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estratificação social e desigualdade de classe

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1 
ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL E DESIGUALDADE DE CLASSE 
Marcelo Medeiros (UnB) 
Rubens Lacerda (UnB)
INTRODUÇÃO 
 Explicar o que determina a desigualdade nas so-
ciedades e quais as consequências dessa desigualdade é 
uma preocupação antiga das Ciências Sociais. Na verdade, 
ela antecede em muitos séculos o surgimento do que hoje 
chamamos Sociologia e se manteve no núcleo da discipli-
na até os dias de hoje. Todos os sociólogos clássicos, e a 
maioria dos contemporâneos mais importantes, trataram 
do assunto. 
 Há vários ângulos possíveis para se abordar desi-
gualdades e um deles é a divisão da sociedade em estra-
tos sociais, isto é, em grupos que compartilham determi-
nadas características sócio-econômicas. Essa divisão é 
conhecida como estratificação social, termo que é usado 
com pelo menos três sentidos: para referir-se aos proces-
sos que criam desigualdades, aos procedimentos usados 
para identificar os grupos desiguais e ao campo científico 
que se dedida ao estudo desses processos. 
 Os temos estratos e classes sociais são, hoje, usa-
dos como sinônimos. Do ponto de vista lógico, ambos são 
categorias criadas com propósitos instrumentais para se 
analisar a desigualdade em uma sociedade. No passado o 
termo classe quase sempre recebia uma definição mais 
restrita e referia-se à posição dos indivíduos na economia 
enquanto o termo estrato costumava englobar outras 
dimensões como o status e o prestígio. Classes eram ne-
cessariamente hierarquizadas, o que não ocorria com es-
tratos. Como são categorias instrumentais, a terminologia 
usada normalmente decorria do tipo de teoria utilizada 
pelos analistas. Teorias mais vinculadas a uma base mar-
xista em geral preferiam o uso do termo classe ao passo 
que as de base weberiana tendiam a usar o termo estrato. 
Com o crescente diálogo entre teorias marxistas e webe-
rianas neste campo de estudos, estrato e classe passaram 
a ser usados de forma intercambiável. 
 As pessoas são desiguais em várias dimensões – 
por exemplo, idade, religião, nacionalidade – e, a rigor, 
todas essas constituem desigualdades sociais. Em tese, 
seria possível classificar, e portanto estratificar, a popu-
lação em qualquer uma dessas dimensões. No entanto, o 
campo de estudos sobre estratificação é bem mais restri-
to: seu foco é a riqueza material, mais exatamente, o 
poder de comando sobre recursos econômicos, uma ex-
pressão técnica da área que indica a capacidade de usar 
esses recursos para se obter vantagens e benefícios. Isso 
não quer dizer que os estudos sobre estratificação igno-
rem as dimensões não econômicas da vida social; ao 
contrário, diversas pesquisas se dedicam a entender co-
mo atributos como origem social, sexo, deficiência, raça, 
nacionalidade ou educação determinam desigualdades de 
riqueza ou ainda como essas desigualdades influenciam o 
funcionamento da sociedade. Em poucas palavras, nos 
estudos sobre estratificação o enfoque é nas causas e 
consequências das desigualdades econômicas. 
 Ao buscar explicações para a desigualdade as teo-
rias de estratificação acabam tocando alguns dos pilares 
centrais da organização social e questionando o que a 
primeira vista pode parecer trivial. É por isso que essas 
teorias ocupam um papel tão importante na sociologia. 
Por exemplo, durante muitas décadas a sociologia se con-
centrou em esquemas de classe que dividiam a sociedade 
em capitalistas e trabalhadores. É óbvio que capitalistas 
são capitalistas porque são proprietários do capital, afinal 
essa é a própria definição de capitalista. A pergunta es-
sencial para os sociólogos preocupados com essas desi-
gualdades é o que há na estrutura da sociedade que per-
mite que algumas pessoas acumulem e mantenham capi-
tal e outras não. Uma explicação possível é que existe 
uma estrutura jurídica que permite a propriedade privada 
de empresas, terras e outros meios de produção e o uso 
dessa propriedade para acumular mais capital, bem como 
a transferência dessa propriedade dos pais aos filhos. 
Ocorre que essa explicação promove uma reflexão pro-
funda sobre a sociedade e nos faz revisar ideias que nos 
parecem auto-evidentes: ter a propriedade privada da 
terra para nós pode parecer tão aceitável quanto era 
aceitável ter a propriedade de escravos no século XVIII e 
transmitir essa propriedade aos filhos tão natural quanto 
transferir o poder político por hereditariedade em uma 
monarquia. 
 No campo da estratificação social há algumas 
noções importantes a se estudar. A primeira delas é a de 
distribuição social, que manifesta a idéia de que a ideia 
abstrata de desigualdade social pode ser analiticamente 
tratada como desigualdade na distribuição de algo entre 
alguém. A segunda é a de esquema de estratificação, que 
é uma teoria que determina em que estratos a população 
 
 
2 
deve ser dividida, como os indivíduos devem ser classifi-
cados neles, como comparar os estratos e como lidar com 
a desigualdade dentro dos deles. A terceira é a de que as 
desigualdades podem ser entendidas como absolutas ou 
relativas. Para colocar de modo fácil de entender, desi-
gualdades absolutas podem ser pensadas em termos de 
diferenças (R$ 100 de diferença, por exemplo) enquanto 
as relativas em termos de razão (10% de diferença). A 
quarta é a diferença entre desigualdade e mobilidade, a 
primeira referindo-se a à forma distribuição social, com 
posições mais altas e mais baixas, e a segunda como os 
indivíduos se movem dentro dentro dessa distribuição, 
subindo ou descendo posições ao longo do tempo. Estas 
noções são tratadas em maior detalhe adiante. 
 Também se discute a seguir o papel que a desi-
gualdade social pode ocupar nas teorias científicas. Uma 
pesquisa pode enfocar as causas da desigualdade social 
ou suas consequências. As causas são o principal objeto 
do campo de estudos sobre estratificação contemporâneo 
enquanto as consequências, em geral, são objeto das so-
ciologias específicas, como a sociologia da arte, religião 
ou política. Entre as causas das desigualdades estão capi-
tais econômicos, humanos e sociais, a estrutura de pro-
dução, a relação Estado-indivíduo e discriminação. As 
consequências se manifestam em padrões eleitorais, con-
sumo cultural, conversão religiosa, etc. 
DESIGUALDADES SOCIAIS 
 DISTRIBUIÇÃO DE ALGO ENTRE ALGUÉM 
 Importante para o estudo da desigualdade social 
é entender a noção de distribuição social. Toda desigual-
dade social pode ser entendida como desigualdade na 
distribuição de algo entre alguém. Por exemplo, uma ex-
pressão abreviada como “desigualdades raciais” geral-
mente se refere a uma ideia mais extensa, tal como as 
desigualdades na distribuição dos salários (o “algo”) entre 
indivíduos em grupos raciais (o “alguém”); “desigualdades 
de classe” a uma ideia como desigualdades na distri-
buição de educação (o “algo”) entre indivíduos em classes 
sociais (o “alguém”). 
 No campo da estratificação quase sempre a rique-
za material ou alguma coisa diretamente relacionada a ela 
entra na definição do “algo” ou do “alguém”. Além disso, 
o “alguém” nos estudos contemporâneos invariavelmente 
são pessoas, sejam elas reunidas em classes, em áreas 
geográficas, grupos raciais, religiosos ou qualquer outro 
critério de agregação. Em outras palavras, a unidade de 
análise dos estudos de estratificação são os indivíduos. 
Isto distingue os estudos de estratificação social de outros 
estudos que comparam a riqueza usando unidades de 
análise diferentes como, por exemplo, as comparações 
entre cidades ou países. 
ESQUEMAS DE ESTRATIFICAÇÃO 
 O ponto de partida dos estudos de estratificação 
social é a classificação de indivíduos em estratos. A ex-
istência de desigualdade nas sociedades é um fato. A clas-
sificação dos indivíduos a partir dessas desigualdades, 
não. O que os pesquisadores fazem é identificar as desi-
gualdadesentre indivíduos e classificá-los a partir delas. 
Essa identificação depende de uma teoria que estabeleça 
em que estratos a sociedade deve ser dividida e quais in-
divíduos devem pertencer a eles. Porque depende de uma 
teoria a classificação é objeto de debates, motivo pelo 
qual diversos esquemas de classificação diferentes são 
usados pelas ciências sociais. 
OS ESQUEMAS CONTEMPORÂNEOS E SUA ORIGEM 
 O conjunto de regras que permite classificar os 
indivíduos em diferentes estratos é conhecido como es-
quema de estratificação. Embora a maioria dos esquema 
de estratificação atuais tenha origem em teorias propos-
tas na segunda metade do século XIX e início do século 
XX, hoje nenhum dos principais esquemas em uso é um 
mero reflexo dessas teorias. Na pesquisa moderna domi-
nam abordagens que fundem elementos de teorias mar-
xistas e weberianas. 
 Os primeiros esquemas de estratificação usados 
na sociologia foram derivados da economia política clássi-
ca e se baseiam em uma partição de classes marxista, 
embora a unidades de análise em Marx sejam categorias 
abstratas como trabalho e capital, as quais, a rigor, não se 
traduzem automaticamente em posições concretas de 
trabalhadores e capitalistas. São esquemas em que o eixo 
de classificação é a capacidade de se apropriar do valor 
do trabalho. Essa capacidade se expressa na propriedade 
legal dos meios de produção, sendo os capitalistas os 
proprietários. Este tipo de esquema guarda relação direta 
com a teoria de valor marxista, a qual diz que o valor 
econômico dos bens e serviços é dado pela quantidade de 
trabalho socialmente necessário para produzí-los. Como 
quem trabalha são os trabalhadores, são eles quem criam 
o valor das coisas; o que os capitalistas fazem é apropriar-
se injustamente desse valor, ou seja, exploram os trabal-
hadores. O aspecto substantivo da divisão entre trabalha-
dores e capitalistas, portanto, é a separação entre explo-
rados e exploradores, crucial para a teoria de justiça mar-
xista. 
 A divisão da sociedade entre trabalhadores e capi-
talistas é instrumentalmente útil em economias capitalis-
tas relativamente simples, mas perde muito de seu poder 
em economias complexas e estatizadas, onde a divisão do 
 
 
3 
trabalho cria não só gerentes, executivos, mas trabalha-
dores por conta-própria e subempregados e o Estado, um 
proprietário coletivo, produz bens e serviços. Com um 
aumento ainda maior da complexidade, dividindo trabal-
ho entre empresas, a divisão binária perdeu parte de sua 
utilidade instrumental porque não é capaz de lidar bem 
com as imensas diferenças existentes tanto dentro da 
classe dos trabalhadores quanto da classe dos capitalistas 
e os esquemas de estratificação. A estatização de várias 
atividades - a educação e a saúde, por exemplo – coloca 
em cheque a ideia de que todos os trabalhadores são di-
retamente explorados por um capitalista. 
 Uma parte das teorias neomarxistas respondeu a 
isso lançando mão da subdivisão das classes em frações 
de classe cada vez mais refinadas, baseadas em ocu-
pações, ao passo que outra parte seguiu um caminho dis-
tinto, usando a renda como um indicador do comando 
sobre recursos econômicos. A primeira é muito usada nos 
estudos neomarxistas sobre estrutura ocupacional ao 
passo que a última é a que subsidia os estudos neomarxis-
tas sobre pobreza, riqueza e desigualdade. 
 Para Weber a situação de classe econômica dos 
indivíduos é determinada por três dimensões: o nível de 
propriedade dos meios de produção, a capacidade de 
consumo e a qualificação profissional. A combinação des-
sas três dimensões determina aproximadamente as 
“oportunidades de vida” dos indivíduos. É evidente que 
quem tem mais propriedade, capacidade de consumo e 
qualificação está em posição superior a quem não tem, 
mas Weber nunca se preocupou em determinar em de-
talhe como essas três dimensões se articulam. Algumas 
teorias neoweberianas se dedicaram a isso, usando con-
ceitos de status ou prestígio para definir o peso de cada 
uma das dimensões de modo a classificar pessoas nos 
estratos. Outras ampliaram as dimensões de modo a ref-
letir melhor a noção de oportunidades de vida, incluindo 
o grau de segurança ou estabilidade econômica e a possi-
bilidade de prosperidade para determinar a posição de 
classe dos indivíduos. 
 Durante décadas os esquemas de estratificação 
social usaram o que se chama classificação por títulos 
ocupacionais. Este procedimento consiste em perguntar 
aos indivíduos qual é sua profissão e, a partir da resposta, 
classificá-los. Este foi e ainda é um procedimento muito 
usado para o estudo da mobilidade social entre gerações 
de uma mesma família, já que seria pouco realista esperar 
de um indivíduo que soubesse, por exemplo, a renda de 
sua família a uma geração atrás. Este, porém, é um pro-
cedimento que enfrenta algumas dificuldades. Como clas-
sificar em um título ocupacional único um professor de 
economia em uma universidade pública? Professor, eco-
nomista ou servidor público? Por essas e outras razões a 
classificação por títulos ocupacionais vem lentamente 
sendo substituída por classificações baseadas em renda 
ou outras dimensões quando isso é viável. 
 Um exemplo dessa substituição é o aumento da 
quantidade de estudos sobre pobreza na sociologia e a 
emergência dos estudos sobre riqueza. Usando linhas de 
pobreza e riqueza essas pesquisas estratificam a popu-
lação de acordo com seu nível de renda familiar per capi-
ta, ou variações dessa renda. O uso da renda tem uma 
série de vantagens, dentre elas a existência de um amplo 
instrumental analítico proveniente da estatística à dispo-
sição dos sociólogos, sem deixar de mencionar também o 
debate com as pesquisas correlatas sendo realizadas por 
economistas. Para entender melhor as implicações de se 
optar melhor por um ou outro esquema de estratificação 
vale à pena analisar seus componentes em maior detalhe. 
COMPONENTES DE UM ESQUEMA DE ESTRATIFI-
CAÇÃO 
 A opção por um esquema de estratificação é uma 
decisão instrumental, isto é, ela trata a estratificação co-
mo uma ferramenta para algo e, como tal, o esquema de 
estratificação não se justifica por si mesmo, mas pelos 
propósitos a que se destina. A definição de um esquema 
de estratificação depende de algumas decisões, entre elas 
i.qual é o eixo de classificação (o “algo”), ii.se os estratos 
são nominais, ordinais ou cardinais, iii.qual é a unidade de 
análise da estratificação (o “alguém”), iv.como serão defi-
nidas as fronteiras entre estratos e v.como lidar com a 
desigualdade intra-estratos. 
 O eixo ou eixos de classificação determinam que 
tipo de desigualdade será analisada: se forem ocupações 
profissionais, desigualdades ocupacionais. Não se trata 
apenas de selecionar um eixo qualquer e sim um que 
atenda a dois requisitos preliminares: tenha significado 
substantivo e seja observável empiricamente. Por exem-
plo, desigualdades ocupacionais não são analisadas ape-
nas para se verificar que as pessoas estão desigualmente 
distribuídas em categorias ocupacionais, mas porque se 
acredita que ocupações sejam um indicador mais geral da 
situação econômica das pessoas. Dimensões de difícil ob-
servação, tais como “nível de inclusão social” dificilmente 
constituem um bom eixo de classificação. 
 Uma vez escolhida a dimensão do eixo (ex: ocu-
pação, educação, renda) cabe decidir se o esquema terá 
natureza nominal, ordinal ou cardinal. Um esquema no-
minal é aquele que simplesmente divide categorias de 
modo não-hierárquico, isto é, sem determinar se alguma 
delas é superior ou inferior a outras. Por exemplo, uma 
classificação ocupacional nominal distingue entre sociólo-
gos e biólogos, sem determinar qual das duas ocupações 
é superior. Esquemas deste tipo são usados em alguns 
 
 
4 
estudos sobre mobilidade social, masencontram pouco 
espaço nas outras áreas da estratificação, que tendem a 
preferir esquemas hierárquicos. 
 Um esquema ordinal é hierárquico, determina 
superioridade nas posições, mas não determina o quanto 
uma categoria é superior a outra. Em outras palavras, de-
termina uma ordem, mas não a distância entre as pessoas 
nessa ordem. Por exemplo, o esquema binário trabalha-
dores-capitalistas reconhece que os capitalistas estão em 
posição superior aos trabalhadores, mas não diz quanto 
superior. Muitos esquemas ocupacionais hierarquizam 
ocupações assumindo, por exemplo, que gerentes são 
superiores a trabalhadores manuais. Já um esquema car-
dinal não só é hierárquico e ordinal, como determina a 
distância entre indivíduos. Um exemplo simples de cardi-
nalidade é a determinada na estratificação por renda: as 
rendas de R$ 2000 são duas vezes superiores às rendas de 
R$ 1000. 
 A escolha da unidade de análise de um esquema 
de estratificação parece ser trivial, mas não é. Suponha-
mos, por exemplo, um esquema bastante simples de duas 
categorias, trabalhadores e capitalistas. As pessoas com 
trabalho pago e que não possuem a propriedade dos 
meios de produção são trabalhadores, as que possuem os 
meios de produção são capitalistas. E os trabalhadores 
por conta-própria? E as donas-de-casa? É sempre possível 
criar regras para lidar com isso, como “os membros da 
família de uma capitalista são capitalistas”, mas como 
classificar as crianças de uma família em que a dona da 
empresa capitalista casou-se com o gerente trabalhador? 
Em um estudo sobre feminização da pobreza, o que fazer 
com os homens da família? Em uma pesquisa sobre desi-
gualdades raciais de renda, como lidar com as famílias 
multirraciais? Como se pode notar, a decisão sobre o “al-
guém” da distribuição não é tão simples como podem 
parecer à primeira vista. 
 Outra decisão importante nos esquemas de estra-
tificação refere-se à definição das fronteiras entre os es-
tratos. Uma linha de pobreza é um exemplo de fronteira e 
o que essa ou outra linha deve ser capaz de definir é a 
partir de que ponto uma pessoa pode ser considerada 
pobre, excluída, oprimida ou rica, incluída, opressora. A 
escolha das fronteiras tem implicações para a pesquisa e 
também políticas. Uma linha de pobreza muito baixa leva 
à conclusão de que a pobreza é um fenômeno marginal 
na sociedade e pode ser combatida por medidas paliati-
vas; uma linha muito alta leva a concluir que na mesma 
sociedade a pobreza é endêmica e que uma mudança rad-
ical na estrutura social é necessária para se combatê-la. 
 Finalmente, um esquema de estratificação tem 
que lidar com a desigualdade intra-estratos. Um estrato é 
um grupo e se há desigualdades gerais na sociedade não 
há porque não haver desigualdades também dentro desse 
grupo. Entre os trabalhadores, por exemplo, há os peque-
nos agricultores e os altos funcionários de empresas. En-
tre os professores há os da educação básica, com me-
nores salários e qualificação, e os da educação superior, 
mais qualificados e com maiores rendimentos. Em geral, 
quanto maior a desigualdade dentro dos estratos, pior o 
esquema de estratificação, mas isto nnem sempre é ver-
dade. 
 Como os esquemas de estratificação em uso hoje 
em dia têm respondido a esses requisitos? Hoje dominam 
na sociologia duas abordagens. A primeira, de base ocu-
pacional, busca usar um número grande de categorias 
formadas a partir de informações sobre os títulos ocupa-
cionais principais das pessoas, isto é, sobre o nome de sua 
profissão ou cargo mais importante, no caso de duas ou 
mais ocupações. Por um lado tem a vantagem de classi-
ficá-las em categorias relativamente estáveis no tempo, 
algo altamente desejável nos estudos sobre mobilidade 
social, e bem fundada nas teorias sociológicas neowebe-
rianas mas, por outro, a desvantagem de só classificar 
bem trabalhadores, lidar mal com as variações intra-
ocupacionais e no máximo permitir classificações ordinais. 
A segunda abordagem classifica indivíduos segundo seu 
nível de renda familiar, cujas vantagens são possibilitar a 
classificação de toda a população, inclusive crianças e 
aposentados, em um esquema cardinal, a disponibilidade 
de um instrumental analítico bem consolidado e uma ra-
zoável adequação às teorias neomarxistas, mas com a 
forte desvantagem da instabilidade de longo prazo da 
renda das pessoas e da dificuldade em se obter infor-
mações sobre os níveis de renda de gerações passadas. 
AS CAUSAS DA DESIGUALDADE DE CLASSE 
 Nas ciências sociais as posições de classe são tra-
tadas ora como causa, ora como efeito de outros 
fenômenos. Pesquisas que avaliam, por exemplo, em que 
medida a pobreza é um determinante da mortalidade in-
fantil tratam posição de classe como causa da mortali-
dade; as que avaliam o quanto o nível de vida de uma 
pessoa é determinado pela discriminação racial a tratam 
como efeito. Nesta seção nos interessa tratar a desigual-
dade de classe como um efeito, isto é, buscar os determi-
nantes dessa desigualdade. 
 Como em ciência causas e efeitos são imputações 
de natureza teórica, teorias diversas competem entre si 
para explicar um fenômeno. Porque a estratificação social 
tem sido objeto de pesquisa há muitos anos, progressi-
vamente as teorias foram se refinando na busca de expli-
cações cada vez mais completas para a desigualdade de 
classes. Ainda há, hoje, disputas dentro do campo científi-
 
 
5 
co, mas mesmo nelas existe um certo consenso de que 
uma explicação abrangente da desigualdade envolve, pelo 
menos, as seguintes dimensões: capital econômico, quali-
ficação para o trabalho (capital humano), domínio de 
elementos da cultura que facilitam relações em um grupo 
(capital cultural), redes de relações sociais (capital social), 
estrutura de produção (demanda por trabalho determi-
nada pela estrutura ocupacional), relação com o Estado 
(políticas sociais, tributação, etc.) e discriminação. A dis-
puta entre teorias, hoje, não é sobre quais são as causas 
da desigualdade de classes, mas sobre o peso a atribuir a 
cada uma dessas causas e é por isso que os estudos quan-
titativos se tornaram tão importantes na estratificação 
social. 
 As primeiras tentativas de explicar a estratificação 
da sociedade em classes analisaram as diferenças naturais 
de habilidades entre indivíduos e concluíram que essas 
diferenças não seriam suficientes para explicar porque as 
sociedades são tão desiguais. A consequência lógica dessa 
conclusão é que a explicação da desigualdade deve ser 
proposta pelas ciências sociais: se não são resultado das 
diferenças naturais entre os indivíduos então as desigual-
dades devem ter origem social. Este argumento é antigo e 
pode ser encontrado, por exemplo, na sociologia árabe da 
idade média, mas a sociologia comteporânea convencio-
nou o Discurso Sobre a Origem da Desigualdade entre os 
Homens, de Jean-Jaques Russeau, como o marco inicial 
dessa linha argumentativa. 
 O movimento de deslocar a explicação da desi-
gualdade da natureza para a sociedade pode parecer 
óbvio hoje, mas foi de suma importância há dois séculos, 
quando se acreditava, por exemplo, que a natureza dos 
negros os fazia intrinsecamente inferiores aos brancos, e 
mesmo há poucas décadas atrás, quando se julgava que 
hierarquia entre homens e mulheres no mercado de tra-
balho era determinada pelas diferenças naturais entre os 
sexos. Este movimento foi levado aos limites, com teorias 
que rejeitaram completamente qualquer papel da nature-
za na sociedade, em particular na separação entre natu-
reza e cultura. 
 O esforço em separar completamente natureza e 
sociedade perdeu muito de seu sentido original e hoje 
não é mais uma grande preocupação da sociologia da es-
tratificação social, que tende a ver o assunto sob a ótica 
da interação contínua entre natureza e sociedade.Por um 
lado se reconhece que características corporais dos in-
divíduos são socialmente determinadas – subnutrição de-
corrente da pobreza ou desvantagem cognitiva causado 
por ausência de escolarização, por exemplo – e, por out-
ro, que atributos corporais afetam como as pessoas vivem 
na sociedade, como mostram os estudos sobre defi-
ciência. 
 Aliás, é principalmente nos estudos sobre defi-
ciência que o enfoque na interação tem ido mais além 
para mostrar que desigualdades naturais podem ser anu-
ladas ou revertidas por meio de ajustes sociais: crianças 
em cadeiras de rodas experimentam uma desvantagem 
corporal que não precisa ser traduzida automaticamente 
em desvantagem social se as escolas forem ajustadas ar-
quitetonicamente para elas, por exemplo. Analogamente 
é possível pensar em ajustes equivalentes na organização 
da vida social para trabalhadores e trabalhadoras de 
famílias com crianças, etc. 
 O eixo teórico dos modelos de interação é a 
noção de que a manifestação social das desigualdades 
naturais é, em si, um fenômeno social. O que esses mod-
elos fazem é reconhecer que os indivíduos são desiguais 
em atributos naturais, mas que esses atributos só se tor-
nam fonte relevante de desigualdade social quando inte-
ragem com uma organização social que favorece a desi-
gualdade. Em outras palavras, o argumento central das 
explicações que adotam a ótica da interação é que desi-
gualdades naturais só se tornam desigualdades sociais 
quando a organização social não for capaz de acomodá-
las. O que importa na ótica da interação não é saber quais 
são os determinantes naturais da desigualdade social, 
mas sim o que há de específico na organização da socie-
dade que permite que diferenças naturais se expressem 
na forma de desigualdades sociais. 
 Sejam as classes identificadas por esquemas de 
estratificação baseados em ocupações ou baseados em 
renda, hoje as explicações sociais para as desigualdades 
de classe enfatizam três tipos complementares de capital: 
econômico, humano, cultural e social. Capital são recur-
sos, materiais ou não, que permitem a obtenção de rique-
zas. A origem etimológica do termo é capita, cabeça, em 
referência a cabeças de gado, uma riqueza que se auto-
reproduz. 
 Capital econômico refere-se tanto a ativos finan-
ceiros que rendem riqueza na forma de juros, como inves-
timentos e poupanças quanto a capital produtivo, como 
empresas ou terra. Nas teorias modernas não se trata 
apenas de saber se as pessoas têm ou não capital e sim 
quanto capital elas têm. Quanto maior a quantidade de 
capital de uma pessoa (ou sua família) maior a chance 
dessa pessoa ocupar uma posição alta na hierarquia so-
cial. Analisar a quantidade de capital é algo consistente 
com a estrutura das teorias da sociologia clássica e seu 
uso atual se baseia em um refinamento ainda maior do 
que o obtido por essas teorias. Uma divisão baseada ape-
nas na posse ou não do capital econômico está impossibi-
litada de diferenciar, por exemplo, os capitalistas mais 
ricos dos menos ricos, algo que é importante para os es-
tudos de estratificação. Os estudos mais recentes respon-
 
 
6 
dem a isso estratificando a população em função de sua 
quantidade de capital. 
 Todavia, mesmo depois de seu refinamento as 
teorias de quantidade de capital econômico se mostraram 
insuficientes para explicar a desigualdade na sociedade. 
Entre os trabalhadores que não tinham capital, por exem-
plo, elas não conseguiam explicar porque alguns tinham 
renda maiores que outros. As teorias de qualificação pro-
fissional ou capital humano surgiram para complementar 
a lacuna. 
 Trabalhadores com maior qualificação (que têm 
mais capital humano) conseguem ocupar os postos de 
trabalho que oferecem maior remuneração ou conse-
guem ser mais produtivos em suas atividades. A qualifi-
cação profissional, portanto, é vista como um ativo pro-
dutivo. Como a educação formal está diretamente asso-
ciada à qualificação profissional, trabalhadores educados 
tendem a ter maiores salários. As versões mais novas des-
sas teorias dão atenção tanto à qualificação absoluta dos 
trabalhadores como também a sua qualificação relativa, 
isto é, em comparação à qualificação com os demais tra-
balhadores, quando todos competem por postos no 
mesmo mercado de trabalho. 
 As teorias de capital humano, porém, não pos-
suíam os instrumentos necessários para explicar porque 
havia desigualdade mesmo entre trabalhadores com os 
mesmos níveis de qualificação e, para complementá-las, 
surgiram as teorias de capital social e capital cultural. 
 Capital social é uma noção não muito definida, 
mas que nos estudos sobre estratificação diz respeito a 
todas as vantagens que as pessoas têm porque ocupam 
posições melhores nas redes de relação social. Elas se 
propõem a explicar porque um advogado filho de advo-
gados tem melhores oportunidades de trabalho que um 
advogado filho de agricultores, porque trabalhadores sin-
dicalizados conseguem melhores salários que os não or-
ganizados, porque membros de certas comunidades reli-
giosas têm desvantagens em suas vidas profissionais ou 
porque as classes mais ricas insistem tanto em que seus 
filhos estudem em escolas de elite, mesmo quando a qua-
lidade do ensino dessas escolas não é tão diferente das 
demais. 
 Por sua vez, capital cultural, no estudo dos de-
terminantes da estratificação de classes, refere-se um 
conjunto amplo de conhecimentos que, embora não se 
destinem à produção econômica, auferem vantagens 
econômicas a quem o domina. Por exemplo, dominar re-
gras de etiqueta à mesa ou conhecimentos sobre escultu-
ra artística pode não aumentar a produtividade de, diga-
mos, um engenheiro, mas possívelmente coloca essa pes-
soa em vantagem sobre pessoas com qualificação equiva-
lente no momento de disputar por um cargo elevado na 
empresa. O capital cultural afeta a posição das pessoas 
na estrutura de classes quando os propicia a identificação 
entre os competidores por uma posição e os seleciona-
dores para essa posição. Estes selecionadores não são 
apenas as elites que contratam as pessoas mas, também, 
massas que julgam que algumas pessoas possuem maior 
legitimidade para ocupar certas posições do que outras. 
Não se trata, portanto, apenas de identificação entre 
pares e sim da legitimação de hierarquias de classe em 
função de hierarquias culturais. 
 Ainda que cubram uma parte importante dos de-
terminantes da desigualdade as teorias de capital 
econômico, humano, social e cultural possuem lacunas. 
Elas não conseguem explicar bem porque um motorista 
na Bélgica ganha muito mais do que um motorista no 
Congo. Cobrindo esta lacuna estão as teorias da estrutura 
de produção, aquelas que entendem que parte da de-
manda por trabalho, e portanto da desigualdade entre 
trabalhadores, é determinada pela tecnologia de pro-
dução, pela estrutura econômica, pelos regimes de regu-
lação do mercado de trabalho e pelas características das 
demais ocupações da sociedade. 
 Algumas dessas teorias são conhecidas como teo-
rias de segmentação do mercado de trabalho e tentam 
entender como a composição de certos segmentos do 
mercado de trabalho afeta desigualdades ao fazer com 
que as copeiras da grande empresa de computação ten-
dam a ganhar mais que as copeiras da pequena firma de 
contabilidade, ainda que as tarefas cumpridas por ambas 
na copa sejam essencialmente as mesmas. Teorias deste 
tipo também são usadas para explicar porque fun-
cionários públicos têm uma série de vantagens trabalhis-
tas que seus companheiros do setor privado não têm. 
 As teorias de discriminação surgem argumentan-
do que mesmo quando os capitais individuais e a estrutu-
ra produtiva são considerados há desigualdades no mer-
cado de trabalho afetando sistematicamente certos gru-
pos sociais como as mulheres, os negros, ou os certosim-
igrantes. Essas desigualdades tem origem na discrimi-
nação e resultam em dificuldades em ocupar os melhores 
postos de trabalho, em evoluir dentro de uma carreira 
profissional ou simplesmente em receber menores remu-
nerações em uma mesma ocupação. Há discriminação 
fora do mercado de trabalho que também afeta a desi-
gualdade de classes, como é o caso da discriminação nas 
escolas, que reduz o capital humano dos discriminados. 
Há certas expectativas e preferências discriminatórias na 
sociedade que reforçam desigualdades: conduzir veículos 
é profissão de homem, limpeza doméstica, de mulher, 
prefere-se recepcionistas brancas, mas negras podem ser 
faxineiras, e assim por diante. 
 
 
7 
 Até este ponto as teorias mencionadas buscam 
uma explicação das desigualdades existentes no mercado 
de trabalho, mas não conseguem explicar bem desigual-
dades de classe em outras esferas da vida das pessoas 
que afeta sua riqueza. Ocorre que em sociedades onde 
existem sistemas consolidados de proteção e seguridade 
social, muito da desigualdade pode ser explicado pela 
forma como o Estado se relaciona com os indivíduos pro-
vendo bens e serviços, em particular o sistema previden-
ciário e a assistência social. Além disso, o Estado não é 
apenas um distribuidor de recursos mas também um cole-
tor de recursos por meio do sistema tributário. Uma ex-
plicação abrangente da desigualdade, portanto, deve con-
siderar também a relação que o Estado estabelece com os 
indivíduos e como isso afeta os fluxos de riqueza. 
 Os efeitos das transferências do Estado para a 
população, e vice-versa, sobre a igualdade podem ser 
classificadas em três categorias, progressivas, regressivas 
e neutras. Uma tributação que recolhe mais de quem é 
mais rico é chamada de progressiva, pois faz a distribuição 
da riqueza progredir na direção da igualdade; por contra-
posição, a tributação que recolhe mais dos mais pobres, 
regressiva e a que recolhe igualmente de todos, neutra. 
Como o critério é a obtenção da igualdade, com os gastos 
ocorre o oposto: uma transferência que beneficia os mais 
pobres, progressiva, e assim sucessivamente. Assim, tri-
butos que incidem igualmente sobre todos, como os im-
postos sobre alimentos, são neutros; tributos com alíquo-
tas crescentes, como o imposto de renda, são progressi-
vos; transferências que refletem contribiuições passadas, 
como a previdência, regressivas; transferências que visam 
beneficiar os que tem menos, como a assistência social, 
progressivas. 
 Como se pode ver, há uma série de teorias pro-
pondo dimensões a considerar quando se busca explicar a 
desigualdade de classes. Em termos gerais essas teorias 
complementam umas às outras. A disputa entre elas, 
hoje, não é sobre quais são as causas da desigualdade, 
mas sobre o peso a atribuir a cada uma dessas causas e é 
por isso que os estudos quantitativos se tornaram tão 
importantes na estratificação social. 
 É evidente que nenhum fenômeno deve ter uma 
causa única, bem como um único efeito. A estratificação 
social não é exceção e exige uma explicação multidimen-
sional. Mas a multidimensionalidade, que é um complica-
dor em qualquer teoria científica, traz algumas dificul-
dades para os estudos de estratificação. A mais impor-
tante delas é conhecida como problema da endogenei-
dade. Ele ocorre quando as causas não são devidamente 
separadas de seus efeitos. Se a explicação para a desi-
gualdade é endógena ao esquema de estratificação, toda 
desigualdade observada na sociedade estará necessaria-
mente relacionada a ela. É como se a causa estivesse con-
tida na própria definição do efeito. Por exemplo, se as 
classes trabalhadores e capitalistas são definidas em 
função da propriedade do capital, é óbvio que a proprie-
dade do capital não pode ser proposta como uma expli-
cação teórica para a desigualdade entre as classes: dizer 
que os capitalistas são diferentes dos trabalhadores por-
que possuem capital não acrescenta nada em termos 
científicos, é apenas uma consequência da definição da 
classe capitalista. 
 Os riscos de endogneidade são maiores em es-
quemas de estratificação multidimensionais e devido a 
esse problema muitos deles foram abandonados. Como 
regra geral, em um estudo empírico, para dar conta de 
como várias dimensões causam algo, este algo deve ser 
relativamente simples e claramente definido. A endoge-
neidade ocorre quando uma mesma dimensão está pre-
sente no lado das causas (determinantes) e dos efeitos 
(esquema de estratificação). Se uma dimensão entra no 
esquema de estratificação, deve automaticamente sair da 
lista de determinantes. Por exemplo, idade e educação 
podem ser usadas para explicar desigualdades observadas 
em um esquema de estratificação por renda, mas apenas 
idade poderia ser usada se o esquema fosse multidimen-
sional, combinando renda e educação. A solução é manter 
a multidimensionalidade nas causas da desigualdade e 
evitá-la nos efeitos (no esquema de estratificação), tal 
como fazem os esquemas baseados em renda e ocu-
pação. 
AS CONSEQUÊNCIAS DA DESIGUALDADE DE 
CLASSE 
 O campo de estudos sobre estratificação social se 
concentra muito mais nas causas da desigualdade de 
classe do que em suas consequências. Geralmente a 
preocupação com as consequências da desigualdade é 
dos ramos específicos da sociologia ou outros campos da 
ciência. Saber, por exemplo, se a pobreza induz ou não 
comportamentos criminosos é antes um objeto da soci-
ologia da violência que da estratificação social. Ainda as-
sim, uma parte dos estudos de estratificação se dedica a 
explicar como a desigualdade se relaciona com outros 
fenômenos. 
 Um exemplo são estudos relacionando desigual-
dade e pobreza. A desigualdade produz pobreza? Essa foi 
e é uma pergunta importante, para a qual há mais de uma 
resposta possível. A primeira delas é que desigualdade e 
pobreza são apenas manifestações diferentes de outros 
fenômenos, logo uma não pode ser causa da outra. De 
fato, quando se pensa em uma distribuição de renda não 
parece razoável achar que quanto maior a desigualdade, 
maior a pobreza: se um garimpeiro pobre encontra uma 
Roberval
Highlight
Roberval
Sticky Note
mencionar também o exemplo da saúde.
 
 
8 
mina de diamantes e se torna bilionário, a desigualdade 
aumenta, mas a pobreza cai. Por outro lado, se a desi-
gualdade presente afeta as gerações futuras, determina 
quais são as oportunidades trabalho e afeta políticas 
públicas, a desigualdade está, de certo modo, causando 
pobreza. Logo, a resposta para a pergunta depende um 
pouco da estrutura de causalidade que se supõe por trás 
da relação entre desigualdade e pobreza. 
 Mas estas são ainda preocupações internas do 
campo de estudos da estratificação social. Teorias muito 
mais ambiciosas tentaram entender como a desigualdade 
de classes afeta o funcionamento de esferas completa-
mente distintas da vida social. Essas teorias hoje podem 
ser agrupadas em duas categorias, a neo-marxista e a 
neo-weberiana. 
 O neo-marxismo se apóia em alguns pilares das 
teorias marxistas, dentre eles uma proeminência da desi-
gualdade entre classes na explicação da maioria dos 
fenômenos sociais. Seguindo a ideia de que o conflito de 
classes, isto é, a disputa pelos resultados da produção 
econômica, é o motor da história, as teorias neo-
marxistas utilizam a estratificação social para explicar 
vários fenômenos, desde a organização do Estado ao con-
sumo de arte. Na estratificação o neo-marxismo quase 
sempre incorpora métodos científicos contemporâneos a 
suas análises – inclusive as técnicas quantitativas, trata a 
teoria do valor trabalho não como uma teoria científica 
de valor, mas como uma teoria de justiça distributiva e 
assume o indivíduo como sua unidade de análise. 
 As teorias neo-weberianas atribuem às desigual-
dades de classe umpapel muito menos relevante e, por 
isso, são usadas com muito mais frequência para explicar 
as causas das desigualdades que suas consequências. Elas 
não subestimam sua importância, mas não dão a elas 
primazia na explicação dos fenômenos sociais. Por exem-
plo, enquanto para o neo-marxismo os conflitos de classe 
fazem parte do núcleo da explicação dos fenômenos 
políticos, para os neo-weberianos esses conflitos são uma 
das diversas variáveis que explicam a dinâmica política. 
Teorias neo-weberianas são muito preocupadas com a 
neutralidade de valores dos cientistas em um campo ob-
viamente polêmico que é a estratificação social e, assim 
como as neo-marxistas, são extremamente rigorosas em 
termos de método e muitas lançam mão de técnicas 
quantitativas de análise. 
 É difícil sintetizar em poucas palavras as dife-
renças existentes em um campo de pesquisa extenso, mas 
colocando de modo simplificado, o que distingue a forma 
pela qual teorias neo-weberianas e neo-marxistas anali-
sam as consequências das desigualdades de classe é que 
nas primeiras vários fenômenos considerados causas das 
desigualdade de classe, como organização política e reli-
gião são, para os neo-marxistas, consequências dessa de-
sigualdade. O fato é que na sociologia da estratifi-
cação social contemporânea as divisões entre marxistas e 
weberianos, que no passado foram substantivas, hoje 
perderam muito de seu espaço. A maior parte das teorias 
atuais combina elementos das duas tradições. 
 O uso das desigualdades de classe como expli-
cação de fenômenos sociais se baseia em duas ideias 
implícitas. A primeira, de que os fenômenos econômicos 
explicam uma parte importante dos fenômenos sociais. A 
segunda, de que a posição das pessoas na estrutura social 
define como elas agem na sociedade. Ambas ideias foram 
criticadas nas ciências sociais. A maior parte das críticas 
busca apenas reduzir o peso da economia e da estrutura 
social na explicação das ações das pessoas, mas algumas 
mais radicais consideram que "as classes estão mortas", 
isto é, que a desigualdade de classes não é capaz de expli-
car o funcionamento da sociedade. 
 A crítica à primeira ideia é relativamente simples, 
mas ainda assim importante. Seu argumento é de que os 
fenômenos econômicos explicam apenas uma fração dos 
fenômenos sociais, Na explicação do que acontece em 
esferas não econômicas da vida – a educação, a religião, a 
política e a arte são sempre bons exemplos - as classes 
teriam seu papel, mas ele seria secundário. A segunda 
crítica é um pouco mais sofisticada e consiste em argu-
mentar que não é a posição das pessoas na estrutura so-
cial, mas a ação coletiva o que realmente explica as carac-
terísticas e a dinâmica da sociedade. Para colocar em 
poucas palavras esta crítica, baseada na distinção entre 
posição e ação, não importa quem as pessoas são, mas o 
que elas fazem. 
 A base desta segunda crítica é algo crucial para a 
teoria sociológica comtemporânea: a noção de que uma 
parte das ações dos indivíduos é determinada por sua 
posição na sociedade - filhos de ricos costumam recebem 
boa educação, evangélicos tendem a votar em evangéli-
cos, brancos evitam casar-se com negros - mas outra 
parte é fruto da liberdade que as pessoas têm para agir 
fora de padrões. Pertencer a um grupo social - seja ele 
uma classe ou qualquer outro - não implica agir de modo 
pré-determinado dentro desse grupo, logo o que importa 
para a sociologia não é o grupo a que as pessoas perten-
cem, mas o perfil de suas ações. 
 Nas sub-áreas específicas da sociologia essas críti-
cas foram incorporadas de diversas maneiras, em geral 
reduzindo a importância das classes na explicação de 
fenômenos. Dentro do campo dos estudos de estratifi-
cação a incorporação se deu por dois caminhos básicos. 
Um foi a tentativa de incorporar elementos não econômi-
 
 
9 
cos nos esquemas de estratificação: por exemplo, criar 
estratos levando também em conta atributos culturais ou 
simbólicos das pessoas. O outro foi o reconhecimento da 
diferença entre um estrato ou grupo abstrato formado a 
partir de uma regra de classificação - a "classe em si" - e 
um grupo que age como uma coletividade homogênea - a 
"classe para si". 
 A opção pela incorporação de elementos não 
econômicos na estratificação encontra sérios problemas 
de endogeneidade, pois se os estratos (ou classes, pois 
são sinônimos) são criados levando-se em conta a cultura, 
é redundante, e portanto incorreto, explicar a cultura a 
partir da estratificação social. Por outro lado, do reconhe-
cimento de que pertencer a uma classe não implica agir 
em conjunto com o resto da classe decorre logicamente 
que os esquemas de estratificação são um instrumento 
analítico limitado para se explicar fenômenos sociais. É 
talvez por esses motivos que o campo de estudos sobre 
estratificação social hoje se concentre muito mais em ex-
plicar o que causa a desigualdade do que em tentar expli-
car como a desigualdade causa outros fenômenos sociais. 
Desigualdades relativas, absolutas e mobilidade social 
 De posse de um panorama geral da sociologia da 
estratificação social, cabe analisar em mais profundidade 
um elemento importante dessa sociologia, a noção de 
desigualdade, bem como uma noção correlata, a de mobi-
lidade. Se os indivíduos não são iguais há, evidentemente, 
desigualdade entre eles. Porém, desigualdade é uma ideia 
menos óbvia do que pode parecer à primeira vista. Desi-
gualdades podem ser tratadas como relativas ou absolu-
tas e, a depender da opção, os resultados de uma análise 
podem ser radicalmente diferentes. Isso é mais fácil de se 
entender quando se pensa em desigualdades na distri-
buição de renda entre as pessoas. Os 30% mais pobres da 
Suíça estão na mesma posição relativa dos 30% mais po-
bres do Zaire, mas é claro que em termos absolutos eles 
têm renda bastante diferentes. A metade mais rica da 
população brasileira tem, hoje, uma renda absoluta muito 
maior do que tinha a metade mais rica em 1960. 
 O que realmente importa, as desigualdades abso-
lutas ou as relativas? Na verdade, ambas, e cada estudo 
decide conforme seus objetivos. Mas é importante ter em 
mente a diferença entre os tipos de desigualdade e suas 
implicações quando um esquema de estratificação é usa-
do. Por exemplo, é fácil imaginar que os pequenos capita-
listas de 1910 eram mais ricos que a elite dos trabalha-
dores de 1910, mas será que os pequenos capitalistas de 
1910 seriam mais ricos que elite dos trabalhadores de 
2010? Uma parte dos estudos sobre estratificação, preo-
cupada com a mensuração da desigualdade, geralmente 
combina os dois enfoques, analisando como se compor-
tam os dois tipos de desigualdade, absolutas e relativas. 
 É possível ir além e entender que a situação abso-
luta dos indivíduos pode mudar sem que mude sua po-
sição relativa ou ainda que a desigualdade relativa mude 
embora a situação absoluta permaneça a mesma. Isso 
ocorre porque a situação de um indivíduo ou grupo e a 
desigualdade entre indivíduos ou grupos são coisas distin-
tas. Por exemplo, quando há um incêndio na casa de um 
rico a desigualdade relativa e a absoluta caem, mas a si-
tuação absoluta dos pobres permanece a mesma. Ou ain-
da, se a economia cresce por igual, a desigualdade relati-
va permanece a mesma embora o nível de pobreza dimi-
nua. O que houve durante o milagre econômico brasileiro, 
por sinal, foi um aumento da desigualdade ocorrendo si-
multaneamente a uma redução da pobreza absoluta. 
 O conceito de mobilidade social também é muito 
importante nos estudos de estratificação, em particular 
para se estudar a distribuição de oportunidades de uma 
sociedade. Entre outras coisas ele dá aos estudos de desi-
gualdade uma forte dimensão temporal. Para entender 
isso, pense em uma sociedade hipotética de apenas duas 
pessoas. Uma sempreé escrava e a outra sempre é rain-
ha. Ela é diferente de uma sociedade onde a cada dia as 
pessoas se alternam, um dia sendo escrava e no outro 
sendo rainha? A diferença entre as duas é a mobilidade 
social. O conceito de mobilidade social refere-se ao mo-
vimento dentro da hierarquia social. Quanto mais livre os 
indivíduos forem para transitar dentro da hierarquia so-
cial e quanto mais longe nessa hierarquia puderem ir, 
maior a mobilidade social. Em geral, quanto maior for a 
desigualdade social, mais importante é o estudo da mobi-
lidade, afinal, em uma sociedade sem qualquer desigual-
dade simplesmente não pode haver mobilidade. 
 Mudanças nos níveis de desigualdade social e 
mobilidade são coisas distintas. A mobilidade diz respeito 
à possibilidade de um indivíduo mover-se dentro da dis-
tribuição desigual, seja qual for o nível de desigualdade. É 
fácil imaginar uma sociedade em que o nível de desigual-
dade permanece o mesmo ao longo dos anos, mas a mo-
bilidade aumenta. É por este motivo que uma compa-
ração completa entre sociedades ou de uma mesma so-
ciedade em momentos distintos do tempo – o que na 
prática é o mesmo – requer uma análise da situação abso-
luta e dos níveis de desigualdade e de mobilidade dos in-
divíduos. 
VALE À PENA RELEMBRAR: 
 O termo estratificação social é usado para referir-
se à classificação dos indivíduos em estratos, aos 
processos que criam desigualdades sociais, e ao 
campo de pesquisa que estuda esses processos. 
 
 
10 
O foco das pesquisas sobre estratificação social é, 
em primeiro lugar, nas causas da desigualdades 
econômicas e, em segundo lugar, nas conse-
quências dessa desigualdade. 
 Estratos e classes são, hoje, sinônimos. Esquemas 
de estratificação são regras que dividem a popu-
lação em estratos ou classes levando em conta 
uma distribuição social, isto é, a distribuição de 
algo entre alguém. Um esquema exige a defi-
nição do eixo de classificação (o algo), da unidade 
de análise (o alguém), das fronteiras dos estratos, 
da hierarquia entre eles (nominais, ordinais ou 
cardinais), de um procedimento para lidar com a 
desigualdade dentro dos estratos. 
 Um esquema de estratificação é algo muito im-
portante para pesquisa. O esquema utilizado de-
termina o fenômeno que está sendo obsevado, o 
que pode explicá-lo e o que pode explicar outros 
fenômenos. Na sociologia contemporânea pre-
dominam estratificações por renda ou por títulos 
ocupacionais. Como estratificações multidimen-
sionais são ameaçadas por riscos de endogenei-
dade, que reduzem seu poder explicativo, muitos 
esquemas multidimensionais foram tentados e 
abandonados. 
 Para os estudos da desigualdade social importam 
tanto as desigualdades absolutas quanto as rela-
tivas. Desigualdade social é uma noção diferente 
de mobilidade social. A primeira refere-se a dife-
renças entre indivíduos enquanto a última à pos-
sibilidade dos indivíduos mudarem de nível ou 
trocarem de posição dentro da estrutura social. 
 As causas da desigualdade são o principal objeto 
do campo de estudos sobre estratificação con-
temporâneo. A consequências geralmente são 
objeto das sociologias específicas, como a soci-
ologia da arte, da educação, da religião e da 
política. Entre as causas mais estudadas das desi-
gualdades estão capitais econômicos, humanos e 
sociais, a estrutura de produção, a relação Esta-
do-indivíduo e discriminação. Consequências da 
desigualdade que já foram objeto de estudo são 
desempenho educacional, comportamento elei-
toral, consumo cultural e conversão religiosa.

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