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HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Paz e Terra: São Paulo, 2014. (p. 31 a 61). Estrutura da Vida Cotidiana “A vida cotidiana é a vida de todo homem.” (p.31) Heller aponta a instância trivial da vida do homem como sua porção genérica e afirma que ninguém é composto apenas de trivialidades. A vida cotidiana então englobaria a totalidade, sendo o homem inserido em todas as instâncias que a compõem. “São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação.” (p.32). A autora afirma que o cotidiano é heterogêneo e hierárquico, usando o pressuposto histórico de que diferentes instâncias ocupam diferentes importâncias. É esta heterogeneidade que torna a cotidianidade normalizada e que mantem as demais esferas constituintes em equilíbrio. O homem já nasce inserido em sua cotidianidade. O amadurecimento do homem significa, em qualquer sociedade, que o indivíduo adquire todas as habilidades imprescindíveis para a vida cotidiana da sociedade (camada social) em questão. É o adulto capaz de viver por si mesmo a sua cotidianidade. (p.33) O aprendizado adulto denota a capacidade de assimilação, o que se replica nas relações sociais, apesar de ser visto como natural. A forma concreta de submissão ao poder desta natureza é sempre mediada pelas relações sociais. A maturidade do adulto vem da sua capacidade em executar o necessário à sua sobrevivência sozinho. Esta relação de aprendizado começa nas relações sociais em grupo (família, escola, vizinhança). É onde o indivíduo interage e adquire costumes e normas morais. Heller afirma que apesar destas estruturas, o homem também é autônomo, dentro das condições dadas e pode mover-se para outros núcleos. “O indivíduo é sempre ser particular e ser genérico” (p.34) As ações não ordinárias que marcam a história partem sempre do cotidiano, e retornam a ele, por serem retomadas seja como memória ou como marco para a modificação de sua estrutura. “A vida cotidiana não está, fora da história, mas dentro do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância social.” (p.34). Dentro da estrutura da vida cotidiana, cada indivíduo é único e irrepetível, apesar de assimilar o que aprende e o que vive socialmente. O homem torna-se consciente de si ao identificar as próprias necessidades. “Um homem não pode jamais representar ou expressar a essência de toda a humanidade.” (p.35). “A teleologia da particularidade orienta-se para a própria particularidade.” (p.35). Como já mencionado, o genérico também constitui o indivíduo, apesar do mesmo portar suas particularidades. Os motivos que levam um indivíduo a escolher, dentro das opções dadas, determinada atividade ou afeto o são particulares, mas a socialização cotidiana é genérica. Logo, a escolha é orientada pela estrutura e o que a torna particular é a maneira como os indivíduos a experienciam. A consciência é o fio condutor da subjetividade. É nela que o “eu” se orienta e o indivíduo se distingue e se integra. A particularidade social, mediatizada pelas relações sociais, se caracteriza pela unicidade e irrepetibilidade do indivíduo (p.35). O homem se fragmenta em seus papéis e se constitui nas condições sociais dadas. “O desenvolvimento do indivíduo é antes de mais nada – mas de nenhum modo exclusivamente – função de sua liberdade fática ou de suas possibilidades de liberdade.” (p.37). Conforme já pontuado, a unicidade do indivíduo é orientada pelas condições dadas, mesmo que ele tenha liberdade para circular entre as esferas. Os choques entre o particular e o genérico não costumam ser trazidos à consciência no viver cotidiano. O humano médio não costuma se questionar sobre o que é inato e o que é absorvido pela prática social. A ética, neste contexto seria uma reguladora da vida social. No entanto, aderir a princípios éticos é uma escolha pessoal (porém não particular). A moral teria uma função inibidora e vexatória, mas também produziria a “culturalização das aspirações da particularidade individual” (p.39). Quanto mais o homem age motivado pela moral vexatória, menos a sua particularidade estará afastada do genérico. O paradigma desta relação se dá porque de acordo com Heller, nenhum homem sozinho se elevaria a ponto de torna-se um exemplo universal, porque o indivíduo não se constitui sozinho, sendo interpelado pelas práticas da vida cotidiana o tempo todo. Porém, mesmo com a chamada “genericidade”, o aprendizado da práxis utilitária e imediata elevada, a particularidade profunda não deixa de constituir o indivíduo, não sendo possível distinguir sem um esforço dialético se uma atitude humana é particular ou motivada pela moral reguladora. O chamado conflito moral se produz a partir da determinação da moral social sobre os impulsos. A cotidianidade, com certa frequência, não comporta escolhas que requerem uma concentração de energias, sendo a ação imediata fundamental para o funcionamento da esfera de produção. A arte e a ciência se constituem, então, como formas de elevação, esferas acima da cotidianidade genérica, por romperem com a tendência ao pensamento espontâneo; mesmo assim, não se separam rigorosamente da cotidianidade. A homegeneização do homem inteiro (apud LUKÁCS) requer uma suspensão parcial da individualidade para a realização de uma tarefa genérica. A característica dominante da vida cotidiana é a espontaneidade. A espontaneidade não é apenas assimilação das tarefas imprescindíveis ao cotidiano. Na cotidianidade, podemos nos orientar por probabilidade para avaliar nossas possibilidades de riscos pessoais, “As ideias necessárias ao plano da cotidianidade não se elevam ao plano da teoria.” (p.49). A vida cotidiana é pragmática e se eleva quando levada ao plano da consciência, sendo a atividade humana individual parte da prática cotidiana. A autora fala em considerações probabilísticas que evitam as catástrofes da vida cotidiana para se referir a ação pautada nas probabilidades, salvaguardando que não é possível calcular de forma precisa os riscos de uma ação. Sobre a existência dessa ação, a autora usa o termo “economicismo” (p.49), para resignar as ações necessárias e superficiais para a manutenção da ordem na cotidianidade. É indiscutível que uma ação correspondente aos interesses de uma classe pode elevar-se ao plano da práxis, mas nesse caso superará o da cotidianidade. Nesses casos, a teoria da cotidianidade se converte e ideologia, a qual assume uma certa independência relativa à diante da práxis cotidiana, ganha vida própria e, consequentemente coloca-se em relação primordial, não com a atividade cotidiana, mas com a práxis. (p. 51). Fé e esperança desempenham papel importante na cotidianidade, por mediarem a ação imediata. O conhecimento do indivíduo limita-se ao seu campo objetivo, portanto a fé e a credulidade preenchem os espaços entre os outros aspectos. Se tratam de afetos, sendo a confiança, de acordo com Heller, o afeto do indivíduo inteiro, “com mais acesso à moral e à teoria do que a fé” (p.52). A ultrageneralização no pensamento cotidiano é o juízo provisório que agiliza a capacidade de ação e resposta na ordem genérica. Os juízos ultrageneralizadores são todos eles juízos provisórios que a prática confirma ou, pelo menos, não refuta, durante o tempo que baseados neles fomos capazes de atuar e nos orientar. Se o afeto “confiança” adere a um juízo provisório, não representa nenhum “preconceito” o fato de se ter “apenas” juízos provisórios ultrageneralizados (...) Os juízos provisórios que se enraízam na particularidade e se baseiam na fé, são por conseguinte ‘pré- juízos’ ou‘pré-conceitos.’” (p.53). A analogia, mais uma variante da ultrageneralização, segundo Heller é definida como: “algum tipo de experiência já conhecida pelo homem e que agora buscamos conhecer sob algum aspecto importante para nós.” (p.54). O juízo analógico se mostra perigoso, por sua capacidade em cristalizar-se. Recorrendo a analogia, podemos ocultar fatos que contradigam nosso juízo provisório. O precedente, mais uma face da ultrageneralização, se mostra útil no reconhecimento das situações, mas pode ter efeitos negativos quando impedem a nossa percepção de captar o imprecedente. Já a imitação é útil porque “sem mimese, intercâmbio e trabalho seriam impossíveis” (p.55). A entonação do indivíduo, produzida pela especificidade do sujeito e captada pelos outros indivíduos que compartilham o meio no qual ele está inserido é essencial para as relações sociais: “a pessoa que não produz essa entonação carece de individualidade, ao passo que a pessoa incapaz de percebê-la é insensível a um aspecto importantíssimo das relações humanas” (p.56). a autora prossegue: “(...) não há vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo, economicismo, analogia, precedentes, juízo provisório, ultrageneralização, mimese e entonação”. (p.56). A alienação produz-se a partir do silenciamento das tensões entre o particular e o genérico; o indivíduo alienado tende a elevar sua genericidade, assimilando papéis sociais a ele atribuídos pela estrutura cotidiana. A particularidade, em nome do cotidiano, pode acabar suprimida pela assimilação, em favor de uma existência não conflituosa. “A alienação é sempre alienação em face das possibilidades concretas de desenvolvimento genérico da humanidade” (p. 56 e 57). Mas a vida cotidiana em si não é alienada. A estrutura cotidiana permite que o sujeito transite e escolha dentro do que é dado. A alienação produzida por uma estrutura econômica irradia do cotidiano genérico para as demais esferas. O sistema capitalista produz alienação à medida que o indivíduo vive o abismo entre o “eu” construído e moldado para a produção e a sua particularidade. A alienação surge das circunstâncias sociais e cada época tem suas personalidades representativas. Em conclusão do capítulo: A possibilidade de elevação acima da vida cotidiana é aberta aos homens; A hierarquia supostamente espontânea do contexto social e da época não impede que o sujeito construa para si uma hierarquia particular, consciente, personalizada. A dialética social cria e bloqueia possibilidades de acordo com o fluxo das relações, porém a partir da tomada de consciência acerca das estruturas, é criada a condição para que o indivíduo aproprie-se das condições desta estrutura e conduza sua vida. Para que esta condição seja universal, é necessário que sejam abolidas as condições de alienação. Neste caso, o indivíduo que supera as estruturas e se constitui apesar delas, desafia a desumanização imposta pela alienação e eleva-se acima da cotidianidade genérica.
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