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Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas Autores: Prof. Telmo Roberto Strohaecker Coordenador do Laboratório de Metalurgia Física - UFRGS Prof. Vitor José Frainer Laboratório de Ensaios Mecânicos - FURG Prof. Flávio Kieckow Coordenador do Laboratório de Ensaios Mecânicos –URI Santo Ângelo Prof. Marco A. D. Tier Coordenador do Laboratório de Tratamentos Térmicos e Eng. de Superfícies – URI Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 2 Sumário Pg. 1 Introdução.......................................................................................... 4 2 Estruturas Cristalinas........................................................................ 5 2.1 - Reticulado Cristalino .............................................................................................. 5 2.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado ................................................................... 9 2.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas................................................................... 9 2.4 - Interstícios ................................................................................................................ 9 2.5 - Contorno de grão ................................................................................................... 10 2.6 - Estrutura do Ferro Puro ....................................................................................... 11 3 Diagrama Ferro-Carbono................................................................ 13 4 Microestrutura dos Aços.................................................................. 16 4.1 - Aço Eutetóide ......................................................................................................... 16 4.2 - Aços Hipoeutetóides .............................................................................................. 18 4.3 - Aços Hipereutetóides............................................................................................. 18 4.4 - Regra da Alavanca ................................................................................................ 20 4.5 - Classificação das Ligas Ferrosas.......................................................................... 24 5 Fases Metaestáveis ........................................................................... 27 5.1 - Reação Martensítica .............................................................................................. 27 5.2 - Reação Bainítica .................................................................................................... 31 6 Diagramas Isotérmicos..................................................................... 32 6.1 - Efeito da Temperatura de Transformação da Perlita. ...................................... 32 6.2 - Velocidade de Nucleação da Perlita ..................................................................... 33 6.3 - A Reação Bainítica ................................................................................................ 34 6.4 - Diagrama Isotérmico............................................................................................. 35 6.5 - Diagramas Isotérmicos de Aços Hipoeutetóides e de Aços Hipereutetóides.... 39 6.6 - Influência do Tamanho de Grão e dos Elementos de Liga nos Diagramas Isotérmicos...................................................................................................................... 40 7 Diagramas de Resfriamento Contínuo............................................. 41 7.1 - Introdução .............................................................................................................. 41 7.2 - Comparação entre Diagramas Isotérmicos e de Resfriamento Contínuo ........ 41 7.3 - Transformações no Diagrama de Resfriamento Contínuo ................................ 42 Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 3 7.4 - Propriedades dos Produtos Formados .................................................................43 8 Tratamentos Térmicos......................................................................44 8.1 - Objetivos Gerais .....................................................................................................44 8.2 - Tipos Comuns .........................................................................................................44 8.3 - Fatores de Influência .............................................................................................45 8.4 - Esferoidização ........................................................................................................48 8.5 - Recozimento............................................................................................................49 8.6 - Normalização ..........................................................................................................51 8.7 - Têmpera ..................................................................................................................52 8.8 - Revenido..................................................................................................................58 8.9 - Tratamentos Isotérmicos .......................................................................................60 9 Temperabilidade...............................................................................64 9.1 - Introdução ..............................................................................................................64 9.2 - Definição de Temperabilidade ..............................................................................64 9.3 - Fatores que Afetam a Distribuição de Dureza ....................................................65 9.4 - Ensaio de Jominy ...................................................................................................68 9.5 - Método de Temperabilidade de Grossmann .......................................................69 9.6 - Determinação da Curva de Jominy em Função da Composição e do Tamanho de Grão ............................................................................................................................73 9.7 - Aplicação Prática do Ensaio de Jominy ...............................................................78 10 Endurecimento Superficial - Processos Termoquímicos...............83 10.1 - Introdução ............................................................................................................83 10.2 - Cementação ..........................................................................................................83 10.3 - Nitretação..............................................................................................................91 11 Endurecimento Superficial - Têmpera Superficial........................97 11.1 - Introdução ............................................................................................................97 11.2 - Aquecimento Por Chama ....................................................................................97 11.3 - Aquecimento por Indução ...................................................................................99 Bibliografia ........................................................................................... 104 Apêndice A............................................................................................ 105 Apêndice B............................................................................................ 107 Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 4 1 Introdução O ferro é o principal constituinte de uma das ligas mais importantes na engenharia; o aço. O ferro é um metal alotrópico, isto é, apresenta mais de uma estrutura cristalina deacordo com a temperatura. Quando solidifica, a 1538 °C, passa a apresentar uma estrutura cúbica de corpo centrado, a fase d (delta). Continuando o resfriamento, ocorre uma mudança de fase na temperatura de 1394 °C, e o material apresenta uma estrutura cúbica de faces centradas, a fase g (gama). Na temperatura de 912 °C ocorre um novo rearranjo cristalino e o ferro volta a apresentar uma estrutura cúbica de corpo centrado, a fase a (alfa). Abaixo da temperatura de 768 °C (ponto Curie) o ferro possui um comportamento magnético, sem no entanto apresentar qualquer mudança na estrutura cristalina. Todas estas transformações alotrópicas ocorrem com liberação de calor no resfriamento (reações exotérmicas) e com absorção de calor no aquecimento (reações endotérmicas). Evidentemente a quantidade de energia envolvida é bem inferior do que a da transformação de estado (calor latente de solidificação, por exemplo). A existência destas transformações permite que as propriedades dos aços e ligas ferrosas sejam alteradas através de processos que envolvam aquecimentos e resfriamentos controlados (tratamentos térmicos). Desta forma os aços apresentam-se como uma classe de materiais extremamente versáteis atendendo a um grande espectro de propriedades mecânicas. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 5 2 Estruturas Cristalinas 2.1 - Reticulado Cristalino Todos os metais, incluindo-se neste caso o ferro puro, possuem o que se convenciona chamar de estrutura cristalina. Para que possamos entender do que se trata vamos considerar uma rede de pontos que se prolonga infinitamente nas três direções do espaço como mostrado na figura 2.1. Figura 2.1 - Representação de uma rede de pontos que serve de base para o estudo das estruturas cristalinas(6). Se todas as retas que formam a rede estiverem regularmente espaçadas em cada uma das direções, os pontos de intersecção estarão também regularmente espaçados e neste caso fica caracterizada uma rede espacial de pontos. Observando-se a figura 2.1 verifica-se que a geometria da rede espacial fica perfeitamente caracterizada empregando-se três vetores para defini- la. Assim, tomando-se por base o comprimento dos três vetores como sendo a, b e c e os ângulos ente estes mesmos vetores como sendo a, b e g tem-se o que se convenciona chamar de constante de rede. Estas constantes nos permitem definir exatamente como os pontos se distribuem no espaço. Desta forma uma estrutura cristalina, nada mais é do que uma rede de pontos regularmente espaçados com uma distribuição regular dos átomos. Muitos materia is possuem uma distribuição característica e regular dos seus átomos sendo chamados então de materiais cristalinos. Como existe esta regularidade, uma estrutura cristalina de um material não precisa ser representada por todos os seus átomos, mas apenas por um Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 6 conjunto de átomos que possam definir a sua distribuição no espaço. Este conjunto de átomos deve ser escolhido de tal forma que uma vez repetidas as suas posições nas três direções do espaço tenhamos a representação de toda a estrutura cristalina do ma terial. A esta pequena porção do reticulado cristalino que tem a propriedade de representar todo o cristal chamamos célula unitária. Uma célula unitária terá sempre associada uma figura geométrica (as distâncias a, b e c e os vetores a, b e g ) e a distribuição característica dos átomos. No estudo das estruturas cristalinas são utilizadas apenas sete figuras geométricas, caracterizando sete sistemas cristalinos e estes produzem um total de apenas quatorze distribuições características dos átomos, produzindo quatorze estruturas cristalinas. Embora alguns materiais possam apresentar distribuições mais complexas, apenas estas quatorze células unitárias são suficientes para permitir o estudo dos materiais cristalinos. Na figura 2.2 e tabela 2.1 estão apresentados os sete sistemas cristalinos com as suas características geométricas e as estruturas cristalinas geradas a partir dos mesmos. Figura 2.2 - Representação das diferentes estruturas cristalinos Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 7 Tabela 2.1 - Classificação das estruturas cristalinas dentro dos sistemas cristalinos Sistema cristalino Parâmetro de rede e ângulo entre os eixos Estrutura cristalina Cúbico Três eixos iguais em ângulo reto Cúbica simples a=b=c, a=b=g=90° Cúbica de corpo centrado Cúbica de faces centradas Tetragonal Três eixos em ângulo reto, dois iguais Tetragonal simples a=b¹c, a=b=g=90° Tetragonal de corpo centrado Ortorrômbico Três eixos desiguais em ângulo reto Ortorrômbico simples a¹b¹c, a=b=g=90° Ortorrômbico de corpo centrado Ortorrômbico de bases centradas Ortorrômbico de faces centradas Romboédrico Três eixos iguais, ângulos iguais Romboédrico simples a=b=c, a=b=g¹90° Hexagonal Dois eixos iguais a 120°, terceiro eixo a 90° Hexagonal simples a=b¹c, a=b=90°, g=90° Monoclínico Três eixos desiguais, um ângulo diferente Monoclínico simples a¹b¹c, a=b=90°, g¹90 Monoclínico de bases centradas Triclínico Três eixos desiguais, ângulos desiguais Triclínico simples a¹b¹c, a¹b¹g¹90 Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 8 Dentre estes sistemas, os que mais interessam para o estudo dos tratamentos térmicos de aços são o sistema cúbico e o sistema tetragonal. Na figura 2.3 pode-se ver as células unitárias destas estruturas. Por uma questão de simplicidade os átomos em um reticulado cristalino são representados como esferas perfeitas mas isto não implica em diferenças muito grandes em relação ao caso real. Uma representação deste tipo está apresentada na figura 2.4 para as estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas. Figura 2.3 - Representação esquemática das células unitárias das estruturas cúbica de corpo centrado, cúbica de faces centradas e tetragonal de corpo centrado(6). Figura 2.4 - Representação do modelo de esferas das estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas(3). Observando-se atentamente estas figuras pode-se retirar outros valores que são úteis para comparação entre as várias estruturas. Os parâmetros característicos mais utilizados são as medidas características dos vetores, chamado parâmetro de rede , o número de átomos por célula unitária, o número de vizinhos que cada átomo possui (átomos que distam entre si dois raios atômicos), chamado número de coordenação e a relação entre o volume ocupado pelos átomos e o volume da célula unitária, chamado de fator de empacotamento. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 9 2.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado A estrutura cúbica de corpo centrado é uma estrutura que possui os seguintes parâmetros geométricos: a=b=c e a=b=g=90o. Estes valores fazem com que a célula unitária seja caracterizada pela figura de um cubo. Além disso, os átomos estão localizados nos vértices e no centro da célula, como pode ser visto nas figuras 2.3 e 2.4. Observa-se que os átomos dos vértices tem apenas um oitavo do seu volume ocupando espaço na célula unitária. Neste caso o parâmetro de rede, representado pelo lado do cubo, vale 4 3R , o número de átomos por célula unitária é 2 (um átomo correspondendo à soma dos oito oitavos dos átomos dos vértices e mais o átomo localizado no centro da célula), número de coordenação de 8 e um fator de empacotamento de 0,68, onde R é o raio atômico. Deve ser lembrado que, embora estes parâmetros tenham sido retirados da célulaunitária, eles são válidos para toda a estrutura cristalina. Isto significa que, independente da célula unitária escolhida e do átomo tomado como referência, devemos encontrar sempre os mesmos valores. 2.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas A estrutura cúbica de faces centradas possui os mesmos parâmetros geométricos que a estrutura cúbica de corpo centrado, porém, a distribuição dos átomos é um pouco diferente. Neste caso existem átomos localizados nos vértices e no centro de cada uma da faces do cubo. Isto faz com que os átomos das faces tenham apenas metade do seu volume ocupando espaço na célula unitária. O parâmetro de rede vale 4 2R , o número de átomos por célula unitária é 4 (um átomo correspondendo à soma dos oito oitavos dos átomos dos vértices e mais três átomos correspondentes aos átomos localizados nas faces), número de coordenação de 12 e um fator de empacotamento de 0,74. Comparando-se o fator de empacotamento das duas estruturas pode-se ver que a estrutura CFC é mais compacta do que a estrutura CCC, isto é, os seus átomos ocupam de maneira mais eficiente o espaço. Se considerarmos o mesmo raio atômico, pode-se dizer que os átomos organizados segundo uma estrutura CFC ocuparão menor volume o que conduzirá a uma maior densidade. 2.4 - Interstícios Em qualquer estrutura cristalina o fator de empacotamento é sempre menor do que um, isto é, os átomos não ocupam todo o espaço disponível na célula unitária. Este fato implica em que existam espaços vazios entre os átomos da estrutura. Estes espaços vazios recebem Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 10 o nome de interstícios e exercem um papel muito importante nos tratamentos térmicos dos aços. Normalmente existem vários interstícios em uma estrutura cristalina e quanto menor o fator de empacotamento maior é o volume destinado aos interstícios, embora o tamanho de cada um dependa do raio atômico e da estrutura cristalina. Deste modo uma estrutura CFC possui interstícios maiores do que uma estrutura CCC, embora o seu fator de empacotamento seja maior. A principal conseqüência disto é que, quando se tiver uma solução em que os átomos do soluto se colocam em posições intersticiais, como é o caso da liga ferro-carbono, a estrutura que tiver os maiores interstícios apresentará uma maior solubilidade do que aquela que possui interstícios menores. 2.5 - Contorno de grão Em um material real, não temos uma estrutura cristalina com uma única orientação. Se observarmos a orientação da estrutura de um material veremos que ela é subdividida em um grande número de zonas, cada uma delas com uma orientação diferente, isto é, cada uma das zonas forma um cristal independente. A estes cristais que possuem uma orientação particular chamamos de grãos. Na figura 2.5 temos uma representação da disposição dos átomos no interior dos grãos. Todos os grãos de uma mesma fase do material possuem a mesma estrutura cristalina, diferindo somente na orientação. A conseqüência desta orientação diferente é que na fronteira entre os grãos existe uma zona de transição entre duas orientações e, por isso, os átomos que fazem parte desta fronteira estão mal organizados e com um nível mais alto de energia. A esta região chamamos de contorno de grão. O contorno de grão exerce um papel importante nas transformações de fase, onde a maior energia dos átomos favorece a nucleação, e na deformação plástica, onde tem a função de restringir o movimento das discordâncias. Figura 2.5 - Representação da distribuição dos átomos em um material policristalino(15). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 11 2.6 - Estrutura do Ferro Puro 2.6.1 - Alotropia Alotropia é a propriedade que têm certos materiais de mudarem de estrutura cristalina dependendo da temperatura em que estiverem. O ferro puro possui esta propriedade, podendo ter os seus átomos organizados em uma estrutura CCC ou em uma estrutura CFC. Desde a temperatura ambiente até 912°C o ferro apresenta uma estrutura cristalina CCC e nestas condições é chamado de ferro a. De 912°C até 1394°C apresenta estrutura CFC e é chamado de ferro g. Finalmente de 1394°C até o ponto de fusão a 1538°C volta a apresentar estrutura CCC, sendo chamado de ferro d. Estas alterações na estrutura cristalina produzem uma série de implicações tanto nas transformações do ferro puro quanto nas ligas de ferro. Por exemplo, a estrutura CCC tem um fator de empacotamento de 0,68 enquanto que uma estrutura CFC tem um fator de empacotamento 0,74. Quando o ferro passa de CCC para CFC a 912°C, esta diferença no fator de empacotamento provoca uma redução no volume e um aumento na densidade. 2.6.2 - Solução do Carbono no Ferro A aplicação mais importante da transformação alotrópica do ferro se encontra nas ligas ferro-carbono. O carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro, isto é, os átomos de carbono se colocam nos interstícios da estrutura cristalina do ferro. A conseqüência prática deste tipo de solução é que teremos uma liga de baixo custo e com possibilidades de uma grande variação nas propriedades dependendo do teor de carbono e do tratamento térmico utilizado. Os interstícios variam de tamanho de acordo com a estrutura, isto é, os interstícios da estrutura CCC são menores do que os da estrutura CFC. Isto significa que de acordo com o tamanho do interstício teremos um menor ou maior espaço disponível para que um átomo de uma solução intersticial venha se colocar naquela posição. Como os átomos que entram em solução são sempre maiores do que os interstícios, cada átomo intersticial produzirá uma certa quantidade de distorção do reticulado cristalino e quanto menor for o interstício maior será a distorção. No caso da estrutura CCC os raios atômicos máximos possíveis para que não haja distorção correspondem a 0,29R para os interstícios tetraédricos e 0,15R para os interstícios octaédricos, onde R é o raio atômico do átomo que forma a estrutura. Na estrutura CFC estes valores correspondem a 0,23R para os interstícios tetraédricos e 0,41R para os interstícios octaédricos. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 12 No caso da liga ferro-carbono estes valores correspondem a 0,36 ângstrons e 0,19 ângstrons para a estrutura CCC, onde o raio atômico do ferro é 1,24 ângstrons, e 0,29 ângstrons e 0,52 ângstrons para a estrutura CFC, onde o raio atômico do ferro é 1,27 ângstrons. Como o raio atômico do carbono é de aproximadamente 0,77 ângstrons é fácil notar que em qualquer situação teremos uma distorção do reticulado sempre que um átomo de carbono se colocar em um interstício. Nas figuras 2.6 e 2.7 é possível observar uma representação desta situação. Quando se forma a solução ferro-carbono os átomos de carbono irão se alojar nos interstícios octaédricos, pois estes propiciam uma melhor acomodação, o que implica em uma menor energia de distorção. Desta forma pode-se entender facilmente que deverá haver uma menor solubilidade do carbono no ferro a do que no ferro g. No caso do ferro a a solubilidade máxima do carbono é de aproximadamente 0,025% em peso ou 0,1% em número de átomos, na temperatura de 727°C, enquanto que no ferro g a solubilidade máxima é de 2,1% em peso ou 9% em número de átomos, na temperatura de 1148°C. Figura 2.6 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CCC(15). Figura 2.7 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CFC(15). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 13 3 Diagrama Ferro-Carbono As ligas ferro-carbono representam os materiais de maior utilizaçãoem engenharia. Isto se deve ao fato de que estas ligas podem apresentar uma grande variação nas suas propriedades pela simples variação na quantidade de carbono e ainda possibilitam que se tenha uma gama maior de propriedades se considerarmos a possibilidade de deformação plástica e os tratamentos térmicos. A base para que este material tenha estas características está principalmente associada ao fato de que o ferro puro apresenta transformação alotrópica e que o carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro. Isto conduz a uma série de possibilidades de transformações, cada uma com suas microestruturas típicas, resultando na grande variação das propriedades. As transformações em uma liga ferro- carbono são influenciadas basicamente pela temperatura e pelo teor de carbono. Se considerarmos apenas este dois fatores poderemos montar um mapa das transformações que irão ocorrer, o qual será chamado de diagrama de equilíbrio, conforme indicado na figura 3.1. Nesta representação pode-se observar as fases que estarão presentes para cada temperatura e composição e também os pontos que são fundamentais para a compreensão das transformações. A seguir faremos algumas considerações a respeito do diagrama. Um aspecto a ser considerado é que as ligas comerciais não são constituídas apenas por ferro e carbono, mas podem ter em sua composição outros elementos de liga além de pequenas quantidades de impurezas que são inerentes ao processo de obtenção do material. Assim sendo, o diagrama apresentado Fe-C não representa fielmente o que sucede na prática, mas como pequenas quantidades de outros elementos não produzem grandes alterações, podemos utilizá- lo como base para o nosso estudo. O diagrama ferro-carbono utilizado na prática na realidade é um falso diagrama de equilíbrio, isto é, ele representa o equilíbrio metaestável entre ferro e um carboneto de ferro chamado cementita que tem fórmula estequiométrica Fe3C. O fato é que a forma mais estável da liga ferro-carbono seria ferro e grafita (carbono livre), mas como a grafita pode levar até mesmo anos para se formar, o diagrama estável não possui aplicação prática. Na figura 3.1 o diagrama estáve l ferro-grafita está representado pelas linhas tracejadas e o diagrama metaestável ferro-cementita está representado por linhas contínuas. Observando-se o diagrama existem vários pontos que merecem ser destacados. O primeiro deles é o que corresponde a uma composição de 2,11% de carbono a 1148°C. Este ponto representa uma fronteira entre as ligas ferro-carbono que são caracterizadas como aços e as ligas que são caracterizadas como ferro fundido. Assim, aço é uma liga com menos de 2,11% de carbono e ferro fundido é uma liga com mais de 2,11% de Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 14 carbono. A escolha deste ponto deve-se ao fato de que, quando resfriamos um aço desde o estado líquido, este sempre passará por uma faixa de temperaturas em que a sua microestrutura será composta de uma única fase chamada austenita, o que não acontece para os ferros fundidos que possuem teores de carbono acima deste valor. A austenita, também chamada fase g , é uma fase formado por uma estrutura cúbica de faces centradas. Quando combinamos o ferro com o carbono forma-se uma solução sólida intersticial em que é mantida a estrutura cristalina original do ferro g. Para temperaturas inferiores, o fato de o ferro g passar para ferro a produz o aparecimento de uma nova fase chamada fase a ou ferrita. A ferrita também é uma solução sólida intersticial de ferro e carbono e, a exemplo da fase g, é mantida a estrutura cristalina cúbica de corpo centrado do ferro a. Figura 3.1 - Diagrama de equilíbrio ferro-carbono(10). Devido ao fato de que a ferrita e a austenita possuem diferenças em sua estrutura cristalina, existe também uma grande diferença de solubilidade do carbono entre elas.Os Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 15 interstícios da estrutura CFC são maiores do que os interstícios da estrutura CCC. Isto conduz a uma solubilidade do carbono que pode chegar a 2,11% (aproximadamente 9% em átomos) na temperatura de 1148°C para a austenita e somente 0,025% (aproximadamente 0,1% em átomos) a 727°C para a ferrita. Desta maneira a austenita e a ferrita só apresentarão a sua solubilidade máxima nas temperaturas indicadas acima. O carbono é um elemento estabilizador da austenita, e como observado no diagrama para o ferro puro, a temperatura mínima em que a austenita é estável é de 912°C, mas, à medida que o teor de carbono cresce esta temperatura vai diminuindo até que, para 0,77% de carbono chegamos ao mínimo de 727°C. A partir daí a temperatura aumenta novamente até atingirmos o máximo de 2,11% para 1148°C. No caso da ferrita ela é estável até 912°C na ausência de carbono e à medida em que aumenta o teor a temperatura diminui até que se atinja a solubilidade máxima de 0,025%C a 727°C. Abaixo desta temperatura a solubilidade diminui novamente chegando a 0,008% na temperatura ambiente. Como existe um limite de solubilidade do carbono tanto na austenita quanto na ferrita, o excesso de carbono poderá propiciar a formação de uma terceira fase que é chamada de cementita e que possui estrutura cristalina ortorrômbica, ainda em solução sólida intersticial com 6,69% de carbono. Isto acontece para teores de carbono maiores do que 0,77% acima de 727°C e abaixo de 1148°C e, para teores maiores do que 0,025%, abaixo de 727°C. Desta maneira teremos no diagrama regiões em que o aço é monofásico e regiões em que é bifásico. As regiões monofásicas podem ser formadas por austenita ou por ferrita e as regiões bifásicas podem ser formadas por austenita e ferrita, austenita e cementita ou ferrita e cementita. Outro ponto importante que deve ser observado é o que ocorre para a composição de 0,77% de carbono a 727°C. Este ponto, chamado ponto eutetóide , é o lugar do diagrama em que temos a convivência simultânea das três fases citadas acima, isto é, quando resfriamos o aço teremos a transformação da austenita em ferrita e cementita. Especificamente para esta composição a temperatura permanece constante enquanto a transformação não se completar totalmente. Quando tivermos outros elementos fazendo parte da composição do aço, o teor de carbono correspondente ao ponto eutetóide será deslocado mais para a esquerda ou para a direita e a temperatura em que ocorre esta reação irá aumentar ou diminuir. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 16 4 Microestrutura dos Aços Conforme já foi salientado, aços são ligas ferro-carbono que contém de 0.008% até 2,11% em peso de carbono. O valor de 0,008% corresponde a máxima solubilidade de carbono na ferrita em temperatura ambiente enquanto que 2,11% corresponde a quantidade máxima de carbono que podemos ter na austenita a 1148°C. Na prática, entretanto, os aços raramente ultrapassam o teor de carbono de 1,0%. Teores maiores do que este somente são encontrados em aços ligados, geralmente com altos teores de liga como é o caso dos aços utilizados para a fabricação de matrizes e ferramentas. Nesta seção estudaremos as transformações que ocorrem nos aços sem elementos de liga quando estes forem resfriados lentamente desde o estado austenítico até a temperatura ambiente. 4.1 - Aço Eutetóide Aço eutetóide é um aço que tem um teor de carbono de 0,77%. Esta é uma composição particular encontrada no diagrama ferro-carbono em que existe a transformação de austenita para ferrita e cementita. Como já foi citado anteriormente, a esta reação é dado o nome de reação eutetóide que é uma reação em que temos a transformação de uma fasesólida (austenita) em duas fases sólidas (ferrita e cementita). A reação eutetóide é uma reação que se processa lentamente, pois é um processo em que temos que ter migração dos átomos de carbono para que as novas fases sejam formadas. A forma como ocorre esta transformação está ilustrada na figura 4.1 e pode ser descrita da seguinte maneira: Quando um aço de composição eutetóide é resfriado desde o campo austenítico e chega à temperatura eutetóide de 727°C, a estrutura CFC da austenita torna-se instável e para que o material permaneça estável é necessário que haja uma transformação de estrutura. A estrutura que irá se formar é uma estrutura CCC que é a ferrita. Esta passagem de uma estrutura CFC para outra CCC é induzida pela transformação alotrópica do ferro puro, a qual também é conseqüência de uma variação na energia livre. Ocorre, porém, que a ferrita é uma fase em que a solubilidade do carbono é muito menor do que na austenita e neste caso haverá uma quantidade de carbono excedente que irá formar outra fase que é a cementita. A formação da ferrita se dá a partir de pontos de maior energia, como por exemplo os contornos de grão, e vai crescendo em direção ao centro do grão. À medida em que a ferrita cresce, o carbono em excesso vai sendo expulso para as regiões adjacentes, dando Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 17 origem à cementita. Como existe a formação quase simultânea de vários núcleos de ferrita, a estrutura resultante passará a ser composta de regiões alternadas de ferrita e de cementita. Como conseqüência, ao final da transformação, toda a estrutura do aço será formada por lamelas de ferrita e cementita. Observada ao microscópio esta estrutura lembra uma impressão digital e recebe o nome de perlita. A forma característica de como se apresenta a perlita pode ser vista nas figuras 4.2. Um aço com estrutura perlítica apresenta uma razoável resistência mecânica . Ocorre que a ferrita está diretamente reforçada pela cementita. A composição de duas fases propicia um aço de boa resistência mecânica e boa resistência ao desgaste com sacrifício da ductilidade e da tenacidade do material. Figura 4.1 - Transformação da austenita em ferrita e cementita(11). Figura 4.2 - Microestrutura representando a perlita. As lamelas claras são compostas por ferrita e as escuras são compostas por cementita(11). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 18 4.2 - Aços Hipoeutetóides Aço hipoeutetóide é aquele com um teor de carbono inferior a 0,77%, isto é, um aço com concentração inferior ao eutetóide. No resfriamento, a austenita não passa diretamente para ferrita e cementita. Conforme pode ser observado na região entre as linhas A1 e A3 do diagrama Fe-C mostrado na figura 4.3, a liga de composição hipoeutetóide cruza o campo bifásico em que coexistem a ferrita e a austenita. Desta forma, em uma primeira etapa haverá a formação de ferrita a partir da austenita. O carbono expulso das regiões em que é nucleada a ferrita pode ser tranqüilamente dissolvido pela austenita remanescente àquela temperatura. Assim, à medida em vai aumentando a quantidade de ferrita formada, a austenita vai sendo enriquecida em carbono. Evidentemente que um aço hipoeutetóide apresentará uma dureza e resistência mecânica inferiores às de um aço eutetóide, apresentando, no entanto, uma tenacidade maior. 4.3 - Aços Hipereutetóides Consideremos agora um aço com um teor de carbono maior do que 0,77%. No resfriamento deste aço desde o campo austenítico, haverá inicialmente a formação de cementita. Esta cementita será formada preferencialmente junto ao contorno de grão. À medida que ocorre a formação da cementita, a austenita terá o seu teor de carbono gradativamente diminuído até alcançar a temperatura eutetóide. A partir daí ocorrerá a reação eutetóide. Desta forma, um aço com teor de carbono maior que a composição eutetóide virá a apresentar uma estrutura constituída por Austenita e Cementita na região entre as linhas A1 e Acm e formada por perlita e cementita abaixo da linha A1. Estas transformações estão representadas na figura 4.3. Se as condições de resfriamento permitirem, poderá haver a formação de uma fase contínua de cementita envolvendo os grãos perlíticos. Nesta situação, teremos um material com extrema fragilidade, uma vez que a cementita apresenta ductilidade muito pequena Caso a cementita apresente-se de uma forma descontínua, podemos ter um material com maior resistência ao desgaste sem sacrificar em demasia a sua tenacidade. Deve ser salientado que, contrariamente à situação dos aços hipoeutetóides, a variação do teor de carbono não implica em uma rápida variação na quantidade relativa de perlita. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 19 Figura 4.3 – Diagrama de Equilíbrio Fe-C para Aços Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 20 4.4 - Regra da Alavanca Durante a solidificação de uma peça de aço, observa-se pelo diagrama de fases que o mesmo sofre uma série de transformações desde o estado líquido até a temperatura ambiente. Como exemplo, podemos analisar o resfriamento de um aço hipoeutetóde a partir de seu estádio líquido até a temperatura ambiente (figura 4.4). Neste caso a amostra tem 100% líquido ou 100 austenita (?). Existem situações, entretanto em que a amostra se apresenta bifásica (d + L, L + ?, ?+a, a + perlita). Neste caso podemos calcular a fração volumétrica de cada fase utilizando a regra da alavanca (figura 4.5). Neste sentido pode-se usar um regra de três para calcular a quantidade de da cada fase. Suponhamos que a liga apresente uma composição Co. Na temperatura T1 a liga apresentará duas fases a e ß, cujas frações volumétricas são das por Portanto quanto mais próxima estiver a composição nominal do aço do domínio da ferrita, por exemplo, maior deverá ser a quantidade relativa desta. Considerando-se agora o resfriamento de um aço com 0,2% de carbono em peso a medida que o material cruza o campo bifásico a quantidade de ferrita vai aumentando gradativamente. Enquanto que a ferrita mantém um teor de carbono máximo de 0,025% em solução, a austenita remanescente vai aumentando o seu teor de carbono. Desta forma à medida que aumenta a quantidade relativa de ferrita a austenita passa da composição original (0,2% C) para um valor de até 0,77% C na temperatura de 727°C. Ao atingir esta temperatura, este aço apresentará em torno de 75% de ferrita livre (ferrita proeutetóide) e 25% de perlita. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 21 Figura 4.4 – Mudança de fases durante o resfriamento de uma liga hipoeutetóide Figura 4.5 – Região bifásica (a+ß) de um diagrama de equilíbrio binário Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 22 Desta forma considerando um aço com 0,2% na temperatura de 727°C, a quantidade de ferrita será igual à composição da austenita menos a composição nominal divididas pela diferença da composição da austenita (0,77%) e da ferrita (0,025%) na temperatura de interesse. Desta forma: 765,0 )025,077,0( )2,077,0( % = - - =ferrita assim, o aço com 0,2% C apresenta 76,5% de ferrita na temperatura próxima da eutetóide. À medida que chegarmos próximo da composição eutetóide, a quantidade relativa de perlita aumenta sensivelmente. Já nos aços hipereutetóides o predomínio sempre será da perlita. Considerando-se um aço com 1% C teríamos: % ( , ) ( , , ) ,perlita = - - =6 67 1 6 67 0 77 96 1% assim, como o teor de carbono do aço está muito mais próximo da composição do açoeutetóide em relação à composição da cementita, o braço de alavanca está favorecendo a perlita. A figura 4.6 ilustra a quantidade relativa de fases para cada composição dos aços carbono. Na figura 4.7 temos a microestrutura de três aços de composição diferentes. Pode- se notar que à medida em que aumentamos o teor de carbono aumenta a quantidade de perlita até que, ultrapassado o ponto eutetóide, teremos a formação de cementita em contorno de grão. Figura 4.6 - Diagrama ilustrando a quantidade relativa de cada fase em relação ao teor de carbono dos aços(9). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 23 Figura 4.7 – Microestrutura de um aço carbono 1018 resfriado ao forno. Predomina ferrita livre. As partes escuras são perlita Figura 4.8 – Microestrutura de um aço carbono 1045 resfriado ao forno. Existe mais perlita (ferrita + cementita) do que ferrita livre. Figura 4.9 – Microestrutura de um aço carbono 1095 resfriado ao forno. Estrutura perlítica com contornos de grãos delineados com cementita. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 24 4.5 - Classificação das Ligas Ferrosas Tomando como base o que foi estudado até aqui, podemos apresentar a classificação dos materiais ferrosos: ferro, aço e ferro fundido. São chamados de ferro as ligas ferrosas que possuem um teor de carbono máximo de 0,008% C. O valor de 0,008 % corresponde a máxima solubilidade de carbono no ferro a, na temperatura ambiente. Desta forma, o ferro apresenta como fase única em sua microestrutura a ferrita e todo o carbono do material encontra-se dissolvido nesta fase. Nos aços os teores de carbono são superiores a 0,008% excedendo a máxima solubilidade de carbono da fase alfa. Esse carbono excedente forma a cementita Fe3C. Assim, os aços resfriados lentamente a partir do campo austenítico apresentam duas fases: Ferrita e Cementita. Desta forma um aço hipoeutetóide apresenta dois constituintes ferrita (pré-eutetóide) e perlita (ferrita + cementita). Um aço de composição eutetóide (0,77% C) apresenta como constituinte a perlita enquanto um aço hipereutetóide possui perlita mais cementita (pró-eutetóide) em contorno de grão. O termo ferrita e cementita próeutetóide são utilizados para diferenciar a ferrita e cementita existentes na perlita. A ferrita ou cementita próeutetóides são formadas durante o resfriamento do aço entre as linhas A1 e A3 (ou Acm) do diagrama ferro-carbono, enquanto a ferrita e cementita da perlita são formados ao se cruzar a linha A1 (ponto eutetóide). O limite de carbono para os aços é de 2,11% que corresponde a máxima solubilidade do carbono na austenita. Desta forma uma liga ferrosa com um teor de carbono superior a 2,11% não vai apresentar um campo monofásico na região austenítica pois além desta, existirá a presença de cementita Fe3C. Esta ligas são classificadas como ferros fundidos. Estes materiais também apresentam silício em sua composição de modo a incentivar a presença de carbono livre na microestrutura do material. Desta forma ferro fundido é a liga ferro-carbono-silício, de teores de carbono superiores a 2,11 %, excedendo a máxima solubilidade da austenita, de modo a resultar em carbono parcialmente livre, na forma de veios ou lamelas de grafita. O silício por apresentar um raio atômico similar ao do carbono é concorrente deste em se dissolver na austenita. Desta forma quanto mais silício o ferro fundido apresentar, maior será a quantidade de carbono na forma livre (grafita). (a) cinzentos - Apresentando mais teores elevados de maior será a quantidade deste dissolvida na austenita Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 25 Aços A partir da informações apresentadas nas seções anteriores, pode-se entender porque os aços constituem-se em uma família de materiais extremamente versátil. Basta alterar o teor para que se consiga alterar substancialmente as propriedades mecânicas do mesmo. Por exemplo, caso tenhamos um aço com 0,1% de carbono em peso, o material apresentará um predominância da estrutura ferrítica. Assim, este aço apresenta um grande ductilidade, podendo ser utilizado para a confecção de uma lata de cerveja. Simplesmente aumentando teor de carbono do aço para 0,8% por exemplo, já teremos uma grande quantidade de cementita. O material passará a ter uma alta dureza/resistência ao desgaste com sacrifício da sua ductilidade. Teremos então, um aço tipicamente empregado na fabricação de trilhos. Os aços, além de serem constituídos basicamente por ferro e carbono, podem apresentar uma série de outros elementos adicionados intencionalmente ou não. Normalmente são considerados dois tipos fundamentais de aços: -os aços-carbono, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo até 2,11% de carbono em peso, além de elementos residuais, resultantes do processo de fabricação; -os aços ligados, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo outros elementos adicionados intencionalmente A maioria dos aços contém entre 0,1 e 1,5% de carbono em peso. As principais impurezas encontradas são o fósforo, o enxofre, o manganês e o silício. Outros elementos residuais podem ser o nitrogênio, o oxigênio, o estanho e o alumínio. Normalmente as normas definem os teores máximos permitidos destes elementos de acordo com a aplicação do mesmo. Entre os principais elementos de liga introduzidos no aço para lhe conferir propriedades específicas encontramos o níquel, cromo, manganês, silício, vanádio, tungstênio, molibdênio e nióbio. É usual separar os aços em três grupos principais, segundo o teor de carbono: -aços doces, contendo até 0,25% de carbono; -aços meio duros, com teor de carbono compreendido entre 0,25% e 0,50% de carbono; -aços duros, com teores acima de 0,5% de carbono. Dentre os diversos sistemas de classificação dos aços de construção mecânica, o mais utilizado em nosso país, são os da SAE (Society of Automotive Engineers) e da AISI (American Iron and Steel Institute). O aço é designado geralmente por quatro algarismos. Os dois primeiros referem-se aos elementos de liga e os dois últimos ao teor de carbono. Desta forma, um aço SAE 1010 será um aço carbono (sem elementos de liga) com 0,1% de Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 26 carbono em peso. Já um aço SAE 4340, além de apresentar 0,40% de carbono, terá entre 1,65 e 2,0% de Ni, de 0,4 a 0,9% de Cr e entre 0,2 e 0,3% de Mo. Famílias de aços especiais, como os aços inoxidáveis e aços para ferramentas, recebem uma nomenclatura especial. Na tabela 4.1 está apresentado a classificação dos aços segundo a norma SAE. No apêndice B temos as tabelas com a classificação de todos os aços, segundo as normas SAE, AISI e ABNT. Tabela 4.1 – Classificação dos aços segundo a norma SAE Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 27 5 Fases Metaestáveis Conforme foi mostrado, normalmente um aço apresentará uma estrutura que irá depender diretamente do teor de carbono. Por outro lado, as estruturas normais até agora apresentadas são formadas a partir de intensa difusão de carbono do aço. O que acontecerá se a taxa de resfriamento não permitir esta difusão do carbono? 5.1 - Reação Martensítica Se tomarmos um aço de composição eutetóide e o resfriarmos lentamente haverá a formação de ferrita e de cementita a partir da austenita original. Sob condições de resfriamento lento ou moderado, os átomos podem difundir para fora da austenita. Os átomos de ferro podem, então, em um rearranjo em nível atômico, passar para uma estrutura cúbica de corpo centrado. Esta reação ocorre por um processo de nucleação e crescimento, com intensadifusão de carbono no reticulado do ferro. O que acontecerá se resfriarmos rapidamente esta austenita? Com um resfriamento rápido não daremos tempo para a difusão do carbono obrigando que ele se mantenha em solução. À medida que tivermos a austenita a uma temperatura menor que a eutetóide haverá uma força motriz no sentido do ferro passar da estrutura CFC para a estrutura CCC. Na tentativa do ferro passar para CCC o excesso de carbono fará com que ocorra uma distorção no reticulado cristalino. A supersaturação de carbono fará com que o ferro passe a apresentar uma estrutura cristalina distorcida tetragonal de corpo centrado. Esta distorção do reticulado devido à supersaturação de carbono faz com que o aço tenha aumentada substancialmente a sua resistência mecânica. O tratamento de resfriamento rápido recebe o nome de têmpera e a estrutura resultante será a martensita. A martensita seria, então, uma solução sólida supersaturada em carbono e a estrutura, ao invés de ser cúbica de corpo centrado passaria a ser tetragonal de corpo centrado, uma vez que um de seus eixos fica expandido pelo carbono aprisionado. Esta severa distorção do reticulado cristalino é a primeira razão da dureza da martensita. O apreciável aumento da dureza e da resistência mecânica possíveis com a têmpera de um aço é amplamente empregada na prática. Assim, lâminas, molas, rolamentos, engrenagens e ferramentas em geral, são empregados no estado temperado. A dureza a ser alcançada pela estrutura martensítica irá depender diretamente do teor de carbono. Normalmente um aço para ser temperado deve apresentar um mínimo de 0,3% de carbono, sendo que uma dureza máxima já pode ser alcançada com 0,6% de Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 28 carbono. Um valor mínimo de carbono é necessário exatamente para poder ocorrer distorção do reticulado cristalino fazendo com que a estrutura passe para tetragonal de corpo centrado. Esta distorção do reticulado e as tensões geradas fazem com que, na prática, um aço nunca deva ser usado no estado temperado. A fragilidade associada obriga que seja realizado um tratamento térmico de alívio de tensões (tratamento térmico de revenido) que pode variar desde 180°C até 600°C. Adicionalmente, quanto maior o teor de carbono, maior a resistência alcançada pela estrutura martensítica com sacrifício da tenacidade. Para aplicações mecânicas limita-se o teor de carbono de aços a serem temperados na faixa de 0,3 e 0,4% de carbono, visando preservar a tenacidade do componente. Para aplicações como molas e lâminas , por exemplo, o teor de carbono pode ser aumentado para a faixa de 0,6% uma vez que a resistência mecânica deve ser a máxima possível. Para algumas aplicações especiais o teor de carbono pode ser ainda mais elevado. Para rolamentos, por exemplo, utiliza-se um teor de carbono na faixa de 1%. Neste caso, o teor de carbono para o máximo de resistência mecânica já foi até ultrapassado. O carbono em excesso passa a formar carbonetos que, em uma matriz martens ítica de alta resistência e dureza, confere ao material uma resistência maior ao desgaste. Há situações em que a resistência ao desgaste deve ser máxima de tal forma que são empregados aços com até 2% de carbono. Nesta classe estão, por exemplo, alguns aços ferramenta para trabalho a frio. A estrutura martensítica lembra o aspecto de agulhas explicada pelo mecanismo de formação de cisalhamento da estrutura. A figura 5.1 ilustra o aumento de dureza com o tratamento térmico de têmpera dos aços. A figura 5.2 ilustra a estrutura martensítica com agulhas bem delineadas. É a estrutura de um aço com alto teor de carbono que apresenta uma quantidade razoável de austenita não transformada (austenita retida). Na prática, normalmente a estrutura é bem mais refinada, sendo que o tratamento térmico de revenido atenua a forma de agulhas marcante da martensita. A figura 5.3 apresenta, esquematicamente, a distorção do reticulado cristalino associado à transformação martensítica. Fica claro o fato de que quanto maior o teor de carbono, maior será a distorção do reticulado. A figura 5.4 ilustra a distorção do reticulado com o teor de carbono. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 29 Figura 5.1 - Variação na dureza de acordo com o aumento do teor de carbono(15). Figura 5.2 - Estrutura martensítica. Agulhas bem delineadas sobre um fundo de austenita retida(7). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 30 Figura 5.3 - Distorção do reticulado cristalino na transformação martensítica e comparação entre as estruturas CFC, CCC e TCC. (a) Célula unitária do ferro-? CFC, com um átomo de carbono em um interstício sobre a aresta da célula. (b)Célula unitária do ferro-a CCC indicando um interstício menor entre os átomos dos vértices da célula. (c) Célula do ferro TCC (martensita) produzida pela distorção da célula CCC causada por um átomo de carbono intersticial. Figura 5.4 - Variação dos parâmetros de rede da martensita e da austenita com o teor de carbono(14). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 31 5.2 - Reação Bainítica Enquanto que a transformação eutetóide (austenita em ferrita mais cementita) depende de intensa difusão de carbono, a transformação martensítica, ao contrário, é adifusional. Quanto maior a taxa de resfriamento maior a quantidade de martensita formada. O que aconteceria se resfriássemos rapidamente a austenita sem atingir a faixa de temperatura de formação da martensita ? Ao resfriarmos rapidamente a estrutura austenítica até a faixa de 300°C, por exemplo, não daríamos condições para que fosse formada a estrutura perlítica uma vez que a difusão do carbono a esta temperatura seria extremamente prejudicada. Na tentativa do ferro passar de CFC para CCC ocorre a nucleação de cristais de ferrita com plaquetas descontínuas de cementita. Esta estrutura, denominada bainítica, concorre em dureza e resistência mecânica com a martensita revenida. A figura 5.5 ilustra a diferença entre os mecanismos de formação da perlita e da bainita. Figura 5.5 - Diferença entre os mecanismos de formação da perlita e da bainita. A dificuldade de difusão do carbono faz com que os carbonetos fiquem dispersos na bainita(3). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 32 6 Diagramas Isotérmicos Quando é analisado um diagrama de equilíbrio como é o caso do diagrama metaestável ferro-cementita, existem várias transformações que ocorrem a temperaturas determinadas e que são dependentes da temperatura e da composição. Estas transformações ocorrem para resfriamentos muito lentos e em temperaturas determinadas. Contudo, quando as velocidades de resfriamento forem maiores de modo a não permitir a transformação em equilíbrio é necessário o uso de um outro tipo de diagrama que é chamado de Diagrama Isotérmico ou Diagrama TTT (tempo-temperatura-transformação). Estes diagramas fornecem um mapa do que acontece quando, através de um resfriamento rápido, austenita é levada para temperaturas abaixo daquelas de equilíbrio onde a mesma é instável, mantendo-se o aço a esta temperatura por um tempo determinado. Neste caso deve ser analisado um fator que não precisa ser considerado no diagrama de equilíbrio que é o tempo. Isto significa dizer que as transformações que irão concorrer são dependentes do tempo, tendo-se a transformação parcial ou total do aço dependendo do tempo em que o mesmo for deixado nesta temperatura. 6.1 - Efeito da Temperatura de Transformação da Perlita. Na figura 6.1 observa-se um gráficoque mostra a variação da velocidade de transformação da perlita de acordo com a temperatura em que a mesma se processa. Como pode ser visto estas são temperaturas de transformação abaixo da temperatura eutetóide e existe uma variação bastante acentuada na velocidade à medida em que as transformações ocorrem a temperaturas mais baixas. Este gráfico deve ser entendido da seguinte maneira: ao levar-se um aço eutetóide até uma temperatura em que o mesmo se torna totalmente austenítico obtem-se uma fase que é estável. Se agora fizermos um resfriamento rápido não permitiremos que a austenita se transforme nas temperaturas usuais determinadas pelo diagrama de equilíbrio. Esta austenita, então, passa a ser uma austenita instável que está prestes a se transformar pois nas temperaturas abaixo da eutetóide a mesma possui uma energia adicional que tende a fazer com que se transforme em produtos mais estáveis que podem ser ferrita e cementita na configuração característica de perlita. Contudo, uma vez que esta transformação implica em difusão atômica, deve-se ter um certo intervalo de tempo para que a reação se processe. Desta forma como os fatores que governam a nucleação da nova fase e a difusão são dependentes do tempo as velocidades são variáveis com a temperatura. Assim, para Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 33 temperaturas próximas da eutetóide, a velocidade de transformação é baixa, aumentando à medida em que se diminui a temperatura. Figura 6.1 - Velocidade de crescimento da perlita em função da temperatura de reação em uma liga ferro-carbono de composição eutetóide(11). 6.2 - Velocidade de Nucleação da Perlita A velocidade de nucleação da perlita, isto é, a velocidade com que ocorre a transformação da austenita para lamelas de ferrita e cementita é um fenômeno que está associado à temperatura e ao aparecimento de uma energia livre de transformação, descontada a energia de formação das interfaces de ferrita e cementita. Esta energia livre restante será utilizada para a difusão do carbono da austenita para a cementita e para a transformação da austenita para ferrita e para cementita. Isto conduz à formação heterogênea de núcleos a partir do contorno de grão da austenita. A velocidade de formação destes núcleos é dependente da temperatura. Por exemplo, para temperaturas logo abaixo da eutetóide, somente se formam poucos núcleos e devido à velocidade de desenvolvimento dos mesmos se formam grandes nódulos de perlita, o que irá influir também no espaçamento entre as lamelas. Para temperaturas mais baixas existe a formação de uma grande quantidade de núcleos e uma vez que estes se formam a uma velocidade maior do que a sua velocidade de desenvolvimento haverá a formação de um número maior de colônias de perlita, fazendo com que aumente a velocidade de reação, diminuindo desta forma, o espaçamento entre as lamelas. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 34 6.3 - A Reação Bainítica Tudo aquilo que foi descrito anteriormente a respeito da transformação da austenita para perlita tem validade somente até temperaturas intermediárias, da ordem de 500oC. Embora muitos dos conceitos acima expostos tenham validade para temperaturas inferiores o fato é que para esta faixa de temperaturas fenômenos tais como nucleação, dependência com a temperatura e difusão atômica irão ocorrer, mas o produto formado apresenta características microestruturais bastante diferentes da perlita e por isto leva o nome de bainita para que possa ser diferenciada da estrutura anterior. Da mesma forma que a perlita, a bainita não é uma fase mas sim uma mistura de fases em que existe a convivência de regimes de alta concentração de carbono originando carbonetos de ferro que estão finamente dispersos sobre uma matriz praticamente isenta de carbono que é a ferrita. Ainda semelhante à perlita, a reação bainítica ocorre através de difusão de átomos e, portanto, a mesma é dependente da temperatura em que ocorre a transformação e do tempo em que o aço permanece a esta temperatura. Diferentemente entretanto da perlita, a bainita não se apresenta em forma de lamelas, mas sim na forma de agulhas que formam placas. Cada placa de bainita é composta por um certo volume de ferrita onde estão incrustradas partículas de carboneto. Além disso a bainita assume uma disposição diferente de suas placas na medida em que a mesma é formada a temperaturas mais altas ou mais baixas. Para temperaturas mais altas, digamos a 450oC, a bainita formada apresenta-se na forma de placas mais irregulares com carbonetos mais grosseiros e alinhados segundo a direção preferencial da placa. Para temperaturas mais baixas, digamos a 250oC, a bainita irá apresentar-se na forma de placas mais regulares com carbonetos mais finos e é formando um ângulo com a direção de orientação da placa. Além disso o próprio carboneto formado é diferente. Para temperaturas mais altas o carboneto é a própria cementita, de estrutura cristalina ortorrômbica e 6,7 % de carbono, enquanto que para temperaturas mais baixas, forma-se carboneto épsilon (e) com estrutura cristalina hexagonal e 8,4 % de carbono. Desta forma deve-se fazer distinção entre o que seria chamado de bainita superior e o que seria chamado de bainita inferior. Outro aspecto importante a ser salientado é que a velocidade de transformação da austenita para bainita é fortemente dependente dos fatores associados à nucleação e desenvolvimento da nova fase. Neste caso como a temperatura é baixa, a energia livre, que é dependente da diferença entre as temperaturas de estabilidade da austenita (temperatura eutetóide) e da temperatura em que ocorre a transformação, é elevada e a formação de novos núcleos é muito intensa mas o seu desenvolvimento é prejudicado pela baixa Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 35 extração de calor. Isto irá fazer com que a velocidade de reação diminua à medida em que se diminui a temperatura. 6.4 - Diagrama Isotérmico Na figura 6.2 vemos um diagrama isotérmico completo de um aço eutetóide. Como já foi dito, um diagrama isotérmico ou diagrama TTT é um diagrama que nos mostra as reações que ocorrem nas temperaturas em que a austenita se torna instável, de acordo com os tempos de reação. Observando-se a figura 6.2, vemos que em um dos eixos estão plotadas as temperaturas e no outro eixo estão plotados os tempos de reação em escala logarítmica. Temos também duas curvas que correspondem aos tempos de início e de fim da transformação do aço. Estas curvas representam a dependência da reação com o tempo, sendo que a primeira curva representa o início da transformação e a segunda curva representa o fim da transformação. Nela podemos ver, segundo o que já foi exposto acima, que a velocidade de transformação do aço é variável, tendo-se uma velocidade baixa para temperaturas próximas da eutetóide, velocidade esta que vai crescendo para temperaturas intermediárias e finalmente começa novamente a decrescer para as temperaturas mais baixas. Este fato produz a forma característica destes diagramas, formado um joelho próximo dos 500oC. Temos ainda próximo dos 200oC uma isoterma que representa o início da transformação martensítica (linha Ms), devendo-se observar que, tendo em vista a natureza desta reação em que não existe difusão dos átomos, a mesma não é dependente do tempo mas sim unicamente da temperatura. Sendo assim, o progresso desta transformação só ocorre se diminuirmos a temperatura, e só teremos o aço completamente transformado quando se chega próximo da temperatura ambiente. Como foi dito, as curvas mostradas no diagrama representam as transformações queocorrem ao longo do tempo e, como estas transformações são governadas pela maneira como ocorre a transformação, os produtos formados dependem da temperatura em que se permite a transformação do aço. Assim temos que, desde a temperatura eutetóide até próximo da temperatura intermediária, isto é próximo do joelho, temos a formação de perlita cujo espaçamento interlamelar vai decrescendo à medida em que se decresce a temperatura de transformação. Para as temperaturas abaixo do joelho até a linha de formação da martensita temos a formação de bainita que vai desde uma bainita superior até uma bainita inferior. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 36 Figura 6.2 - Diagrama completo de transformação isotérmica para um aço eutetóide(11). Vamos agora estudar em mais detalhes o que ocorre quando resfriamos um aço eutetóide rapidamente até alguma destas temperaturas e o deixamos por algum tempo a esta temperatura. Para isto faremos uso da figura 6.3 que representa um diagrama isotérmico de um aço eutetóide, sobre a qual estão traçadas algumas curvas de temperatura-tempo. Deve ser lembrado que sempre que quisermos estudar as transformações que ocorrem nos aços deve-se pressupor que este tenha sido austenitizado e que a partir desta condição será feito um resfriamento rápido até a temperatura em que se pretende estudar a transformação. Curva 1 - Resfriamos rapidamente o aço desde a temperatura austenítica até a temperatura de 160oC, mantendo-se o mesmo a esta temperatura por um tempo de aproximadamente 10 segundos. Em conseqüência deste resfriamento evitamos a transformação do aço até que se atinja a temperatura de início de transformação da martensita (linha Ms), a partir da qual começa a se formar martensita atômicamente. Quando chegamos aos 160oC aproximadamente metade da austenita estão transformada em martensita, permanecendo portanto ainda metade do aço por transformar. Se mantivermos esta temperatura por um tempo mais longo praticamente não ocorrerá mais nenhuma transformação, mantendo-se portanto inalteradas as quantidades de martensita e austenita. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 37 Isto se deve à natureza atômica da transformação martensítica e só poderemos ter mais transformação se diminuirmos a temperatura. Curva 2 - Resfriamos rapidamente a aço até a temperatura de 250°C e o deixamos nesta temperatura por 100 segundos, prosseguindo então com resfriamento rápido até à temperatura ambiente. Neste caso o tempo em que o aço permanece a 250°C não é suficiente para que ocorra qualquer transformação, pois aqui a velocidade de reação já é bastante lenta. Desta forma com o prosseguimento do resfriamento entraremos no campo de formação da martensita e teremos o aço transformado totalmente em martensita. Curva 3 - Resfriamento rápido do aço até a temperatura de 300°C, manutenção durante um tempo de 500 segundos e posterior resfriamento rápido até a temperatura ambiente. Aqui o tempo de 500 segundos já permite a transformação de aproximadamente 50% da austenita em bainita na temperatura de 300°C. Teremos então metade da microestrutura transformada em bainita e metade ainda de austenita não transformada. Com o prosseguimento do resfriamento, a austenita não transformada irá passar a martensita a partir do momento em que ultrapassarmos a temperatura Ms. Ao final do resfriamento teremos a microestrutura do aço formada por 50% de bainita e 50% de martensita. Curva 4 - Resfriamento rápido até a temperatura de 600oC, mantendo-se a esta temperatura por um tempo de 104 segundos e posterior resfriamento até a temperatura ambiente. O simples fato de mantermos a temperatura por um período superior a 8 segundos já é suficiente para que todo o aço se transforme de austenita para perlita uma vez que teremos cortado a linha de final de transformação. O resfriamento subsequente nada irá modificar independente de que velocidade de resfriamento se adote. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 38 Figura 6.3 - Trajetórias arbitrárias temperatura-tempo sobre o diagrama de transformação isotérmica(11). Do acima exposto podemos retirar uma série de conclusões com base nos resultados obtidos para os diversos resfriamentos: a. Sempre que fizermos um resfriamento rápido estaremos evitando a transformação do aço e tornando a austenita instável. b. O fato de se chegar até uma temperatura abaixo da eutetóide não implica em que se tenha alguma transformação pois as mesmas dependem da velocidade de reação. c. A transformação da martensita é uma exceção ao apontado no ítem anterior pois a mesma tem natureza atômica. d. Sempre que mantivermos uma temperatura acima da temperatura de transformação martensítica por um tempo superior ao apontado pela linha de início de transformação do diagrama inicia-se a transformação e sempre que se mantiver esta temperatura por um tempo superior ao apontado pela linha de final de transformação teremos, para fins práticos, a transformação completa do aço. Para tempos intermediários a transformação sempre será parcial, podendo-se obter outros produtos se prosseguirmos no resfriamento. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 39 6.5 - Diagramas Isotérmicos de Aços Hipoeutetóides e de Aços Hipereutetóides Como já foi visto na seção dedicada aos diagramas de equilíbrio os aços hipoeutetóides são aqueles que possuem um teor de menos de 0,77% de carbono e aços hipereutetóides são aqueles que possuem um teor de mais de 0,77% de carbono. Para os primeiros temos uma faixa de temperaturas em que se forma apenas ferrita pró-eutetóide a partir da austenita e para os últimos temos uma faixa de temperaturas em que se forma apenas cementita a partir da austenita. Esta ocorrência também pode ser notada para os diagramas isotérmicos destes aços. Nas figuras 6.4 e 6.5 temos os diagramas isotérmicos de um aço hipoeutetóide e de um aço hipereutetóide. Pode-se notar que existe uma diferença fundamental em relação ao diagrama eutetóide: o fato de existir um campo de formação de ferrita ou de cementita, conforme o caso. Esta transformação aparece desde temperaturas acima da eutetóide e prolonga-se até temperaturas próximas do joelho. Assim sendo, a primeira linha passa a indicar o início da transformação da ferrita ou da cementita, a segunda linha passa a indicar o início da formação da perlita e a terceira linha o fim da transformação da perlita. Figura 6.4 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço hipoeutetóide com 0,35 % de carbono(11). Neste caso um efeito secundário da temperatura em que é efetuada a transformação é representada pela mudança nas quantidades relativas de ferrita pro-eutetóide ou cementita primária formadas, pois com o decréscimo da temperatura decresce a quantidade das mesmas como se o ponto eutetóide mudasse para menos ou para mais, conforme o caso. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 40 Figura 6.5 - Diagrama de transformação isotérmica de um aço hipereutetóide com 1,13 % de carbono(11). 6.6 - Influência do Tamanho de Grão e dos Elementos de Liga nos Diagramas Isotérmicos Tudo o que foi relatado até aqui não considerou as variações que podem ocorrer quando temos alteração no tamanho de grão e quando são adicionados elementos de liga no aço. Resumidamente pode ser dito que quanto maior o tamanho de grão mais para a direita está o diagrama, isto é, maiores serão os tempos de início transformação. Isto se deve ao fato de que com a redução da área de contorno de grão teremos menor número de posições onde pode ser nucleada a nova fase e portanto isto representará um atrasona reação. Quanto aos elementos de liga, todos eles, a exceção do cobalto, dificultam a difusão dos átomos fazendo também com que o diagrama se desloque para a direita e para baixo, isto é, as reações são retardadas e as temperaturas de transformação decrescem. Isto vale inclusive para as temperaturas de transformação da martensita, embora para estas o teor de carbono tenha um efeito mais pronunciado, podendo inclusive chegar a levar a temperatura de final de transformação para temperaturas abaixo da ambiente. Nas figuras 7.6 e 7.7 podemos ver o efeito destes elementos quando comparados com a figura 7.4. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 41 7 Diagramas de Resfriamento Contínuo 7.1 - Introdução Tudo o que foi dito anteriormente sobre os diagramas isotérmicos, vale apenas para transformações em que temos um resfriamento rápido seguido de uma estabilização da temperatura por um tempo que permita a transformação do aço. Nestes casos, então, teremos a transformação do aço a uma temperatura constante, resultando em uma microestrutura homogênea, seja ela formada por perlita ou bainita. Acontece, porém, que em muitos casos a transformação do aço não se dá a uma temperatura constante mas sim através da variação contínua da temperatura. Nestes casos o que se faz é um resfriamento em que a temperatura decresce continuamente desde a temperatura de austenitização até a temperatura ambiente. Desta forma o diagrama isotérmico deixa de ter validade e é necessário que procuremos auxílio em outro tipo de diagrama que é chamado Diagrama de Resfriamento Contínuo. Neste tipo de diagrama o que temos é um mapa das transformações que ocorrem em um aço quando se faz um resfriamento contínuo. Embora as transformações que ocorrem neste caso sejam semelhantes às que ocorrem no diagrama isotérmico existem algumas modificações pelo fato da temperatura estar variando continuamente. Estes diagramas então, representam as transformações que ocorrem na austenita para várias velocidades de resfriamento. 7.2 - Comparação entre Diagramas Isotérmicos e de Resfriamento Contínuo Na figura 7.1 temos uma comparação entre um diagrama isotérmico e um diagrama de resfriamento contínuo. As linhas tracejadas do diagrama representam o diagrama isotérmico e as linhas cheias representam o diagrama de resfriamento contínuo. Pode-se ver que em um resfriamento contínuo ocorre um deslocamento das transformações para a direita e para baixo. Isto significa um aumento dos tempos de transformação quando se resfria continuamente um aço. Deste modo podemos ver que na curva de resfriamento 1 se valesse o diagrama isotérmico teríamos um tempo para o início da transformação de 6 segundos para 650oC, o que na verdade não ocorre quando o resfriamento é contínuo. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 42 Figura 7. 1 - Comparação do diagrama da resfriamento contínuo com o diagrama isotérmico para um aço eutetóide(11). 7.3 - Transformações no Diagrama de Resfriamento Contínuo No diagrama de resfriamento contínuo podemos ver que as transformações que ocorrem são em princípio as mesmas que ocorrem no diagrama isotérmico. Temos então uma região de formação da perlita, uma região de formação de bainita e uma região de formação de martensita. A grande diferença em relação ao diagrama isotérmico neste caso é que em um resfriamento contínuo sempre teremos uma mescla de produtos devido ao fato de que a transformação ocorre a várias temperaturas durante o resfriamento. Quanto mais rápido é o resfriamento mais heterogêneos serão os produtos. Desta maneira para resfriamentos lentos teremos a formação de perlita grosseira mas à medida em que se aumenta a velocidade de resfriamento teremos uma mescla que poderá apresentar uma mistura de perlita com bainita e até mesmo perlita, bainita e martensita misturados na microestrutura. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 43 7.4 - Propriedades dos Produtos Formados Na figura 7.2 temos uma série de curvas de resfriamento que resultam em várias microestruturas. Os números dentro dos cálculos representam as durezas Vickers resultantes. Como pode ser constatado, à medida em que se aumenta a velocidade de resfriamento aumenta a dureza pois embora tenhamos uma mescla de produtos, a dureza destes produtos aumenta com a velocidade de resfriamento. Este é o reflexo mais palpável nas propriedades e é o que realmente será de interesse na maioria dos casos práticos. Figura 7.2 - Diagrama de resfriamento contínuo de um aço contendo 0,37% C, 1,4% Ni e 0,47% Mo(4). Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 44 8 Tratamentos Térmicos 8.1 - Objetivos Gerais Os tratamentos térmicos são um conjunto de operações que têm por objetivo modificar as propriedades dos aços e de outros materiais através de um conjunto de operações que incluem o aquecimento e o resfriamento em condições controladas. Desta maneira conseguimos obter uma variada gama de propriedades que permitem que tenhamos materiais mais adequados para cada aplicação, sem que com isto os custos sejam muito aumentados. Como o aço é o material mais comumente utilizado em engenharia todo o enfoque dado aqui residirá sobre este tipo de material, embora os tratamentos térmicos aqui descritos possam ser aplicados a outros tipos. 8.2 - Tipos Comuns Os tipos mais comuns de tratamentos térmicos são: a) Esferoidização b) Recozimento c) Normalização d) Têmpera + Revenido Abaixo daremos uma breve idéia do que é cada um destes tratamentos que serão tratados em maiores detalhes adiante. a) Esferoidização Consiste em um tratamento que visa globulizar a cementita fazendo com que tenhamos uma microestrutura formada de um fundo de ferrita com cementita esferoidal, donde temos a origem do nome. Este tratamento também é chamado de coalescimento pelo fato de que durante o processo a cementita se aglutina em partículas de forma esferoidal. b) Recozimento O recozimento é um tratamento térmico em que o resfriamento, a partir do campo austenítico, deve ser feito de maneira bastante lenta para que tenhamos a formação de uma microestrutura de perlita grosseira. Isto fará com que tenhamos um material de baixa dureza e baixa resistência. Tratamentos Térmicos de Aços e Ligas Ferrosas 45 c) Normalização Se ao invés de obtermos perlita grosseira obtivermos perlita fina no resfriamento teremos uma normalização. Isto pode ser conseguido aumentando-se a velocidade de resfriamento comparada com a velocidade do recozimento. Embora esta seja a diferença mais imediata, devemos destacar que a normalização provoca uma transformação mais importante que é a diminuição tamanho do grão, algo que é extremamente benéfico para a tenacidade do material. d) Têmpera e Revenido Embora estes dois itens tenham que ser tratados separadamente pelas grandes diferenças que existem entre eles, os dois tratamentos sempre serão feitos em seqüência. Enquanto que a têmpera é um tratamento que visa a obtenção de uma microestrutura completamente martensítica, que por conseqüência será dura e frágil, o revenido será empregado para corrigir justamente a fragilidade resultante da têmpera. Como conseqüência, sempre que fizermos um tratamento de têmpera, será feito o tratamento de revenido. 8.3 - Fatores de Influência Sempre que fizermos um tratamento térmico, o seu sucesso ou fracasso será determinado por alguns fatores-chave que deverão ser muito bem observados. Um erro de avaliação de um deles fará com que tenhamos