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TEORIAS DA HISTÓRIA IIok

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Prévia do material em texto

VERA LÚCIA SILVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Teorias da História II 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Vera Lúcia Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Teorias da História II 
 
 
 
 
 
 
 
 
1a Edição 
Sobral/2018 
 
Sumário 
 
Palavra do Professor auto 
Sobre o autor 
Ambientação 
Trocando ideais com os autores 
 Problematizando 
 
UNIDADE I: O MARXISMO COMO UMA ESCOLA HISTÓRICA 
REVOLUCIONÁRIA 
 
O Marxismo e o Materialismo Histórico 
Desdobramentos da tradição marxista 
 
UNIDADE II: UMA ESCOLA HISTÓRICA CONTEMPORÂNEA: A ESCOLA 
DOS ANNALES 
 
A Escola dos Annales 
A Primeira Geração dos Annales (Marc Bloch e Lucien Febvre) 
A Segunda Geração dos Annales (Fernand Braudel) 
A Terceira Geração dos Annales 
 
UNIDADE III: A HISTÓRIA SOCIAL E A HISTÓRIA VISTAM DE BAIXO 
 
A perspectiva da história social 
A História vista de baixo e sua contribuição para o estudo de sujeitos pouco 
contemplados pela historiografia tradicional 
 
UNIDADE IV: A NOVA HISTÓRIA CULTURAL E A MICRO HISTÓRIA 
ITALIANA 
 
Conceitos e abordagens da Nova História Cultural 
Micro História Italiana e contribuições de Carlo Ginzburg 
 
 
Explicando melhor com a pesquisa 
Leitura Obrigatória 
Pesquisando na Internet 
Saiba mais 
Vendo com os olhos de ver 
Revisando 
Autoavaliação 
Bibliografia 
Bibliografia Web 
Vídeos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Palavra do professor autor 
Olá estudante! 
Seja bem-vindo à disciplina Teorias da História! 
Na disciplina Teoria da História II, o estudante, terá a oportunidade de 
conhecer como o marxismo e o movimento da Escola dos Annales contribuíram 
para as transformações na História e na historiografia, influenciando, inclusive, 
na formação de abordagens como da História Social, da História vista de baixo, 
da Micro-História e da Nova História Cultural. 
Com o intuito de facilitar a aprendizagem e contribuir para a formação do 
posicionamento crítico do estudante, os conteúdos trabalhados, neste módulo, 
são apresentados de forma clara e dinâmica. Tomam como suporte uma 
produção historiográfica pertinente sobre cada um deles, bem como algumas 
videoconferências e vídeoaulas. 
Assim, espero que o estudo dos capítulos, as sugestões de livros e vídeos 
contribuam para aprofundar seus conhecimentos sobre o processo de 
transformação da História e da historiografia no século XX e início do XXI; bem 
como para o seu processo de formação profissional, levando-o a se posicionar 
de maneira crítica diante da produção historiográfica existente, das pesquisas 
que você desenvolve e na sua própria escrita. 
 
A autora 
 
 
 
 
 
 
Sobre a autora 
 
Vera Lúcia Silva é mestre em História Social pela 
Universidade Federal de Uberlândia – UFU (2015), 
especialista em História do Ceará pela Universidade 
Estadual Vale do Acaraú – UVA (2013), graduada em 
História pela UVA (2011). Atualmente trabalha como 
revisora de livros na Editora Sertão Cult e é aluna do 
Curso de Doutorado da Pontifícia Universidade Católica 
de São Paulo (PUC-SP). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ambientação à disciplina 
 
Nesta disciplina, você vai estudar dois importantes movimentos que 
contribuíram de forma decisiva para o processo de constituição da História 
enquanto disciplina: o marxismo e o Annales. De forma diversa, eles 
possibilitaram a superação da historiografia tradicional, que defendia uma 
abordagem singular, centrada nos fatos, nas ideias e decisões dos sujeitos 
históricos, em batalhas e em estratégias diplomáticas. 
A mudança do foco político para o social e o econômico levou à 
ampliação do conceito de fonte, a diversidade das evidências e o uso de novos 
métodos para analisá-las e desenvolver a pesquisa histórica, bem como a 
ampliação e diversificação dos objetos, temas, sujeitos e abordagens. 
As fontes deixaram de serem apenas os documentos oficiais escritos. 
Agora, diários, cartas, documentos orais, a arquitetura de uma casa, os 
utensílios de torturas usados durante a escravidão, vestígios arqueológicos, 
entre inúmeros outros podem ser considerados fontes de pesquisa do 
historiador. Estas não constituem verdades absolutas sobre um determinado 
acontecimento e não são neutras como outrora se afirmava quanto à 
intencionalidade dos documentos. Passam a ser analisadas de forma crítica e 
problematizadora, pois são carregadas de intencionalidades e trazem versões 
diferentes do que aconteceu que, por vezes, são contraditórias. 
 Essas mudanças impulsionadas pela tradição marxista e pelos Annales 
em torno dos objetos, sujeitos e das fontes influenciaram na formação da 
História Social e na História Vista de baixo (que estudaremos no terceiro 
capítulo), as quais direcionaram o olhar para o estudo de pessoas que não 
faziam parte do grupo dos que controlavam o poder político, econômico e/ou 
militar. 
A crítica à terceira geração dos Annales por Roger Chartier e Jacques 
Revel possibilitou a criação de outra perspectiva de produção do conhecimento 
histórico que partia não mais do viés social ou econômico, mas do cultural – a 
Nova História Cultural como verá no capítulo IV. Por sua vez, a crítica à 
tradição marxista levou Carlo Ginzburg a propor uma nova abordagem 
histórica, a Micro-História, que parte da análise do micro para chegar a uma 
compreensão mais ampla da história. 
 Agora, convido você a avançar as próximas páginas e aprofundar o 
estudo sobre os temas apontados acima. 
 
Bons estudos!!! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Vídeo de apresentação da disciplina: https://vimeo.com/288619956
https://vimeo.com/288619956
Trocando ideias com os autores 
 
Sugerimos que leia o livro O que é marxismo. 
Nesta obra, José Paulo Netto, faz uma discussão 
cuidadosa acerca das suposições da teoria social de 
Marx, colocando-os dentro do contexto em que a 
sociedade burguesa se firmava na Europa Ocidental. 
Problematiza o que se convencionou a chamar de 
“marxismo”. 
 
PAULO NETTO, José. O que é Marxismo? 9. ed. Brasiliense: Rio de Janeiro, 
2006. 85 pag. 
 
Propomos a leitura da obra: A Nova História 
Cultural, de Lynn Hunt, para aprofundar seus estudos 
nessa área da história que vem ocupando espaços cada 
vez maiores dentro e fora dos meios acadêmicos. Neste 
livro, a autora faz uma apresentação dos domínios da 
recente História Cultural, por meio de uma série de 
ensaios escritos por pesquisadores do tema. 
 
 
HUNT, Lynn. A nova História Cultural. 2. ed. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 
2001. 317 pag. 
 
Guia de estudo: Após a leitura das obras faça um paralelo entre ambas, 
produzindo um texto que aborde as contribuições dos autores para uma 
sociedade transformadora. Compartilhe suas reflexões com seus colegas na 
sala virtual. 
 
 
Problematizando 
 
Ao desenvolvermos nossas pesquisas nos posicionamos a partir de 
determinadas teorias, selecionamos métodos e fontes. Que abordagem teórico-
metodológica você adota ao desenvolver suas pesquisas na área de História? 
A História Social? A História vista de baixo? A micro-História? A nova 
História Cultura? 
 
Guia de estudo: Pesquise e responda em forma de texto dissertativo como se 
deu o processo de constituição de cada uma delas e como elas contribuíram 
para a renovação da produção historiográfica e a concretização da História 
enquanto disciplina. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O marxismo como uma escola 
histórica revolucionária 
1 
 
CONHECIMENTOS 
 
Conhecer como se constituiu o pensamento original de Karl Marx e Friedrich 
Engels e como suas obras foram interpretadas de forma equivocada pelo 
marxismo vulgar. 
 
 
 
HABILIDADES 
 
Identificar a contribuição de Marx e Engels no desenvolvimento de uma 
concepção de história que toma o homemconcreto e suas experiências reais 
como base. 
 
 
 
ATITUDES 
 
Desenvolver um posicionamento crítico em relação ao que se convencionou a 
chamar de “marxismo” e seus desdobramentos. 
 
 
 
 
 
Marxismo e o Materialismo Histórico 
Iniciemos nossa discussão acerca do marxismo e o do materialismo 
histórico pensando sobre as seguintes questões: 
1) O que é o marxismo e qual seus inspiradores? 
2) O que propõe o materialismo histórico e em que ele contribuiu para 
formar a concepção de história que temos hoje? 
O sociólogo José Paulo Netto, um dos marxistas contemporâneos mais 
renomados do país, faz uma discussão instigante em torno do conceito que se 
convencionou a chamar de “marxismo” no livro O que é marxismo? Propondo 
a tese de que não existe “marxismo”, mas “marxismos” – interpretações 
diversas que tomaram por base o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels 
e que, em muitos casos, distorceram suas ideias originais –, ele vai trazendo 
em seu texto elementos para que o próprio leitor reflita e faça suas próprias 
considerações e não traz respostas para as questões postas. 
 No final da obra, considera que o leitor, a partir das indicações contidas 
ao longo dela, conclua que “o marxismo" é uma série de interpretações e 
acréscimos variados da obra de Marx, condicionados, cada um deles, por 
injunções históricas, culturais, políticas etc.” (PAULO NETTO, 2016, p. 75) 
Essas injunções variam conforme os interesses de quem se apropriam dos 
temas e debates marxianos. Josef Stálin, por exemplo, assume a liderança da 
União Soviética logo após a morte de Vladmir Lênin, um dos líderes da 
Revolução Russa de 1917, e na Terceira Internacional reduz as teses 
marxianas em seu benefício, institucionalizando as ideias de Karl Marx 
(Marxismo) como oficial e único, o qual seria denominado de marxismo-
leninismo. 
Marxiano: Termo usado para referir-se à obra original de Marx. 
Terceira Internacional: organização comunista que existiu de 1919-1943. 
Também conhecida como Internacional Comunista, foi criada com o objetivo 
maior de uniformizar e homogeneizar o pensamento comunista conforme as 
fórmulas do marxismo institucionalizado. 
 
 
Consciente de que a obra de Marx fundou um estilo original de pensar a 
sociedade burguesa e a sua dinâmica, que contém necessariamente a 
alternativa da revolução socialista, Paulo Netto, afirma que o termo “marxismo 
reduz a tradição marxista àquilo que um investigador ou uma instituição 
reconhece como tal e obstaculiza a sua compreensão como um espectro 
diferenciado de análises e propostas” (2006, p.77). 
Tentando evitar esse reducionismo, procuro, nas próximas linhas, fazer 
uma discussão sobre o materialismo histórico a partir do processo de 
construção do pensamento de Marx e de seu amigo e companheiro de lutas, 
Engels – conheça mais sobre eles no quadro abaixo. Antes, porém, é 
importante salientar que a interpretação que ouso fazer aqui procurou se 
diferenciar da análise stalinista que restringe a teoria marxiana a um 
conhecimento científico geral do ser (o materialismo dialético) que pode ser 
ampliada à sociedade (o materialismo histórico). 
 
Karl Heinrich Marx: (1818-1883)-Filósofo, economista e político socialista 
alemão, passou a maior parte da vida exilado em Londres. Doutorou-se em 
1841 pela universidade de Berlim, com uma tese sobre Epicuro. Foi ligado à 
esquerda hegeliana. Em 1847, com 29 e 27 anos, respectivamente, redigiram 
o texto que transformou o mundo ao declarar a luta de classes como motor da 
história: o Manifesto do Partido Comunista. Marx desenvolveu uma ideia de 
comunismo ligada à sua concepção da história e a uma resoluta intervenção 
na luta política, solidária com o movimento operário. 
Friedrich Engels: (1820-1895) – Filósofo alemão, amigo e colaborador de 
Karl Marx, com quem escreveu obras fundamentais como A sagrada família e 
A ideologia alemã (1845-1846). Filho de um industrial rico tornou-se comunista 
na juventude e uma liderança revolucionária mundial. Dedicou-se ao problema 
da dialética da natureza e aos estudos sobre a classe trabalhadora na 
Inglaterra. Algumas obras: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra 
(1845), a dialética da natureza (1883). Depois da morte de Marx, publicou A 
origem da família, do estado e da propriedade privada (1884)... 
Para chegar a uma nova concepção de materialismo, Marx e Engels 
fizeram demorada investigação, analisaram as teorias sociais existentes e 
romperam com o pensamento de vários teóricos. Dentre eles, do filósofo Georg 
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), do qual Marx teve contato com as obras 
na Universidade de Berlim, durante o período em que cursava direito. Instigado 
pelo materialismo idealista de Hegel, o jovem voltou-se para a área da filosofia, 
onde posteriormente concluiu um doutorado. 
Mas, Marx e Engels foram mais longe. Hegel concebia como discute 
Marx na Contribuição à crítica da Economia Política, “o real como o resultado 
do pensamento que se aspira em si, procede de si, move-se por si; enquanto o 
método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a 
maneira de proceder do pensamento para se apropriar do concreto, para 
reproduzi-lo mentalmente como coisa concreta”. (2008, p. 259). Nesta 
perspectiva, as discussões desenvolvidas por eles partem da humanidade real, 
das suas condições de vida e das suas relações materiais de produção. 
No livro A ideologia alemã, eles deixam claro o método que estão 
propondo para a história. 
 
Não se parte do que os homens dizem, representam ou 
imaginam, nem tampouco do homem predicado, pensado, 
representado ou imaginado, para chegar, partindo daqui, ao 
homem de carne e osso; parte-se do homem que realmente 
atua e, partindo de seu processo de vida real, se expõe 
também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos 
deste processo de vida [...] Tão logo se expõe este processo 
ativo de vida, a história real deixa de ser uma coleção de fatos 
mortos, ainda abstratos, como o é para os empiristas, ou uma 
ação imaginária de sujeitos imagináveis como o é para os 
idealistas (MARX; ENGELS, 1986, p.37). 
 
Analisando a história, as condições de vida da classe trabalhadora 
operária e militando na Liga dos Comunistas, eles seguem o suposto de que 
estão desenvolvendo um conhecimento que possibilita a transformação do real 
e que não é meramente contemplativo. O real aqui é entendido como um 
movimento contraditório, caracterizado por conflitos e interesses antagônicos. 
Assim, o objetivo da ciência da história como denomina a história, é desvendar 
esse movimento que é o alicerce para a compreensão do social, da economia, 
da política ou de qualquer área de estudo. 
Inversamente ao materialismo idealista de Hegel, o materialismo 
histórico parte da concepção materialista da realidade. Lança mão do método 
dialético para a análise dos mais variados fenômenos e para descobrir as leis 
que regem a sua evolução. Nessa abordagem, o homem é visto como um 
sujeito histórico que age em interação com a natureza e com o restante da 
humanidade, construindo e transformando constantemente a história. Veja a 
seguir esse processo como acontece: 
 
As leis da dialética 
Primeira Lei: a mudança dialética. A primeira lei da dialética começa 
por constatar que “nada fica onde está nada permanece o que é”. Quem diz 
dialética diz movimento, mudança. Por conseguinte, colocar-se do ponto de 
vista da dialética significa colocar-se no ponto de vista do movimento, da 
mudança. Quando quisermos estudar as coisas segundo a dialética, iremos 
estudá-las nos seus movimentos, na sua mudança. [...] 
 
Segunda Lei: a ação recíproca. O encadeamento dos processos. Ao 
contrário da metafísica, a dialética não considera as coisas na qualidade de 
objetos fixos, acabados, mas enquanto movimentos. Para ela, tudo está em 
condições de se transformar, de se desenvolver. Nestas transformações,o 
papel dos homens é o de acelerar as transformações, dar a elas um sentido, 
uma direção. 
 
Terceira Lei: a contradição. Vimos como a dialética considera as coisas 
como em perpétua mudança. Isto é possível porque tudo é o resultado de um 
encadeamento de processos. O desenvolvimento dos processos se dá num 
movimento “em espiral”, resultado de um autodinamismo. Mas quais são as 
leis do autodinamismo? A dialética ensina que todas as coisas não são 
eternas. Elas têm um começo, uma maturidade, uma velhice e terminam em 
um fim, que, por sua vez, gerará um novo começo. Por exemplo, observando 
as células do corpo humano, veremos que estas se renovam continuamente, 
desaparecendo e reaparecendo no corpo. Vivem e morrem continuamente no 
ser vivo, onde existe, portanto, vida e morte. Assim, as coisas não só se 
transformam umas nas outras, mas, ainda, uma coisa não é somente ela 
própria, mas outra que é sua contrária. [...] 
 
Fonte: PCB, Partido Comunista Brasileiro. Introdução ao materialismo histórico/dialético. 
P. 9-10. Disponível em: < http://www.pcb.org.br/portal/docs/materialismo.pdf>. Acesso em: 19 
dez. 2016. 
 
Embora, Marx e Engels, reconhecem na filosofia de Hegel sua 
importância, uma vez que foi o primeiro a apresentar as formas gerais do 
movimento de modo amplo e consciente, a dialética hegeliana, como afirmou 
Marx no Prefácio da segunda edição de sua principal obra: O Capital, “está de 
cabeça para baixo”. “É necessário pô-la de cabeça para cima, a fim de 
descobrir a substância racional dentro do revestimento, místico” (1998, p.29). 
Desse modo, enquanto Hegel, entre outros de sua época, impetrava a crença 
num Espírito Absoluto (ideias), Marx acreditava que a produção material de 
uma época histórica é à base de toda a sociedade e, também, a criadora da 
subjetividade dessa época. 
Impetrava: Ajuizar; levar a juízo; demandar judicialmente: impetrou o divórcio. 
 
Hegel defende que esse Espírito Absoluto se externalizava na natureza 
e na cultura, o qual rege todo nosso conhecimento e a nossa razão. O seu 
movimento, que constitui a dialética, é quem transforma o universo. A 
transformação de tal espírito se percebe em suas obras e obtém uma maior 
ciência de si e do mundo, chegando a um estágio superior de entendimento. 
A história, nesse caso, é constituída não pela ação do homem sobre a 
natureza e pelas relações que estabelecem entre si, mas pela ação do Espírito 
Absoluto, que se manifesta por meio de suas obras (artes, ciência, técnicas) e 
de suas instituições (religião, filosofia, leis etc.). Essa manifestação pressupõe 
a contradição como condição para a existência e transformação da natureza e 
do homem. 
Marx e Engels superaram a concepção de dialética com base idealista 
do início do século XIX. Eles defendiam que são as transformações ocorridas 
no nível da realidade material que determinam as mudanças em nossas ideias 
e não o contrário, como propunha Hegel. Não se trata, de acordo com a 
proposição de Andre de Goes Cressoni, “de construir uma dialética que se 
fundamenta na unidade dialética do Espírito que se envolve em contradições, 
mas de uma dialética que se fundamenta na contradição da luta de classes”. 
(2012, p. 21) 
Discordando do idealismo de Hegel, Marx rever seus próprios princípios. 
Nesse processo de revisão de seu pensamento, as Teses de Ludwig Andreas 
Feuerbach (1804-1872), o principal expoente da filosofia neo-hegeliana 
daquela época, permitiram que ele efetuasse sua inversão particular da 
dialética de Hegel. Na percepção de Feuerbach, o ser é o sujeito, o 
pensamento é o predicado. Este surge daquele e não o contrário, como 
colocava a lógica filosófica de Hegel. 
Feuerbach defende que a filosofia de Hegel é uma filosofia religiosa, 
uma vez que não parte da objetividade das coisas para compreendê-las e repô-
las ao cérebro. Assim, sua crítica à religião começa por afirmar que Deus é 
uma criação humana. Como é possível um ser imaterial criar um ser material 
ou vice-versa? E prossegue tentando compreender a natureza em seus 
elementos materiais para transformá-la em coisas que poderiam ampliar nossa 
humanidade – como a criação do trem que potencializou a capacidade de 
locomoção do homem e de mercadorias, por exemplo. 
No entanto, ele não avança mais do que isso, uma vez que não trabalha 
com o elemento da historicidade. Despreza o homem em suas relações sociais 
com os outros e com a natureza e ignora a capacidade dos homens de 
produzirem sua própria história. Como melhor esclarecem Marx e Engels: “Na 
medida em que Feuerbach é materialista, não aparece nele à história e, na 
medida em que toma a história em consideração, não é materialista. 
Materialismo e história aparecem completamente divorciados nele” (MARX; 
ENGELS, 1986, p. 40). 
Marx inclui em sua crítica a dimensão social e histórica que falta em 
Feuerbach. Para aquele, o ser social se distingue porque contém atividade 
prática sensível, ou seja, nós somos seres vivos atuantes (mas não aquele ser 
vivo na concepção hegeliana, que é o conceito, a ideia na história). Marx nunca 
parte da abstração, mas da atividade concreta objetiva. Enquanto Feuerbach 
via o mundo apreendido pela consciência passiva dos homens e das mulheres 
pelos sentidos. Marx, em 1844, começa a perceber que não é somente pelos 
sentidos que apreendemos o mundo. O apreendemos também pela paixão, 
pelo desejo, pelo querer, pela arte, por várias formas. Há uma multiplicidade de 
captura do mundo e do saber. 
Retomando o pensamento de Hegel, aquilo que ele reduz como o 
produto final do espírito, o saber absoluto da história, aparece em Marx como 
um dos elementos da vida, pois surge no mundo do trabalho. Este produz a 
nós próprios porque somos seres sociais autoproducentes no processo real de 
vida. 
Enquanto em Hegel o trabalho é visto apenas em seu aspecto positivo, 
Marx compreende essa lógica e avança, incluindo também o elemento negativo 
ao trabalho. Em sua percepção, ele é positivo porque é idealizado de riquezas 
genéricas humanas. Qualquer produção de qualquer trabalhador (intelectual, 
manual ou outra) é uma extensão de nós. São as nossas capacidades 
subjetivas estendidas para o mundo, exteriorizadas, que potencializam nossa 
ação no momento em que a repomos em nós. O trabalho é negativo quando se 
apresenta subordinado ao capital, no qual o homem é alheio a sua própria 
criação e é explorado. Sua expressão máxima se revela na perda dos objetos 
de trabalhos e no próprio ato da produção. Aqui o homem se sente fora de si, 
subtraído. 
Além de Hegel e Feuerbach, Marx faz também severas críticas a Pierre-
Joseph Proudhon (1809-1865), devido à sua pequena percepção burguesa, 
analisa as relações sociais capitalistas como inabaláveis. Marx já expressava 
sua crítica à obra Filosofia da Miséria de Proudhon antes mesmo de publicar a 
Miséria da Filosofia, em 1847, em uma carta endereçada a P. V. Annenkow, 
em 28 de dezembro de 1846. Vejamos um trecho: 
 
[...] principalmente por falta de conhecimentos históricos, o Sr. 
Proudhon não percebeu que os homens, aos desenvolverem 
suas forças de produção, isto é, ao viverem, desenvolvem 
certas relações entre si, e que o modo de ser dessas relações 
muda necessariamente com a mudança e o crescimento 
dessas forças de produção. Ele não percebeu que as 
categorias econômicas são apenas abstrações dessas 
relações reais e que elas são verdades apenas enquanto 
perduram essas relações. Ele incorre, portanto, no erro dos 
economistas burgueses, que veem leis eternas nessas 
categorias econômicas, e não leis históricas, leis que só valem 
para um determinado desenvolvimento histórico, para uma 
determinada evolução das forças produtivas. Por conseguinte, 
ao invés de considerar as categorias político-econômicas como 
abstrações de relações sociais reais, históricas e transitórias, o 
Sr. Proudhon, graças a uma inversão mística, vê nas relações 
reaistão somente encarnações dessas abstrações. (MARX 
apud FERNANDES, 1984, p. 436.) 
 
Desse modo, na perspectiva materialista histórica, a história humana 
não possui caráter determinista ou está presa a algo como o destino, por 
exemplo. Para Marx e Engels, a história é um campo aberto para o fazer 
humano, é um fazer-se dialético constante. É importante salientar que esse 
fazer é histórico e não ocorre de um modo aleatório, à revelia humana. Em 
outras palavras, a história é constituída com base em como o modo de 
produção da vida está organizado. Como Marx discute no capítulo introdutório 
ao O 18 Brumário, “Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem 
arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas nas condições dadas 
diretamente e herdadas do passado.” (apud FERNANDES, 1984, p. 48.) 
De acordo com Alex de Novais Dancini e José Joaquim Pereira Melo, 
este é o aspecto básico e central para entender o materialismo histórico, pois é 
a partir da maneira como o homem satisfaz a sua primeira necessidade, ou 
seja, manter-se vivo que Marx e Engels procuram entender as demais relações 
existentes na sociedade (2011, p.10). Mas isso não significa a primazia do 
econômico em relação às outras dimensões da vida – a política, a social, a 
cultural etc. –, como propagaram interpretações distorcidas dos textos destes 
autores. A teoria marxista toma a sociedade como um todo: não como um 
conjunto de partes que se integram funcionalmente, mas como um aparelho 
dinâmico e contraditório de relações articuladas que se implicam e se explicam 
estruturalmente. 
Assim, em O Capital – volume I (publicado em 1867 e numa versão 
modificada pelo próprio Marx em 1872); volumes II (1885) e III (1894), 
publicados por Engels –, Marx e Engels fazem uma discussão rigorosa acerca 
da sociedade capitalista, dando ênfase a sua dinâmica, contradições e dos 
futuros possíveis e, sobretudo, desejáveis que poderiam e deveriam causar as 
lutas sociais. 
Posicionando-se politicamente a partir do seu tempo presente – período 
em que a classe operária já se colocava como antagônica à burguesia 
industrial – as obras de Marx e Engels não só contribuíram para a criação de 
um novo método de pesquisa e interpretação da sociedade a partir do real 
como também para a possibilidade de transformação social. 
No Manifesto do Partido Comunista (1848), suas propostas não partem, 
como afirma José Paulo Netto, “de uma prospecção utópica de um futuro a ser 
construído pela dedicação eticamente generosa de uma vanguarda ilustrada, 
mas da análise das possibilidades concretas postas na dinâmica histórica pelo 
desenvolvimento real da situação presente.” (2013, p. 24) 
Com essa breve análise procurou demonstrar a vitalidade das obras de 
Marx e Engels para a compreensão que temos hoje de história como processo, 
o modo como os seres humanos constroem socialmente a sua vida, ligando-se 
ou opondo-se entre si, de acordo com sua disposição nas relações de 
produção na sociedade e no Estado de forma dinâmica. 
Ainda que haja críticas negativas em relação à teoria marxiana por parte 
de grupos conservadores, é inegável a importância e eloquência de suas 
discussões, dentro e fora dos muros acadêmicos, na análise da sociedade e na 
proposição do materialismo histórico como um ponto de partida para o 
conhecimento das relações sociais, políticas, econômicas e culturais que os 
homens estabelecem entre si no processo de produção dos bens materiais; 
bem como, para a transformação da sociedade em que vivemos. 
Desdobramentos da tradição marxista 
Atualmente existe uma grande produção em diversas áreas do 
conhecimento sobre o que Marx e Friedrich Engels escreveram. Muitas dessas 
produções fizeram uma análise apressada e distante e, às vezes, até 
divergente daquilo que eles estavam nos propondo. 
Paradoxalmente, os equívocos de interpretação de suas obras foram 
feitos tanto por seus próprios seguidores quanto por seus adversários. “Uns e 
outros, por razões diferentes, contribuíram decisivamente para desfigurar o 
pensamento marxiano” (PAULO NETTO, 2011, p.11-12), dando origem a 
diferentes vertentes e alternativas de uma larga tradição teórica e política 
chamada de marxismos. 
Entre os marxistas, as deformações e os equívocos tiveram por base as 
influências positivistas, vindas dos principais pensadores da Segunda 
Internacional, Georgi Plekhanov e Karl Kautsky. Paulo Netto discute que essas 
influências não foram superadas, pelo contrário, tornaram-se ainda mais 
intensas, inclusive com incidências neopositivistas, no desenvolvimento 
ideológico da Terceira Internacional, culminando na ideologia stalinista. (2011, 
p. 12) 
Delas resultou um reducionismo da obra marxiana que define o 
materialismo dialético como uma espécie de conhecimento geral, articulado 
sobre uma teoria total do ser, e o materialismo histórico como a sua 
particularização em face da sociedade. Sobre esta base, de acordo com o 
entendimento de Paulo Netto, “surgiu farta literatura manualesca, apresentando 
o método de Marx como resumível nos ‘princípios fundamentais’ do 
materialismo dialético e do materialismo histórico” (2011, p.12). Defendia-se, 
assim, a aplicação da lógica dialética a natureza e a sociedade, sem nenhuma 
distinção, sendo necessário apenas o conhecimento das suas leis (as célebres 
“leis da dialética”) para garantir o bom andamento das pesquisas. 
Neste sentido, o conhecimento da realidade não demandaria os árduos 
esforços investigativos de sempre, “substituído pela simples ‘aplicação’ do 
método de Marx, que haveria de ‘solucionar’ todos os problemas: uma análise 
‘econômica’ forneceria a ‘explicação’ do sistema político, das formas culturais 
etc.” (PAULO NETTO, 2011, p. 13) 
O historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) faz uma discussão acerca da 
influência de ideias marxistas entre os historiadores, as quais foram associadas 
a Marx e aos movimentos inspirados por seu pensamento, mas que não são 
marxianas. Ele denomina esse tipo de influência de “marxismo vulgar” e afirma 
que é necessário separá-la do componente marxista na análise história. Com 
esse propósito sugere que o “marxismo vulgar” abarca principalmente os 
seguintes elementos: 
 
1. A “interpretação econômica da história”, ou seja, a crença de que “o fator 
econômico é o fator fundamental do qual dependem os demais” (para usar 
a frase de R. Stammler); e, mais especificamente, do qual dependiam 
fenômenos até então não considerados com muita relação com questões 
econômicas. Nesse sentido essa interpretação se superpunha ao 
2. Modelo da “base e superestrutura” (utilizada mais amplamente para explicar 
a história das ideias). A despeito das próprias advertências de Marx e 
Engels e das observações sofisticadas de alguns marxistas iniciais como 
Labriola, esse modelo era usualmente interpretado como uma simples 
relação de dominância e dependência entre “base econômica” e 
“superestrutura”, na maioria das vezes mediada pelo. 
3. “Interesse de classe e a luta de classes”. Têm-se a impressão de que 
diversos historiadores marxistas vulgares não liam muito além da primeira 
página do Manifesto Comunista, e da frase “a história [escrita] de todas as 
sociedades até agora existentes é a história das lutas de classes”. 
4. Temas específicos de investigações históricas derivavam dos próprios 
interesses de Marx, por exemplo, na história do desenvolvimento capitalista 
e da industrialização, mas também, por vezes, de comentários mais ou 
menos casuais. 
5. “Leis históricas e inevitabilidade histórica”. Acreditava-se, acertadamente, 
que Marx insistira sobre um desenvolvimento sistemático e necessário da 
sociedade humana na história, a partir do qual o contingente era em grande 
parte excluído, de qualquer maneira, ao nível de generalização sobre os 
movimentos de longo prazo. Daí a constante preocupação nos escritos 
históricos dos primeiros marxistascom problemas como o papel do 
indivíduo ou do acidente na história. Por outro lado, isso podia ser – e em 
grande parte era – interpretado como uma regularidade rígida e imposta, 
como, por exemplo, na sucessão das formações socioeconômicas, ou 
mesmo como um determinismo mecânico que às vezes se aproximava da 
sugestão de que não havia alternativas na história. 
6. Temas específicos de investigação não derivavam tanto de Marx quanto do 
interesse dos movimentos associados a sua teoria, por exemplo, nas 
agitações das classes oprimidas (camponesas, operárias), ou nas 
revoluções. 
7. Várias observações sobre a natureza e limites da historiografia derivavam 
principalmente do elemento número 2 e serviam para explicar as 
motivações e métodos de historiadores que afirmavam não estarem 
fazendo mais que a busca imparcial da verdade e se orgulhavam de 
simplesmente estabelecer wie es eigntlich gewesen,( Como era adequado). 
Fonte: HOBSBAWN, Eric J. Sobre história. Tradução Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia 
das Letras, 1998, p.159-160. 
 A referência ao “fator econômico” como categórica em relação aos 
fatores sociais, culturais, políticos etc. na história, dominante pós-fim da 
Segunda Guerra Mundial, atingiu a minoria dos países – como a Alemanha 
Ocidental e os Estados Unidos –, e que continua se expandindo por outros 
países, é fruto de uma leitura apressada de parte das obras de Marx e não de 
sua totalidade. É, ainda, resultado dos interesses de pesquisadores para 
adequar o pensamento dele ao seu objeto de estudo ou as suas propostas 
políticas. No entanto, é importante registrar que essa tendência, embora seja 
produto da influência marxista, não há nenhuma ligação com a obra original de 
Marx. 
No trecho de uma carta de cinco do mês de agosto de 1890, citada por 
Paulo Netto, Engels reclamava contra procedimentos deste gênero, insistindo 
em que a: 
 
[...] a nossa [de Marx e dele] concepção da história é, 
sobretudo, um guia para o estudo [...] É necessário voltar a 
estudar toda a história, devem examinar-se em todos os 
detalhes as condições de existência das diversas formações 
sociais antes de procurar deduzir delas as ideias políticas, 
jurídicas, estéticas, filosóficas, religiosas etc. que lhes 
correspondem. (MARX; ENGELS, apud PAULO NETTO, 2011, 
p.13) 
 
O que eles sustentavam tão somente era a ideia segundo a qual a 
produção e a reprodução da vida real somente em última instância 
determinavam a história. Tomavam a sociedade como uma totalidade, mas não 
na formulação leninista que divide essa totalidade em estrutura e 
superestrutura. 
Essa concepção reducionista é compartilhada também por muitos dos 
seus adversários teóricos, como Weber, que “criticou, na ‘concepção 
materialista da história’, as explicações ‘monocausalistas’ dos processos 
sociais, isto é, explicações que pretendiam esclarecer tudo a partir de uma 
única causa (ou "fator")”. (PAULO NETTO, 2011, p. 14) Porém, como afirmei 
no parágrafo anterior, Marx e Engels levavam em consideração o ponto de 
vista da totalidade e não a predominância das causas econômicas. 
O historiador marxista Edward Palmer Thompson (1924-1993) 
argumenta que a analogia “base e superestrutura” são radicalmente 
inadequadas. Raymond Williams, em Marxismo e Literatura, já alertava que a 
crítica original de Marx volta-se “principalmente contra a separação das áreas 
do pensamento e atividade (como na separação entre a consciência e a 
produção material) e contra o esvaziamento correlato do conteúdo específico – 
atividades reais – pela imposição de categorias abstratas.” (1979, p. 82) 
Portanto, a abstração comum da infraestrutura é uma continuação radical dos 
modos de pensar que Marx atacou. 
Assim como as categorias infraestrutura e superestrutura, o conceito de 
classe tendo sido interpretado de forma estática e abstrata, desconsiderando 
sua historicidade. Se a adotarmos nesse sentido, estaremos propondo que a 
classe sempre esteve presente como um resultado de relações de produção, 
daí resultando a luta de classes. Historicamente, sabemos que, no uso 
moderno, o termo classe guarda relação com a sociedade capitalista industrial 
do século XIX. Portanto, é somente no seu uso moderno que essa categoria se 
torna utilizável para um sistema de conhecimento da sociedade que vive nesse 
período (THOMPSON, 2001, p.273) e não de toda a história como difundiu o 
marxismo vulgar. 
 Outro “erro recorrente de compreensão do pensamento de Marx diz 
respeito a um pretenso ‘‘determinismo”. Neste caso, “a teoria social de Marx 
estaria comprometida por uma teleologia evolucionista, ou seja, [...] uma 
dinâmica qualquer (econômica, tecnológica etc.) dirigiria necessária e 
compulsoriamente a história para um fim de antemão previsto (o socialismo).” 
(PAULO NETTO, 2011, p.13) No entanto, a história, na concepção marxiana, é 
vista como processo, em movimento. 
Um fator que contribuiu para a disseminação de interpretações 
distorcidas da teoria formulada por Marx foi à consolidação do stalinismo, 
quando o marxismo a partir da Segunda Internacional se converteu numa 
ideologia do Estado, difundindo um discurso adequado para legitimar aparatos 
de poder. Ainda nos anos 1930, o marxismo se institucionalizou: investido 
como ideologia oficial do Estado autocrático stalinista, ele se tornou uma 
linguagem e uma estratégia de poder. (PAULO NETTO, 2011, p. 50-51) 
Por meio da Terceira Internacional – criada com o propósito de 
homogeneizar o pensamento comunista segundo as formulações do marxismo 
institucionalizado –, essa transformação não aborda apenas o mundo cultural 
soviético. De acordo com Paulo Netto, “os modelos políticos e ideológicos do 
partido soviético stalinizado se generalizam entre os comunistas de todo o 
mundo.” (2006, p. 51). 
Nos finais dos anos 1950, novas divisões dentro do movimento 
revolucionário, segundo Paulo Netto: 
Tipificadas no conflito sino-soviético e reproduzidas largamente 
entre os comunistas, terminam por cristalizar outra divisão 
entre as correntes renovadoras da tradição marxista e aquelas 
apegadas a um novo dogmatismo (a versão inicial do 
maoísmo, as caricaturas albanesas e, no plano teórico mais 
sofisticado, o marxismo impregnado de neopositivismo, como o 
de Althusser). De outra, a aproximação ao legado de Marx de 
movimentos de insurgência de origem não proletária – 
baseados especialmente em camadas médias urbanas ou 
pequenas burguesas, intelectuais ou de inspiração religiosa –, 
que utilizam categorias marxianas num quadro de referência 
que nada tem a ver com a teoria social de Marx. (PAULO 
NETTO, 2006, p. 67) 
 
Infelizmente, muitas pessoas se limitaram a essas versões distorcidas 
das obras de Marx – que no caso do “althusserianismo”, usando um termo 
citado por Thompson, constitui uma evidente ação política ideológica que 
separa teoria e prática, construindo uma rejeição a seu pensamento que tem 
impossibilitado conhecê-lo em sua originalidade. 
Para não incorrer nos equívocos apontados acima é indispensável que 
todas as ideias de Marx, Engels e de seus seguidores sejam testadas e 
verificadas sempre, evitando que constituam verdades invariáveis e evidentes 
por si mesmas. 
Retomo Paulo Netto, para afirmar que praticamente todas essas 
explicações equivocadas podem ser superadas desde que o leitor não tenha 
preconceitos com o uso de “fontes que operam uma análise rigorosa e 
qualificada da obra marxiana como, por exemplo, os diferenciados estudos de 
Rosdolsky (2001), Dal Pra (1971), Lukács (1979), Dussel (1985), Bensaid 
(1999, terceira parte) e Mészáros (2009, cap. 8)”. (2011, p. 16) 
Mas é importante advertir que a recorrência a esses autores não 
dispensa uma leitura demorada e cuidadosa dos próprios textos de Marx (e, 
eventualmente, de Marx e Engels), pois “propicia o material indispensável e 
adequado para o conhecimento do método que ele descobriu para o estudo da 
sociedadeburguesa.” (PAULO NETTO, 2011, p. 16) Ademais, como afirma 
Hobsbawm, “Marx continua a ser a base essencial de todo estudo adequado de 
história, porque até agora apenas ele tentou formular uma abordagem 
metodológica da história como um todo, e considerar e explicar todo o 
processo de evolução social humana.” (1998, p. 181). 
 
 
Uma escola histórica 
contemporânea: a Escola dos 
Annales 
2 
 
 
CONHECIMENTOS 
 
Seu desenvolvimento em fases distintas. Compreender como nasceu o 
movimento dos Annales, bem como. 
 
 
 
HABILIDADES 
 
Identificar as contribuições dos Annales para a diversidade de abordagens, de 
temas, sujeitos e fontes na produção do conhecimento histórico. 
 
 
 
ATITUDES 
 
Instigar o pensamento crítico em relação às diferentes perspectivas de estudo 
da história que os Annales possibilitaram constituir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Escola dos Annales 
O final do século XIX foi marcado por amplas transformações sociais e 
políticas, fruto das mais diversas manifestações revolucionárias que se 
alastraram pelos continentes europeu e americano, como os movimentos em 
prol da Independência dos EUA, a Revolução Francesa, as Revoluções 
Liberais. Mais adiante, “os movimentos feministas, a gradual inserção da 
mulher no mercado de trabalho, o reconhecimento acadêmico e político das 
minorias e maiorias oprimidas, e outros tantos processos que se 
desenvolveram no decurso do século XX”. (BARROS, 2007, p.26). 
 
“Felizes os apaixonados pela História, felizes porque podem ler este 
texto, suas rasuras e acréscimos, [...]” (FEBVRE, 1998, p. 7). Assim inicia o 
prefácio da obra: Honra e Pátria, de autoria do francês Lucien Febvre, feito pelo 
historiador Charles Morazé. Faremos destas palavras as nossas para convidá-
los a apreciar esta discussão sobre a Escola dos Annales. Inicialmente, 
consideramos pertinente apresentar as condições que possibilitaram essa 
revolução na historiografia. No segundo momento, trataremos das ações e 
práticas gerais dos Annales, fazendo uma discussão sobre as três “gerações” e 
suas peculiaridades. Usando as palavras de Tânia Navarro Swain, autora, 
organizadora e apresentadora da obra História no Plural: “Abre-se aqui mais 
um palco de debates”. (1994, p. 8). 
 
Os acontecimentos de cunho histórico geralmente são gestados por 
insatisfação à atuação de uma política vigente. Com os Annales não foi 
diferente, assim como também não se revelou no alvorecer de uma manhã de 
sol. Eles foram estruturados a partir de estudos, pesquisas e análises do 
processo metodológico da pesquisa em história. A rejeição à história clássica 
política e militar, a construção de ídolos e a cronologia foram à base da 
renovação teórica e metodológica da historiografia francesa. 
As discrepâncias de pensamento sobre a atuação da história geraram 
intensos debates e embrenhou-se no território europeu como uma serpente ao 
meio dia sobre a areia quente, com maior ênfase na França. Historiadores 
como J. Michelet e Fustel de Coulanges despertaram curiosidade e admiração 
de muitos estudantes, entre eles Lucien Febvre; e os sociólogos Émile 
Durkheim e Lévy-Bruhl tiveram grande influência na formação de Marc Bloch. 
Imerso nesta seara, alguns pesquisadores, professores e alunos 
popularizaram inúmeras inquietações acerca da atuação da história e suas 
fronteiras com as ciências humanas e sociais, especialmente com a sociologia, 
a geografia, a antropologia e a economia. Eram, assim, instigados pela 
concepção de uma História viva e interdisciplinar. 
A história dos Annales tem início em 1929 e se prolonga até, 
aproximadamente, 1989. Porém, é necessária nossa circulação tanto no 
sentido de recuo quanto de avanço a esse recorte temporal, haja visto que 
existem versões diferenciados sobre o número de fases da Escola dos Annales 
e suas temporalidades. 
 Georges Iggers citado por José Carlos Reis divide os Annales em dois 
momentos, um anterior a 1945, caracterizado por Emmanuel Le Roy Ladurie 
como sendo a “história estrutural qualitativa”, e outro pós 1945, a “história 
quantitativa conjuntural” (2000, p.92). Entretanto, é mais frequente uma divisão 
dos Annales em três fases distintas, de (1929-1946), (1946-1968) e de 1968 
em diante, como veremos a partir do segundo item deste capítulo. Há ainda 
outros historiadores que falam de uma quarta fase, pós (1988), na qual os 
Annales reveem seus conceitos, suas metodologias e posições frente ao 
projeto da Escola. 
A historicidade reside na relação das ações e experiências do presente 
para com o passado. As perguntas adequadas às fontes históricas fazem com 
que o pesquisador realize a leitura destas, no tempo e no espaço ocupado 
pelas mesmas. Como podemos destacar no trabalho de Reinhat Koselleck: 
 
O conhecimento histórico é sempre mais do que aquilo que se 
encontra nas fontes. [...] Toda fonte ou, mais precisamente, 
todo vestígio que se transforma em fonte por meio de nossas 
interrogações nos remete a uma História que é sempre algo 
mais ou algo menos que o próprio vestígio, e sempre algo 
diferente dele. Uma História nunca é idêntica à fonte que dela 
dá testemunha. Se assim fosse, toda fonte que jorra cristalina 
seria já a própria História que se busca conhecer. 
(KOSELLECK, 2006, p.186). 
 
Tal iniciativa é fruto dos novos conceitos históricos e da mudança das 
ações e práticas no campo da investigação e dos métodos historiográficos que 
tomou forma, principalmente, pós-vanguarda da nova concepção de História, 
pensada por Lucien Febvre, Marc Bloch e Ernest Labrousse, em 1929, na 
Universidade de Estrasburgo, na França. Este movimento foi denominado de 
Revolução dos Annales, uma manifestação que primou por novos objetos, 
novas problemáticas e novas abordagens. 
Os Annales, ao se aproximarem das ciências sociais, romperam com a 
influência incisiva da Filosofia na construção do conhecimento histórico. A 
Revolução Francesa da Historiografia, como também ficou conhecido esse 
movimento, foi marcada por um veículo de comunicação escrita que perpassou 
as suas diversas fases e ainda em vigor, a revista de história intitulada, 
inicialmente, de Annales d’Histoire Economique et Sociale, fundada em 1929. 
Essa revista foi apontada como ferramenta de combate a história fatual e de 
divulgação da revolução historiográfica francesa. 
A historiografia do século XIX se constituiu tradicionalmente em torno do 
campo político e militar, mais precisamente, na constituição e desenvolvimento 
dos Estados Nacionais, primando por discussões como nacionalismo, narrativa 
dos grandes nomes e acontecimentos. É válido salientar que a Escola dos 
Annales, não propôs o abandono da historiografia anterior, mas sugeriu 
problematizar o objeto de pesquisa, diversificar as fontes e a metodologia de 
pesquisa, ou seja, pensar o tema sobre a abordagem da história problema. 
Nem sempre se fez História do mesmo jeito, de modo que a partir dos Annales, 
o rompimento com as narrações da história política, com o tempo cronológico, 
linear e irreversível se fez necessário para o aprimoramento e ampliação do 
conhecimento histórico através de novas técnicas e novas abordagens. Veja a 
citação a seguir: 
 
De certa forma Karl Marx (1818-1883), no próprio século XIX, 
já havia sido um percussor deste novo tipo de história, 
juntamente com outros historiadores isolados. O fundador do 
Materialismo Histórico estava preocupado com um problema 
muito específico quando elaborava as suas análises 
sociológicas e históricas: o problema do desenrolar da luta de 
classes e de sua inserção em um modo de produção 
específico. (BARROS, 2007, p.30). 
 
Porém, os trabalhos de Karl Marx apresentaram-se de modo tímido nas 
primeiras fases dos Annales, em razão de seus fundadores não terem sido 
influenciados por seu pensamento, com exceção de Ernest Labrousse, que 
sofreu sua influência na formação. 
 
Afinal, o que os Annalesteriam a oferecer como novo paradigma e 
identidade da pesquisa em história? 
 A história a partir de então não mais construiria “Impérios”, forjaria 
nomes, defenderia o tempo contínuo, mas adotaria como instrumentos de 
pesquisa o estudo das margens, as circunstâncias dos “desvios”. A história é 
uma construção política e social, que tem mais consistência quando feita em 
consonância e contextualizada com a vivência e identidade do tempo presente. 
 
A postura questionadora do historiador, neste sentido, faz-se necessária 
para perceber os contrapontos e intenções presentes nas evidências históricas, 
pois “Os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentes mais 
claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-lo” 
(BLOCH, 2001, p.79). Neste sentido, o historiador Durval Muniz de 
Albuquerque Junior acrescenta, “O conhecimento, o evento em História não é, 
pois, um dado transparente que se oferece, por inteiro, ou em sua essência, 
mas é uma intriga, um tecido que vai ser retratado e, é refeito pelo historiador.” 
(ALBUQUERQUE JUNIOR, 2007, p.63). 
 
 A historiografia pós-Annales incorpora um caráter mais reflexivo e 
questionador, primando não mais pela quantidade ou a qualidade (a 
oficialidade) dos documentos, mas procura dá ênfase à forma como estes 
foram ou são trabalhados e contextualizados. Da mesma forma que o 
pesquisador não é passivo perante as fontes, estas por sua vez, também não 
são neutras, são resultados de quem as produziu e fruto da seleção de quem 
as analisa. 
No texto de autoria de Tuchman Bárbara, podemos perceber como se dá 
a relação entre o passado (fontes) e o presente (lugar social do pesquisador) 
quando frisa: “[...] a razão é que quem escreve sobre o passado não esteve no 
passado. Não podemos nunca ter certeza de ter recapturado o passado como 
realmente foi. Mas o mínimo que podemos fazer é ficar dentro das provas.” 
(1991, p. 11), deste modo, é indispensável à consciência de que o passado é, 
antes de tudo, um produto e que os registros são fundamentais para sua 
constituição. No entanto, a História não é o que está posto nas fontes, nem 
mesmo o que virá a ser ou o que já é, isto é, a “presentificação” do passado. 
 
Mas, afinal, o que seria fonte para a pesquisa histórica? 
 
Até o final do século XIX apenas os documentos escritos oficiais eram 
considerados fontes. Um dos primeiros passos para a ruptura da oficialidade 
das fontes documentais foi com o movimento liderado por James Harvey 
Robinson, o qual defendia que: 
 
“História inclui qualquer traço ou vestígio das coisas que o 
homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre a terra”. 
Por método, “A nova história deveria utilizar-se de todas as 
descobertas sobre a humanidade, que estão sendo feitas por 
antropólogos, economistas, psicólogos e sociólogos”. 
(ROBINSON apud BURKE, 1997, p.20). 
 
 
 Em conformidade com essa maneira de pensar, Bloch ressalta que “A 
diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz 
ou escreve, tudo que fabrica tudo que toca pode e deve informar sobre ele.” 
(2001, p.79). Na pesquisa histórica, o historiador limita-se aos relatos dos 
testemunhos, pois, na maioria delas não vivenciou os fatos estudados. O 
passado é imutável, no entanto, seu conhecimento não, podendo ser 
progressivo e aperfeiçoado. 
 
 Reinventar é uma ação que denota plena subjetividade e é necessário 
que todo pesquisador tenha consciência do caráter subjetivo que lhe rodeia. O 
objeto da pesquisa, desde a escolha do recorte, da linha metodológica, da 
maneira de vê-lo, da aceitação e/ou reprovação de algumas fontes durante a 
seleção no acervo, tem a subjetividade presente. 
A filosofia, começando na Antiguidade, atuou como mola mestra na 
condução das pesquisas e na construção do conhecimento, mas sua 
ramificação se fez imperativa como forma de melhor trabalhar os múltiplos 
fenômenos naturais e históricos que nos cercam. Isso foi essencial para a 
ampliação do conhecimento do homem. 
 
A ideia, proposta pelos reformadores do século XX, visou aproximar as 
ciências sociais para que as mesmas dialogassem entre si interdisciplinaridade, 
buscando melhores interpretações dos fatos, eventos e circunstâncias que 
envolvem a humanidade. Além da interdisciplinaridade, tal proposta tomou 
como base a desaceleração do tempo histórico e a ampliação das fontes. 
 
A Primeira Geração dos Annales (Marc Bloch e Lucien 
Febvre), 1929-1946. 
 
A Escola dos Annales teve, inicialmente, como principais articuladores 
Lucien Febvre e Marc Bloch (veja um pouco mais sobre eles no quadro 
abaixo). Reservadas as diferenças entre eles, a maneira de abordar os temas 
com uma perspectiva de uma história-problema os aproximava. Ambos 
frequentaram a Escola Normal Superior da França, que, mesmo contando com 
uma linha metodológica tradicional, foi um terreno fértil para o amadurecimento 
e troca de ideias entre estudiosos e professores das mais variadas vertentes da 
ciência, historiador, geógrafo, antropólogo, psicólogo social, sociólogo etc. 
 
Marc Bloch nasceu em 6 de julho de 1886, em Lyon. Convocado em 1914 
como sargento de infantaria, terminou a Primeira Guerra Mundial como 
capitão. Em 1919, tornou-se professor da Universidade de Estrasburgo, onde 
desenvolveu e sistematizou, ao longo de dezessete anos, o essencial de sua 
obra. Em 1939, apesar da idade e das responsabilidades familiares que 
poderiam isentá-lo das obrigações militares, foi novamente convocado, a seu 
pedido. É nessa época que redige, em sua casa de campo, A estranha 
derrota, cujos manuscritos foram mantidos em local secreto até o fim da 
guerra. Ajudou a renovar as pesquisas históricas na França graças a uma 
abertura aos estudos da antropologia, da sociedade e da economia. 
Lucien Febvre nasceu em 1878, em Nancy. Estudou na École Normale 
Supérieure, onde se formou em história e geografia. Em 1911, doutorou-se 
com a tese Philippe II et la Franche-Comté: étude d"histoire politique, 
religieuse et sociale. Oito anos mais tarde, tornou-se professor de história 
moderna na Universidade de Estrasburgo (França). Publicou então La Terre et 
l"évolution humaine (1922) e Martinho Lutero, um destino (1928). Em 1929, 
junto ao historiador Marc Bloch (1886-1944), fundou a revista Annales 
d"histoire économique et sociale, que deu origem à corrente historiográfica 
conhecida como Escola dos Annales. Febvre dirigiu a revista até sua morte, 
em 1956. Algumas de suas principais obras traduzidas para o português são O 
problema da incredulidade no século XVI (1942) e Combates pela história 
(1952). 
 
 
Lucien Febvre era mais ligado à geografia de Paul Vidal de la Blache, 
um de seus professores; e Marc Bloch, por influência de Durkheim, à 
sociologia. Quando nomeados para cargos na Universidade de Estrasburgo, 
juntos provocaram uma mudança repentina na historiografia francesa. Segundo 
Peter Burke: 
 
O período de encontros diários, em Estrasburgo, entre Bloch e 
Febvre durou apenas treze anos, de 1920 a 1933; foi, porém, 
de vital importância para o movimento dos Annales. Mais 
importante ainda pelo fato de que ambos estavam cercados por 
um grupo interdisciplinar extremamente atuante. Daí a 
importância de realçar-se o ambiente em que se formou o 
grupo. (BURKE, 1997, p.27). 
 
Estrasburgo tornou-se a partir da atuação Bloch e Febvre, o principal 
centro de estudos e inovação intelectual da Europa, pós-Primeira Guerra 
Mundial (1914-1918). A unificação da França, a efervescente discussão sobre 
a epistemologia da história, as possíveis relações com outras ciências foram 
elementos que contribuíram para que o país se tornasse referência e berço da 
Escola dos Annales. Rogério Forastieri da Silva afirma que: 
O aparecimento de certa forma tardia de histórias gerais da 
historiografia na França associa-se, por sua vez, a um quadro 
de referências mais amplo que deveser explicitado. 
Acreditamos que seja possível afirmar que a intensificação das 
reflexões historiográficas de caráter geral na França situa-se 
em torno do imediato pós-primeira Guerra Mundial e parece 
que, não sem bons motivos, tendem a se concentrar naquele 
momento na Universidade de Estrasburgo. (SILVA, 2001, 
p.175). 
 
A atuação do renascentista Febvre e do medievalista Bloch como 
professores, facilitou o intercâmbio entre disciplinas e ideias sobre a renovação 
da história, pois, de acordo com Febvre apud Burke: 
 
Suas salas de trabalho eram contíguas, e as portas 
permaneciam abertas (Febvre, 1953, p. 393). Em suas 
infindáveis discussões participavam colegas como o psicólogo 
social Charles Blondel, cujas ideias eram importantes para 
Febvre, e o sociólogo Maurice Halbwaches, cujo estudo sobre 
a estrutura social da memória, publicada em 1925, causou 
profunda impressão em Bloch. (BURKE, 1997, p.27). 
 
Após (1918), Febvre idealizou uma revista internacional dedicado à 
história econômica que existiu por pouco tempo, em decorrência de algumas 
dificuldades. Em (1928), Marc Bloch criou a Annales d’Histoire Economique et 
Sociale, que ficou sob sua direção e de Febvre. “Promover a aproximação da 
história das ciências sociais e afirmar a nouvelle histoire não por artigos 
teóricos, mas ‘pelo exemplo e pelo fato’”, destaca o editorial do primeiro 
número da revista, publicado em 15 de janeiro de 1929. 
 
Com o objetivo de socializar e divulgar as ideias do movimento, esta 
revista marcaria a liderança intelectual dos Annales. Ela seria, segundo Burke, 
“... O porta voz, melhor dizendo, o alto falante de difusão dos apelos dos 
editores em favor de uma abordagem nova e interdisciplinar da história.” 
(BURKE, 1997, p.33). 
 
Surgiu com o objetivo de fazer o contraponto aos veículos tradicionais 
reverberante na sociedade europeia da época. Tomando um termo histórico, 
Burke declara que os Annales atuaram como uma revista de seita herética. “É 
necessário ser herético”, declara Febvre em sua aula inaugural. (BURKE, 1997, 
p.43). Sobre a fundação da revista e de sua proposta, destaca Silva: 
 
Em torno de Marc Bloch e Lucien Febvre estão dispostos e 
empenhados em inovar as perspectivas sobre os estudos 
históricos, como já referimos com a fundação da revista 
Annales (1929), concebida, entre outros aspectos, como um 
veículo para condenar o que consideravam ser a “história 
tradicional” e ao mesmo tempo promover as suas novas 
propostas. (SILVA, 2001, p.194). 
 
A atuação efetiva de Febvre e Bloch na sociedade francesa fertilizou o 
terreno para a sociabilização dos novos conceitos e métodos da história. A 
ação deles se deu por meio da direção da revista científica; de publicações de 
artigos, defendendo a nova metodologia historiográfica; dos embates com 
pesquisadores de correntes historiográficas diferentes; como professores 
universitários. Bloch ainda participou do primeiro e segundo conflito mundial. 
Burke afirma em seus escritos a atuação do colega em um trecho 
intitulado Febvre no poder: 
 
Depois da guerra, Febvre foi convidado a auxiliar na 
reorganização de uma instituição mais prestigiosas no sistema 
francês de educação superior, a École Pratique de Hautes 
Études, fundada em 1884. Foi eleito membro do Instituto e 
tornou-se também o delegado francês na UNESCO, 
participando da organização da coleção sobre a “História 
Cultural de Científica da Humanidade.” Se não bastasse 
Febvre ainda fundou a VI Seção da École Pratique des Hautes 
Études, em 1947. Ele tornou-se presidente da VI Seção, 
dedicada às ciências sociais, e Diretor do Centro de Pesquisas 
Históricas, uma seção dentro da seção. Nomeou discípulos e 
amigos para as posições chave da organização. Braudel, [...], 
auxiliou-o a administrar o Centro de Pesquisas Históricas e os 
Annales. (BURKE, 1997, p.42). 
 
A Primeira Fase dos Annales, de modo geral, é entendida como o 
período de constituição de um olhar inovador do historiador, a conscientização 
da necessidade de ampliação das fontes documentais, problematização dos 
fatos históricos, revisão da noção de temporalidade e sistematização dos 
métodos de pesquisa. Bloch, em especial, já escrevia uma história de longa 
duração, com períodos mais alongados e estruturados. Em sua obra Apologia 
da História, é possível destacar os objetos de estudo de forma problematizada 
e sua credibilidade a temas como poder monárquico, crenças e ritos, medicina 
popular e mentalidades etc. 
A nova concepção de história não criou um novo método de pesquisa, 
apenas empregou os métodos de forma sistemática e interdisciplinar. A escola 
dos Annales foi um movimento de aversão à História Metódica Francesa, que 
tinha como inspiração a Escola Histórica Alemã. Propunha deste modo, uma 
renovação da pesquisa em história. Febvre apud Burke enfatiza que: 
Pouco a pouco os Annales converteram-se no centro de uma 
escola histórica. Foi entre 1930 e 1940 que Febvre escreveu a 
maioria de seus ataques aos especialistas canhestros e 
empiristas, além de seus manifestos e programas em defesa 
de “um novo tipo de história” associado aos Annales – 
postulando por pesquisa interdisciplinar, por uma história 
voltada para problemas, por uma história da sensibilidade, etc. 
(FEBVRE apud BURKE, 1997, p.38). 
 
Pela oportunidade de atuarem frente a diversos setores da sociedade 
francesa, os Annales conseguiram despertar em ex-alunos e colegas de 
profissão um entusiasmo crescente. Febvre reconhecia a existência de um 
grupo de discípulos, um núcleo fiel de jovens, que adotaram o que chamavam 
de “o espírito dos Annales”. Entre esses jovens, destacou-se Fernand Braudel, 
com quem Febvre teve contato em 1937, e Pierre Goubert que: “[...] estudava 
com Bloch, nessa época, e, embora viesse a especializar-se na história do 
século XVII, permaneceu fiel ao estilo da história rural de seu mestre. Alguns 
de seus discípulos em Estrasburgo estavam, então, transmitindo suas 
mensagens em escolas e universidades.” (BURKE, 1997, p.38). 
Com esses nomes, o movimento continuou firme na campanha de 
formular teórica e metodológica a ciência histórica. A História foi, por muito 
tempo, entendida como uma ciência do passado. No entanto, é válido salientar 
que este entendimento caiu por terra, principalmente, no decorrer do século 
XX. Como diria mais tarde Walter Benjamin, “a História é objeto de uma 
construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo 
saturado de agoras”, (1985, p.229). Nessa lógica, a relação passado/presente 
se inverte para tornar mais clara à relação do momento do qual partimos. 
Assim, é imprescindível saber lidar e contextualizar as experiências 
envolvidas no processo de pesquisa da história. A produção do conhecimento 
histórico lida com as mais diversas circunstâncias de tempo e espaço, ou seja, 
o historiador, em suas análises, parte de inquietações e problematizações do 
presente, no sentido de desvendar, compreender e até mesmo transformar as 
versões dos fatos e acontecimentos por ele selecionados, de modo que a 
História se torna uma realidade viva e mutável. 
O campo de atuação do historiador torna-se complexo, o objeto de 
pesquisa e análise do pesquisador em História é o tempo passado, mas 
diretamente relacionado ao presente. Este passa a ser o ponto de partida de 
investigação do passado. 
 
Por fim, cabe-nos perguntar: o que justifica o nascimento da revolução 
historiográfica na França? 
 
Por volta de 1900, as críticas à história política eram particularmente 
agudas e as sugestões para sua substituição bastante fértil. Nesta mesma 
época, na França, a natureza da história tornou-se o objeto de um intenso 
debate (BURKE, 1997, p.20). É notório e quase que consenso o 
reconhecimento da Alemanha, pelos estudiosos da historiografia, como o local 
mais propício para liderar a revolução da historiográfica no início do século XX, 
sobretudo porque era norteadorada história até então. 
 
No entanto, a atuação de pensadores, como o economista François 
Simiand, Ernest Lavisse, e Henri Berr – que promoviam constantes críticas ao 
trabalho de Charles-Victor Langlois e Charles Seignobos, principais 
representantes da Escola Metódica Francesa, alimentou o sentimento de 
insatisfação em relação à maneira de fazer a história na França. Além do mais, 
as iniciativas políticas dos governos franceses de financiarem as pesquisas 
históricas, a eliminação da competição intelectual alemã, somada as 
contribuições individuais de Febvre, Bloch e Braudel e as influências coletivas 
dos Annales foram decisivas para que a revolução historiográfica partisse da 
França. 
 
A Segunda Geração dos Annales (Fernand Braudel), 
1946-1968. 
Mach Bloch foi fuzilado na data de 16 de julho de 1944 pelas tropas 
alemãs, após ser capturado na Resistência Francesa grupo de Lyon. Lucien 
Febvre veio a óbito doze anos depois, (1956). Mas seus legados e influências 
difundiram-se pela Europa e demais continentes. Fernand Braudel (veja mais 
sobre ele no quadro abaixo), discípulo e continuador da obra de Bloch e 
Febvre, foi um dos mais importantes expoentes da Segunda Fase dos Annales. 
Em 1929, quando surgiram os Annales, Braudel tinha vinte e sete anos, 
no entanto, já vivia intensamente o mundo da história. Estudava na Sorbonne, 
lecionava em uma escola da Argélia e em Besançon e trabalhava em sua tese, 
intitulada Felipe II e o Mediterrâneo. Sua rotina foi interrompida ao ser 
convidado para lecionar na Universidade de São Paulo (USP), durante dois 
anos (1935-37). Esse período foi definido por ele, posteriormente, como um 
dos mais felizes de sua vida (BURKE, 1997, p.46), pois, ao regressar, 
conheceu Febvre, que, além de intervir na ordem do título de sua tese, 
transformando-o em Mediterrâneo e Felipe II, adotou-o como discípulo que 
continuaria o legado e os projetos dos Annales. 
Durante a primeira geração, a abordagem dos Annales focava, 
sobretudo, nos estudos da economia e das relações sociais. No entanto, com o 
desenrolar da segunda, outros temas ganharam força, como o estudo das 
civilizações, da demografia, por exemplo. 
A segunda geração dura três décadas, liderada por Fernand Braudel. 
Ele faz com que os Annales se aproximem mais de uma escola, com a criação 
de conceitos e métodos. Braudel foi, assim como seus antecessores, um 
homem de grande influência na sociedade francesa. Publicou sua tese em 
(1949) e, no mesmo ano, iniciou sua carreira como professora no Collége de 
France, assumindo, ao lado de Febvre, a direção do Centre Recherches, na 
École de Hautes Études. Quando Febvre veio a óbito, em 1956, Braudel 
tornou-se sucessor efetivo nos Annales. 
Em 1962, o secretário executivo da revista, Robert Mandrou, outro “filho” 
de Fevbre, demitiu-se da função em decorrência de desafeto com o presidente 
Braudel. (Burke, 1997, p.56). Naquele momento, o presidente iniciou uma 
campanha para escolher pessoas que dessem continuidade a seu projeto, 
surgindo nomes como Jaques Le Goff, Ladurie e Marc Fero. 
Braudel, conforme afirma Burke, “Era impaciente com fronteiras, que 
separassem elas, regiões ou ciências. Desejava ver as coisas em sua inteireza, 
integrar o econômico, o social, o político e o cultural na história total”. (BURKE, 
1997, p.56). A ideia da história geral ainda marcava a pesquisa histórica nesta 
fase. As orientações e influências de Febvre, somadas aos escritos recentes 
sobre esta proposta, estimulavam essa identidade. 
O Mediterrâneo é a audaciosa proposta feita por Febvre a Braudel, 
visando escrever a história da Europa, em dois volumes, abrangendo o período 
de (1400 a 1800). Braudel escreveu a sua parte em três volumes, com o título: 
Civilization matérielle et capitalisme. Além deste trabalho com vistas à história 
total, temos a tese de Pierre Chaunu, Sevilha e o Atlântico (1955-1960), que, 
de acordo com Burke, é “talvez a mais longa tese já escrita, [...] tenta imitar, se 
não mesmo superar Braudel, tomando como sua região o oceano Atlântico”. 
(BURKE, 1997, p.69). 
Essas obras são exemplos da perspectiva e marco da história regional e 
serial, das mudanças na longa duração. Braudel alarga o conceito de tempo, 
ao distingui-lo em curta e longa duração, ou seja, os eventos históricos, podem 
se dar em ampla ou restrita dimensão temporal. O recorte é estabelecido em 
função de uma “série” de fontes ou materiais que se tornam o alvo das 
inquietações do pesquisador. Chaunu dividiu seu escrito em duas partes, 
intituladas “Estrutura” e “Conjuntura”. Acerca da relevância e das 
características da história serial: 
 
François Furet, em seu Atelier do Historiador, define a História 
Serial em termos da constituição do fato histórico em séries 
homogêneas e comparáveis. Dito de outra forma trata-se de 
“serializar” o fato histórico, para medi-lo em sua repetição e 
variação através de um período que muitas vezes é o da longa 
duração. (BARROS, 1997, p. 47). 
 
 
A principal contribuição da segunda geração dos Annales foi o 
reconhecimento de que era preciso mudar a percepção de uma história 
fechada, imutável, com base nas “estruturas”. Braudel tinha a obsessão por 
conhecer o todo, desejava ver o objeto em sua plenitude, ver grande, o todo. 
Como bem destaca Burke, tinha “vasto apetite para estender as fronteiras de 
seu objeto” (1997, p.55). Através do posto que ocupava, conseguiu pulverizar 
esta concepção histórica, chegando a marcar as primeiras décadas da 
segunda geração dos Annales, que formou um arcabouço de pesquisa, tendo 
como base a Influência de Ernest Labrouse, da Demografia Histórica e História 
Demográfica e a formalização da História Regional e Serial. 
Braudel manteve contatos com os novos métodos e colaborou para o 
crescimento e correlação com as ciências vizinhas. Enquanto presidente dos 
Annales manteve grande influência na produção historiografia, apoiou 
financeiramente (através de bolsas de estudo) pesquisadores nacionais e 
estrangeiros, visando melhor difundir o estilo da historiografia francesa. 
Embora Braudel seja reconhecido, a história quantitativa foi fruto de uma 
colaboração geral dos pesquisadores da história e demais ciências humanas. 
Conhecida também por “Revolução quantitativa” teve como base de 
sustentação as estruturas socioeconômicas. Recebeu a influência de dois 
importantes pensadores, o economista François Simiand e o historiador e 
marxista Ernest Labrousse, que, desde a fundação dos Annales, colaborou 
com o projeto da nova historiografia. 
Braudel, de acordo com Burke, fazia uso das estatísticas 
ocasionalmente. “Contudo, não é parcial dizer que os números são apenas a 
decoração de seu edifício histórico, e não parte de sua estrutura.” (HEXTER 
apud BURKE, 1997, p. 66). 
Burke continua destacando como Braudel foi de alguma maneira 
ausente a dois grandes movimentos no interior da história dos Annales, a 
história quantitativa e a história das mentalidades. De modo que o mérito e 
sucesso da segunda fase deste movimento devem ser sociabilizados. 
A escrita formulada a partir de gráficos e tabelas, pautada em dados 
gerais, criou a história quantitativa. Na segunda geração, é visível o uso 
frequente de métodos quantitativos, no caso de Braudel, por influência. “Há 
motivos para suspeitar que houvesse influência de Labrousse na 2ª edição do 
Mediterrannée, em 1966, pois há uma maior ênfase na história quantitativa e 
inclusão de tabelas e gráficos inexistentes na primeira.” (BURKE, 1997, p.69). 
Foi com Labrousse que o marxismo começou a penetrar no grupo dos Annales. 
O mesmo ocorreu com os métodos estatísticos, pois Labrousse foi incentivado 
pelos economistas Albert Alfalion e Simiand a empreender um rigoroso estudo 
quantitativo da economia francesa do século XVIII. (BURKE, 1997, p.68). 
O artigo de Lucien Febvre, Amiens, da Renascença a Contrarreforma, 
publicadoem 1941 nos Annales, trata da importância do estudo das séries de 
documentos, na longa duração, para mapear mudanças de atitudes e mesmo 
no gosto artístico. Mas, nesse artigo, Febvre não oferece aos seus leitores 
estatísticos precisos. A estatística “foi desenvolvida para estudar a história da 
prática religiosa, a história do livro e a história da alfabetização. Espraiou-se, 
algum tempo depois, para outros domínios históricos.” (BURKE, 1997, p.62). 
 
A Terceira Geração dos Annales, 1968-1989. 
Existem diferentes interpretações sobre a terceira geração dos Annales. 
“O problema está em que é mais difícil traçar o perfil da terceira geração do 
que das duas anteriores. Ninguém neste período dominou o grupo como o 
fizeram Febvre e Braudel” (BURKE, 1997, p.56). Essa fase foi profundamente 
marcada pela fragmentação, tanto do processo de liderança, quanto do objeto 
de estudo. “Nos últimos vinte anos, porém alguns membros do grupo 
transferiram-se da história socioeconômica para a sociocultural, enquanto 
outros estão redescobrindo a história política e mesmo a narrativa”, destaca 
Peter Burke (1997, p. 56). 
As duas pessoas de maior destaque na terceira geração dos Annales, 
segundo Burke, foram Ladurie e Jacques Le Goff. O primeiro, escreveu sua 
tese sobre a França mediterrânea, sob influência e orientação de Braudel e 
Jacques Le Goff. Ladurie sucedeu Braudel no colégio Collège de France. 
(1997, p.58). O segundo sucedeu o autor de O mediterrâneo na presidência da 
antiga VI Seção da École Pratique des Hautes Études e é também considerado 
como um dos expoentes da história das mentalidades. (LACERDA, 1994, p.12). 
Durante suas três fases, os Annales sofreram um “vendaval de eventos” 
e se alteraram para se adaptar às mudanças da sociedade do século XX. 
(REIS, 2006, p. 79). A terceira geração, segundo Burke, apresentou três pontos 
centrais: a redescoberta da história das mentalidades, as tentativas de 
empregar métodos quantitativos na história cultural e a reação oposta a tais 
métodos. Ainda nessa fase, uma “Nova história” ou História Cultural começou a 
se constituir. 
 
Lilia Moritz Schwarcz, na apresentação à edição brasileira da obra 
Apologia da História, ou, o ofício do historiador, enfatiza que os estudos de 
Bloch e Febvre “convertiam-se em motes de ataque aos modelos mais 
empíricos, assim como libelos de defesa de ‘um novo tipo de história’, 
identificada no grupo seleto dos Annales.” (In: BLOCH, 2001, p. 10). 
 
O século XX foi expressamente o tempo das mudanças, em especial, no 
que diz respeita às ciências. A revolução dos Annales atravessou o século XX 
de modo que suas inquietações, seus objetos e interpretações também 
mudaram simultaneamente, pois partiam de tempos e problemas distintos, que 
necessitavam de novas versões e informações sobre os fatos pesquisados. 
 
Já não teria mais sentido para este novo século uma História 
meramente descritiva ou narrativa, no sentido exclusivamente 
factual. Aos historiadores impunha-se agora a tarefa não de 
simplesmente descrever as sociedades passados, mas de 
analisá-las, compreendê-las, decifrá-las. [...], não faria sentido 
a não ser uma obra de divulgação para o grande público 
produzir uma história descritiva e narrativa dos acontecimentos 
que marcaram a Revolução Francesa. O que exigia do historiador 
agora era que ele recortasse um problema dentro da temática mais 
ampla da revolução Francesa como, por exemplo, o problema da 
“dessacralização do poder público na Revolução Francesa” ou o 
problema da “Influência das ideias iluministas nos grupos 
revolucionários”, ou o problema da “evolução dos preços na crise que 
precedeu o período revolucionário”. (BARROS, 2007, p. 31). 
 
 
A história passa a ser norteada por hipóteses. Formular questões e 
alimentar dúvidas se torna crucial para a pesquisa em história. Deste modo, a 
história busca, numa perspectiva maior, explorar as lacunas, os temas, que 
outrora eram desprezados pela história fatual. Daí surge a “história vista de 
baixo”, a “história das massas” ou dos “homens comuns”, reafirmando o 
rompimento com a tradição elitista, com a história dos “grandes homens”. Os 
escritos baseavam-se em questões como a ascensão do proletariado, a 
alfabetização, relações de serviço e comércio do dia a dia. 
Fatos como o carnaval de (1580) na França, momento em que artesãos 
e camponeses se valeram das máscaras para proclamar que “os ricos da 
cidade tinham se tornados prósperos à custa dos pobres” (BURKE, 1997, 
p.77), ganharam ênfase. A História vista pela “perspectiva das classes 
subalternas”, o estudo das revoltas camponesas, com participação de jovens, 
mulheres e crianças são outros exemplos dessa abordagem. 
Foi somente nessa fase que mulheres, como Christiane Klapisch, Arlette 
Farge, Mona Ozouf e Michèle Perrot, foram inclusas no grupo de discussões de 
Annales. Georges Duby e Michèle Perrot, por exemplo, empenharam-se em 
organizar uma história da mulher em vários volumes. (BURKE, 1997, p. 80). 
Acompanhando as tendências de seu tempo, os domínios da História se 
ampliaram para âmbitos cada vez mais diversos, que vai da cultura material as 
mentalidades, a “história imediata” “história do tempo presente”, por meio da 
adoção de abordagens de outras disciplinas. 
 
A velha história política, com suas escolhas temáticas entre o 
institucional e o individual de elite, com seu olhar de cima e sua 
perspectiva eurocêntrica, teve de ceder espaço a uma nova 
história com a sua miríade de novos temas, a eclipsar os antes 
tradicionais objetivos de estudo que agora, teriam de esperar 
novas reviravoltas para recuperar algum espaço no palco 
historiográfico. (BARROS, 2007, p.32). 
 
 
A descentralização adotada nessa fase possibilitou o diálogo com 
conceitos de outras disciplinas. Braudel havia incentivado a 
interdisciplinaridade e o contato com intelectuais de outros países por meio do 
financiamento de estudantes estrangeiros, quando estava na direção do 
movimento. Muitos dos membros da Escola dos Annales viveram um tempo 
nos Estados Unidos e aprenderam a falar e escrever em Inglês, o que facilitou 
esse intercâmbio. O movimento cresceu e as ideias e tendências ligadas aos 
Annales não atuavam mais só na França, desenraizou-se, perpassou 
fronteiras, ampliando as chances de inovações e contribuindo para a 
sociabilização de seu estudo. 
 Os campos temáticos da historiografia vêm e vão de acordo com as 
próprias flutuações histórico-social e em sintonia com as mudanças de 
paradigmas historiográficos. 
 Diante dessas colocações, você deve se perguntar: se os Annales 
contestaram a história dos grandes nomes e datas, por que Bloch intitulou uma 
de suas maiores obras de Os reis Taumaturgos e por que Febvre escreveu 
sobre Rabelais e Braudel O Mediterrâneo? (BARROS, 1997, p. 31). Há de fato 
diferenças entre a primeira, segunda e terceira fase dos Annales. No entanto, 
não se trata de distorção ou de diferenças arbitrárias, elas são fruto do 
aperfeiçoamento dos métodos e adaptação da história às circunstâncias e aos 
acontecimentos da sociedade de seu tempo. Outro ponto a ser considerado é a 
expansão das fronteiras geográficas da história. 
 
Heri Moniot, autor do Artigo “L’histoire des peuples sans 
histoire” chama a atenção pelo fato de que durante muito 
tempo o que se constituía a história como disciplina era 
fundamentalmente marcada pelo eurocentrismo, como se 
outros povos não possuíssem sua própria história. (SILVA, 
2001, p. 209). 
 
Com uma política mais heterogênea adotada pela terceira Geração dos 
Annales, observa-se uma abertura do leque de observação e estudo de outras 
culturas. Entram em pauta novos campos de investigação, como a “história dos 
povos sem história”, especialmente em relação à África. Como podemos 
constatar, a segunda fase desse movimento deu maior atenção à história 
quantitativa, a pesquisas socioeconômicas,

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