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Universidade Federal de Lavras Departamento de Biologia Setor de Biologia Celular Fundamentos de Biologia Celular - GBI 174 Notas de Aula Tema 6 – Parede Celular A parede celular (PC) é uma estrutura extracelular que envolve a membrana plasmática de todas as células procaritóticas e das células eucarióticas das algas, fungos, vegetais e de alguns protozoários (Figura 1). A composição química e estrutura são variáveis entre e dentro dos reinos considerados. A descrição mais genérica da parede pode ser feita como a de uma estrutura relativamente rígida, rica em carboidratos tendo um polímero com função estruturante (fibroso) imerso em uma matriz gelatinosa de carboidratos, proteína e água. Figura 1 – A parede celular envolvendo a membrana plasmática em uma célula procariótica (A) e em uma célula eucariótica vegetal (B). A parede é facilmente observada sob o microscópio de luz como um contorno da célula, ao contrário da membrana plasmática, que só é visualizada sob o microscópio eletrônico. É uma estrutura complexa que desempenha uma série de funções relacionadas ao desenvolvimento da célula (determinação da forma e tamanho) e interação da célula com o meio em que ela vive (proteção mecânica e biológica). Além da importância biológica, tem alto valor comercial pois está diretamente envolvida na obtenção de papel, madeira, fibras naturais, dentre outros. (A) (B) 6.1. PAREDE CELULAR VEGETAL 6.1.1. Composição química A parede celular vegetal tem como polímero estrutural a celulose, que funciona como o esqueleto da parede. Este esqueleto está envolto por uma matriz amorfa, constituída principalmente por moléculas de hemiceluloses, pectinas, água e proteínas (Figura 2). Figura 2 – Estrutura tridimensional da parede celular vegetal mostrando o arranjo geral de seus diversos polissacarídeos (celulose, hemicelulose e pectina As moléculas de celulose são polímeros lineares de β-glicose ligadas por β1→4. Na parede várias moléculas de celulose se associam paralelamente por pontes de hifrogênio formando as microfibras estruturais da parede celular (Figura 3). Figura 3 – O arranjo das moléculas de celulose para formar as microfibrilas na parede celular vegetal. Hemicelulose As hemiceluloses (glucanas de cadeias cruzadas) são heteropolissacarídeos contendo glicose, xilose e fucose e com estrutura ramificada (Figura 4). As diferentes hemiceluloses inteligam as fibras de celulose fromando um arranjo em rede estável. Figura 4 – Estrutura de uma hemicelulose do tipo xiloglucano (esqueleto de glicose e ramificações de xilose), típica da parede celular vegetal. As pectinas são também heteropolissacarídeos, mas com monômeros distintos dos presentes nas hemiceluloses, sendo ricas em ácido galacturônico (Figura 5). A abundância de monômeros ácidos dá à pectina um caráter negativo que atrai a água, adquirindo consistência gelatinosa e propriedade cimentante. Figura 5 – Diferentes substâncias pécticas típicas da parede celular vegetal. As proteínas estão presentes nas paredes em duas formas: estrutural e enzimática, sendo sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso e secretadas para a região da parede através de vesículas provenientes do complexo de Golgi. É importante enfatizar que as paredes celulares são, na sua grande maioria, metabolicamente ativas. Apenas não têm atividade, paredes de células suberificadas e lignificadas, cujas células não são vivas. São exemplos de enzimas presentes na PC as hidrolases, invertases, ATPase, glucanases e fosfatases. As proteínas estruturais, chamadas expansinas, promovem a interação entre as diversas moléculas, formando uma verdadeira rede de conexões. Durante o crescimento das células, estas proteínas são alvo de enzimas que atuarão desestruturando essa rede e favorecendo a expansão da parede por deposição de novas moléculas e, consequentemente, o alongamento celular. A água, ao contrário do que se possa imaginar, encontra-se em quantidade considerável na matriz da PC. Ela é importante na medida em que promove a ocorrência das diversas reações entre as moléculas ali presentes. Tem também importância estrutural, formando gel com pectinas e afetando a textura da parede. Além dos componentes descritos, que são obrigatórios, a PC pode apresentar outros compostos que lhe conferem características particulares. Dependendo da forma como ocorre a deposição destes compostos, são chamados de incrustantes, quando penetram na parede, passando a fazer parte de sua composição interna ou adcrustantes, quando a depositam sobre a parede, modificando sua estrutura. São exemplos de substâncias incrustantes: Lignina: é um composto fenólico, altamente ramificado, que pode tomar toda a parede, a partir da lamela média, indo até o final da parede secundária. Sua deposição ocorre em paredes que possuem parede secundária. É muito abundante no tecido de sustentação esclerênquima e no xilema, onde a capacidade de suportar grandes pressões e torções se associa à resistência à tração da celulose. As paredes lignificadas são altamente rígidas e resistem ao ataque de alguns tipos de microrganismos. Sua deposição ocorre na PC após cessado o período de crescimento, fazendo com que a parede fique dura, impermeável e inflexível, levando a célula à morte. Sais minerais, como, por exemplo, sílica e sais de cálcio, são comuns em células da epiderme, conferindo dureza aos bordos de folhas de gramíneas. São exemplos de substâncias adcrustantes : Cutina: é uma substância lipídica que se deposita na região da parede que está em contato com o ar, tornando-a quase impermeável à água. A cutina pode formar, juntamente com ceras, grandes espessamentos nas superfícies externas das células epidérmicas, recebendo a denominação de cutícula. Suberina: é também uma substância de natureza lipídica, bem complexa e, sempre que está presente, impermeabiliza a superfície da parede. É uma molécula característica das paredes secundárias, porém, sua deposição não fica restrita a ela. Encontramos a suberina em tecidos de proteção secundários, onde a impermeabilização é importante, como é o caso do súber. É uma molécula que se deposita de forma agressiva, em toda a extensão da parede, impedindo que a célula possa continuar trocando metabólitos com o meio, matando-a. 6.1.2. Estrutura, formação e variabilidade A PC das células vegetais pode apresentar três camadas: lamela média, parede primária e parede secundária (Figura 6). A lamela média, a mais distante da membrana plasmática, é compartilhada entre células adjacentes, enquanto a parede primária é depositada entre a lamela média e a membrana. Essas duas camadas constituem o arranjo final para muitas células enquanto que outras depositam ainda a terceira camada, a parede secundária, entre a parede primária e a membrana plasmática. Figura 6 – As três camadas da parede celular vegetal: lamela média, parede primária e secundária. Na célula diferenciada (madura), essas três camadas diferem quanto à composição (Quadro 1) e espessura (Figura 6). Quadro 1 – Composição típica das camadas da parede celular vegetal. Camada Composição Lamela média Pectina e água Parede primária Celulose, hemiceluloses e pectinas em proporções semelhantes (cerca de 30%); proteínas e água Parede secundária Predominância de celulose, seguida de hemiceluloses e, eventualmente, presença de lignina Célula (Protoplasto) Lamela média Parede secundária Parede primária O processo de formação de uma nova parede celular é odefinidor da origem das três camadas. Ao final da telófase (fim da divisão nuclear na mitose), algumas vesículas (pequenas bolsas membranosas) produzidas pelo Complexo de Golgi e repletas de pectinas se direcionam para o equador da célula orientadas pelo fragmoplasto, uma estrutura microtubular (remanescente do fuso mitótico) que forma-se no plano de divisão. Essas vesículas se fundem, fazendo com que as membranas das vesículas formem a membrana plasmática das duas novas células e com que as pectinas constituam um cimento intercelular, compondo a primeira camada da parede celular, que é a lamela média (Figura 7). Figura 7 – Formação da lamela média após o final da telófase para formação de duas células filhas independentes. Cada nova célula passará, daí por diante, a produzir os compostos que irão compor as novas camadas da parede, paredes primária e secundária quando essa última existir. A parede primária começa a ser formada logo após a divisão da célula, sendo que a celulose vai sendo polimerizada do lado de fora da célula, por ação de enzimas presentes na membrana plasmática que catalisam a união dos dissacarídeos que são exportados para esta região. As demais macromoléculas (hemiceluloses, pectinas e proteínas) são secretadas via vesículas do Complexo de Golgi (Figura 8). É uma parede delgada, elástica e plástica (flexível e em crescimento), bastante permeável, não selecionando o que entra na célula. Esta atribuição fica a cargo da membrana plasmática. A parede primária permanece relativamente delgada e elástica e torna-se espessa, rígida, muito menos flexível e, finalmente, quase inelástica no momento em que inicia-se a deposição da parede secundária (quando for o caso). Consiste de celulose mais ou menos na mesma proporção que os outros polissacarídeos, proteínas e água. Figura 8 – Síntese e direcionamento dos polissacarídeos formadores da parede celular vegetal. Hemiceluloses e pectinas são sintetizadas no Complexo de Golgi e secretadas pela fusão das vesículas com a membrana plasmática. As fibras de celulose são formadas a partir da polimerização das moléculas de celulose pelas enzimas (rosetas) presentes na membrana plasmática e orientadas pelos microtúbulos citoplasmáticos alinhados logo abaixo da membrana. Quando a célula necessita de parede mais espessa e resistente, como nos tecidos de sustentação, a parede secundária é depositada entre a parede primária e a membrana plasmática. Essa deposição só ocorre em um período em que a célula não cresce mais, diminuindo o lúmen das células, crescendo em espessura para dentro. É composta principalmente de celulose, que pode ser depositada de forma bastante orientada, e também de hemiceluloses que auxiliam no arranjo das fibras. Pode conter moléculas mais agressivas como a lignina e a suberina. Essas substâncias impermeabilizantes, quando intensamente depositadas, comprometem a sobrevivência das células, por impedir passagem de moléculas, especialmente da água. Isso acontece, por exemplo, nos elementos traqueais do xilema e as fibras do esclerênquima. A parede secundária varia em espessura, grau de dureza e cor em função do tecido em que é depositada. É a parte da célula que dá às várias madeiras e fibras de plantas (algodão, linho, cânhamo) o seu caráter específico e da qual é derivada a celulose usada na manufatura de vários produtos. Vale ressaltar que dependendo da função do tecido, a parede secundária não é depositada. Células como as do parênquima clorofiliano (mesofilo), devido ao seu elevado metabolismo, completam seu ciclo sem que tenham fabricado uma parede mais elaborada, e nos órgãos onde estão presentes são sustentados por tecidos com paredes especializadas em sustentação (colênquima e esclerênquima). Outro aspecto importante da PC vegetal é a existência de poros (pontoações) que permitem a comunicação direta entre células adjacentes. Nas pontoações passam canais membranosos chamados plasmodesmos. A membrana do plasmodesmo é contínua à membrana plasmática de ambas as células e no seu interior pode passar ainda um tubo membranoso, o desmotúbulo, que é um fragmento de Retículo endoplasmático (Figura 9). A origem da pontoação e do pasmodesmo se dá na formação da lamela média, quando em algumas regiões não ocorre fusão das vesículas de pectina no fragmoplasto. Os plasmodesmos permitem a passagem de metabólitos e só são visualizadas individualmente sob a microscopia eletrônica, enquanto a falha na parede por onde ele passa, a pontoação, pode ser visualizada sob microscopia de luz. Figura 9 – Detalhes da parede celular vegetal mostrando a pontoação (descontinuidade da parede), o plasmodesmo (canal membranoso) e o desmotúbulo (cordão membranoso que passa no interior do plasmodesmo). A parede celular é uma estrutura bastante diversa quanto à composição química (moléculas presentes e proporção das mesmas), forma de deposição dos seus constituintes e quanto à espessura. Essa variação é observada em células do mesmo tipo de tecido em estágios diferentes do desenvolvimento, mas principalmente entre células de diferentes tecidos. No primeiro caso, conforme descrito anteriormente na formação da parede, enquanto a célula está em crescimento a parede precisa permitir a expansão da célula, devendo portanto ser flexível e elástica. Cessado o crescimento, a parede sofrerá mudanças para torná-la mais rígida e resistente, com deposição intensa de celulose na Pontoação CÉLULA 1 parede primária e deposição de parede secundária quando for o caso. A variação entre diferentes tecidos está relacionada à maior ou menor necessidade de resistência, de capacidade de impermeabilização e proteção. 6.1.3. Importância biológica e econômica Do ponto de vista biológico, a parede celular é uma estrutura essencial à adaptação e sobrevivência das plantas. Durante o desenvolvimento da célula, a orientação das fibras de celulose é que define o(s) eixo(s) de crescimento e portanto definem a forma final da célula (Figura 10) Figura 10 – A orientação das fibras de celulose na parede primária determinando a forma final das células vegetais. A parede celular funciona como uma barreira para o ataque de microrganismos e insetos. Para penetrar nas células hospedeiras, estes agentes patogênicos precisam dissolver enzimaticamente a parede. Portanto, a PC funciona como uma barreira passiva, dificultando o ataque. Já a lignificação e a suberificação são mecanismos ativos de defesa, que impedem a penetração da maioria destes agentes, explicando o motivo de alguns fungos (Rhizoctonia) atacarem seedlings e não tecidos já lignificados. Outro papel importante é a de sustentação das células e dos tecidos e, portanto, da planta inteira. A evolução das plantas a partir de indivíduos pequenos e delicados para árvores imensas e robustas se deve, em grande parte, à evolução de paredes espessas e altamente resistentes que sustentam o peso do indivíduo. Além da importância biológica da PC enfatizada, as paredes celulares possuem grande importância comercial, sendo intensivamente exploradas para produção de inúmeros artigos de interesse, como papel, fibras para a indústria têxtil, madeiras, produtos como pectina para a indústria de doces e, mais recentemente, para a produção de etanol de segunda geração a partir da fermentação da celulose. 6.2. DESCRIÇÃO GERAL DA PAREDE CELULAR DOS FUNGOS Todos os fungos apresentam parede celular análoga à parede vegetal, tanto no que diz respeito à sua composição quanto às funções. A parede celular dos fungostem como principal polissacarídeo estruturante a quitina, um homopolissacarídeo formado N-acetilglicosaminas unidas por ligações β1→4, o mesmo polímero encontrado no exoesqueleto dos artrópodes. A quitina é depositada principalmente na região próxima à membrana plasmática e a parede é ainda espessada pela deposição de homopolissacarídeos de glicose unidos tanto por ligações β1→3 como β1→6 e ainda de proteínas que desempenham diversas funções na superfície celular (Figura 11). A parede tam Figura 11 – Componentes e estrutura da parede celular das células formadoras dos fungos. 6.3. A PAREDE DAS CÉLULAS PROCARIÓTICAS A parede celular das células procarióticas é bastante diversa da parede eucariótica. É formada basicamente por peptideoglicanos, macromoléculas compostas por um heteropolissacarídeo com dois monômeros distintos e em cuja cadeia vários tetrapetídeos se ligam formando ramificações. As cadeias de peptideoglicanos adjacentes são interligadas por pontes de pequenos peptídeos, o que forma uma rede que estrutura a parede (exemplificado na Figura 12). A parede difere quanto à composição e arranjo de seus componentes tanto entre os representantes dos reinos Eubacteria e Arquebacteira, quanto dentro de Eubacteria. Nas bactérias, o heteropolissacarídeo é formado por unidades repetidas do dissacarídeo N-acetilglicosamino β1→4 N –acetilmurâmico)n, ligado ao tetrapetídeo ácido murâmico (Figura 12). As bactérias são divididas em gram-positivas, que apresentam várias camadas de peptideoglicanos foramando uma camada espessa ( 15 a 80 nm) ao redor da célula e as gram-negativas, que têm parede bem mais fina (10 nM) e revestida por uma membrana externa composta por lipopolissacarídeos (Figura 13). Essa diferança na cobertura celular faz com que o resultado da coloração de Gram seja diferenciado entre esses dois grupos, sendo que as Gram-positivas coram porque retêm o corante e as Gram-negativas não coram porque não retêm o coranto em sua fina parede. Nas arquebactérias, o peptideoglicano é formado por heteropolissacarídeo de (N-acetilglicosamino β1→3 N–acetiltalosaminourônico)n e os peptídeos ligantes são bastante diversos. Figura 12 – Esquema de um peptideoglicano formador da parede celular das bactérias (A) e estrutura da parede celular de uma bactéria gram-positiva. (A) (B) G: β -N-acetilglicosamina M: Ácido N-acetil-murâmico Figura 13 – Características da cobertura celular que diferenciam as bactérias gram- positiva e gram-negativa. 6.4 EXERCÍCIOS PROPOSTOS 1. Cite exemplos de organismos cujas células apresentam parede celular. 2. Onde a parede se localiza na célula? 3. Que moléculas são encontradas obrigatoriamente na parede celular vegetal e que papel cada uma delas desempenha na estruturação da parede? 4. Caracterize as camadas que podem ser encontradas na parede celular vegetal. 5. O que é o plasmodesmo e qual a sua importância? 6. Descreva resumidamente a formação da parede celular vegetal. 7. Que diferenças podem ser observadas na parede celular de diferentes tecidos? 8. Comente sobre uma importância biológica e uma importância comercial da parede celular vegetal. 9. Qual a molécula mais estruturante da parede celular dos fungos? 10. Qual a composição molecular da parede procariótica? 11. Qual a diferença entre bactérias gram-positiva e gram-negativa? 4.5. BIBLIOGRAFIA RAVEN, P.H.; EVERT, R.F.; EICHHORN, S. E. Biologia Vegetal. 8ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. 880p. CARVALHO, H.F.; RECCO-PIMENTEL, S.M. A Célula. 3 ed. São Paulo. Editora Manole. 2013. 590 p.
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