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ENSAIO SOBRE A PERCEPÇÃO DO TEMPO SEGUNDO LE GOFF E O MEDO DA MORTE A PARTIR DO SÉCULO XIV ATRAVÉS DE JEAN DELUMEAU E PHILLIPI WOLFF

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
 CAMPUS IV – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
 CURSO: LICENCIATURA EM HISTÓRIA
 DISCIPLINA: HISTÓRIA DA EUROPA: DO OCIDENTE 
 MEDIEVAL AOS NOVOS TEMPOS
 SEMESTRE: 2019.1
 DOSCENTE: Elisangela Oliveira
 DISCENTE: Suziane Veras
ENSAIO ACADÊMICO
Introdução
	O presente trabalho busca mesclar os abordamentos de três autores medievalistas em torno da mentalidade social na idade média a partir do século XIV. A gênese acerca da concepção de tempo, de trabalho e comércio é tratada com caraterísticas sociais que foram se desenvolvendo até os dias de hoje. Ainda nessa época, é acometido a realidade da fome, das pestes e guerras. O medo coletivo a respeito do assolamento da sociedade, tanto pela peste quanto pela mortandade causada nas guerras é somado ao pavor da morte desconhecida, a morte ligada ao sobrenatural. Em cima de toda essa formação sobre o que era temido na idade média, é associado como tais percepções atingem o comportamento social de uma população inteira. 
LE GOFF, Jacques. “Na Idade Média: tempo da Igreja e tempo do mercador” e “O tempo do trabalho na “crise” do século XIV”. p. 43-73
O que Jacques Le Goff faz nos dois capítulos é clarificar sobre a modificação que vai haver acerca da concepção do tempo e uma concepção também de história. Então ele mostra duas coisas que são fundamentais para os historiadores, a concepção de tempo e história. No primeiro capitulo ele vai buscar como se dá essa mudança através de um personagem importante nesse contexto, que é a figura do Mercador. Muitas vezes o mercador que vai se dirigir ao comércio de longa distância, que vai participar das caravanas, que vai participar de uma rede comercial, é também aquele que vai surgindo como dono das forças produtivas, além de fornecer emprego para as populações urbanas que vão começar a surgir nesse ocidente medieval. 
A questão fundamental que Jacques Le Goff coloca é como nessa época o pensamento do homem e da mulher na idade média é marcado pela igreja católica, pois era a cristandade quem ditava a mentalidade da época. Então, quando ele cita a figura do mercador e traz a questão do pecado da usura, está sendo colocando um ponto a ser pensando que é a mudança da mentalidade. Como uma profissão pode ser regulamentada se ela é baseada no pecado da usura, uma vez que o mercador para ter lucro depende da disposição do tempo? Mas ele não pode dispor do tempo porque o tempo só pertence a Deus na concepção da igreja. No popular, no dia a dia a igreja já estava passando por cima dessas questões deixando o mercador agir, mas no fundo teológico os religiosos da igreja continuavam a discutir como o mercador iria para o céu se ele se dedicava a usura, vendas a prazo, seja no empréstimo a juro ou lucrar com o comércio. Diante disso, como o mercador vai se firmar nesses tempos indo contra os princípios bíblicos, qual a solução da igreja para encontrar o caminho da salvação para o comerciante? É colocado outro ponto sobre o que é uma profissão licita ou ilícita, o que é pecado e o que não é. Ele tenta explicar o que é essa concepção do tempo para a igreja, para sociedade da idade média, afirmando que é justamente a ideia de um tempo teológico, um tempo que tem uma linearidade, sem interrupção. O cristão medieval pensa dentro da mentalidade da época, com uma perspectiva que tende a Deus. É uma estrada escatológica dos últimos dias que vai levar esse fiél para Deus, para salvação. 
A partir disso, o tempo passa a possuir um centro que é Jesus Cristo, mas vai haver ainda uma espera pela segunda vinda de Jesus, as pessoas têm a consciência do plano da salvação, que cada um é responsável por seus atos, através das suas obras e de uma vida baseada na bíblia. Com isso, esse entendimento sobre o tempo vai marcar a vida do ocidente medieval por muito tempo, desde os primeiros cristãos até a baixa idade média. Jacques Le Goff estuda justamente quando se está surgindo o começo de uma nova concepção de tempo. Quando é que o tempo começa a ser percebido de uma outra forma? Ele vai buscar na Grécia antiga e na bíblia a ideia de tempo, fazendo comparações com o tempo antigo que era considerado muito mais cíclico, e o tempo dos cristãos que é um tempo linear direcionado a Deus. O tempo para os homens e as mulheres do ocidente medieval sobretudo no mundo rural é um tempo muito movimentado pelas tarefas, as pessoas não tinham entendimento de tempo de relógio como temos hoje onde existe uma hora para tudo, onde você divide seu tempo nas vinte e quatro horas do dia entre tempo de trabalho e tempo de descanso com base no relógio. E mais do que um tempo orientado pelas tarefas é um tempo orientado pelas forças da natureza, através dos ciclos das estações do ano. Essa transição da mentalidade medieval se dá com o desenvolvimento de uma sociedade urbana, que tem outras formas de trabalho. O nascimento dessas indústrias têxteis é um importante fator que mostra essa nova compreensão de tempo, onde o tecelão cria uma nova forma de organizar seus horários. O tempo todo Le Goff discute o tempo rural orientado pela natureza e o tempo urbano que vai progredir com o surgimento do sino e da criação do relógio que se deu no século XIV. 
Dois processos são importantes, em um ele fala da racionalização do tempo e da laicização do tempo, a respeito do mercador que usa o tempo para ter lucro, onde ele não pode mais pensar só sobre o tempo da produção, e começa a pensar sobre formas de perder menos tempo, seja em uma viajem de negócios ou na medição do tempo para receber algum pagamento. Então, a racionalização do tempo é essa ideia de pensar no tempo conjugado com o espaço, medindo distâncias e o tempo que se gasta para chegar em algum lugar, além do lucro que se pode ter se ele racionalizar esse tempo. Tudo isso começa a ser pensado pelo mercador. Já o processo de laicização do tempo envolve o sino de trabalho, que não está mais só na mão da igreja, não é mais a igreja quem diz qual horário de acordar, de dormir e o dia de descanso. A Igreja orienta que depois do sexto dia você precisa descansar, mas pouco a pouco ela começa a perdoar aqueles que não estão tirando seu dia de descanso, como por exemplo o mercador que está viajando e não tira um dia para contemplar Deus e demonstrar sua fé. 
Aos poucos, é percebido também o uso do sino para orientar os trabalhadores sobre seus horários de trabalho e de refeições, o sino é um objeto religioso mas passa a ser usado também como objeto civil, sendo estabelecido pelo patrão que coordena o tempo desse artesão que surgiu. Como essa racionalização e laicização funcionam na mentalidade da época? Através da substituição do tempo da igreja pelo tempo do relógio. É claro que esse processo não se deu da noite para o dia, é um processo de mais de cem anos. Depois que surge o relógio, esse processo vai sendo desenvolvido juntamente com o capitalismo comercial. Ou seja, esse processo foi imposto, pois não nascemos com essa concepção de horários que demarcam nosso dia a dia. A respeito do mercador, ele vive seu tempo de trabalho, mas ao mesmo tempo ele vive o tempo da igreja, respeitando os preceitos da igreja e vendo a igreja como supremacia. 
“E o tempo da igreja? O mercador cristão sente-o como um outro horizonte da sua existência. O tempo na qual ele profissionalmente não é o tem em que se vive religiosamente. Na expectativa da salvação, ele contenta-se com aceitar os ensinamentos e as directivas da igreja. De um horizonte ao outro, o mercador retira o dinheiro de Deus com que alimenta as obras de beneficência. ” (GOFF, 1993, p.55)
As mudanças que vão acontecendo pelo século XII vão favorecendo o oficio do mercador e vão acalmar sua consciência. Esse mercador é aquele que possui o dinheiro e também é aquele que vai oferecer valores a caridade da igreja. Outro aspecto, é o surgimento da confissão ainda no século XII, surgindo como um dos elementos obrigatórios da vida católica, o fiel precisa se confessar pelo menosuma vez por ano, sendo essa uma forma de ter seus pecados perdoados e da igreja controlar as consciências das pessoas, embutindo nos religiosos a noção de que eles podem até pecar, mas precisam levar uma vida de contrição para terem seus pecados perdoados. Vai haver a falência desse tempo bíblico, o homem vai se libertar até certo ponto desse tempo e vai se inserir em outras temporalidades e compreender o mundo através de outras perspectivas, dizendo que o homem do renascimento vai estar acima do seu tempo, se referindo ao mercador.
Os trabalhadores da época começam a ser pressionados a ter um tempo de trabalho, ou seja, a entrar em uma rotina que depois vai ser alimentada com a cultura do capitalismo, começando a haver pouco a pouco a adoção do sino das igrejas para medir as horas de trabalho, e posteriormente a aceitação das igrejas em permitir que as fabricas instalem seus próprios sinos para elas mesmas orientarem as horas dos trabalhadores. Mas, ainda é uma rotina de trabalho que respeita os sinais da natureza, como por exemplo, o nascer do sol, o meio dia e pôr do sol. Então, mesmo que seja ressaltada essa mudança de visão, Le Goff também mostra que o trabalho noturno nessa época ainda não existia, pois para o cristão desse tempo, trabalhar a noite era uma heresia. Outro fator dentro do século XIV é que quem queria o aumento da jornada de trabalho eram os próprios trabalhadores, pois havia uma crise de salario nessa época segundo Le Goff. Dessa forma, trabalhar mais horas significava ter aumento de salário. Mas esse tempo de crise não perpetua por muito tempo e adiante é mostrado que os mesmos trabalhadores agora buscam por jornadas de trabalhos menores uma vez que os patrões começam a explorar cada vez mais, é nesse momento que o capitalismo está nascendo e protagonizar cada vez mais entre os séculos XVI e XVII, quando finalmente estourar no século XVII com a revolução industrial. Com o passar do tempo foi observado que a visão que o mercador tinha sobre o tempo foi a maneira que ficou fixada na sociedade, uma vez que o pecado da usura cometido pelo mercador era amenizado de acordo com suas doações feitas para igreja. O pecado da usura era o mais vigiado, mas foi substituído pelo pecado, onde a sociedade ingere a ideia de que tempo é dinheiro. Sendo assim, a nova perspectiva entra na mentalidade desse homem do renascimento para enraizar a noção de que não se pode desperdiçar tempo. Ao final das contas, o tempo teológico vai desaparecer, o tempo da igreja vai perdendo caminho e o tempo dos homens vai entrando em cena. 
 
WOLFF, Philippe. “As fomes”, “As epidemias” e “A guerra”. p. 15-65
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BASCHET, Jérôme. “A Baixa Idade Média: triste outono ou dinâmica prolongada? p. 247-274. 
 Os dois textos são complementares, os dois autores partem de uma questão fundamental que durante muito tempo marcou as pesquisas e respostas que os medievalistas encontraram sobre o período, que era acreditar nos séculos XIV e XV como um período somente de recessão, crise prolongada e uma Europa praticamente estagnada no ponto de vista econômico e demográfico. Ou seja, uma série de catástrofes que vão caracterizar essa época como tempos sombrios. O próprio Philippe Wolff vai justificar esses tempos das trevas com uma de suas pesquisas especifica em determinada região da Europa. O pesquisador chega a essa conclusão, afirmando que seria uma época de depressão, crise econômica, fome generalizada e muito mais. 
“A estas causas mais ou menos permanentes, há que acrescentar os efeitos recorrentes das epidemias; estas reduziam sem dúvida o número de bocas a alimentar, mas ainda mais o dos braços próprios para o trabalho. E, além disso, faziam-se por vezes sentir localmente os efeitos negativos da guerra: a presença de homens de armas que impediam a cultura normal dos campos, quando não destruíam <<gratuita>> e caprichosamente os trigos maduros e as cepas carregadas de uva.” (WOFF,1988, P.22)
Wolff estava generalizando dados que ele havia encontrando apenas em uma região particular da França, e pensava nessa região generalizando a Europa como um todo. Então, ambos os autores partem dessa questão fundamental, de como pode se fazer um balanço da situação da Europa entre os séculos XIV e XV? As duas leituras são importantes para pensarmos não só no ponto de vista da História material ou história clínica, pois é falado muito sobre a possiblidade de transição da idade média para os tempos modernos, pensando em uma suposta crise do feudalismo e o nascimento de relações que se parecem com o capitalismo comercial. Por outro lado, também vai ser pensado muito a questão em torno da história cultural da Europa, do ponto de vista das mentalidades, das vivências sociais e de como as pessoas se comportam em sua relação com Deus, com o sagrado, com a religião, com a própria igreja e seus dogmas. Com isso, é percebido a perspectiva de uma história das mentalidades, mas que hoje se encaixa muito melhor na dinâmica da história cultural, seguindo o caminho de autores como Jacques Le Goff. A obra de Baschet fala de uma crise na idade média, uma crise que representa todos os aspectos sociais. Fazendo uma análise de uma dinâmica do feudalismo que está se adaptando a uma nova realidade, é levantado o contexto histórico do período e traçado algumas características dessa época, o autor não vai deixar de perceber que há uma série de consequências negativas relacionadas a esses acontecimentos. É citado sobre uma fome geral, que aconteceu no século XIV e se prolonga até o século XV, depois se agrava pelo assolamento de uma peste negra que se torna uma epidemia, tratando também das guerras que eclodiram na Europa nesse período, sendo a principal e mais conhecida a chamada Guerra dos Cem anos. O texto ainda mostra que a peste atingiu a população europeia com uma mortandade enorme, afetando os números demográficos, traz questões que são muito debatidas pela historiografia a respeito das explicações que causaram a peste. Qual a noção das pessoas com relação a algo que poderia justificar os sofrimentos trazidos pela peste? A partir desse questionamento, entra a ideia de um castigo divino, um castigo de Deus como explicação para tanto martírio. Isso ocorre porque estamos falando sobre uma população extremamente religiosa, a igreja dessa época é a dominadora das mentes, ela é a grande diretora intelectual desses tempos, as universidades surgem ligadas a igreja, e todo o cotidiano da população era marcado por uma liturgia religiosa, então a primeira justificava para tanto assolamento é a ideia de uma punição celestial, que Deus havia mandado aquele flagelo que nunca havia sido visto como uma reação a impunidade do povo e aos pecados que se acumulavam. Outro ponto trazido por Baschet é com relação uma diferente devastação, que são as guerras. A pontando as mudanças significativas que vão começar a acontecer nessa época, as guerras se tornam mais letais do ponto de vista do armamento, a organização dos homens e as cavalarias medievais que se formam, evidenciando uma guerra que assola mais ou tanto quanto a peste. A partir de todo esses registros, entra também a questão da igreja que se tornou um grande impasse, aquela ideia de que em um momento especifico a igreja imergiu em crise com seus próprios membros, na auto hierarquia onde por um tempo passou a existir dois papas governando simultaneamente a igreja romana. Esse cisma vai levar a população a ficar meio à deriva, uma vez que nem a auto hierarquia da igreja se entendem, como o povo vai ser governado? Com base em todas essas questões, a fome, a peste, as guerras e a própria crise dentro da igreja, o período é visto com uma época marcada pelo pessimismo e depressão. 
A perspectiva de muitos escritores desse tempo é estabelecida com essas características. A apreensão com a chegada da morte, o sentimento de um retorno da esfera escatológica e do fim dos tempos como se fosse a chegada da realização de uma profecia do apocalipse. Esse é um debate que vai ser tratado tanto sobre o cotidiano dapopulação, da cobrança dos pecados cometidos por essa sociedade como também pelo ponto de vista teológico, de que os sinais do apocalipse estavam acontecendo. Todo esse contexto são fatores que desenham essa história sombria da idade média, por isso a ideia de outono que seria a estação que antecede um inverno rigoroso, mas que já possui cores tristes que indicam a vinda de tempos difíceis. O autor constrói sua obra em cima de questionamentos, como por exemplo: É uma crise no feudalismo ou se trata apenas de um período de conflitos sociais? Uma parte da historiografia delimitou que na boêmia dos tempos modernos já não se vivia mais sob o feudalismo, mas também ainda não se tratava do capitalismo industrial do século VXIII. Com isso, na direção contrária existe um time de escritores como Jacques Le Goof e Jérôme Baschet que são pertinentes em afirmar que ainda se tratava do feudalismo com relação ao sistema econômico vivido no início da modernidade. Na leitura do texto é percebido a defesa desse feudalismo como sistema atuante, com características que o autor apresenta tais como uma depressão demográfica e grandes senhores que perdem seus territórios, as cidades que cada vez mais assumem um poder urbano. Mas com tudo isso, ele ainda vai dizer que se trata de uma época marcada por relações que vão ter a mesma classe dominante, sendo essa classe dominante é a aristocracia feudal. Diante disso, é defendido que o feudalismo ainda era atuante nesse tempo, essa é a justificava que Woff alega para apontar o feudalismo com o sistema econômico que perdura na Europa nessa época. É uma fase de transição, já se tem um crescimento do comércio e o artesanato de tecidos também vai ganhando força, mas para Philippe Wolff ainda não há por exemplo a classe que vai marcar o período posterior que é o nascimento do capitalismo, com a firmação da burguesia. Segundo ele, se não existe burguesia, então ainda há funcionamento do feudalismo. Há uma melhoria na alimentação de modo geral, os europeus no período da idade média se alimentavam muito mal, tinham pouco acesso a carne bovina, nesse tempo houve um aumento no consumo de gado e consequentemente uma melhoria nas refeições. 
Tanto no século XIV como no século XV, houve o desenvolvimento das cidades simultâneo ao desenvolvimento do comércio, e isso embasa o argumento do autor em dizer que esse não foi somente uma época de crise, apesar da fome, das guerras e das epidemias, ele diz que ambos os crescimentos podem ser analisados fora do ângulo da penúria e pessimismo. Também é citado sobre aumento do letramento, as populações têm mais acesso a escolaridade, ainda que seja uma escolaridade ligada à igreja. Então, ocorre a abertura da porta para a intelectualidade popular, além de outras invenções da época como por exemplo o surgimento da imprensa, o uso do papel e a primeira bíblia impressa, a criação dos óculos, construção de caravelas e instrumentos marítimos, ou seja, tudo isso antecedendo o renascimento e mesmo assim o século XV acaba ficando incluso no rotulo da idade das trevas. Todas essas informações são colocadas no texto para evidenciar o desejo de Wolff em mostrar que a “Idade das Trevas” não foi tão escura assim. 
DELUMEAU, Jean. “Tipologia dos comportamentos coletivos em tempo de peste”. p. 154-220.
Jean Delumeau escreve sobre os efeitos das diversas pestes em diferentes períodos e regiões da idade média, ele também analisa os tipos de medos que acometiam a sociedade europeia do século XIV e XV. O texto aborda como pacto inicial a grande peste em 1348 e depois até 1720, caracterizando toda a trajetória dos males de inúmeras epidemias da peste, ou seja, o livro todo trabalha com a ideia de atravessar as temporalidades. Delumeau não fica preso a nenhuma época histórica, nem idade média e nem idade moderna. Diante disso, é apresentado uma peste endêmica, sendo afirmado ter existido vários surtos de peste entre o século V ao VIII, mas que não foram documentados e não tiveram tanta importância como a peste de 1348. Havia peste na Europa, no final do Império Romano e início da Idade Média até o século VIII. No século IX a peste some por uns tempos e retorna quase quatro séculos depois, com a grande epidemia do século XVI. Essa grande epidemia ficou conhecida como peste negra ou grande peste porque segundo muitos escritores, foi a crise que mais dizimou a sociedade europeia de modo geral. Depois disso, a epidemia aconteceu com intervalos bem maiores, pelo menos a cada oito ou dez anos, e mais tarde os intervalos ficaram cada vez mais longos, à medida que as pessoas iam ganhando resistência biológica a doença e também o conhecimento de formas que evitariam o contágio, tornando assim a peste menos fatal do ponto de vista quantitativo. 
Diante disse, Delumeau deduz que a peste vai se tornar um divisor de tempo, atuando na Europa por quase quatro séculos, onde muitos cronistas tomam e analisam esse período por ser uma época que deixou muitas evidências sociais consequentes dos efeitos da doença. É demonstrado que a existência de um flagelo trouxe também o pavor da morte e como resultado a isso, houve mudanças no cotidiano dessas sociedades, não apenas no âmbito social, como também no familiar. É citado como exemplos de comportamento que resultaram da peste, o abandono de parentes enfermos por seus familiares, as pessoas deixam de se aproximar de outras pessoas com medo do contagio e o ato do isolamento começa a se tornar um costume mais comum. A peste vai contribuir para que esse isolamento se torne um isolamento coletivo, desestruturando todo um cotidiano e uma solidariedade coletiva. 
“A interrupção das atividades, silêncio da cidade, solidão na doença, anonimato na morte, abolição dos ritos coletivos de alegria e tristeza: todas essas rupturas brutais com os usos cotidianos eram acompanhadas de uma impossibilidade radical de conceber projetos de futuro, pertencendo a “iniciativa”, devorante, inteiramente a peste. ” (DELUMEAU, 2009. p. 182)
	É passado a ideia de uma sociedade marcada pela ambiguidade, marcada pelo medo e pela negação. As autoridades da época negam a doença e o medo impedem as pessoas de falaram sobre a peste, submetidos a crença de que o ato de citar ou se pronunciar sobre a doença, era uma forma de se colocar próximo ou à mercê dela. É percebido duas razões para não se falar sobre a peste partindo do interesse dos governantes que vão além do ângulo das crenças. Uma se referia a tentativa de evitar uma comoção ou desespero coletivo que poderiam desorganizar as cidades, e a segunda seria uma forma de não fechar as portas da cidade para o comércio e lucros que vinham de fora. Ou seja, quando se falava que determinada cidade estava acometida pela epidemia, as pessoas deixavam de ir até essas cidades e comercializar, impedido a circulação de mercadorias. Caso isso ocorresse, logo em seguida vinha a fome. Sendo assim, a peste estava para além de uma doença biológica, era também uma doença social, que desorganizava a vida coletiva, a economia e o cotidiano das cidades. 
Referências bibliográficas:
LE GOFF, Jacques. “Na Idade Média: tempo da Igreja e tempo do mercador” e “O tempo do trabalho na “crise” do século XIV”. In ________para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura no Ocidente. Lisboa: Editorial Estampa, 1993, p. 43-73.
BASCHET, Jérôme. “A Baixa Idade Média: triste outono ou dinâmica prolongada? ” In: ________ A civilização feudal: do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo, 2006, p. 247-274. 
WOLFF, Philippe. “As fomes”, “As epidemias” e “A guerra”. In ________ Outono da Idade Média ou Primavera dos Novos Tempos? Lisboa: Edições 70, 1988, p. 15-65.
DELUMEAU, Jean. “Tipologia dos comportamentos coletivos em tempo de peste”. In ________ História do medo no Ocidente – 1300-1800: uma cidade sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 154-220.
O SÉTIMO SELO. Direção de Ingmar Bergman. Clássico; Suécia, 1956. Preto & Branco; Idioma: Sueco, legendado em português; duração: 95 min.

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