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Roteiro de Estudos - História e Marxismo

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HISTÓRIA E MARXISMO: UMA ABORDAGEM PRELIMINAR 
1. As ideias de Marx e Engels e a História 
No século XIX para além do Positivismo e do Historicismo alemão, os escritos de Marx 
e Engels influenciaram a forma de se escrever História. Na verdade, podemos verificar um 
impacto profundo do pensamento marxista sobre as diferentes áreas das Ciências Sociais. As 
ideias de Marx e Engels impulsionaram a produção científica preocupada em investigar as 
dimensões humanas a partir das relações sociais. Disso tiramos dois aspectos centrais dos 
escritos marxistas para a História: 
1. Desenvolvimento de uma história crítica ou de uma formulação crítica da 
disciplina histórica e, em contraponto à História Positivista constituída no mesmo 
contexto. 
2. Ao focarem suas análises nas dimensões sociais e econômicas, Marx e Engels 
também se afastaram da História Positivista, pois trouxeram a dimensão popular 
para a sua análise e não apenas os “grandes personagens”. 
Ainda que não fosse historiador propriamente dito, Marx sempre teve uma preocupação 
com a reflexão histórica, afirmando que a dimensão temporal era fundamental para a 
compreensão dos fenômenos sociais. Vários de seus conceitos passaram a fazer parte das 
análises de historiadores a partir do século XIX, tais como: classe, luta de classes, modo de 
produção e mais-valia. 
A frase de Marx e Engels, mais do que uma radicalidade para desconsiderar as demais 
ciências, era um alerta de que com a História é possível identificar os modos de funcionamento 
das sociedades humanas. Para os pensadores a condição fundamental para que haja história 
é a capacidade da humanidade de produzir sua vida material, fabricar seus meios de 
sobrevivência e satisfação de necessidades. 
Nesse sentido, na concepção marxista o objeto do estudo histórico é o desenvolvimento 
das condições materiais, dos modos de produção predominantes e da organização das pessoas 
que se relacionam com esses condicionantes. Ou seja, na concepção de história de Marx a 
“Conhecemos apenas uma ciência, a ciência da história” 
 
 
 
 
 
 
organização da vida material tem destaque. É a partir desse pressuposto que se consolida o 
materialismo histórico, o que podemos denominar como a interpretação marxista da história. 
Ou: 
O método de análise histórica adotada pelos marxistas para a abordagem da realidade social 
observada e que toma as relações sociais concretas travadas entre as pessoas como seu 
ponto de partida. 
Além disso, é importante lembrar que o marxismo não é um conjunto homogêneo. A 
partir dos escritos de Marx e Engels e depois de vários outros autores que partiram das 
premissas marxistas surgiram diferentes perspectivas e, o marxismo foi palco de distintos e 
acalorados debates. O vasto arcabouço teórico-metodológico marxista foi apropriado, discutido, 
repensado das mais diversas formas e por correntes distintas, inclusive, difundindo-se para 
além do próprio âmbito do marxismo. 
2. Historiografia e Marxismo 
Como vimos, surgiram várias leituras, interpretações, perspectivas, vertentes tendo 
como base o pensamento de Marx. Vamos ver agora a influência do marxismo na historiografia 
ao longo do século XX. 
Os marxistas ortodoxos seriam aqueles que levaram à uma interpretação determinista 
dos escritos de Marx, vendo um determinismo econômico na sociedade e dando um caráter 
teleológico à sua análise, pois o rumo inevitável da História seria mesmo a revolução socialista. 
Foram amplamente combatidos, inclusive, dentro dos debates marxistas e possibilitaram o 
surgimento de outros pesquisadores, preocupados não somente com o econômico, mas com a 
interação das dimensões e uma visão total sobre o social. 
A própria Escola dos Annales tem afinidades com a problemática marxista, podemos 
citar: o reconhecimento da necessidade de uma síntese global da sociedade humana; o respeito 
pela especificidade histórica de cada período e sociedade; aceitação da inexistência de 
fronteiras estritas entre as ciências sociais; a vinculação da pesquisa histórica com as 
preocupações do presente. 
 
 
 
 
 
 
 
A Escola de Frankfurt formada por estudiosos alemães durante os anos 1920 e 1930, 
com nomes como Theodor Adorno, Max Horkheimer e Walter Benjamin tinha aproximações e 
distanciamentos com o pensamento marxista. Distanciavam-se na medida que se opunham à 
uma racionalidade iluminista emancipadora e questionavam o dogmatismo político comunista. 
As suas aproximações vinham do questionamento à sociedade contemporânea, da crítica aos 
mecanismos de dominação social e do cerceamento da autonomia de pensamento. Esses 
aspectos são a base da chamada teoria crítica desenvolvida pela escola. 
O filósofo italiano Antonio Gramsci foi um dos grandes nomes do marxismo no século 
XX, fundou o Partido Comunista italiano e quando preso por conta da perseguição fascista de 
Mussolini escreveu os chamados Cadernos do Cárcere. O conceito central de Gramsci é o de 
hegemonia. Para ele, para uma classe exercer o poder não basta ter a força, a dominação 
política e social se dá para além do controle dos meios de produção, é preciso uma hegemonia 
moral, intelectual e cultural. A Educação, por outro lado, poderia ser o espaço de construção de 
uma contra hegemonia, dando-lhe uma potencialidade revolucionária. O italiano foi importante 
também para abrir caminhos dentro da perspectiva marxista para estudos culturais, debatendo 
a construção de uma cultura hegemônica ou de culturas alternativa, subalternas, marginais. 
A Grã-Bretanha, com certeza, foi um espaço onde a aproximação entre produção 
historiográfica e pensamento marxista foi intensa e profícua. Ao longo do século XX, surgiram 
ali inúmeros estudiosos e pesquisadores ligados ao pensamento marxista e à militância de 
esquerda. Talvez o caso mais famoso seja o historiador Eric Hobsbawm, mas ainda temos 
nomes como Christopher Hill, Edward Palmer Thompson e Rodney Hilton e muitos outros. 
Esses estudiosos vincularam-se através da militância e da pesquisa acadêmica e influenciaram 
a elaboração de uma história social preocupada em ver os movimentos e expressões populares 
como elementos significativos e atuantes no desenrolar do processo histórico. Também 
contribuíram para uma investigação histórica metodologicamente comprometida com as 
exigências da disciplina em diálogo com o marxismo. 
3. Edward P. Thompson: marxismo e Nova Esquerda 
A Grã-Bretanha também foi o berço da chamada Nova Esquerda ou Nova Esquerda 
Inglesa que reuniu uma série de grandes nomes da intelectualidade inglesa marxista e lançaram 
 
 
 
 
 
 
a revista New Left Review em 1960. A publicação se constituiu no cerne dos debates do 
movimento durante as décadas seguintes na Inglaterra e é publicada até hoje. A Nova Esquerda 
foi fundamental para uma renovação na abordagem do marxismo: 
 Deu ênfase nas expressões culturais populares, dando-lhes maior peso na definição e 
determinação histórica. 
 Deu maior independência em relação ao determinismo atribuído aos fatores econômicos. 
Um dos grandes nomes da Nova Esquerda Inglesa e que trouxe ricas contribuições 
para a Historiografia Contemporânea foi Edward P. Thompson. O marxista inglês sempre 
realizou um exame histórico da tradição marxista e de seus conceitos, sempre os 
submetendo à análise de processos históricos reais. 
Thompson teve uma trajetória que sempre o manteve em contato direto com a 
população o que foi decisivo na sua proposta de investigação histórica. Ele inaugurou um 
novo campo de investigação histórica: a História Vista de Baixo. Já havia preocupações 
semelhantes antes, mas o britânico foi um dos responsáveis pela consolidação da 
necessidade de seelaborar uma história focada nas pessoas comuns, ou seja, o foco sai 
de vez das elites, dos grandes personagens, dos vitoriosos. Essa é a perspectiva histórica 
adotada por Thompson e, que o diferencia diretamente de uma historiografia tradicional, 
pois procura compreender esses sujeitos do passado a partir de suas próprias experiências. 
Outra importante contribuição do britânico diz respeito a categoria de classe. 
Thompson compreende classe como um fenômeno histórico, ela se constrói enquanto um 
processo histórico, fruto da ação humana e dos condicionantes estruturais. Nesse sentido, 
a ênfase reside na construção cotidiana da classe enquanto conjunto, focada em grupos e 
não em indivíduos. 
Na direção de enxergar conceitos centrais do marxismo como categorias 
eminentemente históricas (como ele fez com classe) Thompson vai enfatizar a ideia de 
experiência como um elemento-chave no trabalho do historiador. O conceito de experiência 
é central em sua produção e uma de suas principais contribuições para a historiografia e 
para a renovação do marxismo. Para o historiador, a experiência é: 
 
 
 
 
 
 
 
“uma categoria que, por mais imperfeita que seja, é indispensável ao historiador, já que 
compreende a resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a 
muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de 
acontecimento.” (p. 136) 
Ou seja, a experiência compreende um processo que só pode ser apreendido no 
transcorrer da história e que atua diretamente sobre ela. A experiência surge no ser social 
em virtude da capacidade de homens e mulheres de racionalizarem sobre o que lhes 
acontece e o que ocorre no mundo ao seu redor. Quando os sujeitos passam a refletir sobre 
suas experiências, passam a agir sobre seus interesses, questionar as mudanças e o 
pensamento social. Assim, a experiência passa a ser um elemento decisivo na organização 
e conformação social dos indivíduos.

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