Buscar

O corpo tomado em sentido absoluto e em sentido geral, no O ente e a essência de São Tomás de Aquino

Prévia do material em texto

FACULDADE DE SÃO BENTO
7 DE NOVEMBRO DE 2017. DIADEMA - SP
DOUGLAS COLÁCIO
O corpo tomado em sentido absoluto e em sentido geral, no “O ente e a essência” de São Tomás de Aquino
Tomemos como princípio de análise a substância composta, isto é, a forma e a matéria, o que também pode ser chamada de matéria assinalada ou determinada – no livro V das Categorias, Aristóteles chama de substância primeira. Para Tomás, não é possível pensar a substância composta sem a matéria ou sem a forma, e ambas sozinhas não são essência da matéria assinalada, mas a composição das duas dá à substância a sua essência, ainda que seja a forma que torna a matéria o que ela é em ato. Quando definimos ou predicamos a matéria assinalada, expressamos tudo o que está contido na matéria em si mesma; a matéria entendida como o todo, por exemplo: podemos dizer que este animal é uma substância composta, pois a “matéria é princípio de individuação, não tomada de qualquer maneira, mas apenas a matéria assinalada” . Gardeil, em seu comentário à filosofia tomasiana escreveu:[2: Categorias. “A dita mais propriamente e também primeiramente e precisamente substância é a que nem é dita de algum sujeito nem está em um sujeito; por exemplo, um certo homem ou um certo animal”. 2a 11-14.][3: O ente e a essência. § 17.]
“As substâncias materiais são caracterizadas pela sua composição interna em matéria e forma; esses dois elementos são dois princípios complementares que, com exceção do caso da alma humana, não podem subsistir isoladamente... A substância material é dividida do ponto de vista lógico, pelas diferenças vivente e não vivente etc” .[4: Gardeil. 2013. Pg. 388.]
A matéria não assinalada, porém é antes de tudo a indeterminação, ou como chamou Aristóteles: substância segunda. Na ideia de matéria indeterminada estão as intenções lógicas, a saber: o gênero e a espécie. O “gênero”, por exemplo, “significa indeterminadamente o todo que está na espécie... o todo com uma certa denominação determinado o que é material, sem determinação da forma própria” , isso porque, quando se define o gênero, se define também a espécie, expressando exatamente a essência da substância material, só que a forma se encontra indeterminada. Se dissermos que animal é o gênero de homem, estaremos contemplando na noção de animal: a corporeidade, o seu princípio de vida, o princípio interno de movimento e suas faculdades sensoriais (e quais quer outras perfeições ulteriores), pois o animal pode ser tanto racional, como irracional, assim podemos considerar que animal é gênero de homem, porém, a sua racionalidade não está formalmente designada, mas indeterminadamente contida.[5: Categorias. “substâncias segundas são ditas essas espécies, às quais as ditas primeiramente substâncias pertencem, e também os gêneros das espécies; por exemplo, um certo homem pertence a uma espécie, o homem, enquanto que um gênero da espécie é o animal”. 2a 14-17][6: O ente e a essência. § 23]
Quando, porém, dizemos que matéria é corpo, tomamos a ideia de matéria como princípio de individuação e uma parte constitutiva da substância composta, sendo a outra a sua forma. Como já foi dito, não se pode pensar a substância composta sem matéria e forma, assim como não se separa a alma do corpo (exceto como disse Gardeil, no caso do homem, considerando que sua alma é imortal). Corpo então pode ser pensado em dois sentidos: [1] como parte material e [2] como parte do gênero.
Como parte material de um animal, por exemplo, corpo é este osso e está carne, se considerarmos outros entes reais constituídos de corporeidade, seria esta planta, esta pedra etc. Sendo o corpo parte material da substância composta, sua forma é considerada separadamente, pois é tomado como parte de um todo, isto é, em sentido absoluto, daí dizer que este animal possuí um corpo, mas não que ele é um corpo, pelo menos não é só um corpo, mas é composto de corpo e alma; se digo que é corpo, digo apenas parte do que ele é, pois não se predica a parte do todo. Neste sentido, como disse Gardeil, podendo ser vivente ou não vivente, corpo será considerado apenas em suas três dimensões, a altura, a largura e a profundidade – aquilo que situa a matéria no espaço físico-geográfico. “Deste modo corpo será parte integral e material do animal; pois, assim, a alma estará à parte daquilo que é significado pelo nome corpo... de tal modo que o animal é constituído de ambos” .[7: O ente e a essência. §20]
Todavia, pensando em sentido geral, o corpo é tudo aquilo que sendo gênero, “pode também ser tomado de tal modo que signifique uma certa coisa que tem tal forma a partir da qual três dimensões possam ser designadas nela, qualquer que seja a forma” . Corpos então podem ser tanto viventes, como não viventes, sensitivos, como não sensitivos, racionais como irracionais, ou seja, corpo sendo gênero de animal explicita tudo o que está contido na ideia de animal – vivente, sensitivo, racional ou irracional – determinado uma constituição material, só que indeterminando as perfeições ulteriores “quer alguma perfeição ulterior possa provir dela, quer não” , no caso do animal, o princípio de vida, princípio interno de movimento, a sensibilidade, e no caso do homem, a racionalidade.[8: Idem § 21][9: O ente e a essência. §21]
Em sentido geral de corpo, considera-se, não apenas as três dimensões, mas as possíveis perfeições que possam provir da forma. As perfeições ulteriores são então, pensadas como parte constitutiva do todo, pois todo corpo possui uma forma específica, mas na noção geral de corpo elas são indeterminadas, assim como dito por Tomás: “corpo é o que tem tal forma, a partir da qual três dimensões podem ser designadas nele, quer petreidade, quer qualquer outra forma” ; disse-se “tal forma”, pois a forma não é designada, mas indeterminada. E neste sentido, como já dito, corpo pode ser pensado como gênero de animal, ou seja, que na noção de corpo está implícito tudo o que é animal, as três dimensões e as perfeições ulteriores provenientes da forma.[10: Idem]
O corpo enquanto corpo, isto é, considerado absolutamente matéria, possui três dimensões, sem ser considerada a sua forma, pois é tomado apenas como parte constitutiva da substância material, onde se diz que Pedro possui corpo. Enquanto o corpo, tomado como gênero de animal, é a sua tridimensionalidade e de onde possam provir as perfeições ulteriores independente da forma que venha a ter, e assim, corpo se torna predicado da coisa que possuí as características de corporeidade, desse modo é possível dizer que animal é um corpo, pois a “forma do animal está contida implicitamente na forma de corpo, na medida em que corpo é o seu gênero” .[11: Idem. ]
BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Categorias, V. Irineu Bicudo. Hypnos, ano 9 / nº 13 – 2º sem. 2004 – São Paulo.
AQUINO. Tomás de. O ente e a essência. Trad. Carlos Arthur do Nascimento. Vozes, 1995 – Petrópolis.
GARDEIL. Henri-Dominique. Iniciação à filosofia de São Tomás de Aquino. Vol. II – Psicologia e Metafísica. Paulus, 2013 – São Paulo.

Continue navegando