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1 Disciplina: Análise literária de textos Realistas, Parnasianos e Simbolistas Autores: M.e Marta Ouchar de Brito Revisão de Conteúdos: Esp. Marcelo Alvino da Silva Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 FICHA CATALOGRÁFICA BRITO, Marta Ouchar de. Análise literária de textos Realistas, Parnasianos e Simbolistas / Marta Ouchar de Brito. – Curitiba, 2014. 64 p. Revisão de Conteúdos: Marcelo Alvino da Silva. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Análise literária de textos Realistas, Parnasianos e Simbolistas – Faculdade São Braz (FSB), 2017. 3 Análise literária de textos Realistas, Parnasianos e Simbolistas ANO 2017 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da disciplina Esta disciplina tem por objetivo fornecer algumas diretrizes e orientações que permitam a análise de textos literários produzidos ao longo de quatro séculos, abrangendo as escolas do Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo. A disciplina está estruturada em quatro aulas. Seguindo a abordagem temática e cronológica, nas quais serão selecionados e analisados fragmentos da obra dos autores mais destacados de cada período, dando especial atenção às características, buscando contextualizar historicamente suas obras. 6 Aula 1 – Conceitos básicos sobre análise literária Apresentação da aula 1 Nesta aula serão abordados os conceitos básicos à respeito da análise literária, ressaltando os seus aspectos e tendências, visando auxiliar no “como proceder”, para se efetuar uma análise literária consistente. 1. Conceitos básicos sobre análise literária O primeiro passo é sem dúvida, uma tarefa árdua, ou seja, buscar a definição, o conceito de Literatura que cabe no anseio de trabalhar com a análise literária de textos Realistas, Naturalistas, Parnasianos e Simbolista, lembrando que tratam-se de tendências literárias, que ora uma, ora outra, contemplaram textos em prosa e em verso (o que por si só já exige certa especificidade analítica). Inicialmente já se exclui o conceito genérico que considera Literatura “toda a produção escrita de um povo”. Esse conceito, exilado aqui, aceita ser toda produção escrita, abortada a dimensão artística, passível de ser nomeada Literatura. Escuta-se então, expressões como Literatura Médica, Literatura Jornalística, entre outras. Essa abordagem não adota tal conceito, pois se entende, nesse contexto, o texto literário essencialmente artístico, restando então investigar e revelar os aspectos que o ligam à arte. Muitos teóricos tentaram conceituar a Literatura, traçando limites ou elencando características que a definissem. Outros continuarão tentando, mas nesse momento não se tem a intenção de definir irrevogavelmente Literatura, e sim, encontrar aquela definição que se adapte às análises propostas. Teorias literárias mais clássicas apresentam definições, as quais afirmam que “A arte literária consiste na realização dos preceitos estéticos da invenção, da disposição e da elocução” (TAVARES, 1981, p. 30); ou preconizam que a “Arte literária é a arte que cria, pela palavra, uma imitação da realidade” (TAVARES, 1981, p. 31). Nesse contexto, Tavares (1981), afirma que: 7 O termo ‘literatura’ é mais uma dessas palavras impossíveis de uma conceituação uniforme, tal a polivalência de sentidos com que é tomada não só no âmbito restrito das Belas-Artes (com suas inúmeras teorias estéticas e escolas), como também nas conversas gerais da fala rotineira. (TAVARES, 1981, p. 27). No que tangem as dificuldades apontadas em relação à conceituação de Literatura, Tavares (1981, p. 34) aponta duas eras distintas na teoria da literatura (a Clássica e a Moderna), e finaliza suas investigações propondo a seguinte conceituação acerca da arte literária: “Arte Literária é a criação de uma suprarrealidade pela intuição do artista, mediante a palavra expressivamente estilizada”. A Literatura também pode conceituar-se a partir da junção harmônica entre forma e conteúdo no interior do texto oral ou escrito. Nesse contexto deve optar-se por investigar os aspectos que diferenciam o uso da linguagem nessa arte, do uso corrente da língua. Entretanto, apesar das tentativas de conceituação constata-se que a Teoria da Literatura e a Literatura propriamente dita, assumiram contornos diferentes nos diversos momentos históricos e sociais pelos quais passaram. Um exemplo claro desse processo aconteceu com as obras Realistas/Naturalistas, pois naquele momento os conceitos adotados pela estética romântica, tais como individualismo, sentimentalismo, subjetivismo, idealização da mulher e do amor, entre outros, já não se adequavam a um cenário recheado de cientificismo como o desenhado por Conte, Taine e outros pensadores da segunda metade do Século XIX. Dessa forma, o que acontece é um ajuste nas produções literárias que acabam obedecendo a uma dinâmica histórico-social, mudando também as bases da teoria e, por conseguinte, da crítica literária. Sendo assim, um romance realista poderia não ser considerado literatura se analisado à luz de conceitos românticos, movimento literário anterior ao Realismo/Naturalismo. Para dar conta dessa diversidade de teorias e desse movimento realizado pelas tendências literárias, Souza (2004), em sua Teoria da Literatura, apresenta três grupos de correntes estéticas: Correntes Textualistas, Correntes Fenomenológicas e Correntes Sociológicas. 8 De cada um desses grupos, há uma corrente representante para que se possa perceber o deslocamento em relação ao foco da análise literária, privilegiando-se, contudo, a Corrente Fenomenológica, e mais especificamente a Estética da Recepção (essa abordagem privilegiada se deve ao fato de que a Estética da Recepção focaliza de maneira predominante o receptor da obra literária e,como essa autora considera ele, o receptor, fundamental para a construção do significado da obra, torna-se inviável um processo analítico que desconsidere esse receptor). 1.1 Correntes de Análise Literária: Textualistas, Fenomenológicas e Sociológicas Nas Correntes Textualistas, observa-se que o foco primeiro de análise é o texto, e o Formalismo Eslavo representa claramente essa preferência. A primeira possibilidade apontada pelos formalistas em relação à linguagem é, portanto, o “estranhamento” gerado por essa linguagem que se desvia do “padrão” linguístico. Os formalistas eslavos, também chamados russos, representam um grupo expressivo na teoria literária do começo do Século XX. Eagleton (1997), afirma que “[...] a literatura não era uma pseudo-religião, ou psicologia, ou sociologia, mas uma organização particular da linguagem”. (EAGLETON, 1997, p.3). Essencialmente, os formalistas aplicaram conceitos linguísticos ao estudo de literatura, fundamentando suas investigações nas estruturas da linguagem, deixando em segundo plano (quase à margem dos estudos) o sentimento, a emoção, o conteúdo do texto. Eagleton (1997), resume a técnica formalista da seguinte forma: Os ‘artifícios’ incluíam som, imagens, ritmo, sintaxe, métrica, rima, técnicas narrativas; na verdade, incluíam todo o estoque de elementos literários formais; e o que todos esses elementos tinham em comum era o seu efeito de ‘estranhamento’ ou de ‘desfamiliarização’. (EAGLETON, 1997, p.4-5). 9 Todos esses recursos privilegiados pelos formalistas russos apontavam para efeitos criados pela forma, pois esses teóricos acreditavam que a linguagem literária era uma violência linguística caracterizada por um desvio da norma corrente, assim a Literatura seria uma forma estilizada da linguagem usual, cotidiana, da norma-padrão, ainda que a conceituação referente ao que se considera ‘norma-padrão’ seja relativa e discutível a ponto de ameaçar a teoria dos russos. Ceia (S/d.), descreve o Formalismo Russo, como: Corrente de crítica literária que se desenvolveu na Rússia a partir de 1914, sendo interrompida bruscamente em 1930, por decisão política. O nome do movimento foi objeto de discussão e, muitas vezes, se disse que era inadequado. Nos textos introdutórios da tradução portuguesa (de Iasbel Pascoal) da coletânea de textos dos formalistas russos, preparada por Tzvetan Todorov, quer Roman Jakobson quer o próprio Todorov começam por chamar à designação formalismo uma espécie de falácia ou termo pejorativo, criado pelos opositores desta teoria. Citando Jakobson, o formalismo, que foi “uma etiqueta vaga e desconcertante que os detratores lançaram para estigmatizar toda a análise da função poética da linguagem, criou a miragem de um dogma uniforme e consumado.” (Todorov, 1999, p.12). O Círculo Linguístico de Moscovo foi fundado por alguns estudantes da Universidade de Moscovo, no inverno de 1914-1915, com o propósito de promover estudos de poética e de linguística, afastando-se assim da linguística tradicional e aproveitando a renovação da poesia russa que os poetas da época haviam iniciado. Este Círculo veio a receber oportuna colaboração da Sociedade de Estudos da Linguagem Poética (sigla russa: OPOIAZ), a partir de 1917. A primeira publicação do grupo, A Ressurreição da Palavra (1914), de Viktor Skhlovski, foi seguida da coletânea Poética, que havia de divulgar os primeiros trabalhos do grupo. (CEIA, S/d.). No grupo de Correntes Fenomenológicas, a Hermenêutica, segundo Souza (1990, p. 58) postula que “[...] o fenômeno literário é conatural a sua teoria, razão por que é necessariamente poética a reflexão acerca do poético”. Essa definição acaba deslocando o foco para o “fazer poético”, ou seja, dinâmica da criação literária. Nesse deslocamento do texto, foco do Formalismo Russo, para a reflexão acerca do poético, a Hermenêutica, que originalmente se refere à interpretação das escrituras sagradas, deita seu foco de análise na interpretação da obra e mais especificamente no sentido que o autor quis dar a essa obra, como se quisesse salvá-la das significações atribuídas pelos leitores. 10 Moyers (2016), comenta: O americano E. D. Hirsch Jr. afirma que as diferentes interpretações podem existir, mas segundo Eagleton (1997, p 92) isso “é antes uma questão da significação da obra do que do seu sentido”. Nessa perspectiva, a obra literária pode adquirir diferentes significações a medida em que o tempo e as sociedades se sucedem, mas o sentido original dado a ela pelo escritor permanece intacto. Hirsch afirma ainda, segundo Eagleton (1997, p. 93) que “o sentido é algo que o autor quer; é um ato mental, espiritual, que é então ‘fixado’ para todo o sempre através de uma série particular de sinais materiais”. (MOYERS, 2016, p. 129). Percebe-se, portanto que, a exemplo da interpretação das escrituras sagradas, a Hermenêutica tenta, com seu círculo hermenêutico, preservar o sentido supostamente original que o autor concebeu à obra das significações anárquicas atribuídas pelos leitores, pelas sociedades. A partir dessa ideia percebe-se a diferença entre uma abordagem embasada teoricamente na Hermenêutica, centrada no fazer artístico e no sentido que o autor destinou a sua obra e uma abordagem ancorada na Teoria da Recepção, centrada nas significações atribuídas pelo leitor, sobre a qual segue a discussão. Rezende (2014), reforça que: A Fenomenologia trata dos fenômenos perceptíveis, extinguindo a separação entre o sujeito e o objeto. Essa filosofia surgiu no século XIX, a partir dos estudo de Franz Brentano e teve em sua corrente de estudos os filósofos Edmund Husserl, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre e Merleau-Ponty. (REZENDE, 2014). Dessa maneira, a hermenêutica fenomenológica poderá fornecer certa estrutura analítica sobre a natureza dos atos da interpretação e da compreensão, de modo a jogar luz sobre o processo de pesquisa, contudo sem fornecer um conjunto de regras ou procedimentos rígidos na realização do programa de pesquisa. A hermenêutica fenomenológica faz o oposto, gerando ou ampliando os espaços de engajamento entre o objeto de pesquisa e o pesquisador (MARKUS, 1987; WACHTERHAUSER, 1994). É oposta ao positivismo, analisando a realidade no ponto de vista individual. Tudo que se apresenta à consciência ocorre como um objeto intencional. O objetivo do método fenomenológico é alcançar a intuição das 11 essências. Busca interpretar o mundo através da consciência de um determinado sujeito, segundo as suas experiências. No grupo das Correntes Sociológicas, além das evidentes preocupações sociológicas, encontram-se também preocupações de cunho ético e político. Desse grupo, destaca-se a Estética da Recepção que, segundo Souza (1990, p.60) “pretende valorizar um elemento pouco considerado pela teoria da literatura: o leitor ou receptor do texto.” Para a Teoria da Recepção (EAGLETON, 1997, p.105) “[...] qualquer obra, por mais sólida que pareça, compõe-se na realidade de ‘hiatos’”. Esses hiatos podem ser entendidos como lacunas criadas pela própria dinâmica narrativa do autor, determinado por seu estilo, que opta por construções, expressões ou mesmo palavras que precisam da participação efetiva do leitor para concretizar sua significação. Esse movimento estético, desenvolvido pela Escola de Constança, tem em Hans Robert Jauss um de seus mais expressivos representantes. Segundo Tadié (1992, p. 189), Jauss acreditava que “a obra ‘engloba ao mesmo tempo o texto como estrutura dada e sua recepção ou percepção por parte do leitor ou espectador’”. Em consequência disso, o sentido da obra dependeria tambémdo contexto histórico e social no qual acontece a recepção dessa obra pelo leitor. Nesse contexto, “a ação, o efeito” são diferentes da recepção do texto. Portanto, o efeito pode ser verificado com a análise desse texto, mas a recepção seria mutável, tendo em vista um sujeito receptor que associa aos índices textuais uma impressão criada a partir das experiências sociais e históricas das quais compartilha e nas quais está inserido. Nessa perspectiva, é possível construir um encadeamento de recepções de uma mesma obra, que se transformam e adquirem relevância ou não, a partir dessas diferentes recepções. Ou seja, um romance que tenha sido escrito no século XVIII e, naquele momento considerado irrelevante, pode adquirir destaque à luz de um novo contexto histórico-social. Não são poucos os exemplos de obras que precisaram atravessar décadas ou séculos para conseguirem uma recepção que realmente efetivasse sua existência. Segundo Tadié (1992, p. 191), para Jauss “determinados livros 12 constituem muito lentamente, muito tardiamente, seu público”, e para entender melhor a formação tardia desse público pode-se considerar dois movimentos relevantes entre obra e público, ou seja, a comunicação e o movimento dialético. Assumindo que a recepção de uma obra pressupõe um movimento inicial de comunicação, pode-se imaginar uma dinâmica comunicativa entre o emissor (neste caso, o livro) e o receptor (o leitor) que dispõe de outros elementos, tais como o contexto, o canal, o código e a mensagem. Essa dinâmica, sabidamente, não se efetiva caso o receptor não compreenda, por exemplo, o código utilizado. Porém, além da possibilidade de falha na comunicação, pode acontecer também uma comunicação diferenciada, “contaminada” por fatores externos como o já citado contexto. Para a Estética da Recepção não acontece apenas um movimento comunicativo entre livro e leitor, mas sim uma dinâmica dialética que recria, atualiza a obra a cada nova leitura. A esse respeito Gustave Lanson (TADIÉ, 1992, p.192) afirma: Esse sentido permanente e comum, quando se tratar de textos famosos que todas as gerações de críticos e de leitores manusearam, talvez possa parecer um pouco violento e banal: todavia será bom não deixar de a isso retornar e ligar todas as variações matizadas com que o enriqueceram as diversas épocas e os espíritos. Será conveniente partir daí para ir em busca do sentido original, do sentido do autor e, depois, do sentido do público primeiro e dos sentidos de todos os públicos, franceses e estrangeiros, que o livro encontrou sucessivamente. A história de cada obra-prima contém, resumida, uma história do gosto e da sensibilidade da nação que a produziu e das nações que a adotaram. (Estudos franceses, 1/1/1925). Outro grande teórico da Escola de Constança, na Alemanha, é Wolfgang Iser, cuja Estética da Recepção sofreu grande influência da Hermenêutica de Gadamer. A relação texto-leitor, nesse teórico, é pontuada por uma condição, ou seja, o leitor deve estar aberto a modificações que o texto produza nele, precisando, por conseguinte, “não” ter convicções ideológicas muito rígidas e sim flexíveis e mutáveis para poder transformar-se com o texto. Segundo Eagleton (1997, p. 109) “A teoria da recepção de Iser baseia- se, de fato, em uma ideologia liberal humanista: na convicção de que na leitura 13 devemos ser flexíveis e ter a mente aberta, preparados para questionar nossas crenças e deixar que sejam modificadas.” Essa recepção não é totalmente liberal, pois mesmo reconhecendo o papel do leitor nessa relação, Iser propõe uma normatização que resguarde sua teoria de uma avalanche de interpretações, determinando o leitor acadêmico como leitor adequado às obras literárias. Roland Barthes, crítico francês, adepto da teoria da recepção, diferente de Iser, que localiza suas análises em textos realistas, prefere textos modernos, e para eles propõe uma leitura que, segundo Eagleton (1997, p. 114), “detona a identidade cultural segura do leitor, numa jouissance que, para Barthes, é ao mesmo tempo uma benção da leitura e um orgasmo sexual”. Vocabulário A palavra arcaica anglo-francesa jouissance, retomada e ampliada por Jacques Lacan no seminário sobre "Deus e a jouissance de A mulher", sugere traduções interpretativas tão subtis como "orgasmo", "gozo", "fruição" "prazer", "satisfação", "posse", "apetite" ou "desejo". Em português, o termo tem sido traduzido por "gozo", no entanto, tal tradução carece de uma mais precisa definição: "Gozo" (do espanhol goce, que, por sua vez deriva do latim gaudium para "júbilo, fruição"), ao equivaler-se a jouissance terá de traduzir gosto, prazer; posse ou uso de alguma coisa de que advêm satisfação, vantagens, interesses; deleite sexual, prazer, orgasmo. Fonte: http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=vi ewlink&link_id=98&Itemid=2 A grande diferença entre Iser e Barthes está na normatização proposta por Iser durante a relação entre o leitor e o livro e a proposta anárquica e hedonista proposta por Barthes. Ainda dentro da discussão acerca do papel/colaboração do leitor na construção do significado da obra, existem teóricos como o americano Stanley Fish que afirmam uma participação intensa e irrestrita do leitor. Para Fish (EAGLETON, 1997, p.117) “O verdadeiro escritor é o leitor”. 14 Todavia, assim como Iser, Fish também recorre à certa normatização para evitar um número exagerado de interpretações que uma abordagem muito maleável, como a teoria de Barthes e seu hedonismo literário, parece permitir. Essa normatização teórica de Fish prevê um leitor “informado ou familiarizado” (EAGLETON, 1997, p.118), fato que diminuiria a grande divergência de interpretações da obra. A despeito das variantes entre as teorias da recepção de Jauss, Iser, Barthes e Fish, o leitor é, finalmente, o foco da Estética da Recepção, na medida em que se reconhece sua existência e sua relação com a obra literária ancoradas em momentos históricos e sociedades diferentes, que por sua vez oferecem à narrativa literária, contribuições culturais e particulares que determinam suas diferentes significações. Lima (2004), comenta à respeito das conquistas da Estética da Recepção: Nas universidades da Alemanha do final dos anos 1950, o ensino da literatura se prestava aos interesses comuns de preservação dos valores sociais arraigados, e qualquer tipo de atitude considerada subversiva poderia ser banida. Nesse contexto, a Estética da Recepção veio trazer uma nova perspectiva aos estudos literários e iniciar um processo de renovação, tornando relevantes aspectos antes desconsiderados nos textos. Naquele tempo, o objetivo final de qualquer leitura sensata deveria ser a descoberta do sentido do texto, dos seus recursos estruturais, da? mensagem? que a obra queria transmitir, ou daquilo que se pensava ser a intenção do autor. Em última instância, diante de controvérsias, a interpretação indiscutível do professor determinava qual era essa intenção ou qual o sentido aceitável. Desconsiderava-se que a interpretação do professor também estava condicionada a sua formação, que poderia ser de linha formalista ou estruturalista, ou estar vinculada a correntes psicológicas ou sociológicas. Esse dado permanecia irrelevante, pois, mesmo que as diversas tendências interpretativas se digladiassem em discussões intermináveis (o que ficou conhecido como a? querela das interpretações?), nenhuma delas levava em conta o papel que o leitor poderia ter no processo da leitura. Mas, ainda que o ambiente universitário permanecesse conservador, há décadas, a arte moderna integrava o contexto cultural europeue, com ela, antigos padrões formais e temáticos foram rompidos e novas questões teóricas surgiram. Além disso, depois da II Guerra Mundial, a Alemanha viu-se dominada por uma onda de contestação ideológica nas universidades, e até mesmo o ensino da literatura teve sua validade questionada. É neste momento conturbado que se manifesta, na Alemanha, a chamada Escola de Constança, constituindo-se na primeira tentativa de deslocar o foco dos estudos para a relação texto-leitor, numa atitude de renovação condizente com o espírito da época. Depois 15 disso, os estudos passaram a se dividir em duas categorias distintas: a dos que se interessam pelo ato individual da leitura (Teoria do efeito estético), representada por pesquisadores como Wolfgang Iser e, posteriormente, Umberto Eco; e a daqueles cujo interesse se volta à resposta coletiva e de época histórica ao texto (Estética da Recepção), como Hans Robert Jauss. Muitas foram as contribuições trazidas por esses estudos, dentre elas ideias hoje firmemente estabelecidas na área dos estudos literários, inclusive no âmbito escolar. Ultrapassou-se a concepção de obra como uma unidade autosuficiente, um sistema fechado de existência independente do leitor. Na análise da recepção, o texto é considerado um estímulo, realizando-se apenas no ato da leitura. Nas palavras de Umberto Eco:? o texto é uma máquina preguiçosa que precisa do leitor para funcionar?. E diversas são as implicações que podem surgir a partir disso. Imediatamente, conclui-se que o papel desse leitor deve ir muito além do ato de decifrar o código verbal e compreender as informações, numa atitude meramente descritiva. Novas questões se apresentam: Como o leitor chega ao sentido do texto? Esse sentido é o mesmo para pessoas de diferente formação enquanto leitor? Em que medida o texto pode regular a constituição dos sentidos, e se as normas e valores individuais têm influência nesse processo? A Teoria da Recepção considera o sentido um efeito experimentado pelo leitor, não um objeto rigidamente predeterminado pelo autor. Isto é, o objeto literário realiza-se na interação com um interlocutor, na medida em que este reage aos estímulos do texto, construindo sentidos, estabelecendo conexões, misturando o seu universo ao universo textual. E, para que esta ideia não leve à aceitação de um verdadeiro caos interpretativo, o texto passa a ser considerado um esquema virtual capaz de instruir a sua leitura desejada. Assim, há um tipo de leitor solicitado pela obra, com habilidades e competências adequadas para que este esquema funcione. A leitura é, portanto, uma atividade que pode se realizar em vários níveis e, para que seja cada vez mais eficiente, é preciso que o leitor seja submetido a esquemas de textos gradualmente mais complexos, que o levem a ampliar suas habilidades. Essa ideia, particularmente, tem motivado reflexões úteis ao ensino da leitura nas escolas. Principalmente, ao trabalho de formação de leitores, considerado hoje uma das principais preocupações dos docentes e dos projetos pedagógicos. [grifos nossos] (LIMA, 2004). 1.2 A análise literária e seus elementos relevantes Para se construir uma análise literária é preciso traçar alguns caminhos, escolhendo quais elementos serão analisados e qual será a abordagem assumida. Quanto à perspectiva e à abordagem, esse texto já apontou algumas tendências da análise literária que pode ajudar o crítico a escolher seu caminho, mas é preciso também traçar um roteiro de análise, ou seja, quais elementos da obra serão analisados. Alguns desses elementos são essenciais, pois determinam a própria natureza da obra. Assim, ao analisar-se um texto 16 narrativo, em algum momento abordará naturalmente os elementos que constituem uma narrativa. É preciso ressaltar que, quando se fala em roteiro, de maneira alguma, falamos em receitas prontas ou roteiros fixos até porque a percepção do analista é fundamental para a construção da análise, e aqui cabem suas leituras e seus saberes acerca da obra e dos links que essa obra apresenta. Os roteiros de análise literária devem ser flexíveis e adaptáveis à obra analisada, pois, em se tratando de arte, cada uma é especial e específica. 1.3 Roteiro de análise literária: uma sugestão para textos em prosa Antes de propor a construção de um roteiro de análise literária é preciso conhecer muito bem o objeto de análise e uma das primeiras informações deve ser a respeito do gênero literário ao qual a obra pertence. Esse elemento é relevante porque determina os demais elementos que podem ser analisados e/ou privilegiados durante a análise. Os gêneros literários em prosa mais conhecidos são o romance, o conto, a novela e a crônica. E o poema figura soberano, nos textos em verso, distribuídos em diversas formas, tais como o soneto, a epopeia, a ode, entre outras. Sugere-se para a análise de um texto em prosa o seguinte roteiro: Gênero literário ao qual pertence; Identificação: autor e obra; Pesquisa: breve (muito breve) biografia do autor; Estrutura narrativa da obra: de que maneira a história é contada? A obra é dividida em capítulos? Longos ou curtos? O autor utiliza outro tipo de organização para contar a história? Qual? Enredo: qual a sequência de fatos contada? 17 Importante Faz-se importante observar a Introdução, ou seja, o momento no qual são apresentados os fatos iniciais e no qual o leitor é situado diante da história. Observando-se também a Complicação, pois é nessa parte da história que se desenvolvem os conflitos. “Quais são os aspectos relevantes neste momento?” O Clímax é o momento culminante da história, em que a tensão, o suspense ou a emoção são mais marcantes. Investigue e aponte de que maneira o escritor construiu essa situação. O Desfecho é o último estágio do enredo e é nele que a solução do conflito é apresentada. Dentre outros aspectos, a coerência ou não do conflito. Na interpretação faz-se importante a leitura identificativa, das quais deve-se analisar os seguintes elementos: Narrador: Ao identificarmos o narrador, identificamos também o ponto de vista ou foco narrativo, isto é, podemos verificar se o narrador conta a sua própria história (1ª pessoa) ou conta à história de outras pessoas (3ª pessoa). É sempre importante analisar o tom, o intimismo ou não do narrador e associá-lo ao ponto de vista escolhido para a narração. Personagem: ser que vive a ação, responsável pelos acontecimentos da história. É importante caracterizar o personagem, relacionando sua conduta com possíveis fatos e influências da situação apresentada. Esses personagens podem ser Principais (os mais importante no desenrolar do enredo), ou Secundárias (personagem que tem uma participação menor ou menos frequente). Espaço: O “Espaço” pode ser apenas o lugar onde se passam as ações das personagens, ou pode ser o “Ambiente”, espaço com características sociais, econômicas, morais, psicológicas em que vivem as personagens. 18 Tempo: determinado pelos índices que o enredo apresenta. O tempo pode ser caracterizado quanto à: “Duração” (tempo que a história levou a ocorrer) e/ou “Época” (pano de fundo da história). Quando a época é atual, basta justificar com elementos da atualidade; quando a época é antiga, pode-se e deve-se procurar uma correspondência com fatos históricos. Outros elementos que devem ser observados em uma análise literária são as constantes e recorrentes. O estilo de um escritor é identificado, entre outros elementos, pelas constantes e recorrentes que encontramos em seu texto. Ou seja, marcas linguísticas,ideias, símbolos, posturas que se repetem e que podem se tornar constantes em sua obra. Esses aspectos constantes e recorrentes também podem estar relacionados à estrutura da obra, à caracterização dos personagens, ao espaço, enfim, relacionados a todos os elementos constitutivos de um texto literário. Além das constantes e recorrentes também pode-se analisar as ideias e concepções de um texto. Nesse contexto a linguagem não é neutra, embora muitas vezes busque-se essa neutralidade, principalmente em textos científicos. Por esse motivo, à medida que o escritor constrói seu texto ele deixa indícios, pistas sobre suas ideias e concepções morais, éticas, filosóficas, religiosas, políticas, entre outras. Isso não implica dizer que as concepções do narrador ou das personagens possam ser confundidas com as do escritor, pois é necessário diferenciar esses elementos na obra literária. Todavia, a abordagem de determinado tema pode (e geralmente o faz) apresentar não só as concepções do escritor, mas também de uma geração inteira, de uma tendência social, literária, religiosa, enfim, das ideias de um período histórico-social no qual o escritor está inserido. Sendo assim, é 19 importante responder, durante a análise algumas perguntas, tais como: “De que forma o autor trata a temática desenvolvida na obra?” Se pensarmos na ideia recorrente, mas nem por isso ultrapassada da temática amorosa, veremos que ela foi abordada inúmeras vezes e de maneira diferentes. Umas vezes, de maneira etérea, quase santificada, como é o caso das idealizações dos românticos; e outras de maneira lasciva, como a abordagem feita pelos naturalistas. Para ilustrar essa diferença, segue um trecho do romance A Viuvinha, de José de Alencar e do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo. A Viuvinha [...] Ao cair da tarde, havia de descobrir na última das janelas o vulto gracioso de uma menina que aí se conservava imóvel até seis horas, e que, retirando-se ligeiramente, vinha pela portinha do jardim encontrar-se com um moço que subia a ladeira, e oferecer-lhe modestamente a fronte, onde ele pousava um beijo de amor tão casto que parecia antes um beijo de pai. Depois, com as mãos entrelaçadas, iam ambos sentar-se a um canto do jardim, onde a sombra era mais espessa, e aí conversavam baixinho um tempo esquecido; ouvia-se apenas o doce murmúrio das vozes, interrompidas por esses momentos de silêncio em que a alma emudece, por não achar no vocábulo humano outra linguagem que melhor a exprima. [...] (ALENCAR, 1997) O Cortiço [...] Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: [...] ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno de Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. [...] (O cortiço, Cap. VII, p.68). (AZEVEDO, 2001) 20 É facilmente notado pelos trechos apresentados que o amor é abordado de maneiras postas em momentos históricos não tão distantes. Mas não é só a abordagem que muda, a própria escolha dos temas também se modifica de acordo com a tendência literária. Em alguns momentos, a arte literária foi elitista e abordava questões alheias aos acontecimentos sociais, como é o caso dos poemas parnasianos; outras vezes, a obra literária assumiu ares de instrumento de denúncia social, como é o caso do poema Navio negreiro, de Castro Alves, ainda durante o Romantismo. Enfim, durante a análise literária é fundamental reconhecer as ideias e concepções implícitas ou não na obra. 1.4 Roteiro de análise literária: uma sugestão para textos em verso A análise de textos em verso requer outra abordagem, determinada exatamente pela natureza diferente do gênero textual. Algumas diferenças são marcantes. Na análise de um texto narrativo em prosa procuramos o narrador, no poema procuraremos o eu lírico e sua postura diante do tema; se no texto narrativo em prosa procuramos a estrutura narrativa, buscando capítulos ou marcações similares, no poema, procuraremos a organização das estrofes, dos versos, enfim, procuraremos analisar elementos inerentes ao poema. Para tanto, faz-se importante a aplicabilidade de algumas perguntas, as quais podem compor um roteiro de análise literária para poemas, sendo elas: Em qual escola literária o poema se insere? Quais características dessa escola podem ser observadas no poema? Há alguma influência de outra tendência literária? Qual delas é mais evidente? (exemplificar com trechos do poema). O poema é descritivo, narrativo ou dissertativo? Qual é a postura do eu lírico dentro do poema? Qual a temática abordada? De que maneira o poeta aborda essa temática? 21 Quanto à linguagem, como podemos classificar a sintaxe e o vocabulário? Quanto à forma, analise a métrica, o ritmo e o esquema de rimas do poema. Conclua a análise destacando os pontos mais marcantes do poema. É importante lembrar novamente que apresentamos uma sugestão de roteiro e que ele deve ser adaptado à obra que será analisada, pois cada uma delas possui elementos característicos e específicos que merecem ser analisados de maneira particular. Resumo da aula 1 Nesta aula abordaram-se os conceitos básicos da análise literária, ressaltando os seus aspectos e tendências. Com base nesses teóricos efetuaram-se análises textuais. Atividade de Aprendizagem Analise os textos abaixo, atribuindo um perfil adequado a cada um dos roteiros, discorra a respeito da elaboração de seus roteiros. Texto 1 (Um beijo, de Olavo Bilac); Texto 2 (Músculos e Nervos, de Aluísio Azevedo). Texto 1 – Um Beijo Foste o beijo melhor da minha vida, Ou talvez o pior...Glória e tormento, Contigo à luz subi do firmamento, Contigo fui pela infernal descida! Morreste, e o meu desejo não te olvida: Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento, E do teu gosto amargo me alimento, E rolo-te na boca malferida. Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, Batismo e extrema-unção, naquele instante Por que, feliz, eu não morri contigo? Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto, Beijo divino! e anseio, delirante, Na perpétua saudade de um minuto... (BILAC, 1996) 22 Texto 2 - Músculos e Nervos Terminava a primeira parte do espetáculo, quando D. Olímpia entrou no circo, pelo braço do pai. Havia grande enchente. O público vibrava ainda sob a impressão do último trabalho exibido, que devia ter sido maravilhoso, porque o entusiasmo explodia por toda a plateia e de todos os lados gritavam ferozmente: “Scot! À cena Scot!” Dois sujeitos de libré azul com alamares dourados conduziam para o interior do teatro um cavalo que acabava de servir. Muitos espectadores, de chapéu no alto da cabeça, estavam de pé e batiam com a bengala nas costas das cadeiras; as cocotes pareciam loucas e soltavam guinchos, que ninguém entendia; das galerias trovejava um barulho infernal, e, por entre aquela descarga atroadora, só o nome do idolatrado acrobata sobressaía, exclamado com delíriopor mil vozes. - Scot! Scot! Olímpia sentiu-se aturdida; o pai, no íntimo, arrependia-se de lhe ter feito a vontade, consentindo em levá-la ao circo, mas o médico recomendara tanto que não a contrariassem… e ela havia mostrado tanto empenho no capricho de ir aquela noite ao Politeama… De repente, um grito uníssono partiu da multidão. Estalaram as palmas com mais ímpetos; choveram chapéus; arremessaram-se leques e ramalhetes, Scot havia reaparecido. - Bravo! Bravo, Scot! E os aplausos recrudesceram ainda. O ginasta, que entrara de carreira, parou em meio da arena, aprumou o corpo, sacudiu a cabeleira anelada, e, voltando-se para a direita e para a esquerda, atirava beijos, sorrindo, no meio daquela tempestade gloriosa. Depois de agradecer, estalou graciosamente os dedos e retirou-se de costas, a dar cambalhotas no ar. Desencadeou-se de novo a fúria dos seus admiradores, e ele teve de voltar à cena ainda uma vez, mais outra, cada vez mais triunfante. Olímpia, entretanto, com a cabeça pendida para a frente, o olhar fito, os lábios entreabertos, dir-se-ia hipnotizada, tal era a sua imobilidade. O pai tentou chamá-la à conversa; ela respondeu por monossílabos. - Queres… vamos embora. - Não. Na segunda parte do espetáculo, a moça parecia divertir-se. Não despregava a vista de Scot, a quem cabia a melhor parte dos trabalhos da noite. O mais famoso era a sorte dos voos. Consistia em dependurar-se ele de um trapézio muito alto, deixar-se arrebatar pelo espaço e, em meio do trajeto, soltar as mãos, dar uma cambalhota e ir agarrar-se a um outro trapézio que o 23 esperava do lado oposto. Cada um destes saltos levantava sempre uma explosão de bravos. Scot havia feito já; por duas vezes, o seu voo arriscado; faltava-lhe o último e o mais perigoso. Diferençava este dos primeiros em que o acrobata, em vez de lançar-se de frente, tinha de ir de costas e voltar-se no ar, para alcançar o trapézio fronteiro. O público palpitava ansioso, até que Scot afinal assomou no alto trampolim armado nas torrinhas, junto ao teto. Cavou-se logo um fundo silêncio nos espectadores. Os corações batiam com sobressalto; todos os olhos estavam cravados na esbelta figura do artista, que, lá muito em cima, parecia, nas suas roupas justas de meia, a estátua de uma divindade olímpica. Destacava-se-lhe bem o largo peito, hercúleo, guardado pelos grossos braços nus, em contraste com os rins estreitos, mais estreitos que as suas nervosas coxas, cujos músculos de aço se encapelavam ao menor movimento do corpo. Com uma das mãos ele segurava o trapézio, enquanto com a outra limpava o suor da testa. Depois, tranquilamente, sem o menor abalo, prendeu o lenço à sua cinta bordada e de lantejoulas e deu volta ao corpo. Ouvia-se a respiração ofegante do público. Scot sacudiu o braço do trapézio, experimentando-o, puxou-o afinal contra o colo e deixou-se arrebatar de costas. Em meio do circo desprendeu-se, gritou: “Hop!” deu uma volta no ar e lançou-se de braços estendidos para o outro trapézio. Mas, o voo fora mal calculado, e o acrobata não encontrou onde agarrar-se. Um terrível bramido, como de cem tigres a que rasgassem a um só tempo o coração, ecoou por todo o teatro. Viu-se a bela figura de Scot, um instante solta no espaço, virar para baixo a cabeça e cair na arena, estatelada, com as pernas abertas. O recinto do circo encheu-se logo. Nos camarotes mulheres desmaiaram, em gritos; algumas pessoas fugiam espavoridas, como se houvesse um incêndio; outras jaziam pálidas, a boca aberta e a voz gelada na garganta. Ninguém mais se entendia; nas torrinhas passavam uns por cima dos outros, numa avidez aterrada, disputando ver se conseguiam distinguir o acrobata. Este, todavia, sem acordo e quase sem vida, agonizava por terra, a vomitar sangue. Olímpia, lívida, trêmula, estonteada, quando deu por si, achou-se, sem saber como, ao lado do moribundo. Ajoelhou- se no chão, tomou-lhe a cabeça no regaço, e vergou-se toda sobre ele, procurando sentir nas faces frias o derradeiro calor daquele belo corpo escultural e másculo. E, desatinada, ofegante, apalpava-lhe o peito, o rosto, a brônzea carne dos braços, e, com um grito de extrema agonia, molhava a boca 24 no sangue que ele expelia pela boca. Scot teve um estremecimento geral de corpo, contraiu-se, vergou a cabeça para trás, volveu para a moça os seus límpidos olhos comovidos, agora turvados pela morte, soltou o gemido derradeiro. E o corpo do acrobata escapou das mãos finas de Olímpia, inanimado. (AZEVEDO, 1893) Aula 2 – Análise de textos Realistas e Naturalistas Apresentação da aula 2 Nesta aula foram analisados obras Realistas e Naturalistas, evidenciando as características dos principais autores. 2. Análise de textos Realistas e Naturalistas No período do surgimento do Realismo e do Naturalismo, foi um período fértil para o desenvolvimento dos textos literários em prosa, notadamente, o Romance. Embora não tenha sido o berço do Romance, como se afigurou o Romantismo, as Escolas Realista e Naturalista deixaram para a Literatura Brasileira, obras que marcaram um período em que a arte atuou de maneira engajada e crítica em relação à sociedade e suas contradições. Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Raul Pompeia, entre outros, construíram um acervo que retrata o Brasil e seus costumes de maneira crua e verdadeira. 2.1 Realismo Corrêa (S/d), quanto ao Realismo evidencia que: Na França, o nome “Realismo” apareceu pela primeira vez em 1826, quando a revista literária Mercure de France publicou o seguinte texto: Esta doutrina literária que a cada dia ganha terreno e que conduzirá à fiel imitação não das obras-primas da arte, mas dos originais oferecidos pela natureza, poderia, com muita propriedade, ser chamada realismo. Ao que parece, ela será a literatura do século XIX, a literatura da verdade (apud WELLEK, 1972, p. 1). A partir de então, o termo “realismo” começa a ser empregado no contexto literário por romancistas e críticos franceses. Em 1833, Gustave Planche, ao tecer comentários sobre o “realismo” na obra de George 25 Crabbe, empregou o termo para analisar o rigor do romancista na composição dos quadros descritivos de seus romances. Hippolyte Fortoul, em 1834, criticou um romance escrito “com exagero de realismo, à maneira de Victor Hugo” (apud WELLEK, 1972, p. 1). Nessa época, realismo nomeava um traço característico de escritores hoje classificados como românticos. Só um pouco mais tarde passou a corresponder à descrição de costumes contemporâneos. Em 1846, Hippolyte Castille inovou, ao relacionar Balzac à escola realista (apud WELLEK, 1972, p. 2). (CORRÊA, S/d. p.3045-3046). O Realismo iniciou-se na França, em 1857, com a publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, no Brasil iniciou-se em 1881, com as obras Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e O Mulato, de Aluísio Azevedo. Vale reforçar que Machado de Assis já havia produzido várias obras durante o Romantismo e por isso é chamado de escritor de transição. Suas obras realistas são, todavia, mais encorpadas e provocativas, pois abordam a sociedade carioca e escancaram suas mazelas (adultério, traição, mentiras e tráfico de influências são alguns dos temas que podem ser encontrados na tríade de obras mais conhecidas Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas). As principais características do Realismo, são: Oposição ao idealismo romântico (não havia representatividade do envolvimento sentimental); Representação mais fiel da realidade; Romance como crítica às instituições sociais decadentes da época (como o casamento, a hipocrisia, ojogo de interesses pelo poder, analise dos valores burgueses, corrupções de classe, dentre outras); Narrativa minuciosa (rica em detalhes); Personagens analisadas psicologicamente. Seus principais autores e obras foram: Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891); Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908); Raul Pompéia: O Ateneu (1888). 26 No Realismo, o gênero literário que mais se desenvolveu foi o Romance, o que não implica dizer que o conto e a novela não existiram, aponta apenas para uma predominância do Romance. Os textos em verso também figuraram durante o período, mas de forma menos marcante. A prova disso é que Machado de Assis, grande romancista também escreveu belíssimas poesias, como as explicitadas na sequência. Livros e flores Teus olhos são meus livros. Que livro há aí melhor, Em que melhor se leia A página do amor? Flores me são teus lábios. Onde há mais bela flor, Em que melhor se beba O bálsamo do amor? (ASSIS, 1946) Círculo Vicioso Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume: - Quem me dera que fosse aquela loura estrela, que arde no eterno azul, como uma eterna vela! Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme: - Pudesse eu copiar o transparente lume, que, da grega coluna à gótica janela, contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela! Mas a lua, fitando o sol, com azedume: - Misera ! tivesse eu aquela enorme, aquela claridade imortal, que toda a luz resume! Mas o sol, inclinando a rutila capela: - Pesa-me esta brilhante aureola de nume... Enfara-me esta azul e desmedida umbela... Porque não nasci eu um simples vaga-lume? (ASSIS, 1946) Machado de Assis foi prosador e foi poeta, mas como este texto já afirmou, no que se refere à análise literária, é importante lembrar que a análise é diferenciada em alguns aspectos. Embora busquemos o mesmo objetivo, os elementos a serem analisados são diferentes e bem específicos. 27 No texto em prosa, buscam-se os elementos da narrativa e no texto em verso, buscam-se a postura do eu lírico, a abordagem da temática, a análise da forma linguística, entre outros elementos característicos. Como no Realismo e no Naturalismo predominam a prosa, na sequência se efetuará a análise de trechos do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis e do conto O caso da vara, também do mesmo autor. Além dos textos machadianos, será analisado o conto Inveja, de Aluísio Azevedo, o qual que segue a tendência naturalista, dentro da Escola Realista. 2.1.1 Análise da obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis Por trata-se de um texto extenso, não será possível abordá-lo em sua totalidade. Contemplaremos então alguns trechos da obra, apresentando uma proposta de redação para uma análise literária. Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5b/Memorias_Posthumas_de_Braz _Cubas.jpg Lembramos sempre que sua participação como analista e crítico literário é fundamental, tendo em vista que cada um de nós, amantes da Literatura, carregamos nossas experiências, nossas leituras e nossas preferências. São esses elementos que atribuíram o viés do texto analítico, sem, todavia, abandonar os elementos essenciais a uma boa análise literária. 28 2.1.1.1 Análise do narrador e do foco narrativo [...] Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas. CAPÍTULO 1 Óbito do Autor Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado. (ASSIS, 1978) Machado de Assis criou um narrador póstumo, por isso a narração é feita em primeira pessoa, mas mescla o foco narrativo com uma terceira pessoa observadora. Na posição de defunto autor, Brás Cubas “vive” e conta sua própria história. Essa versatilidade marca a obra machadiana e lembramos ainda que o narrador criado por Machado de Assis, em muitos momentos e em várias obras do escritor, mantém um diálogo franco e aberto com o leitor, como podemos perceber no trecho que segue. 29 2.1.1.2 Análise do tempo [...] CAPÍTULO 7 O delírio Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá. Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direito à narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos. (ASSIS, 1978) É perceptível que o narrador se dirige ao leitor, advertindo-o sobre a narrativa que virá e sugerindo-lhe que “salte” o capítulo caso não goste do tema que será abordado. Ainda no Capítulo 7, Machado, aliás, o defunto-autor continua a contar seu delírio e podendo então analisar o tempo da narrativa neste trecho. [...] Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim, que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim. Logo depois, senti-me transformado na Suma Teológica de São Tomás, impressa num volume, e encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; ideia esta que me deu ao corpo a mais completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro, e cruzando-as eu sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe dava a imagem de um defunto. Ultimamente, restituído à forma humana, vi chegar um hipopótamo, que me arrebatou. Deixei-me ir, calado, não sei se por medo ou confiança; mas, dentro em pouco, a carreira de tal modo se tornou vertiginosa, que me atrevi a interrogá-lo, e com alguma arte lhe disse que a viagem me parecia sem destino. — Engana-se, replicou o animal, nós vamos à origem dos séculos. [...] (ASSIS, 1978) Pode-se perceber dois tempos verbais no romance: um é o tempo psicológico utilizado pelo autor defunto que, por ser defunto e alheio ao mundo30 dos vivos, conta a história na sequência que mais lhe agrada, fazendo pausas, adiantando o tempo, enfim, manipulando-o com bem quer. O delírio, título do Capítulo 7 da obra mostra como o defunto autor pausa a narrativa e introduz outras narrativas, que nem sempre respeitam a verossimilhança tão comum nas obras daquele tempo. Percebam que ela narra um delírio que durou cerca de 20 a 30 minutos, obviamente pouco tempo para as peripécias do tal delírio. Por outro lado, há o tempo cronológico, que aparece de forma cíclica, ou seja infância, adolescência, juventude, maturidade, velhice, morte e novamente a infância que fecha e reabre o ciclo. Não podemos esquecer da linearidade ou não da narrativa. Esse elemento costuma estar articulado com a escolha do tempo da narrativa, determinado em que sequência os fatos serão apresentados. 2.1.1.3 Análise do Espaço [...] CAPÍTULO 25 Na Tijuca Ui! lá me ia a pena a escorregar para o enfático. Sejamos simples, como era simples a vida que levei na Tijuca, durante as primeiras semanas depois da morte de minha mãe. No sétimo dia, acabada a missa fúnebre, travei de uma espingarda, alguns livros, roupa, charutos, um moleque, — o Prudêncio do capítulo 11, — e fui meter-me numa velha casa de nossa propriedade. Meu pai forcejou por me torcer a resolução, mas eu é que não podia nem queria obedecer-lhe. Sabina desejava que eu fosse morar com ela algum tempo -duas semanas, ao menos; meu cunhado esteve a ponto de me levar à fina força. Era um bom rapaz este Cotrim; passara de estróina a circunspecto. Agora comerciava em gêneros de estiva, labutava de manhã até a noite, com ardor, com perseverança. De noite, sentado à janela, a encaracolar as suíças, não pensava em outra coisa. Amava a mulher e um filho, que então tinha, e que lhe morreu alguns anos depois. Diziam que era avaro. (ASSIS, 1978) Com o trecho do Capítulo 25, evidencia-se a questão do Espaço na narrativa machadiana. 31 Machado elegeu o Rio de Janeiro como espaço principal de todas as suas obras. Embora Brás Cubas tenha passeado por toda a Europa, sua história passa-se mesmo no Rio de Janeiro e seus arredores, como o Capítulo 25 mostra. Nele, o jovem Brás se isola do mundo após a morte de sua mãe e para tanto segue para a Chácara da família, na Tijuca. Aqui é importante destacar o espaço social e histórico e trabalhar com algumas características que podem aproximar o leitor da análise daquele contexto histórico. Perguntas como: O que significava ter uma chácara “na Tijuca” naquele contexto? Devem ser respondidas para apresentar, por exemplo, a medida da situação financeira de Brás Cubas que pode se dar ao luxo de isolar-se, sem pensar em trabalho ou obrigações, até que o pai viesse chamá-lo a esses deveres. Rio de Janeiro, século XIX Fonte: http://files.asliteratas.webnode.com.br/200000116-4d1f14e171/ruadireita-g.jpg 32 2.1.1.4 Análise da estrutura narrativa [...] CAPÍTULO 34 A uma alma sensível Há aí, entre as cinco ou dez pessoas que me leem, há aí uma alma sensível, que está decerto um tanto agastada com o capítulo anterior, começa a tremer pela sorte de Eugênia, e talvez..., sim, talvez, lá no fundo de si mesma, me chame cínico. Eu cínico, alma sensível? Pela coxa de Diana! Esta injúria merecia ser lavada com sangue, se o sangue lavasse alguma coisa nesse mundo. Não, alma sensível, eu não sou cínico, eu fui homem; meu cérebro foi um tablado em que se deram peças de todo gênero, o drama sacro, o austero, o piegas, a comédia louçã, a desgrenhada farsa, os autos, as bufonerias, um pandemônio, alma sensível, uma barafunda de coisas e pessoas, em que podias ver tudo, desde a rosa de Smirna até a arruda do teu quintal, desde o magnífico leito de Cleópatra até o recanto da praia em que o mendigo tirita o seu sono. Cruzavam-se nele pensamentos de vária casta e feição. Não havia ali a atmosfera somente da águia e do beija-flor; havia também a da lesma e do sapo. Retira, pois, a expressão, alma sensível, castiga os nervos, limpa os óculos, — que isso às vezes é dos óculos, — e acabemos de uma vez com esta flor da moita. (ASSIS, 1978) A estrutura narrativa do romance é marcada por um grande número de capítulo, inclusive capítulos bem curtos. A obra apresenta 160 capítulos. É importante destacar essa escolha do escritor e discutir a necessidade dessa estrutura, respondendo questões como: “Essa criação, inicialmente excessiva de capítulos foi realmente necessária? Por que Machado assim procedeu?” Esses são alguns dos elementos que podem ser analisados em um romance. Cabe a você, analista e crítico, buscar todos os aspectos relevantes da obra literária que é objeto da análise, retirando dela, com todo o respeito, as singularidades inerentes ao objeto artístico. 33 2.2 Naturalismo Corrêa (S/d.), quanto ao Naturalismo explicita que: Na filosofia antiga, “naturalismo” era sinônimo de materialismo e de epicurismo. Durante muito tempo este foi o sentido primário da palavra. Do século XVIII ao século XIX, esta passou a denominar um sistema filosófico segundo o qual o homem vive num mundo desprovido de forças metafísicas. Diderot declarava que os “naturalistas” eram homens que não aceitavam a existência de Deus, pois se interessavam unicamente pela substância material. Ao longo de toda a década de quarenta do século XIX, o crítico Saint-Beuve empregou, em seus ensaios, os nomes “naturalismo” e “materialismo” como equivalentes (apud FURST & SKRINE, 1971, p. 11). Este primeiro sentido de cunho filosófico, e que põe em relevo o interesse do homem pela substância material do mundo visível, permanece até hoje. As acepções antigas, nas quais o naturalista aparece como aquele que se interessa pela matéria e por suas manifestações naturais e leis físicas, tornam-se relevantes quando aplicadas a um movimento artístico que atribui grande importância aos objetos palpáveis do mundo visível. O século XIX testemunhou a associação entre “naturalismo” e “naturalista”. O culto romântico à natureza despertou interesse pelo estudo do meio natural. Os estudiosos das ciências naturais, como a botânica e a zoologia, passaram, então, a denominarem-se naturalistas. Foi assim que, ao longo do século XIX, o avanço da ciência fez com que os vocábulos “naturalismo” e “naturalista” deixassem de lado a acepção filosófica para adquirir um sentido científico. A associação com a ciência permitiu que os termos perdessem o tom pejorativo de ateísmo e epicurismo, adquirindo respeitabilidade. Paralelamente ao sentido filosófico e científico, instaurou-se o sentido artístico. Do século XII ao XIX, o adjetivo “naturalista” serviu para classificar o pintor capaz de reproduzir a natureza com fidelidade e exatidão. No século XVII, Pacheco, um dos pintores espanhóis do chamado “século de ouro”, num de seus tratados didáticos, qualificou de naturalista a escola pictórica que se consagrava à tradução da natureza. A arte seria a expressão da vida em todos os seus modos e teria como único objetivo a reprodução do meio natural. Este ideal baseia-se no realismo mimético e leva em consideração as escolhas pessoais do artista, quanto ao momento e ao modo de retratação. O pintor naturalista era aquele que, diferente dos demais, não reproduzia temas históricos, mas sim a natureza. De 1840 até 1865, aproximadamente, “naturalista” tornou-se um termo chave para os críticos que reverenciavam os pintores que retratavam a natureza. A palavra foi empregada com frequência pela crítica de arte do século XIX, especialmente na França. Como o termo “naturalismo”já trazia consigo significados distintos originários da filosofia, da ciência e das Belas-Artes, antes mesmo de ser utilizado pela crítica literária, é comum encontrarmos ao longo do século XIX os seus mais diferentes sentidos manipulados pela crítica. A aproximação entre acepções oriundas de diversas áreas do saber fez com que, muitas vezes, um romancista fosse chamado naturalista, sem saber e sem, de fato, ser. [...] No prefácio da segunda edição do romance Thérèse Raquin (1867), assinado em 15 de abril de 1868, Émile Zola empregou o termo “naturalista” de forma clara e direta, no sentido literário em que hoje o compreendemos. Ao longo de todo o prefácio, Zola defende-se dos ferozes ataques sofridos na ocasião do lançamento do romance, acusado de imoral e considerado verdadeiro lixo literário. Corriqueira e tacanha, para ele a crítica não teria compreendido que o ponto de partida de Thérèse Raquin era “o estudo do temperamento e das modificações profundas do organismo 34 sob a pressão do meio e das circunstâncias” (ZOLA, 2001, p. 13). Ao especular como a crítica moderna, ao contrário da moralista, entenderia seu romance, Zola serve-se do adjetivo “naturalista”. Da mesma forma, os adjetivos “grande” e “metódica” são usados para qualificar a crítica responsável pela renovação da ciência, da história e da literatura. Ainda segundo Zola, essa crítica compreenderia o seu romance como um estudo de caso excepcional, um verdadeiro drama da vida moderna; diria apenas, talvez, que, para um romance de análise, o estilo deveria ser mais simples, enquanto a linguagem, mais clara e natural. Ao concluir o prefácio, Émile Zola serve-se novamente do vocábulo “naturalista”, agora usado para nomear o grupo de escritores que compartilham de sua doutrina literária. Zola encerra declarando que não precisa escrever um manifesto para defender e explicar Thérèse Raquin diante daqueles que o consideram “literatura putrefata” (ZOLA, 2001, p. 14), e argumenta dizendo: “O grupo de escritores naturalistas ao qual tenho a honra de pertencer tem coragem e fôlego suficiente para produzir obras fortes, trazendo em si mesmas a própria defesa” (ZOLA, 2001, p. 14). O termo “naturalismo” estava, então, lançado e sobreviveu; a princípio, acoplado ao termo “realismo”. Somente no século XX, por uma limitação à teoria determinista e científica de Zola, o “naturalismo” diferenciou-se do “realismo”, muito mais amplo e vago, aplicado a qualquer arte que se relacione com a representação da realidade (cf. WELLEK, 1972, p. 15). [...] Assim como Émile Zola, os demais escritores naturalistas não diferenciavam “realismo” e “naturalismo”. Em 1876, na ocasião do lançamento de A taberna (1876), Joris-Karl Huysmans defendeu Zola dos ataques da crítica através de uma série de artigos intitulada “Émile Zola et L’Assommoir”, publicada no jornal L’Actualité de Bruxelles. Nesses artigos, além de traçar um perfil burguês do mestre naturalista, Huysmans emprega os termos “realismo” e “naturalismo” de forma pouco elucidativa (CORRÊA, S/d. p. 3047-3049). 2.2.1 O Naturalismo e suas características O Realismo, a exemplo do Romantismo, também reflete uma ordem social que se criou a partir de muitas revoluções, entre elas as revoluções do operariado fundamentadas nas ideias marxistas. O descontentamento com a já solidificada classe burguesa e com as condições de trabalho nas fábricas fizeram eclodir várias greves e revoltas. Dessa forma, desloca-se o foco de abordagem da obra literária tendo como objeto principal as classes menos abastadas e sua situação social. As ideias científico-filosóficas buscavam explicar a complexidade do momento. Nesse contexto nasce, dentro do Realismo, a tendência naturalista que também aborda a sociedade de maneira objetiva, mas com um viés biológico. 35 Para os naturalistas, a existência humana é material e o homem é um produto biológico e por isso mesmo, refém dessa situação. Por isso, o homem, nessa tendência, é controlado por seus instintos e sofre muitas vezes, nos romances naturalistas, um processo de zoomorfização, ou seja, uma aproximação com os animais. Também é característico do Naturalismo um homem condicionado ao meio, subordinado a fatores físicos e químicos, à hereditariedade e às influências que sobre nesse próprio meio social. No Naturalismo, o cientificismo foi levado ao extremo, tanto que o romance experimental marcou esse momento da literatura brasileira e mundial. Para tanto os romances naturalistas apresentam linguagem simples e descrições minuciosas, optando preferencialmente por temas que remetem à falência dos padrões morais e éticos, tais como adultério, miséria, crimes, taras sexuais, conflitos sociais, entre outros. Existem obras emblemáticas nesse período e uma delas é Germinal (1885), do francês Émile Zola. Na obra, há uma abordagem impressionante da situação do proletariado, cotejada com ideias deterministas e marxistas, apresentando nitidamente o descontentamento da classe operária com a dinâmica capitalisto-burguesa. Os baixos salários, as péssimas condições de trabalho, a absurda jornada de trabalho e a desvalorização geral do operário desencadeiam uma greve que adoece física e emocionalmente as famílias. Depois de vários momentos de conflito e drama o ciclo do determinismo se fecha e os operários obrigam-se a voltar ao trabalho, condicionando-se ao meio e às forças sociais. A ideia do escapismo e do conformismo se mostram presentes no seguinte trecho: Quando se vive como um animal, de cabeça baixa, um pouco de ilusão não faz mal, um escape onde se possa sonhar com as coisas que jamais estarão ao alcance da mão. (ZOLA, 2011). A conduta moralmente questionável e atrelada à situação de miséria e condicionamento também aparece muito forte na obra, como evidencia-se no trecho a seguir: Desde que começara a instruir-se, a promiscuidade da aldeia mineira chocava-o. Então eram animais para viverem assim, amontoados, 36 uns por cima dos outros, com tanto campo em volta, a ponto de não se poder trocar a camisa sem ter que mostrar o traseiro ao vizinho? E que bem fazia para a saúde essa promiscuidade, com moças e rapazes apodrecendo juntos! -Ora! - respondeu Maheu. - Se houvesse mais dinheiro viveríamos melhor... Mas de fato , só pode fazer mal viver amontoado desse jeito. Sempre termina com homens bêbados e mulheres grávidas. (ZOLA, 2011, p.172). A exploração e a miséria, o descontentamento com o estado das coisa aparece de maneira marcante na obra Germinal, fazendo-se importante relembrar mais uma vez o constante controle que o vício e os instintos exerciam sobre o homem (características do Naturalismo). Trabalhavam como bestas numa coisa que antes dó era feita pelos condenados às guilhotinas, morriam ali, muito antes de ter chegado a sua hora, e tudo isso para nem sequer terem carne no jantar. Ainda comiam, claro, mas tão pouco, apenas o suficiente para seguirem sofrendo, cheios de dívidas, perseguidos como se tivessem roubando o pão que não os deixava morrer de fome. Aos domingos sucumbiam exaustos. Os únicos prazeres eram embriagar-se e fazer filhos na mulher. E ainda por cima a cerveja fazia crescer a barriga, e os filhos, mais tarde, renegavam os pais. Não, não, a vida não tinha graça alguma. (ZOLA, 2011. p.173). Saiba Mais Émile-Édouard-Charles-Antoine Zola (1842-1902), nasceu em Paris. Foi o fundador e o principal representante do movimento literário naturalista. Educado em Aix-en-Provence, Zola começou a trabalhar em 1862 no departamento de vendas da uma editora. Quatro anos depois decidiu dedicar-se exclusivamente à literatura. Suas duas primeiras obras, Contes à Ninon (1864) e o romance LaConfession de Claude (1865), marcaram a transição para o Naturalismo, já definitivamente manifesto em Thérèse Raquin (1867). Esses são alguns aspectos que podem ser observados em uma obra Naturalista e que devem aparecer na análise literária quando o analista apresentar ideias, concepções e abordagem do tema. 37 O Brasil segue essa tendência e nossos escritores também produzem obras aos moldes do naturalismo de Zola. Com a publicação de O Mulato (1881), Aluísio Azevedo (1857-1913) consagrou-se como um escritor naturalista. A publicação dessa obra marca o início do Naturalismo brasileiro. O Cortiço (1890), de Aluísio de Azevedo também apresenta uma coletividade representada pelo Cortiço de João Romão. Esse, claro, representante da classe economicamente privilegiada, exerce controle sobre seus inquilinos, formando um ciclo de condicionamento e exploração aos moldes do apresentado por Zola. No trecho que segue, Azevedo destaca a vida no cortiço e as compras que os moradores faziam na venda que também era do dono do cortiço. O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispensas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam- se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra. (AZEVEDO, 1995) Nesse paralelo entre as duas obras podem-se perceber outras características realistas e naturalistas. A animalização, a ausência de padrões rígidos de moral (característicos do Realismo), o enfoque na dominação do instinto (característicos do Naturalismo). Neste trecho, já no final do romance, João Romão denuncia Bertoleza, a escrava fugida com a qual vivia amasiado, e a qual havia explorado sexual e financeiramente por quase toda a vida. Aqui fica perceptível a zoomorfização e a exploração moral e física da personagem. — É esta! disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. — Prendam-na! É escrava minha! A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado. E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue. 38 João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos. (AZEVEDO, 1995). Gomes (S/d), reforça que: O Naturalismo é uma ramificação do Realismo e uma das suas principais características é a retratação da sociedade de uma forma bem objetiva. Os naturalistas abordam a existência humana de forma materialista. O homem é encarado como produto biológico passando a agir de acordo com seus instintos, chegando a ser comparado com os animais (zoomorfização). Segundo o Naturalismo, o homem é desprovido do livre-arbítrio, ou seja, o homem é uma máquina guiada por vários fatores: leis físicas e químicas, hereditariedade e meio social, além de estar sempre à mercê de forças que nem sempre consegue controlar. Para os naturalistas, o homem é um brinquedo nas mãos do destino e deve ser estudado cientificamente. (GOMES, S/d.). As principais características do Naturalismo são: O cientificismo exagerado que transformou o homem e a sociedade em objetos de experiências; Descrições minuciosas e linguagem simples; Preferência por temas como miséria, adultério, crimes, problemas sociais, taras sexuais e etc. A exploração de temas patológicos traduz a vontade de analisar todas as podridões sociais e humanas sem se preocupar com a reação do público, enfatizando também as classes marginalizadas. Ao analisar os problemas sociais, o naturalista explicita a sua ânsia em reformar a sociedade (através da denúncia desses problemas). Os principais autores Naturalistas e suas obras: Aluísio Azevedo: O cortiço (1890), O Mulato (1881), Casa de pensão (1884); Adolfo Caminha: O bom crioulo (1895). 39 Adolfo Caminha publicou as obras A Normalista (1892), e O bom crioulo (1895), que falam sobre desvios sexuais e especificamente explicitando o homossexualismo. Em 1890, o Naturalismo atinge o seu ápice com a publicação de O cortiço, de Aluísio de Azevedo (obra repleta de personagens marginalizados). 2.3 Análise de texto Naturalista Para apresentar uma breve análise literária de um texto naturalista, escolhemos o conto Inveja, de Aluísio Azevedo. Inveja Era uma rica tarde de novembro. O sol acabava de retirar-se naquele instante, mas a terra, toda enrubescida, palpitava ainda com o calor dos seus últimos beijos. O céu, vermelho e quente, debruçava-se sobre ela, envolvendo-a num longo abraço voluptuoso; de todos os lados ouvia-se o lamentoso estridular das cigarras, e as árvores concentravam-se, murmurando, em êxtases, como se rezassem a oração do crepúsculo. Àquela hora de recolhimento e de amor a natureza parecia comovida. A noite abria lentamente no espaço as suas asas de paz, úmidas de orvalho, prenhez de estrelas que ainda mal se denunciavam numa palpitação difusa. Uma boiada recolhida ao longe, abeberando nos charcos do caminho, e bois tranquilos levantavam a cabeça, com a boca escorrendo em fios de prata, e enchiam a solidão das clareiras com a prolongada tristeza dos seus mugidos. Num quintal, entre uma nuvem de pombos, uma rapariga apanhava da corda a roupa lavada que estivera a secar durante o dia; enquanto um homem, em mangas de camisa, passava pela estrada, cantando, de ferramenta ao ombro. De cada casa vinha um rumor alegre de famílias que se reúnem para jantar, e, junto com latidos de cães e choros de criança, ouvia-se o contente palavrear dos trabalhadores em descanso, ao lado da mulher e dos filhos. Entretanto, um padre ainda moço, depois de passear silenciosamente à sombra das árvores, foi assentar-se, triste e preocupado, nos restos de uma fonte de pedra, cuja pobreza as ervas disfarçavam com a opulência da sua folhagem viçosa e florida. E aí ficou a cismar, perdido num profundo enlevo, como se o ardente perfume daquela tarde de verão fora forte demais para a sua pobre alma enferma de homem casto. Estranhos e indefinidos desejos levantavam-se dentro dele, pedindo confortos de uma felicidade que lhe não pertencia e levando-o a cobiçar uma doce existência desconhecida, que seu coração magoado e ressentido mal se animava de sonhar por instinto. E, assim, vinham-lhe à memória, com uma reminiscência dolorosa, todas as suas aspirações da infância. Ah! nesse tempo, quanta esperança 40 no futuro!… Quanta inocência nas suas aspirações!… Quanta confiança em tudo que é da terra e em tudo que é do céu!… Nesse tempo não conhecia ele a luta dos homens contra os homens; não conhecia as guerras da inveja e as guerras da vaidade; não conhecia as humilhantes necessidades deste mundo; não conhecia ainda a responsabilidade da sua vida e não sabia como e quanto dói ambicionar muito e nada conseguir. Ah! nesse tempo feliz, ele era expansivo e risonho. Nesse tempo ele era bom. Mas, continuou a pensar, cruzando sobre o fundo estômago as mãos finas e descoradas, enterraram-me numa casa abominável, para ser padre. Deram-me depoisuma mortalha negra e disseram-me: “Estuda, medita, reza, e faze-te um santo! És moço? Pois bem! quando o sangue, em ondas de fogo, subir-te à cabeça e quiser estrangular os teus votos, agarra aquele cilício e fustiga com ele o corpo! quando vires uma mulher, cujo olhar, úmido e casto, te faça sonhar os deslumbramentos do amor, bate com os punhos cerrados contra o teu peito e alanha tua carne com as unhas, até que sangres de todo o veneno da tua mocidade! Fecha-te ao prazer e à ternura, fecha-te dentro da tua fé, como se te fechasses dentro de um túmulo!” E, com estas recordações, o infeliz quedara-se esquecido, a olhar cegamente para a paisagem que defronte dele ia pouco e pouco se esfumando e esbatendo nos crepes da noite; ao passo que no céu as estrelas se acendiam. Desde que o destinaram a padre, sentia-se arrastado para a tristeza e para a solidão; achava certo gozo amargo em deixar-se consumir pela áspera certeza da sua inutilidade física. Não queria a convivência dos outros homens, porque todos tinham e desfrutavam aquilo que lhe era vedado – o amor, a alegria, a doce consolação da família. O que ele desejava do fundo do seu desgosto era morrer, morrer logo ou quando menos envelhecer quanto antes; ficar feio, acabado, impotente; que o seu cabelo de preto e lustroso se tornasse todo branco; que o seu olhar arrefecesse; que os seus dentes amarelassem e a sua fronte se abrisse em rugas. Desejava refugiar-se covardemente na velhice como num abrigo seguro contra as paixões mundanas. Sofria ímpetos de arrancar aquele seu coração importuno e esmagá-lo debaixo dos pés. Não se sentia capaz de domar a matilha que lhe rosnava no sangue; sobressaltava-se com a ideia de sucumbir a uma revolta mais forte dos nervos, e só a lembrança de que seria capaz de uma paixão sensual sacudia-o todo com um frio tremor de febre. - Todavia... replicou-lhe do íntimo da consciência uma voz meiga, medrosa, quase imperceptível todavia, o amor deve ser bem bom!… E dois fios compridos escorreram pelas faces pálidas do padre. Nisto, o canto de um passarinho fê-lo olhar para cima. Na embalsamada cúpula de verdura que cobria a monte o inocente intruso trinava ao lado da sua companheira. O moço estremeceu e ficou a olhar fixamente para eles. Os dois velhaquinhos, descuidosos na sua felicidade, conservavam-se muito unidos, como se estivessem cochichando segredos de amor. A fêmea estendia a cabeça ao amigo e, enquanto este lhe ordenava as penas com o bico, ela, num arrepio, contraía-se toda, com as asas levemente abertas e 41 trêmulas. Depois, uniram-se ainda mais, prostrados logo pelo mesmo entorpecimento. Então, o jovem eclesiástico, tomado de uma vertigem, levantou o guarda-chuva e com uma pancada lançou por terra o amoroso par. Os pobrezitos, ainda palpitantes de amor, caíram, estrebuchando a seus pés. O padre voltou o rosto e afastou-se silenciosamente. No horizonte esbatia-se a última réstia de sol e o sino de uma torre distante começou a soluçar Ave-Maria. (AZEVEDO, 1943) O conto Inveja, foi escrito por Aluísio Azevedo durante o final do Realismo e início do Naturalismo, escola que dominou a cena literária no final do Século XIX. O conto é um texto breve e sucinto. A ação fica por conta das reflexões de um jovem padre acerca de sua vida eclesiástica. O enredo é apresentado de forma linear, marcado por um desfecho surpreendente e até certo ponto chocante. A narrativa é apresentada em terceira pessoa, com um narrador onisciente, que sabe tudo que se passa na cabeça da única personagem do conto: o jovem padre. Apresenta-se como exemplo o seguinte trecho: Estranhos e indefinidos desejos levantavam-se dentro dele, pedindo confortos de uma felicidade que lhe não pertencia e levando-o a cobiçar uma doce existência desconhecida, que seu coração magoado e ressentido mal se animava de sonhar por instinto. (AZEVEDO, 1943). No trecho apresentado, é possível perceber a perspectiva do narrador que conhece os mais íntimos desejos da personagem, compartilhando inclusive de suas angústias e frustrações. O conto nos apresenta apenas um personagem que reflete sobre sua existência. As características psicológicas desse personagem desenham uma pessoa, desanimada, insatisfeita e frustrada com a vida que foi abrigado a assumir. Esse fato, todavia, não chega a preparar o leitor para o final cruel que o conto apresenta porque, esse aspecto violento e vingativo, apesar do título Inveja, nos aparece apenas no momento em que, de um golpe, o jovem padre derruba os passarinhos, “[...] então, o jovem eclesiástico, tomado de uma 42 vertigem, levantou o guarda-chuva e com uma pancada lançou por terra o amoroso par.” (AZEVEDO, 1943). O trecho “o padre voltou o rosto e afastou-se silenciosamente [...]” (AZEVEDO, 1943), destaca então a frieza que se apoderou do rapaz por conta da vida a que foi obrigado a levar. O espaço retratado no conto é simples e externo. O jovem padre se encontra em um quintal, sentado à beira de uma fonte de pedra, como o trecho abaixo confirma. Entretanto, um padre ainda moço, depois de passear silenciosamente à sombra das árvores, foi assentar-se, triste e preocupado, nos restos de uma fonte de pedra, cuja pobreza as ervas disfarçavam com a opulência da sua folhagem viçosa e florida. (AZEVEDO, 1943). Há uma descrição mais ampla desse espaço externo, onde figurantes constroem a atmosfera, até certo ponto bucólica de fim de tarde. De cada casa vinha um rumor alegre de famílias que se reúnem para jantar, e, junto com latidos de cães e choros de criança, ouvia-se o contente palavrear dos trabalhadores em descanso, ao lado da mulher e dos filhos. (AZEVEDO, 1943). Essa atmosfera se refere de maneira mais clara ao tempo, o qual no conto Inveja, é cronológico, apresentando diversas marcações temporais, principalmente no que se refere à quando aconteceu. A duração do evento não é precisa, mas podemos associá-la com o pensamento e a ação do jovem padre. Vale reforçar que o primeiro e o último parágrafos, além de apresentar o “quando aconteceu” também evidencia a medida de quanto tempo durou o fato narrado. Era uma rica tarde de novembro. O sol acabava de retirar-se naquele instante, mas a terra, toda enrubescida, palpitava ainda com o calor dos seus últimos beijos. [...] No horizonte esbatia-se a última réstia de sol e o sino de uma torre distante começou a soluçar Ave-Maria. (AZEVEDO, 1943). Pode-se afirmar que o evento durou o tempo que o sol levou para se esconder totalmente no horizonte, já no finalzinho da tarde. A análise de constantes e recorrentes requer uma abordagem geral da obra do autor, pois muitas vezes essas repetições aparecem se analisadas 43 outras obras do autor, inclusive ao tratar de textos mais curtos como este conto. Neste caso, pode-se apontar o condicionamento como uma ideia constante e recorrente na obra de Aluísio Azevedo. No conto Inveja, um jovem foi obrigado a levar a vida eclesiástica e, embora absolutamente contrariado, se resignou a essa vida. Desde que o destinaram a padre, sentia-se arrastado para a tristeza e para a solidão; achava certo gozo amargo em deixar-se consumir pela áspera certeza da sua inutilidade física. Não queria a convivência dos outros homens, porque todos tinham e desfrutavam aquilo que lhe era vedado – o amor, a alegria, a doce consolação da família. O que ele desejava do fundo do seu desgosto era morrer, morrer logo ou quando menos envelhecer quanto antes; ficar feio, acabado, impotente; que o seu cabelo de preto e lustroso se tornasse todo branco; que o seu olhar arrefecesse; que os seus dentes amarelassem e a sua frontese abrisse em rugas. Desejava refugiar- se covardemente na velhice como num abrigo seguro contra as paixões mundanas. (AZEVEDO, 1943). A análise aqui apresentada é um ponto de partida para outras análises bem mais profundas e abrangentes de obras literárias do Naturalismo brasileiro. Resumo da aula 2 Nesta aula foram analisados obras Realistas e Naturalistas, evidenciando as características de seus principais autores. Atividade de Aprendizagem Leia o conto O caso da vara, de Machado de Assis. Após a leitura elabore um roteiro e efetue a sua análise. O Caso da vara, de Machado de Assis Damião fugiu do seminário às onze horas da manhã de uma sexta-feira de agosto. Não sei bem o ano, foi antes de 1850. Passados alguns minutos parou vexado; não contava com o efeito que produzia nos olhos da outra gente aquele seminarista que ia espantado, medroso, fugitivo. Desconhecia as ruas, andava e desandava, finalmente parou. Para onde iria? Para casa, não, lá estava o pai que o devolveria ao seminário, depois de um bom castigo. Não assentara no ponto de refúgio, porque a saída estava determinada para mais 44 tarde; uma circunstância fortuita a apressou. Para onde iria? Lembrou-se do padrinho, João Carneiro, mas o padrinho era um moleirão sem vontade, que por si só não faria coisa útil. Foi ele que o levou ao seminário e o apresentou ao reitor: - Trago-lhe o grande homem que há de ser, disse ele ao reitor. - Venha, acudiu este, venha o grande homem, contanto que seja também humilde e bom. A verdadeira grandeza é chã. Moço... Tal foi a entrada. Pouco tempo depois fugiu o rapaz ao seminário. Aqui o vemos agora na rua, espantado, incerto, sem atinar com refúgio nem conselho; percorreu de memória as casas de parentes e amigos, sem se fixar em nenhuma. De repente, exclamou: - Vou pegar-me com Sinhá Rita! Ela manda chamar meu padrinho, diz-lhe que quer que eu saia do seminário... Talvez assim... Sinhá Rita era uma viúva, querida de João Carneiro; Damião tinha umas idéias vagas dessa situação e tratou de a aproveitar. Onde morava? Estava tão atordoado, que só daí a alguns minutos é que lhe acudiu a casa; era no Largo do Capim. - Santo nome de Jesus! Que é isto? bradou Sinhá Rita, sentando-se na marquesa, onde estava reclinada. Damião acabava de entrar espavorido; no momento de chegar à casa, vira passar um padre, e deu um empurrão à porta, que por fortuna não estava fechada a chave nem ferrolho. Depois de entrar espiou pela rótula, a ver o padre. Este não deu por ele e ia andando. - Mas que é isto, Sr. Damião? bradou novamente a dona da casa, que só agora o conhecera. Que vem fazer aqui! Damião, trêmulo, mal podendo falar, disse que não tivesse medo, não era nada; ia explicar tudo. - Descanse; e explique-se. - Já lhe digo; não pratiquei nenhum crime, isso juro, mas espere. Sinhá Rita olhava para ele espantada, e todas as crias, de casa, e de fora, que estavam sentadas em volta da sala, diante das suas almofadas de renda, todas fizeram parar os bilros e as mãos. Sinhá Rita vivia principalmente de ensinar a fazer renda, crivo e bordado. Enquanto o rapaz tomava fôlego, ordenou às pequenas que trabalhassem, e esperou. Afinal, Damião contou tudo, o desgosto que lhe dava o seminário; estava certo de que não podia ser bom padre; falou com paixão, pediu-lhe que o salvasse. - Como assim? Não posso nada. - Pode, querendo. - Não, replicou ela abanando a cabeça, não me meto em negócios de sua família, que mal conheço; e então seu pai, que dizem que é zangado! 45 Damião viu-se perdido. Ajoelhou-se-lhe aos pés, beijou- lhe as mãos, desesperado. - Pode muito, Sinhá Rita; peço-lhe pelo amor de Deus, pelo que a senhora tiver de mais sagrado, por alma de seu marido, salve-me da morte, porque eu mato-me, se voltar para aquela casa. Sinhá Rita, lisonjeada com as súplicas do moço, tentou chamá-lo a outros sentimentos. A vida de padre era santa e bonita, disse-lhe ela; o tempo lhe mostraria que era melhor vencer as repugnâncias e um dia... - Não nada, nunca! redarguia Damião, abanando a cabeça e beijando-lhe as mãos, e repetia que era a sua morte. Sinhá Rita hesitou ainda muito tempo; afinal perguntou- lhe por que não ia ter com o padrinho. - Meu padrinho? Esse é ainda pior que papai; não me atende, duvido que atenda a ninguém... - Não atende? interrompeu Sinhá Rita ferida em seus brios. Ora, eu lhe mostro se atende ou não... Chamou um moleque e bradou-lhe que fosse à casa do Sr. João Carneiro chamá-lo, já e já; e se não estivesse em casa, perguntasse onde podia ser encontrado, e corresse a dizer-lhe que precisava muito de lhe falar imediatamente. - Anda, moleque. Damião suspirou alto e triste. Ela, para mascarar a autoridade com que dera aquelas ordens, explicou ao moço que o Sr. João Carneiro fora amigo do marido e arranjara-lhe algumas crias para ensinar. Depois, como ele continuasse triste, encostado a um portal, puxou-lhe o nariz, rindo: - Ande lá, seu padreco, descanse que tudo se há de arranjar. Sinhá Rita tinha quarenta anos na certidão de batismo, e vinte e sete nos olhos. Era apessoada, viva, patusca, amiga de rir; mas, quando convinha, brava como diabo. Quis alegrar o rapaz, e, apesar da situação, não lhe custou muito. Dentro de pouco, ambos eles riam, ela contava-lhe anedotas, e pedia-lhe outras, que ele referia com singular graça. Uma destas, estúrdia, obrigada a trejeitos, fez rir a uma das crias de Sinhá Rita, que esquecera o trabalho, para mirar e escutar o moço. Sinhá Rita pegou de uma vara que estava ao pé da marquesa, e ameaçou-a: - Lucrécia, olha a vara! A pequena abaixou a cabeça, aparando o golpe, mas o golpe não veio. Era uma advertência; se à noitinha a tarefa não estivesse pronta, Lucrécia receberia o castigo do costume. Damião olhou para a pequena; era uma negrinha, magricela, um frangalho de nada, com uma cicatriz na testa e uma queimadura na mão esquerda. Contava onze anos. Damião reparou que tossia, mas para dentro, surdamente, a fim de não interromper a conversação. Teve pena da negrinha, e resolveu apadrinhá-la, se não acabasse a tarefa. Sinhá Rita não lhe negaria o perdão... Demais, ela rira por 46 achar-lhe graça; a culpa era sua, se há culpa em ter chiste. Nisto, chegou João Carneiro. Empalideceu quando viu ali o afilhado, e olhou para Sinhá Rita, que não gastou tempo com preâmbulos. Disse-lhe que era preciso tirar o moço do seminário, que ele não tinha vocação para a vida eclesiástica, e antes um padre de menos que um padre ruim. Cá fora também se podia amar e servir a Nosso Senhor. João Carneiro, assombrado, não achou que replicar durante os primeiros minutos; afinal, abriu a boca e repreendeu o afilhado por ter vindo incomodar "pessoas estranhas", e em seguida afirmou que o castigaria. - Qual castigar, qual nada! interrompeu Sinhá Rita. Castigar por quê? Vá, vá falar a seu compadre. - Não afianço nada, não creio que seja possível... - Há de ser possível, afianço eu. Se o senhor quiser, continuou ela com certo tom insinuativo, tudo se há de arranjar. Peça-lhe muito, que ele cede. Ande, Senhor João Carneiro, seu afilhado não volta para o seminário; digo-lhe que não volta... - Mas, minha senhora... - Vá, vá. João Carneiro não se animava a sair, nem podia ficar. Estava entre um puxar de forças opostas. Não lhe importava, em suma que o rapaz acabasse clérigo, advogado ou médico, ou outra qualquer coisa, vadio que fosse, mas o pior é que lhe cometiam uma luta ingente com os sentimentos mais íntimos do compadre, sem certeza do resultado; e, se este fosse negativo, outra luta com Sinhá Rita, cuja última palavra era ameaçadora: "digo-lhe que elenão volta". Tinha de haver por força um escândalo. João Carneiro estava com a pupila desvairada, a pálpebra trêmula, o peito ofegante. Os olhares que deitava a Sinhá Rita eram de súplica, mesclados de um tênue raio de censura. Por que lhe não pedia outra coisa? Por que lhe não ordenava que fosse a pé, debaixo de chuva, à Tijuca, ou Jacarepaguá? Mas logo persuadir ao compadre que mudasse a carreira do filho... Conhecia o velho; era capaz de lhe quebrar uma jarra na cara. Ah! se o rapaz caísse ali, de repente, apoplético, morto! Era uma solução - cruel, é certo, mas definitiva. - Então? insistiu Sinhá Rita. Ele fez-lhe um gesto de mão que esperasse. Coçava a barba, procurando um recurso. Deus do céu! um decreto do papa dissolvendo a Igreja, ou, pelo menos, extinguindo os seminários, faria acabar tudo em bem. João Carneiro voltaria para casa e ia jogar os três-setes. Imaginai que o barbeiro de Napoleão era encarregado de comandar a batalha de Austerlitz... Mas a Igreja continuava, os seminários continuavam, o afilhado continuava cosido à parede, olhos baixos esperando, sem solução apoplética. - Vá, vá, disse Sinhá Rita dando-lhe o chapéu e a bengala. 47 Não teve remédio. O barbeiro meteu a navalha no estojo, travou da espada e saiu à campanha. Damião respirou; exteriormente deixou-se estar na mesma, olhos fincados no chão, acabrunhado. Sinhá Rita puxou-lhe desta vez o queixo. - Ande jantar, deixe-se de melancolias. - A senhora crê que ele alcance alguma coisa? - Há de alcançar tudo, redarguiu Sinhá Rita cheia de si. Ande, que a sopa está esfriando. Apesar do gênio galhofeiro de Sinhá Rita, e do seu próprio espírito leve, Damião esteve menos alegre ao jantar que na primeira parte do dia. Não fiava do caráter mole do padrinho. Contudo, jantou bem; e, para o fim, voltou às pilhérias da manhã. A sobremesa, ouviu um rumor de gente na sala, e perguntou se o vinham prender. - Hão de ser as moças. Levantaram-se e passaram à sala. As moças eram cinco vizinhas que iam todas as tardes tomar café com Sinhá Rita, e ali ficavam até o cair da noite. As discípulas, findo o jantar delas, tornaram às almofadas do trabalho. Sinhá Rita presidia a todo esse mulherio de casa e de fora. O sussurro dos bilros e o palavrear das moças eram ecos tão mundanos, tão alheios à teologia e ao latim, que o rapaz deixou-se ir por eles e esqueceu o resto. Durante os primeiros minutos, ainda houve da parte das vizinhas certo acanhamento, mas passou depressa. Uma delas cantou uma modinha, ao som da guitarra, tangida por Sinhá Rita, e a tarde foi passando depressa. Antes do fim, Sinhá Rita pediu a Damião que contasse certa anedota que lhe agradara muito. Era a tal que fizera rir Lucrécia. - Ande, senhor Damião, não se faça de rogado, que as moças querem ir embora. Vocês vão gostar muito. Damião não teve remédio senão obedecer. Malgrado o anúncio e a expectação, que serviam a diminuir o chiste e o efeito, a anedota acabou entre risadas das moças. Damião, contente de si, não esqueceu Lucrécia e olhou para ela, a ver se rira também. Viu-a com a cabeça metida na almofada para acabar a tarefa. Não ria; ou teria rido para dentro, como tossia. Saíram as vizinhas, e a tarde caiu de todo. A alma de Damião foi-se fazendo tenebrosa, antes da noite. Que estaria acontecendo? De instante a instante, ia espiar pela rótula, e voltava cada vez mais desanimado. Nem sombra do padrinho. Com certeza, o pai fê-lo calar, mandou chamar dois negros, foi à polícia pedir um pedestre, e aí vinha pegá-lo à força e levá-lo ao seminário. Damião perguntou a Sinhá Rita se a casa não teria saída pelos fundos, correu ao quintal e calculou que podia saltar o muro. Quis ainda saber se haveria modo de fugir para a Rua da Vala, ou se era melhor falar a algum vizinho que fizesse o favor de o receber. O pior era a batina; se Sinhá Rita lhe pudesse arranjar um rodaque, uma 48 sobrecasaca velha... Sinhá Rita dispunha justamente de um rodaque, lembrança ou esquecimento de João Carneiro. - Tenho um rodaque do meu defunto, disse ela, rindo; mas para que está com esses sustos? Tudo se há de arranjar, descanse. Afinal, à boca da noite, apareceu um escravo do padrinho, com uma carta para Sinhá Rita. O negócio ainda não estava composto; o pai ficou furioso e quis quebrar tudo; bradou que não, senhor que o peralta havia de ir para o seminário, ou então metia-o no Aljube ou na presiganga. João Carneiro lutou muito para conseguir que o compadre não resolvesse logo, que dormisse a noite, e meditasse bem se era conveniente dar à religião um sujeito tão rebelde e vicioso. Explicava na carta que falou assim para melhor ganhar a causa. Não a tinha por ganha, mas no dia seguinte lá iria ver o homem, e teimar de novo. Concluía dizendo que o moço fosse para a casa dele. Damião acabou de ler a carta e olhou para Sinhá Rita. Não tenho outra tábua de salvação, pensou ele. Sinhá Rita mandou vir um tinteiro de chifre, e na meia folha da própria carta escreveu esta resposta: "Joãozinho, ou você salva o moço, ou nunca mais nos vemos". Fechou a carta com obreia, e deu-a ao escravo, para que a levasse depressa. Voltou a reanimar o seminarista, que estava outra vez no capuz da humildade e da consternação. Disse-lhe que sossegasse, que aquele negócio era agora dela. - Hão de ver para quanto presto! Não, que eu não sou de brincadeiras! Era a hora de recolher os trabalhos. Sinhá Rita examinou- os, todas as discípulas tinham concluído a tarefa. Só Lucrécia estava ainda à almofada, meneando os bilros, já sem ver; Sinhá Rita chegou-se a ela, viu que a tarefa não estava acabada, ficou furiosa, e agarrou-a por uma orelha. - Ah! malandra! - Nhanhã, nhanhã! pelo amor de Deus! por Nossa Senhora que está no céu. - Malandra! Nossa Senhora não protege vadias! Lucrécia fez um esforço, soltou-se das mãos da senhora, e fugiu para dentro; a senhora foi atrás e agarrou-a. - Anda cá! - Minha senhora, me perdoe! - Não perdoo, não. E tornaram ambas à sala, uma presa pela orelha, debatendo-se, chorando e pedindo; a outra dizendo que não, que a havia de castigar. - Onde está a vara? A vara estava à cabeceira da marquesa, do outro lado da sala Sinhá Rita, não querendo soltar a pequena, bradou ao seminarista. - Sr. Damião, dê-me aquela vara, faz favor? 49 Damião ficou frio... Cruel instante! Uma nuvem passou- lhe pelos olhos. Sim, tinha jurado apadrinhar a pequena, que por causa dele, atrasara o trabalho... - Dê-me a vara, Sr. Damião! Damião chegou a caminhar na direção da marquesa. A negrinha pediu-lhe então por tudo o que houvesse mais sagrado, pela mãe, pelo pai, por Nosso Senhor... - Me acuda, meu sinhô moço! Sinhá Rita, com a cara em fogo e os olhos esbugalhados, instava pela vara, sem largar a negrinha, agora presa de um acesso de tosse. Damião sentiu-se compungido; mas ele precisava tanto sair do seminário! Chegou à marquesa, pegou na vara e entregou-a a Sinhá Rita. (ASSIS, 1946) Aula 3 – O Parnasianismo e suas características Apresentação da aula 3 Nesta aula o foco será nas características do Parnasianismo, evidenciando seus principais autores e análises de suas obras. 3. O Parnasianismo O parnasianismo é uma tendência basicamente poética, que surgiu nas últimas décadas do Século XIX. Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia formavam a tríade parnasiana, sendo portanto, alguns dos nomes mais conhecidos da Escola Parnasiana. As principais características do Parnasianismo são: A arte pelo simples prazer da arte, sem influência de emoções, sentimentos e muito menos de fatores sociais; Busca pela perfeição formal, fato que atribui estremovalor à aparência, à forma do poema, deixando o conteúdo em segundo plano. Valorizando os seguintes aspectos formais (rimas ricas e raras; vocabulário erudito; vasta utilização do soneto e a predominância da poesia descritiva); 50 Verifica-se também a utilização da razão em detrimento da emoção e a presença marcante da racionalidade, da clareza e da lógica; A impessoalidade utilizada pelo poeta não deixa que a emoção interfira na abordagem dos fatos; Há uma constante valorização da estética na busca pela perfeição. O texto poético é valorizado pela beleza formal, privilegiando-se dessa forma, a estética do poema. Por conta do preciosismo, é intenso o uso de linguagem rebuscada e da norma padrão. Tríade Parnasiana (Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac) Fonte: http://portugues.uol.com.br/public/conteudo/images/parnasianismo(2).jpg 3.1 Análise literária de textos parnasianos Os textos parnasianos são, em sua quase totalidade, textos poéticos e para uma análise adequada fazem-se necessárias algumas modificações. Para tanto sugere-se uma sequência de perguntas, as quais podem nortear essa análise. 51 ROTEIRO DE ANÁLISE LITERÁRIA Em qual escola literária o poema se insere? Quais características dessa escola podem ser observadas no poema? Há alguma influência de outra tendência literária? Qual? Exemplifique com trechos do poema. O poema é descritivo, narrativo ou dissertativo? Qual é a postura do eu lírico dentro do poema? Qual a temática abordada? De que maneira o poeta aborda essa temática? Quanto à linguagem, como podemos classificar a sintaxe e o vocabulário? Quanto à forma, analise a métrica, o ritmo e o esquema de rimas do poema. Conclua a análise destacando os pontos mais marcantes do poema. Fonte: Elaborado pelo autor (2014). 3.1.1 Análise do texto A Um Poeta, de Olavo Bilac A Um Poeta Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. (BILAC, 1996) 52 Para iniciar-se a análise do poema A um Poeta, de Olavo Bilac, fazem- se necessárias as elucidações dos questionamentos evidenciados anteriormente na tabela intitulada ROTEIRO DE ANÁLISE LITERÁRIA. Olavo Bilac foi um dos principais poetas da Escola Parnasiana e por isso mesmo recebeu a alcunha de “Príncipe dos Poetas”. O poema A um poeta insere-se de maneira intensa no movimento parnasiano, não apresentando outros elementos que possam deslocá-lo para outra escola literária. Podem-se apontar várias características que justificam a classificação parnasiana do poema, além evidentemente, do momento histórico no qual foi escrito. A primeira estrofe do poema já aponta uma característica marcante na Escola Parnasiana que não apresentava uma produção engajada social e politicamente. Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! (BILAC, 1996). Na segunda estrofe do poema é possível identificar outra característica parnasiana, ou seja, a retomada de padrões clássicos. Essa retomada é marcada pela comparação feita entre o resultado final do poema e um templo grego. Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego (BILAC, 1996). A volta aos padrões clássicos perpassa o poema, não se restringindo à segunda estrofe. Na última estrofe existem palavras e expressões que marcam os ideais clássicos, como evidenciado em: “Beleza, gêmea da Verdade e Arte pura.” (BILAC, 1996). No que se refere à criação do poema, podemos perceber que se trata de um soneto metalinguístico, pois o poeta usa o poema para descrever a criação poética. 53 Os poetas parnasianos acreditavam que, para se criar arte literária, o poeta deveria se isolar e isso faz da produção parnasiana um tanto quanto elitizada. No poema, o seu eu lírico afasta das ruas e compara a atividade do poeta a de um artesão que “Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!”. (BILAV, 1996) A arte literária, nessa perspectiva, nasce do esforço do poeta em buscar a perfeição. Dessa concepção se depreende também uma característica estrutural dos poemas que buscam o metro perfeito, rimas ricas e raras, além de um vocabulário extremamente preciosista e sonoro, destacando aliterações, assonâncias, enfim, um extremo cuidado com o ritmo do poema. Quanto à forma, analise a métrica, o ritmo e o esquema de rimas do poema, faz-se importante evidenciar que o poema está estruturado em versos decassílabos, ou seja, todos tem 10 sílabas poéticas, o soneto apresenta rimas ricas, no esquema ABBA – BAAB – CDC – DCD. A Escola Parnasiana configurou-se como um movimento literário muito coeso e forte, por isso dominou a cena literária até as primeiras décadas do Século XX. Como consequência disso a maioria dos textos dessa época são apresentam fortes características parnasianas. Não se percebe facilmente nuances que possam destoar da tendência. Rigidez formal, preciosismo, alienação no que se refere aos temas são algumas das características que marcam a tendência e o poema A um poeta, de Olavo Bilac. 3.1.2 Análise do poema Um Beijo, de Olavo Bilac Um Beijo Foste o beijo melhor da minha vida, Ou talvez o pior...Glória e tormento, Contigo à luz subi do firmamento, Contigo fui pela infernal descida! Morreste, e o meu desejo não te olvida: Queimas-me o sangue, enches-me o pensamento, E do teu gosto amargo me alimento, E rolo-te na boca malferida. 54 Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, Batismo e extrema-unção, naquele instante Por que, feliz, eu não morri contigo? Sinto-te o ardor, e o crepitar te escuto, Beijo divino! e anseio, delirante, Na perpétua saudade de um minuto... (BILAC, 1996) Recorra novamente às elucidações dos questionamentos evidenciados na tabela intitulada ROTEIRO DE ANÁLISE LITERÁRIA O poema Um beijo, de Olavo Bilac se insere na tendência parnasiana e não apresenta nenhuma característica marcante que possa aproximá-lo de outra escola literária. Ao longo desta análise essa afirmação será comprovada. A exemplo do poema A um Poeta, esse outro poema de Bilac também apresenta a forma fixa de soneto (quatorze versos distribuídos em dois quartetos e dois tercetos). Os versos são também decassílabos e o esquema de rimas é ABBA – ABBA – CDC – CDC. A temática do poema é um beijo, reforçando também a ideia de que o poeta parnasiano não aborda questões sociais ou políticas, mantendo-se afastado da realidade social em busca da “arte pura”. A imagem do beijo é potencializada pelo uso de antíteses, como acontece no verso “Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo” e na expressão “Glória e tormento”; e paradoxos, tais como “Na perpétua saudade de um minuto...” (BILAC, 1996). A linguagem é marcada por grande adjetivação, a qual busca construir a imagem desse beijo paradoxal, mantendo-se intenso preciosismo e ritmo marcante. O poema Um beijo,de Olavo Bilac mantém fiel à estética parnasiana, destacando-se a forma rígida, a linguagem preciosista e a temática distante das questões sociais. 55 Resumo da aula 3 Nesta aula evidenciaram-se as características parnasianistas, abordando as características de seus principais autores, efetuando-se a análise detalhada se suas principais obras. Atividade de Aprendizagem Analise os poemas As Pombas, de Raimundo Correia e O Vaso Grego, de Alberto de Oliveira. Na elaboração da analise recorra a tabela ROTEIRO DE ANÁLISE LITERÁRIA. Poema 1 - As Pombas Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas Das pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada. E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Também dos corações onde abotoam Os sonhos, um a um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais. (CORREIA, 1994) Poema 2 – Vaso Grego Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que o suspendia Então, e, ora repleta ora esvasada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas, o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse. (OLIVEIRA, 1979) 56 Aula 4 – O Simbolismo Apresentação da aula 4 Nesta aula serão apresentado as características do Simbolismo, evidenciando os seus principias autores e obras. 4. O Simbolismo A estética simbolista surgiu na França, no final do Século XIX, e não se desenvolveu apenas na Literatura, mas também nas artes plásticas e no teatro. O precursor do Simbolismo no mundo foi o francês Charles Baudelaire. O poeta buscou em sua poesia abordar temas como a miséria, a prostituição, a vida, os bêbados, o ambiente das tavernas, entre outros. Suas características mais marcantes fazem oposição à estética Realista e Naturalista, inclusive porque se desenhou basicamente através do gênero lírico, oposto ao gênero narrativo, mais comum na escola anterior. As características básicas do Simbolismo são: Foco em temas ligados ao misticismo, ao mundo imaginário, e por isso mesmo, subjetivos; Tendência Individualista; Evita abordar questões sociais, tônica do Realismo/Naturalismo; Obras marcadas pela intuição em detrimento da lógica e da razão; Presença constante de figuras de linguagem, tais como a aliteração (repetição de um fonema consonantal) e a assonância (repetição de fonemas vocálicos), reforçando a tendência à musicalidade, que aproxima a poesia da música. O Simbolismo tem como marco inaugural, no Brasil, a publicação da obra Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa, em 1893. 57 Saiba Mais Cruz e Sousa (1861-1898), nasceu em Nossa Senhora do Desterro (atual cidade de Florianópolis). Ficou conhecido como “Cisne Negro”, o negro que contrariou o preconceito racial e se pôs a liderança do Simbolismo brasileiro, é autor de uma obra que traz versos como: Anda em mim, soturnamente / Uma tristeza ociosa / Sem objetivo, latente / Vaga, indecisa, medrosa (Tristeza Do Infinito - Últimos Sonetos). Além de: De dentro da senzala escura e lamacenta / Aonde o infeliz / De lágrimas em fel, de ódio se alimenta / Tornando meretriz (Da Senzala – O Livro Derradeiro). Percebe-se num primeiro momento o sofrimento de uma alma que ecoou diretamente em sua obra. Mas posteriormente, a consciência social e humanista de um cidadão. Cruz e Sousa, o Dante Negro ou Cisne Negro, foi um poeta Simbolista que agrega em sua obra a essência única de um autor que cativa e comove por sua autenticidade. No Brasil, os principais escritores são Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens. Cruz e Sousa evidencia, em suas obras, a obsessão pela cor branca e pela luminosidade, sua vertente simbolista aprofunda-se na sublimação do real, em religiosidade, em sentimentos platônicos do amor, em profusões de abstrações (personificação de seres abstratos pelo uso de maiúsculas). Suas obras são mais complexas. Utiliza-se de profusões sinestésicas, aliterações, assonâncias e ritmos. Os seus poemas são envolvidos em mistérios, os quais são indecifráveis para o leitor Alphonsus de Guimaraens em sua vertente simbolista evidencia em suas poesias a religiosidade, sendo essa a sua principal característica. Sua poesia se desenvolve em torno do misticismo marcado pela morte (praticamente transformada em objeto de adoração). 58 4.1 Análise do poema Cárcere das almas, de Cruz e Sousa Cárcere das almas Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Soluçando nas trevas, entre as grades Do calabouço olhando imensidades, Mares, estrelas, tardes, natureza. Tudo se veste de uma igual grandeza Quando a alma entre grilhões as liberdades Sonha e, sonhando, as imortalidades Rasga no etéreo o Espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas Nas prisões colossais e abandonadas, Da Dor no calabouço, atroz, funéreo! Nesses silêncios solitários, graves, que chaveiro do Céu possui as chaves para abrir-vos as portas do Mistério?! (SOUSA, 2008) O poema Cárcere das Almas, de Cruz e Sousa se insere no Simbolismo Literário, bem como todo o restante das obras do poeta. Isso pode ser afirmado porque muitas das características que delimitam a escola simbolista podem ser identificadas no poema, iniciando-se com a próprio nome do poema: cárcere das almas, uma imagem simbólica e mística do lugar em que as almas encontram-se encarceradas. O poema não apresenta nenhuma característica que pudesse deslocá-lo para outra tendência literária, abordando uma questão existencial e os limites impostos pela existência humana. Quando apresenta o corpo como cárcere da alma, a situação humana fica mais angustiante, como podemos perceber já nos primeiros versos do poema. Ah! Toda a alma num cárcere anda presa, Soluçando nas trevas, entre as grades. (SOUSA, 2008). Entre outros aspectos, verifica-se o uso de maiúsculas para enfatizar o valor simbólico da palavra, como acontece no verso: “Da Dor no calabouço, atroz, funéreo!”. (SOUSA, 2008), característico das obras do autor. 59 O poema é um soneto composto por versos decassílabos, com esquema de rimas opostas, ou seja, ABBA – ABBA – CCD – EED. Neles, é possível encontrar algumas figuras de linguagem usadas com frequência no simbolismo, entre elas a aliteração (repetição de sons consonantais) e assonância (repetição de sons vocálicos). Da mesma forma que o poema demonstra a angústia da alma por estar presa no corpo físico também apresenta a incerteza diante do “Mistério” que existe depois da morte. Nesses silêncios solitários, graves, que chaveiro do Céu possui as chaves para abrir-vos as portas do Mistério?! (SOUSA, 2008). Nessa estrofe pode-se encontrar também o uso das maiúsculas como forma de destaque para as palavras chaves dentro do poema, entre elas “Céu” e “Mistério”, personificando as mesmas. Resumo da aula 4 Nesta aula evidenciaram-se as características simbolistas e seus autores, evidenciando suas características. Atividade de Aprendizagem Analise os poemas Acrobata da dor, de Cruz e Sousa;Antífona, de Cruz e Sousa e Ismália, de Alphonsus de Guimaraens. Na elaboração da análise, recorra a tabela ROTEIRO DE ANÁLISE LITERÁRIA. Poema 1 – Acrobata da dor Gargalha, ri, num riso de tormenta, Como um palhaço, que desengonçado, Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado De uma ironia e de uma dor violenta. Da gargalhada atroz, sanguinolenta, Agita os guizos, e convulsionados Salta, gavroche, salta clown, varado Pelo estertor dessa agonia lenta... Pedem-te bis e um bis não se despreza! 60 Vamos! Retesa os músculos, retesa Nessas macabras piruetas d’aço... E embora caias sobre o chão, fremente, Afogado em teu sangue estuoso e quente, Ri! Coração, tristíssimo palhaço. (SOUSA, 2008) Poema 2 – Antífona Ó Formas alvas, brancas, Formas claras De Luares, de neves, de neblinas!... Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas... Incensos dos turíbulos das aras... Formas do Amor, constelarmente puras, De virgens e de Santas vaporosas... Brilhos errantes, mádidas frescuras E dolência de lírios e de rosas... Indefiníveis músicas supremas, Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Visões, salmos e cânticos serenos, Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Dormências de volúpicos venenos Sutis e suaves, mórbidos , radiantes... Infinitos espíritos dispersos, Inefáveis, edênicos, aéreos, Fecundai o Mistério destes versos Com a chama ideal de todos os mistérios. [...] (SOUSA, 2008) Poema 3 – Ismália Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... 61 E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar... (GUIMARAENS, 1960) 62 Resumo da disciplina A disciplina abordou em suas aulas a temática e cronologia, do Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo, evidenciando suas características e particularidades, com a análise de fragmentos da obra dos autores mais destacados de cada período. 63 Referências ABAURRE, M. L. Português: Língua e Literatura. São Paulo: Moderna, 2000. ALENCAR, J. de. A Viuvinha. Porto Alegre: L&PM POCKET, [1857] 1997. AZEVEDO, A. de. O Cortiço. 36. ed. 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