoa jurídica; na declaração de nulidade do ato de investidura 
do administrador; ou na situação em que o administrador regularmente investido 
extrapola seus poderes de atuação. 
Veja-se que não há a previsão do autor da hipótese de o administrador agir 
para além do objeto social da pessoa jurídica. Cumpre asseverar que tal situação, 
nas palavras de Gonçalves Neto (2010), diferencia-se de quando o administrador 
age além dos próprios poderes; naquela, houve o abuso de poder pelo 
representante, já nesta o que houve foi o excesso de poder. Neste ponto, Vitor 
Frederico Kumpel (apud SMITH, 2009) sustenta que é imprescindível que seja 
efetivado o registro do poder de representação da pessoa jurídica dentro de seu ato 
constitutivo, pois tal feito resguarda os interesses dos terceiros que negociam com 
ela, pois declara sua capacidade aquisitiva e obrigacional. Deste modo, o terceiro 
negociante deve consultar tais atos a fim de conhecer suas finalidades e limites, não 
podendo alegar boa-fé se não realizou tal diligência. 
Verifica-se que entre os diversos juristas, há inúmeros entendimentos acerca 
da teoria da aparência e sua relação com o terceiro envolvido no negócio 
empresarial. De qualquer sorte, adentra-se agora ao campo da teoria ultra vires. 
 
 
 
20 
 
2.4 A TEORIA ULTRA VIRES 
 
2.4.1 Histórico e conceito 
 
A teoria dos atos ultra vires, conforme disserta Coelho (2015), foi gerada no 
direito britânico, como uma tentativa de resposta ao dilema acerca da vinculação da 
sociedade aos atos praticados em seu nome, porém estranhos ao objeto social. 
Segundo o autor, as cortes inglesas iniciaram a formular a ultra vires doctrine em 
meados do século XIX, no intuito de evitar que ocorressem desvios de finalidade na 
administração de sociedades por ações, a fim de resguardar os interesses dos 
investidores. 
 Ainda no país inglês, a partir do ano de 1856, a personalização jurídica das 
sociedades e seus consequentes aspectos relativos à limitação da responsabilidade 
dos acionistas passou a depender de mero registro na repartição pública 
competente, e não mais de outorga do poder real. Deste modo, os atos 
concernentes à atividade econômica delimitada no objeto social eram regidos pelo 
respectivo registro, ou seja, de acordo com a própria personalidade jurídica da 
companhia e a delimitação da responsabilidade de seus acionistas. (COELHO, 
2015). 
 Deste modo, as cortes Britânicas, desassossegadas com o risco de que 
ocorressem expansões não devidas dos efeitos do registro para os atos estranhos 
ao objeto social, iniciaram um movimento rígido para os casos que lhe viessem a 
julgamento. (COELHO, 2015). 
 Conforme cita Fernández Gates (2012), o caso que se tornou referência e 
emblema acerca da teoria ultra vires e de sua inflexibilidade no direito anglo-saxão 
foi o caso Ashbury Ry & Iron C. V. Riche, do ano de 1875. Segundo o pesquisador, a 
primeira sociedade citada detinha como objeto social registrado a venda e locação 
de máquinas para construção de ferrovias. A companhia havia conseguido uma 
concessão na Bélgica para a construção e operação de uma linha ferroviária e, para 
isso, tratou de contratar uma terceirasociedade para erguer tal empreendimento. 
Em contrapartida, a sociedade Ashbury assumiria o financiamento da obra. 
 Ocorre que, logo após o início dos trabalhos, a companhia inadimpliu o 
financiamento, o que, consequentemente, levou à revogação da concessão no país 
belga, tanto para ela como para a sociedade que efetivamente construía a ferrovia. 
21 
 
Devido a tais fatos, Ashbury foi demandada em uma ação judicial pela contratada, 
na qual a corte britânica chamada de The House of Lords analisou e concluiu que, 
em que pese o inadimplemento contratual, a sociedade não era responsável pelos 
danos em face da sociedade contratada, tendo em vista que aquela não possuía em 
seu objeto social registrado a operação de linhas ferroviárias, o que inevitavelmente 
levou o pleito de indenização pela quebra de contrato à improcedência. 
(FERNANDEZ GATES, 2012). 
 Conforme analisa Coelho (2015), o rigor com que foi formulada a teoria ultra 
vires em seu início, apesar de gerar segurança jurídica aos acionistas, acarretou 
diversos prejuízos para as sociedades inglesas, tendo em vista que todos que 
fossem contratar com as mesmas apenas o fariam se o negócio estivesse incluso no 
objeto social de forma irrefutável. Não bastasse, até meados de 1948, o objeto social 
era inalterável pela sociedade, motivo pelo qual era deveras comum que as 
sociedades elencassem na respectiva disposição contratual uma série de atividades 
econômicas, a fim de garantir sua capacidade para os negócios. 
 Com o chegar do século XX, a teoria iniciou um processo de mitigação. O ato 
jurídico que antes era nulo passou a ser entendido como sem efeito em relação à 
pessoa jurídica, todavia o terceiro poderia pleitear o cumprimento da obrigação em 
face do diretor da sociedade, de forma pessoal. O autor prossegue anotando que, 
com a entrada do Reino Unido na Comunidade Econômica Europeia, as adequações 
com o direito fizeram com que, no fim da década de 80, a teoria ultra vires fosse 
extinta por completo do sistema jurídico anglo-saxão. (COELHO, 2015). 
A teoria ultra vires societatis – expressão oriunda do latim que em tradução 
livre significa além da sociedade – importa no raciocínio de que, uma vez o 
administrador da sociedade ter realizado um ato fora do objeto social desta, conclui-
se que a mesma não atuou. Conforme ensina Gonçalves Neto (2010): “[...] a 
capacidade de obrigar-se da pessoa jurídica só existe enquanto ela atua em busca 
dos fins para os quais foi constituída”. 
Os atos Ultra Vires podem ser definidos como atos abusivos, pois são tanto 
os realizados pelo sócio administrador ou administrador fora de suas competências 
previamente estabelecidas, como os que não se destinam à finalidade da sociedade. 
De acordo com a teoria, uma vez que o ato realizado se encontra em 
desconformidade com o fim pelo qual a sociedade foi constituída, conclui-se que a 
22 
 
mesma não atuou, recaindo a responsabilidade sob o sócio administrador ou 
administrador que praticou o ato. (GONÇALVES NETO, 2010). 
Trata-se de uma forma de nulidade dos atos praticados em nome da 
sociedade, mas estranhos ao objeto social que a constitui (COELHO, 2015). 
Portanto, a hipótese de aplicação da teoria é quando o indivíduo que torna presente 
a sociedade realiza ato jurídico que transcende o objeto social, tornado nulo seus 
efeitos em relação à pessoa jurídica. 
Tomado o contato com o trajeto histórico e o conceito que permeia a teoria, 
passa-se às considerações acerca da relação da teoria ultra vires com o terceiro de 
boa fé dentro das relações jurídicas e de como o sistema jurídico brasileiro a abarca. 
 
2.4.2 A teoria ultra vires dentro da ordem jurídica brasileira e a relação com o 
terceiro de boa-fé 
 
 No entendimento de Coelho (2015), anteriormente à entrada em vigor do 
Código Civil de 2002, o ordenamento jurídico brasileiro não havia adotado a teoria 
ultra vires, vez que os problemas relacionados à extrapolação dos limites do objeto 
social habitualmente eram examinados à luz da teoria da aparência, já explicado 
anteriormente. Deste modo, visava-se a proteção aos terceiros de boa-fé que 
contratam com sociedades. 
 Realizando um resgate dos entendimentos da época, Nelson Abrão (2000) 
afirma que a corrente doutrinária majoritária era pela negação de validade da 
cláusula restritiva dos poderes da gerência, em relação aos terceiros de boa-fé, por 
sua incompatibilidade com as características do direito comercial. Seria, na opinião 
do autor, demasiada exigência no meio do comércio massivo o terceiro que contrata 
com a sociedade solicitar a exibição do contrato social para verificar os poderes do 
gerente. Conclui ainda que a cláusula restritiva não era eliminada do ato constitutivo 
da sociedade por tais motivos, mas apenas não surte efeito em relação a terceiros. 
 De todo modo, salienta o jurista que era possível exigir do administrador o 
valor do dano que ocasionou ao agir com excesso de poderes, mediante ação de 
regresso. 
 Outrossim, Smith (2009) afirma que antes do vigor do Código Civil de 2002 a 
ordem jurídica nacional utilizava-se da teoria da aparência para decidir os litígios em 
23 
 
virtude da extrapolação do objeto social da sociedade, que apontava a 
responsabilidade à sociedade pelos atos praticados em seu nome. 
 Requião (2010), por sua vez, anota que havia opiniões discrepantes acerca 
da validade da cláusula limitativa dos poderes do gerente. Em nível de direito 
comparado, o já revogado Código Comercial Italiano admitia a validade da referida 
cláusula em seu art. 2.298, conteúdo que foi mantido pela legislação posterior, que 
expressava que o administrador pode realizar todos os atos do objeto social, de 
acordo com as limitações constantes no próprio ato constitutivo ou na procuração 
comercial, sendo que as mesmas não poderiam ser opostas ao terceiro de boa-fé se 
não houvesse o cumprimento da publicidade. 
Em contrapartida, na França, com a reforma das sociedades de 1966, foi 
instituído que o gerente pode praticar todos os atos de interesse da sociedade, de 
modo que nas relações com terceiros os gerentes obrigam a sociedade em atos 
compatíveis com o objeto social da mesma. Recorda-se ainda que no Código de 
Obrigações da Suíça e no Código Comercial germânico, a cláusula limitativa não é 
de nenhuma forma válida. (REQUIÃO, 2010). 
Na Argentina, com a Lei das Sociedades, os gerentes obrigam a sociedade 
por todos os atos e negócios que firmem, uma vez que não sejam claramente 
estranhos ao objeto social da pessoa jurídica. (ABRÃO, 2000). 
Requião (2010) recorda que no ordenamento jurídico-civil brasileiro os 
tribunais pátrios não haviam pacificado tal temática, pois em diversos momentos se 
dava validade à cláusula e ora, se negava. 
 Gonçalves Neto (2010) lembra que o já revogado Código Comercial, em seu 
art. 316, previa que o uso da firma social, desde que o administrador a utilizasse em 
negócios de acordo com o objeto social, surtia efeitos perante a sociedade em 
qualquer hipótese, ainda que em benefício dela própria ou de terceiro. Todavia, o fim 
do caput do dispositivo previa uma exceção nos casos de a transação ser estranha 
aos negócios previstos no contrato social. 
 O autor ainda cita outros dispositivos legais, como o art. 14 do Decreto 
3.709/19, que regulava as sociedades de responsabilidade limitada, o qual 
explanava que as sociedades responderiam pelos compromissos assumidos pelos 
gerentes, ainda que sem o uso da firma social, se forem contraídos em seu proveito, 
dentro dos poderes da gerência. 
24 
 
 Todas as normativas acerca do assunto eram interpretadas pela doutrina e 
jurisprudência no sentido de atribuir a teoria da aparência e a proteção do terceiro de 
boa-fé, vez que: “entre a tutela dos sócios, que escolhem mal o administrador e a 
dos terceiros que com a sociedade contratam, é preferível privilegiara destes 
últimos”. (GONÇALVES NETO, 2010, p. 222). 
 O jurista prossegue informando que, no início, apenas os atos dos 
administradores que fossem contrários ou sinistros ao objeto social não vinculavam 
a sociedade ao cumprimento. Após um tempo, os tribunais pátrios desistiram de tal 
distinção visando sempre a proteção ao terceiro de boa-fé. 
 Com o advento do Código Civil de 2002, houve a inclusão do Parágrafo único 
do art. 1.015, o qual explana o seguinte (BRASIL, 2002): 
 
Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos 
os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a 
oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios 
decidir. 
Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode 
ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: 
I - se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio 
da sociedade; 
II - provando-se que era conhecida do terceiro; 
III - tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da 
sociedade. 
 
Segundo Smith (2009), o inciso III do dispositivo acima citado adotou de 
forma expressa a teoria ultra vires, afastando a teoria da aparência como princípio 
basilar dos atos praticados pelos administradores em nome da sociedade. Desta 
maneira, os atos que evidentemente são estranhos ao objeto social da pessoa 
jurídica são oponíveis perante terceiros, gerando assim uma espécie de presunção 
da má-fé em relação ao terceiro de boa-fé que confiou tratar-se de ato legítimo da 
sociedade, quando na realidade foi excesso de poder por parte do administrador. 
No entendimento de Coelho (2015), a partir da vigência do Código Civil de 
2002, o direito brasileiro passou a contemplar um dispositivo expressamente 
inspirado na ultra vires doctrine, de acordo com o qual a prática de ato 
evidentemente estranho aos negócios da sociedade pode ser oponível ao credor de 
boa-fé, considerando o excesso de poderes do administrador. 
Na visão do jurista, no Brasil, assim como ocorre no direito argentino, ocorreu 
uma adesão parcial à doutrina dos atos ultra vires, sendo que a sociedade limitada 
que possui como diploma de regência supletiva o disposto sobre as sociedades 
25 
 
simples não vincula seu nome em operações claramente estranhas ao seu objeto 
social. 
Na visão de Gonçalves Neto (2010), o dispositivo acima citado traz o abuso 
de poder e o excesso de poder com tratamentos iguais no que tange aos atos do 
administrador, sendo que o primeiro não se relaciona com o objeto da sociedade em 
si, mas sim com as limitações do administrador previstas no contrato social, não se 
tratando, então, de atos ultra vires. 
Sérgio Campinho (2008) analisa alguns aspectos práticos quanto à aplicação 
do referido dispositivo, como quando o contrato social exige a assinatura de dois 
administradores para que a sociedade se veja obrigada e, violando tal disposição, o 
administrador realiza de forma isolada a assinatura de uma nota promissória em 
favor de outra pessoa, ou realiza um contrato de leasing, poderá a sociedade opor o 
excesso de poder exercido em face do terceiro a fim de que se veja livre do ônus, 
bastando comprovar a limitação de poderes prevista na cláusula do ato constitutivo. 
Como o autor cita (CAMPINHO, 2008, p. 113): 
 
A excludente legal impõe que todos os que venham a contratar com uma 
sociedade tenham o cuidado e a preocupação de verificar o seu ato 
constitutivo registrado ou, no caso de administrador nomeado em 
instrumento apartado, o respectivo ato averbado à margem da inscrição da 
sociedade. 
 
O Código Civil atual utilizou-se de inspiração na lei italiana de 1942 no 
momento da inserção da citada exceção legal. A normativa vai de encontro à 
realidade massiva dos negócios empresariais, pois excede o valor do registro formal 
em detrimento dos sujeitos que contratam com a sociedade. (GONÇALVES NETO, 
2010). 
 O autor tece críticas à adoção do legislador civilista pela positivação de tais 
exceções: 
 
Como já observei ao discorrer sobre o assunto, o legislador de 2002, nesse 
particular, “obrou na contramão da evolução doutrinária, generalizando o 
tratamento do tema em detrimento dos terceiros de boa-fé, quer no que diz 
respeito aos atos ultra vires, quer no tocante aos praticados com excesso 
de poder, não distinguindo as sociedades empresárias das demais pessoas 
jurídicas, públicas ou privadas. Os atos dos administradores, a contrario 
sensu do disposto no seu art. 47, só obrigam a pessoa jurídica se 
praticados nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo. Em 
matéria societária, excetuando-se as sociedades por ações (arts. 1.088 e 
1.090), todo pacto ajustado entre os sócios, constante do contrato social, é 
26 
 
oponível a terceiros (art. 997, parágrafo único). Assim, se a sociedade atua 
fora do seu objeto, perfeitamente delimitado no estatuto, o terceiro não terá 
como vinculá-la ao negócio (art. 1.015, parágrafo único, III); se houver, em 
cláusula do contrato social devidamente arquivado no registro próprio, 
exigência de duas assinaturas para a validade de um aval e só uma for 
lançada, reputa-se não prestada essa garantia pela sociedade (art. 1.015, 
parágrafo único, I). Trata-se, obviamente, de um surpreendente retrocesso” 
(Lições de direito societário, v. 1, n. 8, p.26). (GONÇALVES NETO, 2010, p. 
222, grifo do autor). 
 
 Segundo o autor, a legislação vai de encontro à evolução jurisprudencial e 
doutrinária sobre o tema, já que privilegia o prisma burocrático do registro contratual 
em detrimento das massivas negociações da sociedade. Não bastante, houve 
inovação legislativa que foi completamente de encontro ao entendimento que havia 
se consolidado sobre a proteção dos interesses do terceiro de boa-fé que fosse 
negociar ou realizar atos com a sociedade empresária. As hipóteses do art. 1.015, 
Parágrafo único impedem que o terceiro prejudicado pela aparência de direito 
associe o negócio ou o ato jurídico à sociedade com quem contrata. 
 Deste modo, cumpre ao empresário que irá contratar com a sociedade 
realizar as devidas diligências junto ao registro, a fim de verificar as últimas 
alterações averbadas junto ao contrato social, o que representa real óbice ao 
fechamento dos negócios, bem como onerosas despesas que podem chegar até 
mesmo à metade do valor da transação. (SMITH, 2009) 
 Requião (2010) compreende que se torna demasiada exigência, no âmbito 
comercial, onde ocorrem operações em massa, o que consequentemente não 
converge com a formalidade, o fato de o terceiro contratante solicitar a todo o 
momento a exibição do contrato social para que se verifiquem os poderes do 
gerente. 
 Como se conclui, são inúmeras críticas ao dispositivo legal que, conforme 
entendimento majoritário, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a teoria dos atos 
ultra vires. Nesse ínterim, no objetivo de esmiuçar o tema e trazer mais elementos 
para discussão, houve a edição do Enunciado 219 da III Jornada de Direito Civil do 
Conselho da Justiça Federal, cujo teor será analisado no próximo capítulo. 
 
 
 
 
 
27 
 
3 O ENUNCIADO 219 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CONSELHO DA 
JUSTIÇA FEDERAL 
 
 Antes de adentrar ao conteúdo do referido enunciado, cumpre apresentar a 
entidade da qual se oriunda tal elemento interpretativo. 
 Conforme traz o art. 105, Parágrafo único, II da Constituição Federal, o 
Conselho da Justiça Federal é um órgão central que realiza a supervisão 
administrativa e orçamentária das atividades sistêmicas da Justiça Federal, sendo 
que suas decisões possuem caráter vinculante perante todas as unidades de 
primeiro e segundo graus da Justiça Federal. (BRASIL, 1988) 
 Integram a estrutura do Conselho a Corregedoria-Geral da Justiça Federal, o 
Centro de Estudos Judiciários e a TurmaNacional de Uniformização dos Juizados 
Especiais Federais. A sua formação colegiada se dá pelo presidente e vice-
presidente do Superior Tribunal de Justiça, além de três ministros do referido tribunal 
e pelos presidentes dos cinco tribunais regionais federais do país. (CONSELHO DA 
JUSTIÇA FEDERAL, acesso em 2017) 
 Conforme se extrai da apresentação do memorial da III Jornada de Direito 
Civil, o Centro de Estudos Judiciários possui, em sua programação, a cada dois 
anos, a realização do encontro nacional de juristas estudantes de Direito Civil, com a 
finalidade de discutir as disposições normativas presentes no Código Civil. O método 
utilizado consiste no recolhimento de proposições articuladas pelos participantes, 
com a devida justificativa, para sua submissão à discussão e votação nas comissões 
temáticas, quais sejam: Parte Geral, e Direito das Coisas, Direitos das Obrigações e 
Responsabilidade Civil, Direito de Empresa e Direito de Família e Sucessões. 
(BRASIL, 2005) 
 Os enunciados produzidos constituem-se em indicativo interpretativo do 
Código Civil, sendo todos vinculados a um artigo do referido diploma legal, e 
significam o entendimento majoritário da comissão respectiva. Importante frisar que 
os enunciados não expressam o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 
(BRASIL, 2005) 
 Deste modo, em 2004 foi realizada Terceira Jornada de Direito Civil, na qual 
foram aprovados 133 novos enunciados de números 138 a 271, considerando que a 
numeração não se reinicia a cada Jornada. Dentre estes, se encontra o Enunciado 
28 
 
nº 219, referente ao art. 1.015 do Código Civil, objeto do presente trabalho, que 
expõe o seguinte (BRASIL, 2005): 
 
Art. 1.015: Está positivada a teoria ultra vires no Direito brasileiro, com as 
seguintes ressalvas: (a) o ato ultra vires não produz efeito apenas em 
relação à sociedade; (b) sem embargo, a sociedade poderá, por meio de 
seu órgão deliberativo, ratificá-lo; (c) o Código Civil amenizou o rigor da 
teoria ultra vires, admitindo os poderes implícitos dos administradores para 
realizar negócios acessórios ou conexos ao objeto social, os quais não 
constituem operações evidentemente estranhas aos negócios da sociedade; 
(d) não se aplica o art. 1.015 às sociedades por ações, em virtude da 
existência de regra especial de responsabilidade dos administradores (art. 
158, II, Lei n. 6.404/76). 
 
 Em detida análise de seu teor, é possível extrair uma conclusão 
hermenêutica, a de que a teoria ultra vires se encontra positivada no ordenamento 
jurídico brasileiro, e quatro salvaguardas de aplicação da referida teoria. 
 Passa-se, agora, à análise das ressalvas interpretativas expressas no 
enunciado com base nos autores de direito empresarial e correlatos. 
 
3.1 A NÃO PRODUÇÃO DE EFEITO DOS ATOS ULTRA VIRES APENAS EM 
RELAÇÃO À SOCIEDADE 
 
 Como já se explanou, o Enunciado 219 estabeleceu o entendimento 
doutrinário de que os atos além das forças da sociedade não produzem efeitos 
apenas em relação a esta. 
 Segundo a justificativa trazida pelo próprio Conselho, o terceiro que de boa-fé 
transacionou com a sociedade por meio de seu administrador sem saber que este 
não detinha os poderes para tanto pode perfeitamente exigir o cumprimento da 
obrigação pelo administrador, bem como responsabilizá-lo civilmente nos moldes da 
legislação em vigor. Ainda que o ato não seja convalidado pela própria sociedade, o 
mesmo possui eficácia tanto em relação ao terceiro quanto ao administrador. 
(BRASIL, 2005) 
 Neste ínterim, cumpre apresentar, mesmo que de forma sintética, acerca da 
responsabilidade do administrador da sociedade. 
 Antes do atual Código Civil, anota Rui Stoco (2014) que o Decreto 3.708/19, 
que regulava as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, dispunha da 
regra de seu art. 10 que dizia que os sócios-gerentes ou que dão o nome à firma 
29 
 
não responderiam de forma pessoal pelas obrigações contraídas em nome da 
sociedade, todavia responderiam perante a esta e a terceiros de forma solidária e 
ilimitada pelos atos cometidos por excesso de mandato e com violação do contrato 
ou da lei. 
 O Código Civil de 2002 inovou na criação de um Livro específico acerca do 
Direito de Empresa, o que não ocorria no Código Civil ora revogado, disciplinando 
assim acerca do empresário e das sociedades personificadas e, consequentemente, 
do administrador das mesmas. Com o advento de tal diploma, as questões relativas 
a tais matérias passaram a obedecer a estas regras gerais e a eventuais normas 
especiais de outras legislações, quando não estejam em conflito com aquelas. 
(STOCO, 2014) 
 Desta maneira, conforme prossegue o autor, o enfoque dado à 
responsabilidade do administrador não mudou em relação à disposição anterior que 
normatizava as sociedades limitadas, de modo que normatizou tantos as sociedades 
simples como as empresárias, reafirmando a responsabilidade de tal figura com 
supedâneo na culpa, sendo esta seu pressuposto de validade. 
 Assim, conforme traz Ramos (2017), no caso de o administrador agir com 
culpa no desempenho de suas funções, sendo a culpa aqui tratada como lato sensu, 
ele responderá tanto perante o terceiro prejudicado como perante a sociedade pela 
qual atua, conforme traz o art. 1.016 do Código Civil: “Os administradores 
respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por 
culpa no desempenho de suas funções”. (BRASIL, 2002). 
 Vê-se, portando, que se trata de responsabilidade subjetiva, sendo necessária 
a auferição do requisito subjetivo da culpa do administrador, a ser analisado em 
cada caso. Conforme exprime Rui Stocco (2014), o sócio, gerente ou administrador 
da sociedade apenas pode ser responsabilizado civilmente mediante a comprovação 
de sua culpa, na forma disposta no art. 186 do Código Civil. 
 Denota-se, portanto, que se obedece aos requisitos objetivos e subjetivos da 
responsabilidade civil extracontratual para a configuração da responsabilidade do 
administrador. 
 Conforme enfatiza Waldírio Bugarelli (apud STOCO, 2014), a 
responsabilidade dos administradores, cuja base se extrai do vínculo orgânico com a 
sociedade, decorre também de atos que violam a lei, o estatuto ou mesmo 
irregulares de gestão, e não se situam na esfera da responsabilidade contratual, 
30 
 
mas sim na responsabilidade extracontratual ou aquiliana. O autor prossegue 
explicando que, mesmo que a relação não seja mais baseada na teoria do mandato, 
como era no regime do Código Comercial e do regulamento da sociedade limitada, 
mas sim na teoria do órgão, a responsabilidade se aproxima do regime comum do 
direito civil, considerando sua natureza e os preceitos presentes no art. 186 do 
Código Civil. 
 Abordado o atinente à responsabilidade do administrador, conclui-se pela 
importância de tal estudo uma vez que se trata de uma consequência legal de um 
eventual pleito judicial promovido pelo terceiro prejudicado em um negócio jurídico 
formalizado com uma sociedade atuando em ultra vires. 
 O outro ponto colhido da justificativa do enunciado é a importância atribuída, 
ainda que de forma implícita, à teoria da aparência dentro da função exercida pelo 
administrador, bem como da boa-fé do terceiro envolvido no ato. Explica-se. 
 O Enunciado tratou de mitigar os efeitos dos atos ultra vires, limitando-os 
exclusivamente à sociedade. Dessa maneira, os efeitos permanecem tanto em 
relação ao terceiro quanto ao administrador que, fazendo presente a pessoa jurídica, 
concretizou o ato. 
 A interpretação possui outros adeptos. Smith (2009) vai ao encontro de tal 
compreensão e disserta que, tendo em vista a recepção da teoria ultra vires pelo 
Código Civil em seu art. 1.015, Parágrafo único, III, os atos que evidentemente 
extrapolem o objeto social da sociedade poderão ser opostos contra terceiros, estes 
que não podem alegar o desconhecimentode não se tratar de ato da sociedade. 
Deste modo, o dispositivo estaria ordenando uma espécie de presunção de má-fé 
por parte do terceiro que de boa-fé acreditou tratar-se de ato legítimo da pessoa 
jurídica, o que na realidade era excesso de seu administrador. De todo modo, a 
obrigação é imputável somente ao representante da sociedade. 
 Todavia, o autor (SMITH, 2009) prossegue dizendo que, caso a Teoria da 
Aparência fosse realmente aplicada na situação em apreço, primeiro deveria a 
sociedade cumprir com suas obrigações, para depois então pleitear em face de seu 
administrador que agiu em dissonância com seus poderes previamente constituídos. 
Não é o que se entende da leitura do Enunciado 219, tendo em vista que o terceiro 
de boa-fé voltar-se-á contra o indivíduo que se fez parecer representante para exigir 
o cumprimento da obrigação, e não contra a sociedade que, por aparência, 
participou do ato. Trata-se de uma proteção relativa à segurança jurídica do terceiro 
31 
 
de boa-fé, tendo em vista que, como já relatado no histórico da teoria ultra vires, 
houve o tempo em que o ato além das forças da sociedade era simplesmente nulo, 
não surtindo nenhum efeito no mundo jurídico, incluindo o terceiro e o representante 
da sociedade. 
 Smith (2009) anota ainda que, em que pese a presença da teoria ultra vires 
no ordenamento jurídico brasileiro, frequentemente os julgadores têm se utilizado da 
Teoria da Aparência no que atine aos vários tipos de negócios aparentes, com o 
intuito de tutelar a segurança do público nas relações empresariais, resguardar o 
terceiro de boa-fé, que se encontra desobrigado de consultar, a toda operação 
mercantil, o ato constitutivo da empresa a fim de verificar os poderes do 
administrador com quem se trata a fim de firmar o pacto jurídico. Conclui que a 
aplicação do art. 1.015, Parágrafo único, III do Código Civil deverá ser aplicada 
somente na ocorrência de negócios avantajados, nos quais o terceiro não pode 
alegar a confiança na mera aparência do representante, tendo em vista que o valor 
tratado suplanta largamente o valor despendido nas diligências necessárias para 
consultar o contrato social da sociedade. 
 São consonantes ao entendimento do Enunciado 219 do Conselho da Justiça 
Federal também Von Adamek e França (2007), ao afirmarem que o alcance do art. 
1.015, Parágrafo único, III, do Código Civil é limitado, pois prevê a ineficácia 
somente perante a sociedade de operação evidentemente estranha aos negócios da 
sociedade. Com efeito, o ato ultra vires não será declarado nulo, mas sim ineficaz 
perante a sociedade, exclusivamente. 
 Os autores (VON ADAMEK; FRANÇA, 2007) trazem o raciocínio de que a 
doutrina tradicional defende que o objeto social traz limites à capacidade jurídica da 
sociedade, deste modo a invalidade do ato praticado seria a sanção cabível quando 
não a fosse respeitada. Todavia, com o fito de evitar prejuízos demasiados aos 
terceiros de boa-fé e de evitar a impunidade do próprio representante que atuou 
indevidamente, o legislador civilista levou a tratar os atos ultra vires como ineficazes 
apenas em relação a própria sociedade, na tentativa de tutelar tanto os interesses 
dos sócios quanto do terceiro negociador. 
 Destarte, é possível visualizar que a primeira ressalva trazida pelo Enunciado 
219 do Conselho da Justiça Federal ressalta a importância em vincular o ato ultra 
vires como sendo ineficaz apenas em relação à sociedade, surtindo efeitos tanto em 
relação ao administrador quanto ao terceiro de boa-fé. 
32 
 
3.2 A RATIFICAÇÃO DO ATO PELO ÓRGÃO DELIBERATIVO DA SOCIEDADE 
CASO NÃO HAJA EMBARGO 
 
 O Enunciado 219 traz a possibilidade de retificação do ato ultra vires por meio 
do órgão deliberativo da sociedade, caso o mesmo não possua embargo. 
 Conforme se extrai da justificativa dada na III Jornada de Direito Civil pelo 
Conselho da Justiça Federal, tendo em vista que a matéria acerca da capacidade 
jurídica da sociedade é de interesse tanto da própria como dos sócios, sendo 
eminentemente privado, existe a possibilidade de ratificação, sendo que o órgão 
deliberativo da pessoa jurídica poderá atribuir validade e eficácia ao ato ultra vires a 
ela mesma. (BRASIL, 2005) 
 A fim de esclarecer essa importante possibilidade por parte da sociedade, 
cumpre trazer alguns elementos acerca da estrutura deliberativa das sociedades 
empresárias. 
 Segundo Ramos (2017), cabe primordialmente ao administrador da sociedade 
praticar os atos oportunos à gestão dos negócios da mesma, de acordo com o 
previsto em seu contrato social. Todavia, quando se trata de assuntos negociais 
mais importantes, como, por exemplo, uma fusão da sociedade com outra, a decisão 
deixa de ser individual do administrador e passa ao conjunto dos sócios, pois exige 
deliberação social. 
 A priori, as matérias que dependem de deliberação dos sócios devem estar 
previstas no contrato social. Todavia, há casos específicos em que a própria lei civil 
assim estipula, como no exemplo acima tratado, que se encontra presente no art. 
1.114 do Código Civil, ao tratar da transformação da sociedade. (RAMOS, 2017) 
 Ramos (2017) traz ainda que, tanto na forma convencionada como na forma 
legal as deliberações são tomadas de acordo com a maioria dos votos, contados 
segundo o valor do voto de cada um, na forma exposta no art. 1.010 do Código Civil 
(BRASIL, 2002): “Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir 
sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de 
votos, contados segundo o valor das quotas de cada um”. 
 A maioria a que se refere a norma acima é absoluta, conforme expõe o §1º do 
mesmo dispositivo legal (BRASIL, 2002): ”Para formação da maioria absoluta são 
necessários votos correspondentes a mais de metade do capital”. Como já dito, a 
maioria não se vincula ao voto do sócio nominal, mas sim ao valor de suas cotas. 
33 
 
Deste modo, é possível que, em uma situação hipotética de haver cinco sócios que 
compõem uma determinada sociedade, os votos de apenas dois satisfaçam a 
aprovação de determinada deliberação. Para isso, basta que os valores das cotas 
desses sócios superem a metade do capital social da sociedade. (RAMOS, 2017) 
 De toda sorte, o número de sócios que votam será útil na situação em que 
houver empate na votação de acordo com o valor das cotas. Prevalecerá a decisão 
que obteve a maioria de aceitação por parte dos sócios. Caso o empate ainda 
permaneça, a matéria deve ser levada ao crivo do Poder Judiciário a fim de que seja 
decidida pelo juiz. Tudo isso se encontra presente no §2º do art. 1.010 do Código 
Civil. (RAMOS, 2017) 
 Requião (2010) afirma que o direito de participar das deliberações da 
sociedade decorre dos status de sócios da mesma. Une-se ao direito de voto, este 
que pode ser tangível de acordo com o regime jurídico atribuído à sociedade. Como 
já explicado, o direito de participação nas deliberações é medido de acordo com a 
parcela do capital que o sócio detém, estabelecendo assim o princípio da maioria do 
capital social. 
 Como no caso das sociedades limitadas, regime jurídico este notadamente 
mais utilizado na constituição de sociedade no ordenamento jurídico brasileiro, a 
deliberação depende dos critérios estabelecidos a partir do art. 1.072 do Código 
Civil, que varia conforme o número de sócios, a previsão no contrato social e a 
matéria que se debate. (REQUIÃO, 2010) 
 As deliberações que se associam ao funcionamento cotidiano da sociedade 
não dependem necessariamente de uma forma. Tais decisões podem ser tomadas 
mediante o apelo informal, considerando a celeridade habitual em meio aos 
negócios mercantis e empresariais, que não se compatibilizam com quaisquer 
procedimentos formais de decisão. (REQUIÃO, 2010) 
 O autor prossegue com exemplos: 
 
A política de vendas, o controle de custos administrativos, a contrataçãoou 
demissão de empregados ou de assessores ou prestadores de serviços, o 
aproveitamento de oportunidade de negócios, novos investimentos com 
aproveitamento do capital ou suas reservas, podem ser decididos de modo 
o mais informal, com os sócios orientando-se pelo objeto social encravado 
no contrato social e pela affectio societatis, boa-fé e confiança mútuas. 
Outras questões, entretanto, deverão ser objeto de conclaves formais dos 
sócios. (REQUIÃO, 2010, p. 584) 
 
34 
 
 Como demonstrado, várias são as situações em que a formalidade nas 
deliberações é dispensável, todavia em outras situações são necessários alguns 
procedimentos intrínsecos à validade da decisão a ser tomadas pelos sócios. 
 Ainda em se tratando de sociedade limitada, o Código Civil estabelece três 
técnicas para o procedimento de deliberação dos sócios, presentes no art. 1.073, 
caput e §3º: a assembleia, a reunião e o instrumento deliberatório. (REQUIÃO, 2010) 
 Gonçalves Neto (2010) anota que a distinção entre a assembleia e a reunião 
é deveras pequena, estando presente, basicamente, nas formalidades relativas à 
convocação e instalação das mesmas. De toda sorte, inexistindo previsão contratual 
a respeito da reunião, esta se orienta conforme o regramento existente da 
assembleia. 
A assembleia se trata da congregação dos sócios, convocada por meios 
formais, pelo administrador da sociedade; pelo sócio na falta deste ou pelos sócios 
com mais de 20% do capital social; ou pelo conselho fiscal, com o objetivo de 
discutir e decidir sobre assuntos fundamentais, na forma da lei ou do contrato social. 
(REQUIÃO, 2010). 
Sempre que a sociedade possuir mais de dez sócios, deverá deliberar por 
meio de assembleia, todavia pode ser dispensada caso todos os sócios optem por 
decidir de modo escrito acerca da matéria que seria tratada na assembleia. 
(REQUIÃO, 2010) 
As situações que dependem de deliberação dos sócios, além das previstas no 
contrato social, são as presentes nos incisos do art. 1.071 do Código Civil, quais 
sejam (BRASIL, 2002): 
 
I - a aprovação das contas da administração; 
II - a designação dos administradores, quando feita em ato separado; 
III - a destituição dos administradores; 
IV - o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; 
V - a modificação do contrato social; 
VI - a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do 
estado de liquidação; 
VII - a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas 
contas; 
VIII - o pedido de concordata. 
 
 Deste modo, uma vez cumpridos todos os requisitos necessários desde a 
convocação até o quórum mínimo de instalação, que no caso da sociedade limitada 
é estipulado legalmente como sendo três quartos do capital em sua primeira 
35 
 
convocação, e de votação, que varia conforme a matéria tratada, as decisões 
deliberadas pelos sócios vinculam a sociedade (REQUIÃO, 2010) 
 A reunião dos sócios é outra forma de discussão e deliberação dos negócios 
atinentes à sociedade limitada, sempre que esta dispuser de menos que dez sócios 
em seu quadro social. Esta forma deve ser prevista no contrato social, no qual deve 
igualmente estabelecer os requisitos e ritos pertinentes para esta congregação, a fim 
de que garantam os efeitos tanto em face da sociedade como em face de terceiros. 
Requião (2010) ainda ressalta a importância da regulamentação da reunião dentro 
do contrato social, tendo em vista a possibilidade de afastar regras onerosas 
dispostas no Código Civil para a assembleia, considerando que estas são utilizadas 
de forma subsidiária em caso de inexistência de convenção acerca das regras para 
a reunião. 
 Por fim, o autor (REQUIÃO, 2010) traz a forma do instrumento deliberatório, 
sendo esta a mais tradicional e célere na resolução dos negócios sociais que 
dependam de alguma forma de instrumentos escritos. Com efeito, tanto a 
assembleia como a reunião são mormente utilizadas quando há notórias 
divergências entre os sócios, de modo que, ausente tal motivação, a utilização da 
faculdade presente no art. 1.072, §3º do Código Civil é o caminho mais simples para 
se deliberar. 
 Em relação aos efeitos das deliberações, Gonçalves Neto (2010) disserta 
que, uma vez tomadas regularmente, vinculam todos os sócios, bem como os 
administradores ao seu cumprimento, quando se tratar de matérias que se refiram à 
execução do objeto social. 
 No que toca ao tema do presente trabalho, qual seja a geração de efeitos 
externos à sociedade, Gonçalves Neto (2010) afirma que a deliberação pode 
igualmente vincular a sociedade em relação a terceiros e vice-versa. Como por 
exemplo, no caso em que se é necessária a autorização pelos administradores para 
a concretização de um negócio jurídico, seja por previsão contratual ou decorrente 
da natureza do próprio negócio. 
 Dentro das deliberações sociais é que se encontra a opção oferecida pelo 
Enunciado 219 do Conselho da Justiça Federal para que se convalidem os atos 
realizados individualmente pelo administrador que vão além das forças da 
sociedade. Conforme levantam Von Adamek e França (2007), de modo geral, a 
doutrina empresarial brasileira compreende que a ratificação dos atos ultra vires 
36 
 
seria viável a nível teórico. As divergências giram em torno do quórum necessário 
para a convalidação, se seria o correspondente ao da unanimidade do capital social 
dos sócios ou o da maioria necessária para a alteração do objeto social, presente no 
art. 1.076, I, do Código Civil, considerando que não basta a maioria simples, pois 
logicamente não possuiria o poder de modificar o objeto social e, deste modo, impor 
aos demais sócios seu anelo. 
 Os autores ainda relatam que os argumentos que vão contra a ratificação pela 
maioria suficiente para alteração do contrato social, por conseguinte do objeto social, 
levantam que: em relação às sociedades anônimas, os poderes outorgados ao 
órgão colegiado dos sócios são determinados pelo próprio objeto, e a lei 
estabeleceu critérios especiais para o câmbio do objeto social, sendo um quórum 
diferenciado. Deste modo, a convalidação de atos que extravasam o objeto social 
constituiria alteração social posterior, o que incorreria em efeito fraudulento ao direito 
de recesso outorgado ao acionista dissidente, que não poderia exercê-lo. 
 Para fins de esclarecimento do tema, expõe-se o conceito de direito de 
recesso segundo Bulgarelli (2000, grifo do autor): 
 
Trata-se do direito de o acionista, em certos casos, retirar-se da sociedade, 
pagando esta o valor das ações que ele possua, através da operação 
denominada reembolso (art. 45). 
 
Como visto, consiste no direito essencial outorgado ao acionista de 
voluntariamente se retirar da companhia, com a contraprestação por parte desta 
garantida. 
O autor (BULGARELLI, 2000) prossegue relatando que o direito apenas 
poderá ser invocado mediante as hipóteses previstas na lei ou estatuto. O art. 136 
c/c o art. 137 da Lei das Sociedades por Ações prevê os casos em que o acionista 
poderá exercer sua prerrogativa de retirada, em um rol exemplificativo, visto que 
também há disposições em legislações esparsas. Nesse ínterim, inclui-se a 
mudança do objeto da companhia como hipótese de exercício do direito de recesso. 
Como visto, a alteração do objeto social por mera convalidação do ato ultra 
vires por maioria simples poderia inevitavelmente impedir o acionista minoritário de 
se retirar da companhia. 
 Há ainda a questão que atine à responsabilidade civil do administrador que 
votou contra o interesse da sociedade, presente no art. 1.010, §3º do Código Civil, 
37 
 
que deve ser levada em consideração quando se buscar ratificar o ato ultra vires. 
(VON ADAMEK; FRANÇA, 2007) 
 Como se denota, em que pese o conteúdo do Enunciado 219 ter aberto a 
possibilidade de ratificação do ato que excedeu a capacidade da sociedade,

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