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cinema e literatura Primo Basílio Eça de Queiroz

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35 
RESUMO
O presente trabalho propõe uma análise comparativa acerca das relações entre literatura e cinema com base no romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós e o filme homônimo do diretor Daniel Filho. Neste sentido o objetivo deste trabalho é traçar algumas considerações acerca das semelhanças e diferenças entre essas diferentes visões, apontando pistas dessa relação distinta e reconhecendo cada obra como uma linguagem única. A partir daí buscou-se apresentar aspectos da adaptação cinematográfica, salientando como caracterizam cada linguagem e de que maneira ocorre a intertextualidade da passagem do texto para a tela. Para isso, discutem-se os elementos estruturais das narrativas, deixando claro que se trata de textos diferentes entre si. Desta forma, a análise apresenta as necessárias mudanças que ocorrem na transmutação da narrativa literária para a narrativa cinematográfica.
Palavras-chave: Literatura. Cinema. O Primo Basílio.
	
 
ABSTRACT
The present paper proposes a comparative analysis about the relationship between literature and cinema, based on the novel O primo Basílio, from Eça de Queirós, and the homonymus film, from the director Daniel Filho. The purpose of this paper is to plan some reflections about the similarities and the differences between these different visions, showing tracks of this distinct relationship and recognizing each work as a unique language. We investigate aspects of cinematographic adaptation, emphasizing how the characteristics of each language is and how the intertextuality occurs from the text to screen. We discuss the components of the narrative line, showing that each texts are different between itself. As a result, the analysis shows the necessary changes that occur in the transposition of the literary narrative to the cinematographic narrative.
Keywords: Literature. Cinema. O primo Basílio.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 9
 1 ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA................................................................. 12
2 INTERTEXTUALIDADE........................................................................................ 15
3 OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA....................................... 18
4 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA LITERÁRIA............................... 23
5 ANÁLISE................................................................................................................... 25
CONCLUSÃO............................................................................................................... 36
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA............................................................................ 38
 
INTRODUÇÃO
 Este trabalho pretende traçar algumas considerações acerca das semelhanças e diferenças entre a obra literária O Primo Basílio, publicada por Eça de Queirós em 1878, e a adaptação cinematográfica homônima do diretor Daniel Filho, produzida em 2007.
 O trabalho divide-se em cinco partes. A primeira parte irá se preocupar em tratar da questão da adaptação cinematográfica. 
 Procuraremos primeiramente, notar a relação entre cinema e literatura como uma relação dialógica, pois ambas são consideradas formas de manifestação artística e possuem características próprias.
 O dinamismo e as inúmeras possibilidades de criação e transformação que ocorrem entre cinema e literatura já foram provadas diversas vezes; quem nunca foi ao cinema e pode constatar as semelhanças e as mudanças ocorridas em uma produção adaptada?
 Por este motivo, o primeiro capítulo tentará discutir a incontestável relação entre as duas formas de manifestação artística, tentando deixar claro que apesar das semelhanças, uma obra adaptada nunca será igual a uma obra literária, pois como diz Randal Johnson no ensaio “Literatura e Cinema, Diálogo e Recriação: O caso de Vidas Secas”:
A insistência na “fidelidade” – que deriva das expectativas que o espectador traz do filme, baseadas na sua própria leitura do original – é um falso problema porque ignora a dinâmica dos campos de produção cultural nos quais os dois meios estão inseridos.Enquanto um romancista tem à sua disposição a linguagem verbal, com toda a sua riqueza metafórica e figurativa, um cineasta lida com pelo menos cinco materiais de expressão diferentes: imagens visuais, a linguagem verbal oral (diálogo, narração e letras de música), sons não verbais (ruídos e efeitos sonoros),músicas e a própria língua escrita (créditos, títulos e outras escritas).Todos esses materiais podem ser manipulados por diversas maneiras. A diferença básica entre os dois meios não se reduz, portanto, à diferença entre a linguagem escrita e a imagem visual, como se costuma dizer. Se o cinema tem dificuldade em fazer determinadas coisas que a literatura faz, a literatura também não consegue fazer o que um filme faz (JOHNSON in: PELLEGRINI, 2003, p. 43).
 Desta maneira, este trabalho não levará em consideração em seu corpus questões referentes à fidelidade, pois pensamentos que tentam estabelecer limites e regras para a criação cinematográfica ignoram o diálogo presente entre esses dois sistemas semióticos, que possuem linguagens e características distintas, sendo, portanto inútil querer unir essas duas visões.
 Ao nosso ver é inevitável que um filme adaptado consiga transmitir todos os dados da linguagem verbal, por isso tentaremos, neste primeiro capítulo, mostrar que cada linguagem possui suas características e devem ser julgadas dentro do campo semiótico ao qual pertencem.
 O segundo capítulo voltar-se-á ao aspecto da intertextualidade. Discutiremos que uma obra adaptada tendo, obviamente, como base para sua elaboração uma outra obra já fica construída como uma produção que possui um diálogo intertextual.
 Por este motivo iremos mostrar que a obra fílmica pode criar uma nova modelagem que, consequentemente, pode ser transformada, ainda mais tratando-se de uma outra semiótica.
 Desta forma, mostraremos que a relação entre literatura e cinema pode ser analisada como qualquer outra relação intertextual.
 Assim, o objetivo deste trabalho é traçar algumas considerações acerca das semelhanças e diferenças entre essas diferentes visões, e iremos procurar pistas dessas relações distintas, reconhecendo cada obra como uma linguagem única para que possamos notar a intertextualidade.
 Realizaremos, em seguida no terceiro capítulo, um estudo sobre os elementos estruturais da narrativa.
 Nesta parte apresentaremos o eixo comum entre a linguagem cinematográfica e a literária, ou seja, abordaremos os elementos estruturais básicos de toda narrativa: tempo, espaço, personagens, foco narrativo, narrador e enredo. 
 A partir desses elementos básicos apresentaremos um breve comentário sobre cada um deles, levando em consideração a especificidade do campo semiótico, pois cada meio apresenta essas estruturas de modo diverso. Teremos esses elementos como base para o corpus deste trabalho.
 Em seguida, no último capítulo teórico, abordaremos uma breve contextualização acerca da produção literária. Tentaremos mostrar que apesar das obras possuírem enredo semelhante, não significa que o livro de Eça de Queirós dentro de seu contexto de produção tenha a mesma função que o filme produzido em 2007.
 De forma breve, pontuaremos uma contextualização acerca da época em que foi produzido o romanceO Primo Basílio (1878).
 Para nosso estudo analítico, por fim, a visão adotada foi a da comparação; assim analisaremos basicamente os elementos estruturais para deixar claro que trata de textos diferentes entre si, pois este trabalho pretende tratar cada obra como um todo acabado, voltando nossa atenção para as relações tanto de semelhança quanto de diferenças que estão ali presentes.
1. ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
 Não há dúvidas que cinema e literatura possuem uma vasta ligação, pois ambas são formas já consagradas de manifestação artística que estabelecem comunicação e, de certa forma, transmissão de cultura. Entretanto, é importante lembrar que cada linguagem possui sua propriedade, já que tanto o cinema quanto a literatura se inserem dentro de sistemas semióticos diferentes.
 Sabe-se, porém, que quando o assunto é adaptação literária, sempre aparecem julgamentos superficiais referentes à insistência na “fidelidade”, ou até mesmo estabelecendo uma hierarquia entre cinema e literatura.
 Uma adaptação é o resultado de um texto fílmico em que o espectador pode reconhecer a obra original mesmo que ocorra uma transformação decisiva. Haja vista que são campos de produção cultural distintos; julgar um filme como bom ou ruim por não ter sido fiel ao livro não faz muito sentido, de acordo com Randal Johnson em seu ensaio “Literatura e Cinema, Diálogo e Recriação: O caso de Vida Secas”, quanto à fidelidade, afirma que:
A insistência na “fidelidade” – que deriva das expectativas que o espectador traz do filme, baseadas na sua própria leitura do original – é um falso problema porque ignora a dinâmica dos campos de produção cultural nos quais os dois meios estão inseridos.Enquanto um romancista tem à sua disposição a linguagem verbal, com toda a sua riqueza metafórica e figurativa, um cineasta lida com pelo menos cinco materiais de expressão diferentes: imagens visuais, a linguagem verbal oral ( diálogo, narração e letras de música ) , sons não verbais ( ruídos e efeitos sonoros ) , músicas e a própria língua escrita ( créditos, títulos e outras escritas ) . Todos esses materiais podem ser manipulados por diversas maneiras. A diferença básica entre os dois meios não se reduz, portanto, à diferença entre a linguagem escrita e a imagem visual, como se costuma dizer. Se o cinema tem dificuldade em fazer determinadas coisas que a literatura faz, a literatura também não consegue fazer o que um filme faz (JOHNSON in: PELLEGRINI, 2003, p. 43).
	
 Desta forma, trata-se de outra realidade, outro código semiótico. Pensar, portanto em fidelidade não seria um fator relevante de julgamento de uma adaptação, pois a obra cujo filme utilizou para adaptar serviu somente como base, como um processo de criação e por que não também de transformação? Se um filme se manteve próximo ou afastado da obra literária esta foi a condição a qual os meios de produção para aquele cineasta lhe pareceram melhor, como diz Anna Maria Balogh (2004, p. 53) “O filme adaptado deve preservar em primeiro lugar sua autonomia fílmica, ou seja, deve-se sustentar como obra fílmica, antes mesmo de ser objeto de análise como adaptação”.
 A obra literária e a obra fílmica, evidentemente, possuem pontos de intersecção claros, todavia ao relacionar uma adaptação com uma obra seria mais relevante e mais produtivo pensar nas teorias de Bakhtin sobre a linguagem, ou pensar em semiótica, dialogismo; não em querer unir campos artísticos diferentes como a literatura e o cinema.Ainda nas palavras de Anna Balogh:
Na prática, reconhece como adaptado o filme que conta a mesma história do livro no qual se inspirou, ou seja, a existência de uma mesma história é o que possibilita o reconhecimento da adaptação por parte do destinatário (BALOGH, 2004, p. 55).
 Ou seja, na adaptação o que é necessário é um reconhecimento, que haja pelo menos algum ponto em comum, que instaure alguma lembrança para o espectador, uma outra voz; tudo isso é claro se o destinatário tiver uma carga cultural anterior, pois, geralmente, o que ocorre é o “inverso”, primeiro há um espectador e, posteriormente, um leitor, mas mesmo este fator não julga o valor de um filme ou de um livro.
 Além disso, a adaptação é uma visão de determinado cineasta para determinada obra, trata-se de uma recriação, uma das leituras possíveis de um livro. Cada obra literária pode despertar um número ponderável de leituras e, portanto, de possibilidades de adaptação. É um processo de criação do cineasta, não do autor do livro, são textos desiguais. Assim como cada espectador vai entender de maneira diferente um filme, haja vista que cada pessoa tem um determinado conhecimento de mundo.
 Há, portanto, um diálogo estabelecido entre a obra literária e a obra cinematográfica, todavia não um diálogo em questões sobre fidelidade, mas sim referente à intertextualidade, entre o dialogismo intertextual. De acordo com a tipologia proposta por Roman Jakobson (1969, pp. 64-65) à adaptação seria uma “tradução intersemiótica ou transmutação que consiste na interpretação dos signos verbais por meio de signos não verbais”. 
 Ou seja, de maneira simples: a passagem da palavra para a imagem. E isso é uma forma de relação intertextual seja explícita ou não explícita. De acordo com a teoria de Bakhtin todas as manifestações humanas estão em diálogos com outras manifestações humanas, sejam elas quais forem, portanto não só as relações entre cinema e a literatura, mas também cinema e música, cinema e pintura, literatura e pintura, pintura e teatro etc., estão em dialogismo mesmo que tratem de linguagens diferentes e isso mostra a razão quando se vai de um sistema a outro, há uma mudança necessária de valores significantes.
2. INTERTEXTUALIDADE
 A transposição de obras literárias para a formação de uma obra cinematográfica é um processo dinâmico e que envolve transformações inevitáveis, haja vista que são linguagens diferentes. Esse processo é produto de uma determinada visão sobre o texto que o cineasta tomou como ponto de partida, deste modo a adaptação provém das interpretações de uma equipe de produção que transforma o texto literário de forma a adequá-lo à linguagem cinematográfica, sendo assim a adaptação é vista como um novo texto e consequentemente como uma recriação.
 Dessa forma, ao ver o filme adaptado temos a maneira que o cineasta considerou mais adequada para mostrar a sua intenção, podendo conduzi-la de seu modo, ou seja, como trata-se de uma nova ótica interpretativa, o texto adaptado pode apresentar características diferentes relacionando com o conteúdo do livro, o cineasta adapta a seu próprio estilo, pois tem sua liberdade de criação. De acordo com Ismail Xavier em seu ensaio “Do Texto ao Filme: A trama, a cena e a construção do olhar no cinema”:
A interação entre as mídias tornou mais difícil recusar o direito do cineasta à interpretação livre do romance ou peça de teatro, e admite-se até que ele pode inverter determinados efeitos, propor outra forma de entender certas passagens, alterar a hierarquia dos valores e redefinir o sentido da experiência das personagens. A fidelidade ao original deixa de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova experiência que deve ter sua forma, e o sentido nela implicados, julgados em seu próprio direito. Afinal, livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e cineasta não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo é a identificação com os valores nele expressos (XAVIER in: PELLEGRINI, 2003, pp. 61-62).
 Em outras palavras, o cineasta dentro de seu campo estético tem a possibilidade de transformar, recriar ou manter algumas características do texto base e como sujeito criador pode sentir-se livre para inventar, pois o texto literário é o pontode partida para a criação cinematográfica não o de chegada, assim, mesmo utilizando uma linguagem diferente, o filme adaptado consegue alguns efeitos similares ao texto de origem. E pelo fato de o cinema ter características diversas e específicas, assim como a literatura e outras manifestações artísticas, nunca existirá uma adaptação exata, porque como já foi dito, trata-se de sistemas semióticos distintos.
 Posto isto, fica claro que pensar em adaptação não é pensar em uma linguagem que reproduz o livro, pois apesar de cinema e literatura possuírem pontos em comum, a linguagem cinematográfica possui seus próprios recursos, diferentes dos recursos utilizados pela linguagem verbal. Por esse motivo, ao ver o filme não devemos anular a leitura do livro, e esse nem é o papel do cinema, embora muitos leigos tenham esse tipo de pensamento; o certo, entretanto, é considerar cada obra de forma completa e com características próprias, e como possuem um diálogo mostrar de que maneira se estabelece o jogo intertextual entre essas linguagens.
 Sob o aspecto de adaptação como diálogo intertextual, é mister citar o ensaísta José Luiz Fiorin (1999, p. 30) que define intertextualidade como “um processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transforma-lo”. Assim, a transmutação de obras literárias para obras cinematográficas são formas de intertextualidade, pois o filme adaptado é produzido com base em um livro, ou seja, com base em outro texto; isso prova mais uma vez que esse novo texto pode e deve criar uma nova modelagem, que pode ser, como diz Fiorin, transformado, ainda mais se tratando de uma outra semiótica.
 Nessa perspectiva a relação cinema – literatura seria analisada como qualquer outra relação intertextual.
É muito mais produtivo, quando se considera a relação entre literatura e cinema, pensar na adaptação, como quer Robert Stam, como uma forma de dialogismo intertextual, ou como quer James Naremore, que vê a adaptação como parte de uma teoria geral da repetição já que narrativas são de fato repetidas de diversas maneiras e em meios artísticos e culturais distintos (o romance Macunaíma, por exemplo, já foi transformado em enredo de escola de samba, filme, peça teatral, e em uma forma cinematográfica metadiscursiva, tornando-se parte de uma mitologia cultural nacional); ou como Darlene Sadlier, que propõe levar em consideração as circunstâncias históricas culturais e políticas da adaptação, ou ainda como José Carlos Avellar, com a metáfora do desafio dos cantadores do Nordeste, que improvisam livremente em torno de um determinado tema (JOHNSON in: PELLEGRINI, 2003, pp.44-45).
 Randal Johnson consegue mostrar alguns estudiosos que compartilham visões semelhantes seja como intertextualidade, seja como forma de repetição, ou circunstancias de produção ou ainda como ato de liberdade por parte da criação, todas essas relações são pertinentes, pois vêem o cinema como um novo pólipo interpretativo que dialoga com o livro base.
 Por isso que análises fílmicas com base na fidelidade não são fatores aqui, neste trabalho, levadas em consideração, pois pensamentos que exigem fidelidade por parte do cineasta ignoram a proposta intertextual, pois querem, por exemplo, igualdade entre Macunaíma (1928) de Mário de Andrade com Macunaíma (1969) de Joaquim Pedro de Andrade, sendo que o cineasta optou por uma interpretação cômica do romance para que novos sentidos fossem apresentados de forma à atender a especificidade cinematográfica, e para que fosse enfim um novo texto.
 Adaptação, nesse sentido dialógico, não busca ser uma mera cópia de uma obra literária, mas sim mostra uma outra forma de manifestação artística. De acordo com Fiorin:
Intertextualidade deveria ser a denominação de um tipo composicional de dialogismo: aquele que há no interior do texto duas materialidades lingüísticas, de dois textos. Para que isso ocorra, é preciso que um texto tenha existência independente do texto que com ele dialoga (FIORIN, 2006, p. 52-53).
 Assim o livro O Primo Basílio (1878) possui uma relação intertextual com o filme homônimo, pois encontram-se duas materialidades: o livro de Eça de Queirós e o filme de Daniel Filho. Ademais, o filme de Daniel Filho tem existência independente do texto eciano.
 Sendo assim, a análise desta adaptação não será feita em sentido de fidelidades, em pensar que o filme está substituindo o livro, mas sim levando em consideração os sentidos que o cineasta desejou utilizar o livro, apontar as relações, a maneira que se aproximam e que se mantêm diferentes, procurar pistas dessas visões distintas e de que maneiras elas foram apresentadas e os motivos para tais mudanças, reconhecendo o valor de cada obra como uma construção única, e não como uma imitação, para que enfim se possa notar o dialogismo intertextual entre esses meios.
3. OS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA NARRATIVA
Uma obra literária e um filme tem em comum sua condição de relato ou narração dos acontecimentos reais ou fictícios, encadeados de acordo com uma lógica, localizados em um espaço e protagonizados por uns personagens, que se caracteriza por possuir um começo e um final, diferencia-se do mundo real, é contado desde um tempo e refere-se a esse ou a outro tempo, etc (NORIEGA, 2000, p.82, tradução nossa).[footnoteRef:1]1 [1: 1 “Una obra literaria y un filme tienem em común su condición de relato o narración de unos sucesos reales o ficticios, encadenados de acuerdo con una lógica, ubicados en un espacio y protagonizados por unos personajes, que se caracteriza por poseer un principio y un final, diferenciarse del mundo real, ser contado desde un tiempo y referirse a ése o a otro tiempo, etc.”] 
 O que o estudioso José Luiz Sanchez Noriega se refere no livro “De la Literatura al Cine” é a respeito das equivalências entre as linguagens cinematográfica e literária, pois ambas apresentam como eixo comum os elementos estruturais básicos de toda narrativa, ou seja, tanto a obra cinematográfica quanto a obra literária possuem elementos como: tempo, espaço, personagens, foco narrativo, narrador e enredo.
 Dessa forma, toda narrativa é feita a partir de um determinado tempo, localizada em um determinado espaço, representada por certos tipos de personagens, que é contado sob certa perspectiva e que compõem, conseqüentemente, a organização de um enredo. Sendo que cada meio apresenta essas estruturas de modo diverso, pois irá agir de acordo com a dinâmica de seu campo, obviamente.
 A partir desses elementos estruturais da narrativa, procurou-se traçar um breve comentário sobre cada um desses elementos de acordo com a especificidade do campo semiótico.
 A primeira questão a ser tratada refere-se ao aspecto temporal. O tempo é percebido de modo diferente na literatura e no cinema.
 A literatura pode apresentar a passagem do tempo cronologicamente, e também pode apresentar de forma não-linear. O primeiro caso refere-se àquela passagem onde se revela uma ordem lógica para os fatos narrados, podendo fazer referências a horas, meses, anos. O segundo caso são aqueles que não seguem uma ordem cronológica, há uma subversão nos acontecimentos, podendo ocorrer a analepse, ou seja, uma quebra no percurso temporal. Caso recue os acontecimentos ao passado ocorre o flashback, caso antecipe os acontecimentos futuros ocorre o flashforward, ou prolepse.
 No cinema o flashback é apresentado, de maneira geral, com a mudança de cor na imagem, seja preto e branco, seja com borrões, enfim apresenta uma maneira diferente para que se mostre com mais clareza de que se trata de uma quebra na linha temporal.
 O flashforward também apresenta essas características na imagem, entretanto quando se projeta para o futuro pode significar muitas vezes, algum desejo da personagem, algum sonho etc.
 Na linguagem verbal, a prolepse pode aparecer para provocar suspense, dar a narrativa alguma dramaticidade, fatalidade, ansiedade etc.
 É importante notar também,que o tempo no cinema é sempre relacionado a um espaço, assim quando há uma deslocação temporal há uma deslocação espacial.
[espaço] o qual perde sua qualidade estática, tornando-se ilimitadamente fluido e dinâmico, adquirindo uma dimensão temporal que repousa na sucessividade descritiva, e/ou narrativa; deixando de ser espaço físico homogênico e fixo, [...] assume a heterogeneidade do movimento do tempo que o conduz (PELLEGRINI, 2003, p. 22, grifo nosso).
 Assim, o tempo e o espaço no cinema estarão sempre relacionados, unidos, o diretor quando deseja mostrar um flashback, por exemplo, terá que deslocar o espaço, consequentemente.
 O espaço também possui características diferentes na literatura e no cinema. Em qualquer obra literária, o espaço é apresentado a partir das descrições que o escritor constrói para formar a ambientação de acordo com suas intenções. 
 O narrador pode apresentar o espaço explicitamente – quando utiliza adjetivos, nomes de objetos conhecidos que servem para o leitor fazer a comparação com a sua realidade física; pode ser implicitamente – quando a descrição é feita a partir de associações entre imagens mentais – pode ser diretamente com descrições do próprio narrador e também pode ser indiretamente com descrições da própria personagem.
 A narrativa literária irá sempre trabalhar com a mente, assim vai ser a partir do material verbal do narrador e de suas intenções que o leitor irá imaginar uma determinada realidade, ou seja, a literatura desfruta de um forte poder na construção da ambientação e já que o leitor terá sempre que usar a imaginação, o espaço vai ser sempre algo abstrato e interpretativo, haja vista que é construído dentro das perspectivas de cada leitor.
 O aspecto espacial no cinema terá caráter concreto, pois as descrições já estarão sendo projetadas na tela. As imagens projetadas já nos mostram o espaço que estamos e isso, diferente do texto literário, limita a criatividade interpretativa do espectador, pois já vai estar lá revelado na tela, entretanto, pode existir assim como na literatura uma simbologia por de trás daquela imagem mostrada, entretanto a ideia aqui apresentada diz a respeito da imagem fílmica propriamente dita e sua proporção de imagem concreta.
 A apresentação das personagens é mais um aspecto a ser notado nos dois campos. A personagem literária é caracterizada através das palavras (palavras do próprio personagem, palavras de referência a determinado personagem, palavras escritas pelo narrador etc.).
 Conhecemos as personagens também por meio de suas ações - se é imprevisível, se age de modo previsível, conhecemos pela sua complexidade - se é protagonista, antagonista, coadjuvante, oponente enfim há diversas formas de classificar personagens na literatura e como é a capacidade escrita que vai formar a personagem significa que o leitor tem uma maior liberdade de caracterizá-la.
 No cinema o espectador também conhece as personagens por meio de suas ações, diálogos, entretanto as personagens vão ser sempre caracterizadas através da interpretação de um ator e dos procedimentos requeridos para a encenação do papel – maquiagem, vestuário, gestualidade, tom de voz, sexo, idade etc. Assim, a imagem que o espectador terá sobre determinado personagem será aquela que o ator interpretará, em outras palavras, a visualização da personagem será vista mediante as encenações de um ator.
 Nota-se então mais uma grande diferença entre o texto literário e o texto cinematográfico. Na literatura a personagem sempre dará margem para o leitor fazer sua própria caracterização, pois a própria leitura fornecerá os dados internos (psicológicos) e externos (aspectos físicos). Já no cinema conhecemos a personagem mediante as interpretações do ator que se vale do corpo, vestuário, tom de voz, para dar a cena realidade.
 O foco narrativo ou ponto de vista - já que toda história possui um narrador, este tem que assumir um tipo narrativo e essa questão é bem complexa, grosso modo, foco narrativo é o ângulo segundo os fatos são enfocados, brevemente temos - a focalização externa - aquela que o narrador observa de fora os acontecimentos sem conhecer o interior das personagens- a focalização onisciente- aquela que o narrador é capaz de conhecer as emoções e pensamentos internos e externos das personagens - e a focalização interna - aquela que notamos os fatos narrados através das palavras das personagens, a visão de determinada personagem. 
 Assim, a maneira como a história é contada e o ângulo de visão do narrador é caracterizado como foco narrativo.
 Muitos teóricos dividem o modo como a história é contada entre cena e sumário. De acordo com Ismail Xavier:
[...] outra oposição-chave que devo lembrar é aquela entre “narração sumária” e “apresentação cênica”, a qual tem efeito enorme no problema da adaptação. Os primeiros teóricos da questão do “ponto de vista” cunharam tal oposição, distinguindo o gesto do narrador que resume extensões de tempo razoáveis (uma semana, um mês, ou até anos na vida de uma personagem ou de uma sociedade) em poucas páginas ou mesmo frases. Ele nos leva a sobrevoar os acontecimentos que são referidos de forma concisa: alguém nasceu, casou, envelheceu ou morreu; num determinado dia de chuva, o protagonista saiu de casa, fez compras, encontrou amigos e voltou tarde para a casa; uma nova personagem aparece na história e o narrador resume seu passado. Temos aí a narração (ou apresentação) sumária, tão freqüente nos romances. O tempo se contrai, de formas variadas, e interessa apenas a informação sobre o acontecido, sem maiores detalhes. Caso contrario, temos a cena, forma de apresentação detalhada de uma situação específica com unidade de espaço e continuidade de tempo. O que ocorre num determinado lugar é descrito em pormenor de modo a podermos compor uma imagem da interação entre personagens bem identificadas, saber exatamente o que dizem e ter um senso da duração do evento (XAVIER in: PELLEGRINI, 2003, p.72).
 Dessa forma, o sumário ocupa um maior tempo, sendo uma espécie de resumo, ou seja, o tempo narrado é maior que o tempo do discurso. Diferentemente, a cena mostra os fatos com mais precisão, com mais detalhes específicos, dando a impressão que está mostrando os acontecimentos, dá privilegio a um determinado episódio.
 No cinema quem tem a função de narrar e mostrar uma perspectiva de narração é a câmera, é claro que em alguns casos, filmes e minisséries utilizam a presença explícita de um narrador - voz ou personificada- por exemplo, na minissérie Capitu (2008) ou, ainda, em Memórias Póstumas (2001), em que o narrador se dirige diretamente ao espectador para fazer comentários e explicações sobre a narrativa; sendo portando uma personagem-narradora. Entretanto, na maioria das vezes não há este recurso, o que nos permite dizer que a câmera é quem mostra os fatos, tendo a função de foco narrativo, não sendo consequentemente, neutra.
A câmera não é neutra. No cinema não há um registro sem controle, mas, pelo contrario existe alguém por trás dela que seleciona e combina, pela montagem, as imagens a mostrar.E, também, através da câmera cinematográfica, podemos ter um PONTO DE VISTA onisciente, dominando tudo, ou PONTO DE VISTA centrado numa ou várias personagens. O que pode acontecer é que se queira dar a impressão de neutralidade (LEITE, Ligia C. Moraes, 1985, p.62, grifo da autora).
 Assim, Ligia C. Moraes Leite aponta que a câmera tem, assim como um narrador, escolhas ao contar algo, pois consegue mostrar a perspectiva certa para o efeito que deseja produzir. Por exemplo, escolhe o ângulo, a distância, se deseja mostrar do ponto de vista de determinado personagem (subjetiva) mostrando as emoções, os sentimentos, revelando o lado psicológico da personagem para o espectador, ou pode mostrar do ponto de vista objetivo, revelando as cenas de fora, o espectador como testemunha daquilo que vê.
 O enredo, por fim, tanto no cinema quanto na literatura é definido como a maneirade como é apresentada uma história, a organização da trama. Porém, como já vimos, na adaptação o enredo refere-se a um texto base, que possui sua própria especificidade, não sendo, portanto, uma cópia do texto literário e sim, um novo trabalho com uma nova interpretação.
4. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO LITERÁRIA
 Tanto o livro o Primo Basílio (1878) quanto o filme homônimo de 2007, levando em consideração o meio semiótico o qual se inserem, nos contam, de certa forma, a mesma história: o caso de adultério dentro de um lar pequeno burguês, ou seja, ambos livro e filme, criticam as falsas bases de uma das instituições vista como um dos pilares da sociedade.
 O fato das obras possuírem enredo semelhante já faz com que a criação cinematográfica seja considerada uma adaptação.
 É obvio que o livro de Eça de Queirós dentro de seu contexto de produção, não tem simplesmente a função de nos relatar a história da vida de um casal que passam por um caso de adultério, muito pelo contrário, sua intenção era retratar um panorama da sociedade burguesa da segunda metade do século XIX.
 Para podermos observar mais detidamente a intenção de Eça de Queirós, procurou-se pontuar uma breve contextualização acerca da produção literária.
 Conforme dito anteriormente, a narrativa de Eça de Queirós passa-se na segunda metade do século XIX, mais precisamente 1878, época de grandes transformações na Europa, em que se assistia mudanças políticas, tecnológicas e culturais.
 Portugal embora possuísse tendências conservadoras, vivia um período em que cada vez mais, as ideias liberais e democráticas se afloravam.
 Entre os fatos marcantes e que influenciaram as obras do Realismo, podemos destacar: primeiramente o avanço das ciências - biológicas, com a publicação do livro A origem das espécies (1859), de Charles Darwin (1809-1882). Em seguida, o Positivismo, em que visava aplicar a sociologia um caráter científico, para que adquirissem uma análise exata e objetiva dos acontecimentos sociais, de Augusto Comte (1798–1857) e a Teoria Determinista de Hipólito Taine (1828- 1893) cuja ideia central era de que o homem sofria interferência: da raça, do meio e do contexto histórico.
 Com todas essas e outras transformações cria-se em toda Europa uma nova maneira de perceber a vida. O homem aprende a utilizar o conhecimento cientifico. Enxergando o mundo de maneira mais objetiva afasta-se dos pensamentos sentimentalistas e das visões fantasiosas e subjetivistas da realidade.
 Dessa forma, essas transformações serviram de pano de fundo para que os escritores realista-naturalistas, também pudessem interpretar, de maneira geral, o homem de sua época, analisando criticamente a sociedade burguesa como se desejasse provar algo, assim como a ciência faz. Porém, com o intuito de combater os males que esta sociedade tentava esconder: os casamentos de conveniência, o mau-caratismo, a desonestidade, a inveja, o falso moralismo, enfim, analisa minuciosamente e “mostravam-lhe como num espelho, que triste país eles formam”[footnoteRef:2]2, ou seja, tinham o objetivo de descrever uma sociedade fruto de uma má educação, de um meio corrosivo e de uma herança determinante. [2: 2 QUEIRÓS, Eça. O Primo Basílio.Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.] 
 Assim, apesar de o filme o Primo Basílio (2007) também retratar a história de um adultério e de uma empregada que tenta tirar benefícios com tais acontecimentos, não nos permite dizer que a adaptação possua o mesmo caráter didático que o romance realista desejava apresentar.
5. ANÁLISE
 Para analisar a relação entre o livro de Eça de Queirós e o filme de Daniel Filho buscamos, primeiramente observar as semelhanças e diferenças entre as obras em sua composição.
 A partir do título cinematográfico, percebemos que o cineasta manteve o mesmo da obra base, aparecendo logo no início do filme “baseado no romance O Primo Basílio, de Eça de Queirós”, ou também podemos perceber isso até mesmo na capa de encarte do DVD, e isso já instaura uma marca intencional do cineasta em revelar um posicionamento semelhante ao de Eça de Queirós. Além disso, manteve-se o mesmo gênero, o drama.
 Quanto à divisão das obras, percebemos que o romance O Primo Basílio possui dezesseis capítulos não nomeados, já o filme apresenta vinte e quatro capítulos todos com títulos.
 Posto isto, partiremos para os elementos estruturais das narrativas e como eles são notados nas duas obras.
 O primeiro aspecto que a se observar é referente à narrativa.Há uma significante alteração na representação da trama na transposição cinematográfica de O Primo Basílio. 
 Entretanto, julgamos que essa disjunção se justifique, sobretudo pela característica de cada arte, pois vemos a adaptação como uma das leituras possíveis da obra base e que, possivelmente, desejou-se mostrar ao espectador que apesar de as histórias passarem em épocas e lugares diferentes, as situações e o drama das personagens poderiam ser vivenciados na realidade de qualquer época e em qualquer localidade, provando a relevância e a atemporalidade do tema abordado por Eça de Queirós. 
 Enquanto a narrativa do livro passa-se na Lisboa de 1878, o filme traduz a narrativa para a cidade São Paulo de 1958.Época de grandes mudanças na história de país e que o cineasta Daniel Filho pode trazer algumas delas para a tela.
 Logo no início do filme aparece todo o luxo do Teatro Municipal de São Paulo, ambiente que na época era frequentado por pessoas de classe alta. Nele encontra-se Sebastião e logo Luísa e Jorge entram de mãos dadas, todos os presentes estão vestidos formalmente para assistirem a um espetáculo de ópera.
 Quando Sebastião, Jorge e Luísa sentam-se antes de o espetáculo começar, Luísa pega um binóculo e olha para a parte superior do auditório. A câmera focaliza mulheres bem vestidas, com colares e brincos elegantes como se fosse a visão de Luísa que depois olha para o outro lado na parte superior e a câmera enfoca então a grandiosidade e beleza do teatro municipal de 1958, já inserindo o espectador ao ambiente formal que as personagens freqüentam. Essa realidade social deseja talvez, mostrar os mesmos efeitos do livro, uma vez que a obra literária também introduz o leitor aos costumes burgueses.
 Em seguida, aparecem outras marcas da atualização do enredo do romance. Ainda no teatro municipal as personagens conversam sobre a nova capital, que na época passava do Rio de Janeiro para Brasília. Jorge como engenheiro estava em breve indo trabalhar neste novo projeto do então presidente Juscelino Kubitschek.
 Há referências também à copa de mundo de 1958, na qual a seleção brasileira conseguiu sua primeira conquista “E tudo isso porque o Brasil ganhou a copa”, além disso, há referências à moda Saint-Tropez, ao Largo de São Francisco e como a narrativa passa no final da década de 50, as personagens fumam em demasia, pois naquela época fumar significava prestígio social e poder, principalmente devido às influências americanas.
 Como consequência da atualização do tempo da narrativa, há mudanças: na vestimenta, no meio de transporte, no estilo de vida e, obviamente na modernização do vocabulário, ora se a trama se passa em 1958 as personagens falam de acordo com as pessoas desta época, para que assim ocorra a verossimilhança:
“- Construir uma nova cidade querida. A nova Cap!” (O Primo Basílio, 2007).
“- Se é para mudar a capital, deveriam trazer aqui para São Paulo, que é a locomotiva desse país” (O Primo Basílio, 2007).
“-Calma uma pinóia, São Paulo inteira conhece as histórias da Leonor ‘maçaneta’. Já falei, não gosto dessa amizade” (O Primo Basílio, 2007).
 Ainda sobre o ponto de vista narrativo, notamos que não se manteve a ordem sequencial da narrativa presente no livro.
 Alguns conteúdos foram seguidos, entrementes a maioria das cenas foi reduzida ou, até mesmo, retirada. Para exemplificar, o segundo capítulo do livro onde há a apresentação das personagens tiposfoi praticamente excluído da versão adaptada, assim como as cenas onde o passado das personagens é mencionado.
 Outra oposição diz respeito às cenas finais do filme. Ao contrário da obra literária, cuja personagem Juliana morre de ataque cardíaco após ameaças de Sebastião, no filme Juliana tem o destino diferente, morre atropelada pelo mesmo.
 Quanto ao espaço, notamos que a obra Realista parte da noção de que o ambiente complementa a visão psicológica das personagens, dado reforçado pela força descritiva dos ambientes. Desta maneira, percebemos que o espaço no romance é decisivo na ação das personagens, é por meio dele que conhecemos as características das personagens no decorrer da trama.
 Em ambas narrativas predominam os ambientes fechados para que assim pudesse desenvolver com maior minusciosidade a intimidade das personagens, pois no romance realista há a interação das personagens com os espaços em que eles habitam, ou seja, o ambiente não é simplesmente o lugar onde a trama é realizada, mais do que isso, o ambiente serve de reflexo para representar o perfil das personagens. É no espaço que Eça de Queirós consegue fazer com que ocorra interação entre homem e o ambiente.
 Além do Teatro Municipal, os principais espaços representados na transposição cinematográfica são: a casa de Jorge, o cemitério onde Luísa e Basílio visitam o túmulo de seus familiares, o quarto de Juliana, o escritório do empresário Castro e o Paraíso. Já no romance, diferentemente do filme aparece a casa de Sebastião, a casa do conselheiro Acácio e a casa de Leopoldina.
 A descrição pormenorizada dos ambientes presentes em O Primo Basílio serve também para demonstrar o lado psicológico das personagens: seus pensamentos, suas angustias, suas manias, desejos etc.
 Assim como no livro, percebe-se que a narrativa cinematográfica desejou manter esses mesmos pressupostos em sua transposição. É possível notar no filme a monotonia e solidão da personagem Luísa por meio dos objetos.
 Na cena entitulada “a espera”, a primeira imagem que a câmera focaliza é a de um relógio. Nesta cena Luísa anda pela casa, olha-se no espelho, toca piano, fecha a porta, folheia revista e dorme no sofá. 
 No livro temos:
[...] estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã, ainda tinha os arranjos, a costura, a toilette, algum romance... mas a tarde!
À hora em que Jorge costumava voltar do ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela [...].
Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade; sentava-se no piano [...] (QUEIRÓS, 1997, p. 52- 53).
 No 5° capítulo da trama, Eça de Queirós também mostra a espera de Luísa por Basílio representado através das horas:
E às duas horas, vestida, veio para a sala, pôs-se ao piano a estudar Medjé de Gaunod, que Basílio trouxera, e que a encantava agora muito, com seus acentos suspirados e cálidos.
Às duas e meia, porém começou a estar impaciente; os dedos embrulhavam-se-lhe no teclado. – Já devia ter vindo, Basílio! – pensava.
Foi abrir as janelas, debruçar-se para a rua; mas a criada do doutor, que costurava por dentro dos vidros, ergueu logo os olhos tão sôfregos que Luísa fechou rapidamente as vidraças. Veio recomeçar a melodia, já nervosa.
Uma carruagem rolou. Ergueu-se agitada, batia-lhe o coração. A carruagem passou...
Três horas já! O calor parecia-lhe maior, insuportável; sentia-se afogueada; foi cobrir-se de pó de arroz [...]
A campainha retiniu. Era ele! Amarrou o bilhete, meteu-o no bolso do vestido, ficou esperando, palpitante. Passos de homem pisaram o tapete da sala. Entrou, com o olhar faiscante... Era Sebastião [...]
A campainha retiniu com força; Leopoldina entrou (QUEIRÓS, 1997, p. 141-147).
 No filme, a câmera primeiramente focaliza 1h55, depois 3h45 e em seguida marca 6h00 até a chegada de Leonor.
 Assim como na descrição precisa de Eça de Queirós, percebemos no filme por meio dos movimentos da câmera e dos enfoques nos objetos; que o espaço não é algo estático, mas oferecem informações importantes sobre a vida das personagens.
 Notamos que a personagem Luísa sempre aparece olhando-se nos espelhos, revelando assim sua futilidade, pois vive de aparências. No romance, temos:
Luísa, quando o sentiu embaixo fechar a porta da rua, entrou no quarto, atirou o chapéu para a causeuse, e foi-se logo ver o espelho. Que felicidade estar vestida! Se ele a tivesse apanhado em roupão, ou mal penteada! ... Achou-se muito afogueada, cobriu-se de pós-de-arroz. [...]
Começou então a despir-se devagar diante do espelho, olhando-se muito, gostando de se ver branca, acariciando a finura da pele com bocejos lânguidos de um cansaço feliz (QUEIRÓS, 1997, p. 63).
 
 Além do espelho, outro objeto que é de notável relevância não só no romance, mas também no filme é o sofá, pois ao mesmo tempo em que este objeto marca as recordações das personagens, revela-nos os momentos afetivos dos amantes.
 É no sofá que Basílio e Luísa namoravam quando adolescentes e que anos depois sentados ao canto do sofá da casa de Jorge que os amantes mantém seus primeiros momentos de sedução e posteriormente, suas primeiras relações intímas. No romance, temos:
E eles [Basílio e Luísa], muito chegados, muito felizes no sofá! O sofá! Quantas recordações! Era estreito e baixo, estofado de casimira clara, com uma tira ao centro, bordada por ela, amores-perfeitos amarelos e roxos sobre um fundo negro [...]
Basílio estava pobre; partiu para o Brasil. Que saudades! Passou os primeiros dias sentada no sofá querido, soluçando baixo, com a fotografia dele entre as mãos (QUEIRÓS, 1997, p.18).
Mas um terror importuno tolhia-a; sentia como um palpite de que ele vinha, ia entrar... Era melhor não se pôr a escrever, talvez!...Ergueu-se foi à sala devagar, sentou-se no divã, e, como se o contato daquele largo sofá e o ardor das recordações que ele lhe trazia da véspera lhe tivesse dado coragem das ações amorosas e culpadas, voltou muito decidida ao escritório, escreveu rapidamente:
“Não imaginas com que alegria recebi esta manha a tua carta...” (QUEIRÓS, 1997, p.166).
 É também no sofá que Luísa e Leopoldina conversam sorridentes sobre as épocas passadas. Ainda é ao pé do sofá que Juliana encontra o pente de Luísa, agente revelador da infidelidade da moça. Como consequência, é neste mesmo sofá que Jorge imagina as cenas da traição entre Luísa e Basílio, e Lúísa fica perturbada com o objeto e deseja desfazer-se do mesmo:
Enfim uma manhã veio à sala, e abriu pela primeira vez o piano; Jorge, à janela, olhava para a rua – quando ela o chamou, e sorrindo:
· Estou a detestar, há tempos, aquele divã – disse. –Podia-se tirar, não te parece?
Jorge sentiu uma pancada no coração: não pôde responder logo; disse, enfim, com esforço:
· Sim, parece...
· Estou com vontade de o tirar – disse ela saindo da sala, arrastando tranqüilamente a longa cauda do seu roupão.
Jorge não pôde destacar os olhos do divã. Veio mesmo sentar-se nele; passava a mão sobre o estofo às listras; e sentia um prazer doloroso em verificar que fora ali (QUEIRÓS, 1997, p. 384-385).
 Assim, percebemos que o cineasta optou por deixar esta cena do sofá bem próxima à visão do livro, para que assim pudesse mostrar as experiências vividas pelas personagens e a representação marcante deste objeto.
 Outro objeto que serve para ilustrar interação das personagens com o espaço é representado no cinema, através da escada, onde a personagem Luísa após ter sofrido ameaças fica em posição de inferioridade em relação a empregada Juliana, que se posiciona superiormente e com o tom de voz de quem manda e não de quem obedece. Ou seja, esta cena deixa claro que a partir daí invertem-se os papeis.
 A escada também marca tanto no romance quanto no filme, um índice de quebra do pensamento lírico de Luísa em relação a Basílio. Ao subir as escadas do Paraíso, Luísa vai perdendo o sentimentalismo gerado não só pelas palavras românticas do primo, mas também pelo próprio nome do lugar.No romance, temos:
A escada, de degraus gastos, subia ingremente, apertada entre as paredes onde a cal caía, e a umidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança.
Mas Basílio desceu logo, com um charuto na boca dizendo:
- Tão tarde! Sobe! Pensei que não vinhas. O que foi?
A escada era tão esguia, que não podiam subir juntos (QUEIRÓS, 1997, p. 178-179).
 Esta cena é bem destacada no filme, pois Luísa cheia de sentimentalismo enfrenta a realidade. No filme, enquanto Luísa sobe as escadas a câmera mostra empregados com bacias de roupas, pessoas discutindo, em um lugar degradado; e isso choca-se com as palavras ditas por Basílio através do chamado som fora de campo, ou seja, embora Basílio não esteja sendo visto na imagem, a câmera se ocupa em focalizar as reações de Luísa, embora continuamos ouvindo a voz de Basílio repleta de falso romantismo.
 Em uma outra cena que Luísa vai embora do Paraíso após ter pedido ajuda para Basílio e o mesmo não ter ajudado, Luísa desce as escadas do Paraíso e ouve-se um choro de um bebê, assim como na parte citada do romance, para que talvez pudesse demonstrar a fragilidade de Luísa.
 Com isso, notamos que o espaço representado por meio da própria dinâmica dos movimentos das câmeras, dos planos fechados em determinados objetos, seja entendido como se fosse um personagem central, pois adquire vida e serve para ilustrar o lado psicológico das personagens.
 No caso do tempo, este é predominante na ação do romance. É o tempo cronológico, com pequenos rompimentos da ordem linear somente para recordar o passado das personagens, ou seja, há momentos em que o tempo psicológico foi utilizado, uma vez que no romance as experiências passadas são cruciais. Revelam como é o modo de agir das personagens no tempo presente, em outras palavras, a personalidade de todas as personagens é constituída a partir das experiências vivenciadas, por esse motivo é que temos os constantes flash-backs no livro.
 Através do flash-back descobrimos, por exemplo, o passado da vida de Juliana, pois só assim compreendemos o seu modo de agir e de pensar no tempo presente.
 Essa noção de tempo passado no filme é perdida, não temos o flash-back a todo o momento para explicar cada experiência das personagens.
 No filme temos esse recurso apenas uma vez, no capítulo 21, quando Luísa está sonhando e lembra-se de Basílio.
 Nas duas obras o tempo que predomina é o verão. No romance o tempo quente é ideal para demonstrar a sensualidade, as paixões e os desejos, haja vista que as personagens sofrem influencia do meio, o tempo de verão é, portanto, o mais propício para o adultério.
 O filme também traz referências a esse tempo de calor, percebemos isso através das vestimentas, das imagens fora da casa e das próprias falas das personagens.
 Entretanto, temos o desfecho do romance apenas no inverno.Na obra de Eça de Queirós, temos:
Receitou e ficou para almoçar com Jorge. Estava um dia frio e pardo. A Mariana, abafada num casabeque, servia com os dedos vermelhos, inchados de frieiras. E Jorge sentia-se entristecer, como se toda a névoa do ar se lhe fosse lentamente depositando e condensando na alma (QUEIRÓS, 1997, p. 375).
E o vento frio que varria as nuvens e agitava o gás dos candeeiros ia fazer ramalhar tristemente uma árvore sobre a sepultura de Luísa (QUEIRÓS, 1997, p. 408).
 Evidencia-se, portanto no romance a importância do tempo, uma vez que é na época do calor em que temos o adultério e no tempo frio que notamos a morte de Luísa. Há, por conseguinte, relação entre inverno e morte, verão e sensualidade.
 Em relação ao foco narrativo e ao narrador, observamos no romance uma narração em 3ª pessoa, onisciente, que muitas vezes, entretanto, utiliza o discurso indireto livre para demonstrar os pensamentos das personagens e, também é por meio deste recurso que notamos a característica do narrador, ou seja, a ironia, a crítica aos costumes burgueses e o caricaturismo na construção das personagens.
 Na transposição do romance, todavia, como não há uma figura com a função de narrar a trama é a câmera cinematográfica, portanto, que cumpre este papel.
 No ensaio “Narrativa Verbal e Narrativa Visual: Possíveis Aproximações” Tânia Pellegrini, afirma:
Os escritores realistas, grosso modo, podem ser vistos como alguém que usava uma câmera [...], todavia, quando nos carregam com eles da praça para a rua, da rua para a casa e daí para os cômodos específicos onde vivem as personagens, fazem isso com a quantidade e a qualidade da sugestão verbal que, por meio da leitura, traduzimos em imagens mentais. Os cômodos, os objetos, as personagens e o próprio movimento são parte de uma espécie de “olho da mente” que pertence ao mesmo tempo ao autor e ao leitor. Entretanto, uma câmera móvel, executando a mesma movimentação, o faz com uma rapidez que requer a mesma rapidez do olhar, numa célere e abrupta associação de imagens, que pouco solicita a mente. Tudo está pronto para ser visto, e não imaginado (PELLEGRINI in: PELLEGRINI, 2003, p. 28, grifo da autora).
 
 Assim, observamos que muitas vezes a câmera cinematográfica é quem desempenha a função de narrar, não, evidentemente, como os recursos do narrador literário, mas com a rapidez e a característica da câmera.
 Em muitos filmes adaptados, os cineastas para conseguirem um efeito mais semelhante ao narrador literário utilizam a voz em off, por exemplo, no filme Memórias Póstumas (2001) dirigido por André Klotzel. Este recurso, no entanto, pode deixar o filme mais lento e cansativo aos espectadores.
 No filme O Primo Basílio, talvez tenham se perdido alguns dados descritivos e psicológicos das personagens, notamos, todavia, que alguns elementos próprios na narração verbal foram transportados para a fala das criaturas ficcionais no cinema, como por exemplo, os diminutivos que caracterizam a fala da personagem Luísa. No romance, temos:
Mas Luísa, a Luisinha, saiu muito boa dona de casa; tinha cuidados muito simpáticos nos seus arranjos; era asseada, alegre como um passarinho, como uma passarinha amiga do ninho e das carícias do macho; e aquele serzinho louro e meigo veio dar à sua casa um encanto sério. 
· É um anjinho cheio de dignidade! — dizia então Sebastião, o bom Sebastião, com a sua voz profunda de basso (QUEIRÓS, 1997, p. 12, grifo do autor).
 Quanto à trilha sonora, notamos que esta assume uma importante função no filme, pois ao mesmo tempo que ajuda a criar o ritmo e o clima da cena, contribui para caracterizar as personagens.
 A trilha sonora em O Primo Basílio é composta pela bossa nova de Tom Jobim “Saudades do Brasil”, pela música popular brasileira de autoria de Vinícius de Moraes e Baden Powel “Apelo” e ainda pela música francesa “L’ Eau a La Bouche” escrita por Serge Gainsbourg. Além disso, há músicas instrumentais como o tango que por si só já demonstra ser uma música envolvente e por este motivo marca as cenas onde são focalizadas as relações íntimas entre Luísa e Basílio.
 Por fim, em relação aos personagens, percebe-se que a realidade social, os lugares frequentados, as profissões, a maioria dos nomes e as personalidades não foram alterados.
 O comportamento de Luísa, por exemplo, aparece como fútil e sentimental nas duas narrativas e isso é observado na adaptação através das falas da própria personagem devido ao tom de voz choroso que a atriz Débora Falabella utiliza. E também pelo modo de como outros personagens se dirigem a Luísa, através de diminutivos principalmente como se a personagem fosse uma criança frágil.
 Entretanto, as narrativas divergem na descrição física desta personagem. Luísa na obra literária é loira, pois Eça de Queirós desejava por meio de uma personagem de pele branca e de cabelos claros, desconstruir o arquétipo romântico, o quala mulher loira era vista como inocente, angelical, incapaz de trair. No filme, entretanto, a atriz Débora Falabella está com cabelos castanhos.
 O ator Reinaldo Gianecchini, por sua vez aproxima de forma evidente da personagem Jorge o qual interpreta: cabelos pretos, usava roupas fechadas para demonstrar sua aparência séria, fumava, calmo enfim, um homem aparentemente normal as regras da sociedade.
 Uma personagem de destaque nas duas obras é a empregada Juliana, interpretada pela atriz Glória Pires, que através de sua postura, do cabelo despenteado, do figurino desleixado, da prótese nos dentes e principalmente pela atuação conseguiu demonstrar o ódio, a amargura e a revolta da mesma pela patroa e pela condição que vivia.
 Quanto à personagem Basílio, o que mais demonstra sua personalidade em relação ao livro são os diálogos, pois o falso moralismo que servia para destacar seus pensamentos de superioridade e sua vaidade são evidentes na obra cinematográfica.
 Ocorre também, em relação ao nome da personagem Leopoldina, uma sutil mudança, pois na adaptação passa a se chamar Leonor, talvez para estabelecer verossimilhança com a época. Embora com nome diferente, a personagem continua tendo características semelhantes à do romance: mulher de vícios, vulgar, trai o marido, amiga de Luísa.
 Ainda em relação às personagens, a obra cinematográfica simplifica não só os diálogos, mas também elimina personagens, principalmente as personagens secundárias; devido obviamente às características do cinema em abordar um núcleo central da trama e também devido à duração da obra cinematográfica onde o tempo tem que ser aproveitado ao máximo para que o espectador possa compreender a nova ideia dentro do novo meio semiótico.
 Entre as personagens secundárias eliminadas da narrativa estão: Julião Zuzarte, conselheiro Acácio, dona Felicidade e Ernestinho.
 Caso fosse uma minissérie ou telenovela, essas personagens possivelmente seriam mantidas, como foi o caso da minissérie O Primo Basílio (1988), também dirigida por Daniel Filho, que manteve não só esses personagens secundários, como também conservou grande parte dos diálogos.
 No caso da adaptação cinematográfica, entretanto, cortes e reduções são inevitáveis, por mais fiel que seja a obra.
 Há personagens que não chegam a ser eliminadas, mas que apresentam papeis simplificados, é o caso de Sebastião, Juliana e tia Vitória.
 Diferentemente de seu papel no livro, Sebastião na narrativa cinematográfica não passa de um simples coadjuvante com falas reduzidas o máximo possível.
 A personagem Juliana também aparece com papel simplificado. A história de sua vida, sua infância sofrida e os motivos para sua birra com as patroas são eliminados e alguns diálogos também não aparecem, assim como a tia Vitória que tem papel quase dispensável na obra cinematográfica.
 Porém como já foi dito, não se trata de uma adaptação para a televisão e sim para o cinema, com suas próprias características. Por esse motivo, não há muita abertura para a construção elaborada de todas as personagens e nem de todas as cenas.
 De qualquer maneira, as semelhanças não só entre as personagens, mas também com os outros elementos da narrativa é grande. Daniel Filho constrói sua adaptação de maneira a preservar esses dados da narrativa. Com isso, reverencia a obra eciana em alguns aspectos.
 Vê-se, pois, que a adaptação procura, de certa forma, manter o universo de significação do romance, é obvio que existem diferenças, pois como já dissemos, trata-se de códigos independentes.
 
 
CONCLUSÃO
 Após o estudo analítico entre a obra literária e a cinematográfica percebemos que a adaptação produzida pelo diretor Daniel Filho, em 2007 faz uma releitura contratual da obra do escritor português Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878).
 No que diz respeito aos elementos estruturais da narrativa, um dos eixos em comum entre literatura e cinema, percebeu-se que a produção adaptativa ousou ao mudar a época e a localidade da trama. 
 No entanto, essa inovação além de mostrar a liberdade de criação que o cineasta pode apresentar, também nos revela a característica atemporal do tema abordado por Eça de Queirós, uma vez que as situações e os dramas apresentados poderiam ser vivenciados em diferentes épocas e localidades.
 Desta forma, percebemos que a narrativa cinematográfica possui elementos próprios e que devem ser levados em consideração na análise comparativa das obras, pois, apesar das inúmeras semelhanças entre esses meios semióticos é necessário compreender a especificidade de cada linguagem.
 Nesse sentido, fez-se importante apontar que não é preciso que uma obra cinematográfica tenha a necessidade de ser totalmente fiel a obra que teve como base, aliás, nunca existirá uma obra totalmente fiel, haja vista que cada meio possui suas características. 
 Por este motivo, não consideramos que o filme tenha a função de substituir a leitura do livro, pois cada obra apresenta a sua função dentro do campo semiótico o qual pertence. 
 Notamos, dessa maneira, duas materialidades: o livro do escritor Eça de Queirós e o filme do diretor Daniel Filho, cada um com existência independente.
 Este trabalho pretendeu apontar, portanto, a maneira que as obras se aproximam e que se mantêm diferentes; procuramos pistas dessas visões distintas e de que forma elas foram apresentadas e os motivos para tais mudanças, reconhecendo o valor de cada obra como uma construção única, e não como uma imitação, para que enfim pudéssemos notar o dialogismo intertextual entre tais meios.
 Assim, conclui-se que a análise comparativa entre o romance de Eça de Queirós e a produção homônima de Daniel Filho serviu como base para ilustrar a dinâmica e as inúmeras formas de relação que ocorrem entre literatura e cinema.
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