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II Simpósio Estadual de Ensino Pesquisa e Extensão da FBJ, II Encontro Institucional do PROUPE/FBJ e III Encontro Institucional do Pibid/FBJ - ISBN: 978-85-5722-016-4 - 87 - DAS RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E CINEMA: UM OLHAR SOBRE A ADAPTAÇÃO DO ROMANCE ORGULHO E PRECONCEITO *Bárbara Soares da Silva¹, José Sandro dos Santos² ¹Estudante de ID da Faculdade do Belo Jardim – FBJ, ² Pesquisador do Depto. de Letras, FBJ, Belo Jardim/PE Rodovia – PE 166, Km5, Belo Jardim – PE; C.P.: 99 ; CEP: 55150-000; Belo Jardim- PE – Brasil INTRODUÇÃO Para a maioria das pessoas falar de adaptação cinematográfica pode ser até fácil, pois se diz logo que os roteiristas apropriam-se da história e a desordenam. Sendo assim, o leitor-espectador espera não ver um filme, mas sim uma versão audiovisual do livro sem nada a tirar ou a acrescentar. Para muitos leitores e críticos a produção deve ser fiel à obra literária captando todos os elementos da narrativa, mas isso pode depender de muitos fatores. A transposição de uma obra escrita para a audiovisual é muito mais complexa, visto que existe uma mudança de linguagem. O trabalho a seguir tem a pretensão de relacionar as diferenças entre a linguagem literária e a cinematográfica, exemplificando e indicando que apesar de existirem mudanças nos signos, essas duas formas de linguagem se interligam e conversam entre si, assim o trabalho objetiva proporcionar um maior entendimento da questão e esclarecer o termo “fidelidade”, procurando desmistificar a teoria de que o livro é sempre melhor que o filme. Nesse sentido, o trabalho traz uma pequena análise do livro Orgulho e Preconceito paralelamente a uma de suas muitas adaptações para o cinema. METODOLOGIA A presente pesquisa buscou examinar o processo de adaptação através de estudos comparativos e dialógicos entre literatura e cinema seguindo um percurso de caráter bibliográfico e interpretativo. Nesse sentido cumpriram-se as seguintes etapas: Seleção das referências e fonte bibliográficas; Leituras dos textos críticos e teóricos; Leitura da obra da autora; Análise da adaptação; Análise geral dos resultados. Assim, analisou-se os textos, as suas relações internas e externas, a partir dos elementos simbólicos textuais, procurando compreender e relacionar seus pontos divergentes. Para tanto, verificou-se como fontes principais de pesquisa os estudos feitos por BAZIN (1943), PERISSÉ (2014), BAKHTIN (1997) e seu dialogismo, as divisões cinematográficas estabelecidas por ANDREW (1984), os estudos organizados sobre cinema por MASCARELLO (2006), as percepções de FIGUEIREDO (2010) e FIELD (2011) sobre o cinema, as pesquisas sobre a identidade feminina nas obras de Austen por ZARDINI (2013) e o olhar de AZERÊDO (2012) sobre a prática narrativa de Jane Austen. RESULTADOS E DISCUSSÃO Quando falamos sobre um livro que foi adaptado para cinema ou televisão, sempre ficamos entusiasmados, principalmente quando a obra já é conhecida, mas junto com este entusiasmo surgem também alguns questionamentos, sempre relacionados à “fidelidade” da adaptação à obra. A Literatura conta com a própria visão de cada leitor que poderá fazer interpretações singulares a cada leitura, enquanto no cinema a interpretação já vem feita, através da visão do roteirista que a adequa ao mercado e ao público que deseja II Simpósio Estadual de Ensino Pesquisa e Extensão da FBJ, II Encontro Institucional do PROUPE/FBJ e III Encontro Institucional do Pibid/FBJ - ISBN: 978-85-5722-016-4 - 88 - alcançar. É importante salientar que em uma obra literária, um segundo de ação prática pode se desenrolar por cem páginas, visto que o autor lança mão de descrições minuciosas acerca dos sentimentos do personagem, do estado físico em que se encontra, etc. Em um filme, um segundo de ação prática significa um segundo de ação prática. Assim, para que as emoções sejam despertadas nos consumidores de uma obra, o cineasta pode utilizar trilha sonora, imagens tocantes e atuações expressivas. Algo que pode transformar um não leitor em um amante da obra. É exatamente aí que está o ponto chave da adaptação, que não procura somente alcançar os já conhecedores da obra, mas almeja trazer para si um público muito maior a ser telespectador do seu show. Para a escritora FIGUEIREDO (2010), existe um eterno diálogo entre cinema e literatura independente do fenômeno de adaptação ou de transposição de obras de um meio de comunicação para outro. Por outro lado, enfatiza que, na atualidade, o cinema tem servido cada vez mais à divulgação da literatura. “Hoje, mal o livro é publicado, já está nas telas”. Numa primeira aproximação, não há como negar que a relação entre cinema e literatura está fundamentada a partir do roteiro do filme. O roteiro é, essencialmente, um elemento literário que precede a construção cinematográfica, apresenta a linha argumentativa e dramática do filme e funciona como um norteador para o trabalho a ser realizado. Mas uma relação muito estreita entre essas artes é a narrativa que só se diferencia no uso do espaço e do tempo nas duas formas. O romance, alerta MITRY, (apud Brito, 2006, p.146), “é uma narrativa que se organiza em mundo, o filme um mundo que se organiza em narrativa”: Livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar, que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro. (XAVIER, 2003, p. 62) Entende-se assim que, adaptar não é simplesmente transformar o romance em um roteiro cinematográfico, não podendo ser classificada como fiel ou infiel, trata-se da interpretação particular do roteirista sobre o que a obra fala, influenciado pelo seu contexto histórico e cultural. Mesmo que determinada passagem do livro seja narrada com riqueza em detalhes, cada leitor interpretá-la-á de uma forma distinta e acrescentará características particulares de sua imaginação, assim como o roteirista. É exatamente aí que está o ponto chave da adaptação, ela não procura somente alcançar os já conhecedores daquela forma literária, mas almeja trazer para si um público muito maior a ser telespectador da sua representação. Dessa forma, Em vez de fidelidade, intertextualidade; em vez de reverência ao cânone e ao clássico, a incorporação também do contexto de cultura de massa; em vez da hierarquização entre artes e da ênfase no significado “original”, a valorização da criatividade advinda do diálogo e da confluência entre diferentes linguagens. (AZERÊDO, 2012, p. 139) Sendo a narrativa o elo de ligação entre o texto literário e o roteiro cinematográfico, podemos estabelecer uma inter-relação entre ambos partindo do pressuposto de que não se julga um filme pelo livro ou vice-versa, mas que a nova obra mantém uma relação de diálogo com sua antecessora criando uma relação de ambiguidade, pois a nova possui traços da obra original com características próprias e inovadoras. Assim pode-se dizer que concordamos com as palavras de Bakhtin, quando diz que: Qualquer coisa criada se cria sempre a partir de uma coisa que é dada (a língua, o fenômeno observado na realidade, o sentimento vivido, o próprio sujeito falante, o que é já concluído em sua visão do mundo etc.). O dado se transfigura no criado. (BAKHTIN, 1979, p. 348) Outrossim, com o intuito de respeitar as especificações da linguagem cinematográfica, vários teóricos substituíram o termo “fidelidade” por outras denominações. Assim, DUDLEY ANDREW (1984), teórico do cinema americano, subdividiu as adaptações em: empréstimos, onde o adaptador está esperando ganhar II SimpósioEstadual de Ensino Pesquisa e Extensão da FBJ, II Encontro Institucional do PROUPE/FBJ e III Encontro Institucional do Pibid/FBJ - ISBN: 978-85-5722-016-4 - 89 - credibilidade com seu trabalho com o prestígio de um título já conhecido; interseção, na qual a singularidade do texto original é preservada a tal ponto que é intencionalmente deixado assimilado na adaptação e Sources (fidelidade de transformação), é a que contém mais resistência de aceitação de muitas pessoas, pois permite a maior quantidade de interpretação do adaptador. Há séculos, leitores e espectadores sofrem com a trama vivida por Elizabeth e Darcy, os quais parecem impossibilitados por uma série de fatores sociais de se entregar ao amor que sentem um pelo outro. Orgulho e Preconceito é um filme britânico de 2005, do gênero drama, dirigido por Joe Wright e com roteiro baseado no livro homônimo de Jane Austen, com adaptação de roteiro de Deborah Moggach. O filme acompanha a história de cinco irmãs de uma família inglesa de aristocratas rurais lidando com questões de casamento, moralidade e preconceito. O roteiro do filme, de acordo com as divisões de Andrew, pode ser classificado como uma interseção, tendo como ponto característico dessa categoria os diálogos, que permanecem idênticos aos da obra literária, desde pequenas falas, que poderiam ser descartadas, até as falas mais esperadas, tais como o pedido de casamente de Darcy a Lizzy, embora tenha recebido mudanças em relação ao ambiente onde algumas cenas se desenrolam. A primeira mudança surge logo na cena de abertura do filme, onde Elizabeth caminha lentamente, lendo um livro que traz nas mãos, pelo campo próximo a sua casa. Através dessa cena, que não está presente no livro, percebemos como Lizzy distingue-se das outras moças do seu século. Segundo RAGO (1897), a instrução, especificamente no século XIX, é como uma arma privilegiada da libertação, de modo que a mulher se conscientize de seus direitos pessoais e, ainda, possibilite a instrução de seus próprios filhos, ajudando a impedir que estes sejam depois vítimas do injusto sistema social no qual vivem. Durante o filme ocorre a eliminação de vários personagens de apoio, embora essa não seja uma mudança significativa, pois não altera em nada a história. Fica claro tanto no livro quanto no filme a distração do tema mais importante, onde grande parte da trama nos direciona ao romance entre Jane e Bingley, tudo isso graças à interferência da sra. Bennet, quando na verdade a história está relacionada a Lizzy e Darcy. Os roteiristas mudaram várias cenas para locais mais românticos ou mais interessantes que os do livro. Outra diferença ocorre quando Darcy pede Elizabeth em casamento, além da mudança de ambiente, tanto no livro quanto no filme Lizzy é pega de surpresa pela declaração de Darcy e em ambos os momentos ela está bastante chateada; contudo no livro, enquanto ele faz o pedido, o narrador retoma em flashback motivos que levá-la-iam a negá-lo, enquanto no filme o cineasta não possui desse artifício. Na mesma cena podemos perceber o quanto Darcy está nervoso, não pelo fato de imaginar ser negado, mas por ter que, ele mesmo, negar suas convicções; no livro isso pode ser observado, por seu comportamento de vai e vem na sala, sua fisionomia assustada e, claro, pela intervenção do narrador ao expor a sua subjetividade. Já no filme, o cineasta traz um hábito comum em situações de estresse e pressão: ele fala muito rápido. Naquele momento, o espectador mantem-se tenso pela expectativa assim como o leitor, e a fisionomia de Lizzy de “Oh, o que eu fiz? Por favor, volte!”, após recusá-lo, foi a mesma do leitor. Outra forma diferenciada, mas bastante clássica foi a aparição da tia de Darcy na casa dos Bennet; enquanto no livro ela aparece pela manhã, na adaptação ela aparece à noite, é bem óbvio isso, porque bruxas só aparecem em meio à escuridão. No filme, o segundo pedido ocorre ao amanhecer, como forma de representação da nova jornada das personagens; enquanto no livro ocorre à luz do dia. O filme termina com o consentimento do Sr. Bennet ao casamento, cortando então o último capítulo do livro, que resume a vida de Darcy e dos outros personagens principais durante os anos seguintes. CONCLUSÃO O diálogo entre as artes da Literatura e do Cinema é constante e isso não deve ser considerado algo ruim, embora tenham linguagens diferentes e o público não seja exatamente o mesmo. Entende-se, pois, que o mundo dos livros e dos filmes é diferente, logo uma releitura é necessária para se produzir algo que vem da escrita apenas para a fílmica. Embora não agradando a todos, as adaptações ainda continuarão sendo fortes no cinema, II Simpósio Estadual de Ensino Pesquisa e Extensão da FBJ, II Encontro Institucional do PROUPE/FBJ e III Encontro Institucional do Pibid/FBJ - ISBN: 978-85-5722-016-4 - 90 - atraindo fãs para uma história literária que muitos não conheciam. O melhor a ser feito é manter-se receptivo a experiências interessantes de leitura que resultem em adaptações, sendo necessário compreender desde o início que: o que o leitor entendeu não é o que está no livro, mas o que sua consciência decodificou e assim outras trarão outros resultados, os quais não poderão ser rotulados como bons ou ruins, mas sim como novos olhares, é como ver a mesma imagem por ângulos diferentes, ela terá o mesmo significado, embora apareça em uma outra óptica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDREW, Dudley. Concepts in Film Theory. Oxford: Oxford University Press, 1984, p. 98 – 100 AUSTEN, Jane. Orgulho e Preconceito, Tradução de Rodrigo Breuning.-1. Ed. –Porto Alegre, RS: L&PM, 2013. AZERÊDO, Genilda. Estudos Comparados: Análises de Narrativas Literárias e Fílmicas. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB.2012, p. 139. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BRITO, João Batista de. Literatura no Cinema. São Paulo, UNIMARCO, 2006 RAGO, Margareth. Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar. Brasil: 1980-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 XAVIER, Ismail. Do texto ao filme: a trama, a cena e a construção do olhar no cinema. In: Pellegrini, Tania et alii. Literatura, cinema, televisão. São Paulo: Senac/ItaúCultural.2003 FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Ensaio.1. Ed. – Rio de Janeiro, 2010. FILMOLOGIA Orgulho e Preconceito. Direção: Joe Wright. Inglaterra, 2005. (1h57min)
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