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RESENHA 
História, indícios, imagens: 
a historiografia do olhar 
JlIlia Gnlli O'DoJlJlcll 
Testemunha ocular: história e imagem 
Peler Burke 
Bau11l, Edusc, 2004 
Na linha dos trabalhos que vêm consagrando Peter Burke entre os mais 
importantes historiadores culturais da atualidade, Testemu.nha ocular traz uma 
visão clara e detalhada de uma das grandes tendências conremporãneas da 
historiografia. Dotado de apurado senso crítico, o estudo trata dos usos e abusos 
da imagem como evidência do passado, situando-a entre os outros recursos de 
que se vale a pesquisa histórica. Diversos tipos de imagem, de distimas naturezas 
Nota: J u!ia Galli O'Oonncll é mcslf;mda em Antropologia Soei:ll pelu Museu Nacional da Universidade Fc· 
deral do Rio deJaneiru. 
Esrudos Hislóricos, Riu Jt:Jan�iro, n" H) julho-Jt'zembro dt' 2004, p. 191-195. 
191 
192 
estudos hi"tóricos e 2004 - 34 
formais, tempos e lugares, dispostos nesse livro generosamente ilustrado, ser­
vem de matéria-prima para a análise do aUlor, que mantém uma perfeita sintonia 
entre teoria e método. Vistas em seu uso pragmático, as "fontes" aqui tratadas 
(ou "indícios", como prefere Burke) convergem na premissa que viabiliza o livro 
e, em última instância, o uso do recurso visual no trabalho historiográfico: a ima­
gem comunica. Mesmo sendo invariavelmente muda, ela sempre expressa, sem­
pre significa. 
o 
E esse o ponto de partida para o desenvolvimeI1lo do tema, tarefa que o 
aUlor cumpre de maneira meticulosa, sempre fazendo jus à complexidade que a 
linguagem visual oferece em si e na sua relação com a busca pelo passado. Por 
muitos anos confinadas às notas explicativas e relegadas ao plano da ilustração 
exemplificadora, as imagens ganham, no tratamento dado no livro, autonomia 
explicativa e status de indício legítimo - o que implica carregar os fardos e as gra­
ças dos demais tipos de "documentos históricos". Nesse sentido, 7ês/el/lll1/ha OC/l­
lar vem consolidar a nítida ascensão das fontes visuais entre os historiadores en­
gajados no modelo proposto pela chamada "nova história", muito em voga nas 
últimas décadas. Com esse movimento, meI1lalidades, ideI1lidades, micro-his­
tória e cultura passam ao centro das questões motrizes da historiografia, e as ima­
gens emergem como mais um recurso na busca pela sensibilidade muitas vezes 
inatingível pela via da palavra escrita. Grande contribuição à história, promessa 
alentadora, não restam dúvidas. Mas também grande perigo - nos lembra Burke 
- caso não seja feita uma cuidadosa "crítica da fonte" que nos previna contra as 
armadilhas, que não são poucas. Eis aí o trunfo desse manual crítico do consa­
grado historiador britânico: a exposição de critérios e o alena aos cuidados a se­
rem tomados na inclusão dessas novas testemunhas na reconstrução do passado. 
Para tratar desses atos de testemunho ocular de forma metódica (e, aci­
ma de tudo, historiográfica), Burke faz do livro um manual no sentido positivo 
do termo, uma vez que alia organização, clareza, concisão e profundidade crítica. 
Com a idéia inicial de que as imagens, assim como os textos, podem (e devem) ser 
traduzidas de modo a se adaptarem ao uso que delas se pretende fazer, o livro par­
te da "crítica do olho inocente" para ateI1lar às fragilidades do recurso e também 
para lançar às imagens o primeiro questionamento a ser feito a qualquer tipo de 
fonte: em que circnnstâncias o documento foi produzido? Quais os propósitos 
do realizador? Com essas interrogações e premissas em mente, Burke divide o 
livro em II capítulos, nos quais mostra "os diferentes tipos de imagem para di­
ferente tipos de história", confirmando a pluralidade dos indícios visuais e tam­
bém das possibilidades de uso. 
, 
E possível identificar três panes bem definidas no desenrolar da argu-
mentação construída ao longo do trabalho. A primeira delas, que vai do capítulo 
I ao 5, trata dos usos da imagem como via de acesso às idéias, atitudes e 
[-/htôrifl, indícios, imflgens 
mentalidades do passado, estabelecendo critérios bem marcados para esse em­
prego mais abstrato do testemunho ocular. Nesse bloco da análise, ganha des­
taque o capírulo sobre a forografia (o primeiro do livro), no qual o leitor se depara 
com os perigos da armadilha do aparelHe realismo e das ilusões de objetividade 
que esse recurso oferece. No caso dos retratos, o mesmo problema se impõe, e 
Burke nos mostra que uma rigorosa crítica da f OlHe nos revela o verdadeiro po­
tencial desses indícios: o de revelarem mais as ilusões sociais do que a realidade, 
"não a vida comum mas as performances". Nesse pontO surge a questão sobre 
quais os tipos de história passíveis de se valer desses mananciais de simbologia e 
representação que são os retratos. Aqui a distorção da realidade passa a ser o 
elemenro de análise, fonte riquíssima para o estudo da mentalidade e da iden­
tidade, numa postura anre o documento que reforça o papel do historiador­
detetive, que permeará todo o livro. 
Outra discussão fundamental nessa primeira parte é a do segundo ca­
pítulo, que envolve a crítica à iconologia e iconografia, por muito tempo as 
únicas metodologias de abordagem da linguagem visual. Aqui Burke analisa o 
trabalho clássico de Pano[ski (que servirá de parâmetro ao longo de todo o livro), 
no senrido de reconhecer-lhe as contribuições, mas também as limitações. A 
idéia (hoje já lugar-comum) de "ler a imagem" e a atenção aos detalhes apareciam 
já nos anos 1920 e 30 entre os historiadores da arte, numa atitude consagrada ao 
longo do século XX. Mas para que a imagem possa ficar lado-a-Iado com os 
demais indícios históricos, Burke sugere que é preciso superar algumas das 
condUlas impostas por esses métodos, como a falta de diálogo com o contexto da 
obra e o teor $eneralizante das análises. Mais uma vez somos lembrados: é pre­
ciso ir além. E isso que ele faz ao abordar, no capítulo seguinte, as imagens no seu 
uso sagrado, servindo como documento para as emoções vinculadas à 
religiosidade ou para a dinâmica das práticas religiosas. Ou, ainda, seu uso laico, 
como nas representações mundanas de poder - quer sejam abstratamente ex­
pressas em ideologias como nacionalismo, socialismo, liberdade, quer sejam 
usadas na personificação desses valores em líderes (e aqui Burke não poupa 
exemplos de análise, de AugustO a Mussolini). 
Terminada essa primeira pane, o livro entra no mérito do uso da ima­
gem na sua contribuição mais direta e objetiva. A cultura material a que ela nos 
dá acesso permite uma reconstrução visual do passado nos seus aspectos mais 
u·iviais (como vestuário, tecnologia etc.), inatingíveis pela descrição textual. 
Aqui vem novamente reforçado o alena sobre a distância entre imagem e rea­
lidade (muitas vezes tomadas por sinônimos óbvios e imediatos), voltando à 
questão da representação como conceiro latente na imagem responsável ele 
qualquer imagem do passado. Surge ainda a problemática específica do tipo de 
linguagem visual empregado na produção do documento, uma vez que caela 
193 
194 
c.<t/lr/os históricos . 2004 - 34 
meio de comunicação se vale de seus próprios códigos e fórmulas, sem o conheci­
mento dos quais a análise fica seriamente comprometida. Tomadas as devidas 
precauções, o historiador em busca de vestígios visuais na recomposição mate­
rial do passado tem muito a ganhar com o registro dos usos e da organização dos 
objetos no seu contexto original. Nesse bloco, Burke também trata dos possíveis 
usos da imagem na construção das visões da sociedade por seus diferentes setores 
(crianças, mulheres, camponeses, por exemplo), alertando para o risco de o his­
toriador desatento não registrar as sátiras e idealizações que muitas vezes regem 
a dinâmica do registro produzido. O feriche do historiador culmnll pela idéia do 
"Outro" impõe também a questão dos retratos da alteridade, do estranhamentoprovocado pelo enconrro entre culturas, gêneros, grupos sociais e etários. A ima­
gem, no seu uso crítico, deve ser tomada como uma ótima evidência do encontro, 
nunca da "realidade" que a obra sugere e que vem mui tas vezes carregada de este­
reótipos. O autor aborda ainda a questão das narrativas vü;,uais, esse antigo desa­
fio de paralisar o dinâmico, de representar o tempo no espaço, discorrendo sobre 
os muitos problemas que daí decorrem. 
Na terceira e última pane, composta pelos dois capítulos finais, Burke 
lança um olhar em tom de balanço, amarrando as teorias e método> expostos e 
desenvolvidos nos muitos exemplos que oferece ao leitOr. Munido da bagagem 
acumulada nas muitas situações-exemplo oferecidas nos diferentes capítulos, ele 
reúne as sugestões deixadas ao longo do livro, esquematizando-a, sob a forma de 
alternativas ao uso da imagem pela historiografia, de modo a explorar ao máximo 
o potencial já demonstrado e minimizar os problemas detectados. Isso é feiro 
com a proposição de u·és vias analíticas, sempre tendo em vista Panofsky como 
parâmetro a ser superado. A primeira delas, a psicanalítica, nos permi tiria alcan­
çar os significados implícitos das imagens e, numa linha calcada nos trahalhos de 
Freud, fazer uma especulação con,cien te e confessa. Essa opção, apc,ar de tenta­
dora, se mostra problemática pelo rato de o objeto da p,icanálise ser composto 
por indivíduos presentes, e o objeto da história, por coletividades passadas. Já a 
segunda sugestão, a da análise estruturalista (baseada em Lévi-Strauss, Roland 
Banhes e Foucault), mostra-se interessante por ver no recurso visual um sistema 
de signos inter-relacionados, o que estimularia um outro tipo de sensibilidade 
analítica, pecando ao deixar de lado o apreço pelo detalhe e a premissa da relação 
da imagem com o contexto social externo do qual é fruto. 
Diante desse quadro de possibilidades promissoras, porém lacunares, 
Burke faz uma terceira sugestão, à qual dedica a conclusão do livro e que merece 
sua preferência declarada. A "história cultural das imagens", um desdobramen­
to do que seria a história social da arte, emerge como candidata definitiva nessa 
busca do diálogo equilibrado e credibilitado entre o olhar do passado e a leitura 
do presente, por dar o merecido espaço à questão que sutilmente permeou e 
I-listó";(f, indícios, il1Jagc. 
conduziu toda a análise que compõe o livro. Só nessa proposta teórico-meto 
dológica o historiador tem instrumentos para "perguntar" à sua imagem-do· 
cumento aquilo que realmente importa: o que elas significam e, principalmente, 
para quem sigllificam? Com o nome alternativo de "anlropologia histórica da ima 
gem", essa via pretende, em suas palavras, "reconstruir as regras ou convenções, 
conscientes ou inconscientes, que regem a percepção e a interpretação de ima­
gens numa determinada cultura". Com isso o resultado da análise seria a aproxi­
mação com a recepção da imagem em seu contexto original, numa contribuição 
que vai muito além da exploração interna dos recursos oferecidos pelo "do­
cumento". 
Tesze1l1ullha ocula .. conquista assim um lugar privilegiado na literatura 
sobre métodos da historiografia, ao tratar com cuidado e clareza um tema tão tri­
vial na prática quamo esquecido na crítica. Com isso, consegue transmitir aos 
leitores a idéia inicial desenvolvida em todo o livro: as imagens não são o reflexo 
direto da realidade, nem tampouco um sistema de signos independente da mes­
ma, mas sim ocupam várias posições enO'e esses dois extremos, cabendo ao 
hisroriador posicioná-las da melhor maneira possível, ciente de seus potenciais e 
limitações. Desse modo, os testemunhos visuais do passado ganham mais um 
reforço na abertura de seu caminho rumo à porta da freme da historiografia, 
num processo cada vez mais mediado pelo diálogo interdisciplinar - o grande 
diferencial de uma história cultural que se faz no revisitar de fontes e teorias. Daí 
a importância das tamas referências de Burke a filósofos, antropólogos, críticos 
da arte e outros pensadores que circundam todo o fazer-se dessa matéria ainda 
-em consrruçao. 
Vale ainda regisn'ar a cuidadosa edição brasileira do livro, com revisão 
da rraduçao feira por Daniel Aarão Reis Filho. Depois de lançado pela primeira 
vez em 2003 e recolhido em função dos muitos problemas de tradução, o próprio 
Burke fez a revisão final dessa segunda versão brasileira, acrescendo-a de um 
prefácio e completando os méritos dessa edição muito bem ilustrada e tão feste­
jada entre os interessados no tema. 
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