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INSTITUTO SÃO BOAVENTURA CURSO DE FILOSOFIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO A DISTINÇÃO ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO Aluno: André Moreira Lima Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Fernandes BRASÍLIA, 2018 INSTITUTO SÃO BOAVENTURA CURSO DE FILOSOFIA TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO A DISTINÇÃO ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO Aluno: André Moreira Lima Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Fernandes Trabalho apresentado ao Curso de Filosofia do Instituto São Boaventura como parte dos requisitos necessários para a conclusão do curso. Aluno: André Moreira Lima Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Fernandes BRASÍLIA, 2018 INSTITUTO SÃO BOAVENTURA Ata de Apresentação da Monografia A apresentação da monografia de conclusão do Curso de FILOSOFIA, feita na Aula Magna do Instituto São Boaventura ocorreu aos _____ dias do mês de _________ de dois mil e ___________, pelo aluno André Moreira Lima com o tema “A DISTINÇÃO ENTRE ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA EM TOMÁS DE AQUINO”, sob a orientação do Professor Doutor Marcos Aurélio Fernandes, sendo leitor o professor____________________________________________. Avaliação feita por: Prof. ________________________________ Orientador Nota:______ Prof. ________________________________ Leitor Nota:______ Resultado final da apresentação: _____, pelo o aluno André Moreira Lima. Brasília – DF, ___ de __________ de 2018____. _________________________ Secretariando: _________________________ AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, o Sumo Bem, que por seu amor me chamou à existência, e a estar na vida religiosa. Sou grato sempre por me capacitar em todos os momentos para a realização deste trabalho. Não poderia deixar de agradecer a Nossa Senhora, mãe de nosso Senhor e nossa, que com seu amor materno intercede sempre por mim. Senti-me muito feliz por morar estes três anos de filosofia em um convento com o título de Santa Maria dos anjos, em homenagem a nossa venerada mãe celeste. Agradeço de forma muito especial aos meus pais, Moacir e Senhorinha, sem os quais eu não poderia ter chegado até aqui. Sempre me educaram humanamente, com todo amor e dedicação, ensinando-me a ser uma pessoa de bem e a me dedicar sempre aos estudos. Também agradeço a toda a minha família e a todos que me apoiaram. Estendo estes agradecimentos à minha família religiosa franciscana. À província São Maximiliano Maria Kolbe, na pessoa do ministro provincial Frei Marcelo Veronez. Ao meu formador e guardião Frei Givaldo Domingos. Bem como os Freis Márcio Magalhães e Carlos Guimarães de Almeida, que moraram comigo e me formaram a maior parte deste período. A todos os meus amigos, desde aqueles que conheci na infância, aqueles que conheci na Igreja, até os mais recentes, por me proporcionarem momentos de conversa e descontração em meio ao ritmo acelerado de estudos. Aos meus irmãos de fraternidade do Convento e Seminário Santa Maria dos Anjos, em especial aos irmãos de turma, André Salomão, Gederson, Diogo e Thiago, que pelo companheirismo e a presença fraterna me impulsionam na caminhada religiosa e acadêmica. Também agradeço a todos que moraram comigo durante este período, incluindo alguns que já não se encontram mais na vida religiosa, que me ensinaram muito, dando-me conselhos preciosos para a elaboração deste trabalho. O agradecimento especial vai para aqueles que moraram comigo durante este último ano. Ao meu orientador, o professor Dr. Marcos Aurélio Fernandes, que com grande empenho contribuiu significativamente para minha formação, e por toda a sua disponibilidade na orientação e construção deste trabalho de conclusão de curso. Juntamente com ele agradeço a todos os professores, pela formação humana e intelectual. De modo especial àqueles que, em aula, conversa ou envio de material, contribuíram também de forma direta nesta empreitada. Por fim, a todos aqueles que, por serem numerosos, não possível citar, mas sempre acreditaram em mim e estiveram comigo através de suas orações, minha gratidão. “Pois é o Criador que nos deu e conserva o ser e exalça as energias do ser na busca do bem e na tendência ao próprio Deus” Frei Carlos Josaphat, O.P. RESUMO LIMA, André Moreira. A distinção entre essência e existência em Tomás de Aquino. Orientador: Prof. Dr. Marcos Aurélio Fernandes. Brasília: ISB, 2018. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Filosofia). Nº de páginas: 56. O presente trabalho pretende mostrar a discussão de Tomás de Aquino acerca da distinção entre essência e existência, bem como as principais críticas que o autor apresenta a esse problema, tendo em vista sua tentativa de conciliar fé e razão, visando à compreensão do mundo de modo sistemático. A metafísica é uma das grandes áreas da filosofia, muitas vezes chamada de filosofia primeira, e considerada pelo Aquinate a mais importante das ciências. A essência e a existência são compostos fundamentais dos entes criados, e nestes elas são distintas. Em Deus essência e existência coincidem, e somente nele. Essa questão da essência e do ato de ser é considerada o aspecto mais importante do pensamento metafísico desse autor, pois causou muita influência em estudiosos posteriores, e até mesmo de sua própria época. Palavras chave: Tomás de Aquino; Metafísica; Distinção; Ente; Essência; Actus essendi. ABSTRACT LIMA, André Moreira. The distinction between essence and existence in Thomas Aquinas. Advisor: Dr. Marcos Aurélio Fernandes. Brasília: ISB, 2018. Term paper of course (Bachelor's degree of Philosophy). Number of pages: 56. This study intends to present the discussion of Thomas Aquinas about the distinction between essence and existence, as well as the main criticisms that the author presents to this problem when attempting to reconcile faith and reason, aiming to understand the world in a systematic way. Metaphysics is one of the great areas of philosophy, often called first philosophy, and considered by Aquinas the most important of the sciences. Essence and existence are fundamental compounds of the created beings and are distinct among them. In God essence and existence coincide, and only in Him. This question of the essence and the act of being is considered the most important aspect of the metaphysical thought of this author, thus it influenced scholars beyond his time and even those of his own time. Keywords: Thomas Aquinas; Metaphysics; Distinction; Being; Essence; Actus essendi SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9 CAPÍTULO 1 – AS BASES DA METAFÍSICA DE TOMÁS ...................................... 11 1.1 A concepção de metafísica para Tomás: Ontologia e Teologia. .......................... 11 1.2 Primeiro Concebido. ............................................................................................. 15 1.3 Os transcendentais. ............................................................................................... 18 1.4 O ente no sentido das categorias........................................................................... 19 1.5 Substância e acidentes. ......................................................................................... 20 1.6 Composto e simples. ............................................................................................. 23 1.7 Criador e Criatura .................................................................................................25 1.8 A analogia do ser. (princípio da analogia) ............................................................ 27 CAPÍTULO 2 – A COMPREENSÃO DO SER NO TOCANTE A ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA. ................................................................................................................ 32 2.1 Forma e Matéria. (essência).................................................................................. 32 2.2 Potência e ato. (existência) ................................................................................... 36 2.3 O Actus essendi. ................................................................................................... 38 2.4 Deus como actus purus e ipsum esse subsistens .................................................. 41 CAPÍTULO 3 – A NATUREZA DESSA DISTINÇÃO ................................................ 44 3.1 Qual é a causa da distinção das coisas? ................................................................ 44 3.2 Distinção real? ...................................................................................................... 46 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 51 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 54 9 INTRODUÇÃO A filosofia Medieval constitui uma parte importante da história da filosofia, e ao longo da história isso tem sido questionado e até mesmo negado. Nos tempos hodiernos, em grande parte do ambiente acadêmico, isso foi esquecido e, por isso, enxergo a necessidade de um resgate da filosofia desse período, que ela volte a ser mais estudada e assim o seu valor continue a se reafirmar. Para empreender este trabalho, é necessário tomar como base o pensamento de um dos grandes autores desse período do pensamento filosófico. Tomás de Aquino foi um grande filósofo e teólogo cristão, dos que mais se destacou. E por isso acredito que esse resgate, esse fazer memória, esse atualizar-se pode muito bem iniciar através dele, visto também que ao longo do processo ter-se-á contato com outros grandes autores, demonstrando que não é um pensamento isolado, e sim que faz parte de um conjunto estruturado. Uma das áreas mais importantes da filosofia é a metafísica, que muitas vezes foi chamada de filosofia primeira, e busca estudar o ser enquanto ser. Desde tempos remotos, o ser humano se pergunta a respeito dos princípios fundamentais das coisas, do mundo, dele próprio. Essa questão da essência e do ato de ser pode ser considerada o aspecto mais importante do pensamento metafísico desse autor. Então se pode dizer que esse trabalho busca uma questão muito forte no que se refere à influência causada no pensamento filosófico. Tomás viveu na idade média, especificamente em um período chamado escolástica, pois aí se desenvolveram as primeiras universidades. O método de estudo vigente buscava relacionar fé e razão, tomando como base a doutrina revelada e a filosofia grega. Este trabalho tem como objetivo principal propor uma reflexão a respeito da distinção entre essência e existência no pensamento de Tomás de Aquino, e busca responder, também, se essa distinção é real ou apenas na razão. Para responder a essa questão, muitas outras são necessárias. Primeiramente é indispensável expor os conceitos-base do pensamento metafísico de Tomás de Aquino, a começar pelo que ele entende por metafísica. Depois propor a discussão sobre o significado de essência e ser para assim investigar sobre a possibilidade de uma real distinção. E por fim entender a importância da distinção entre essência e existência e discutir a forma desta distinção. 10 Essa questão é sempre atual na filosofia, e na vida em sua totalidade. O fato mais simples a ser percebido pelo ser humano é que ele existe, e que também existem outras coisas. Diretamente neste trabalho também vem a questão de Deus, visto que, para Tomás e os cristãos em geral, a existência procede de e é sustentada por Deus. É necessário que o ser humano tome consciência de que ele, assim como todos os entes criados e, portanto, finitos, vêm de um ato criador, um ato que causou o seu ser, chamado assim por Tomás de “ato de ser”. No primeiro capítulo são tratados os conceitos fundamentais que servem como alicerce do pensamento de Tomás, e sem os quais este não pode ser compreendido. Como o próprio significado de metafísica; intelecto e apreensão; os transcendentais, convertíveis ao ser; o ente; as categorias aristotélicas; substância e acidentes; ser composto e ser simples; relação entre criador e criatura e princípio da analogia. No segundo capítulo serão tratados termos e ideias que se relacionam mais especificamente com as noções básicas deste trabalho, essência e existência. Nele será tratado sobre a relação entre matéria e forma, potência e ato, o actus essendi (ato de ser) e a concepção de Deus como ato puro e ser subsistente por si mesmo. O terceiro capítulo, buscando trazer as ideias já estabelecidas nos dois anteriores, terá como centro a noção de distinção. Primeiro, buscando a ideia do próprio autor do porquê das coisas serem distintas e por fim, o modo como se dá a distinção entre essência e existência, sendo que a questão se põe basicamente na contraposição entre distinção na razão e distinção real. Estas são as ideias que buscarei explanar com mais profundidade ao longo deste trabalho. 11 CAPÍTULO 1 – AS BASES DA METAFÍSICA DE TOMÁS No início deste empreendimento, antes de entrar no cerne do trabalho, é necessário esclarecer alguns conceitos e definições, sem os quais não se pode compreender a metafísica tomista. Esse capítulo introdutório não tem cunho histórico ou biográfico, mas justamente trata das bases filosóficas do pensamento do Doutor angélico. 1.1 A concepção de metafísica para Tomás: Ontologia e Teologia. Para Tomás de Aquino, a metafísica sempre ocupou um lugar privilegiado. É o modo de conhecimento que poderia buscar mais eficazmente o sentido mais profundo das coisas, dentro do limite que o intelecto humano consegue perscrutar. Isso é muito bem colocado neste trecho da obra do dominicano Henri-Dominique Gardeil: “[...] o termo metafísica designa a parte superior da filosofia, isto é, aquela que pretende dar as razões e os princípios últimos das coisas [...]” 1 Em outro trecho ele diz: Há no homem uma tendência inata ao saber, isto é, a conhecer pelas causas, e este desejo não pode ser satisfeito senão no momento em que se atinge a causa última, aquela após a qual não há nada mais a procurar, e que se basta, portanto, a si mesma. Ciência das supremas explicações ou das primeiras causas, tal nos parece, pois, ser a metafísica que, sob este aspecto, merece propriamente o título de sabedoria. 2 Ora, se o ser humano tende por natureza a buscar conhecer-se e conhecer o que o cerca, é claro que ele não buscará isso de forma vaga, rasa; mas chegará ao ponto em que se questiona qual é o princípio básico de tudo, algo ou alguém que cria, organiza e sustenta todo este mundo, e, para Tomás, é aí que está o papel da metafísica. Uma crítica comum em relação a esta grandiosa ciência é que ela não trata de coisas concretas, palpáveis, que seria algo meramente especulativo, imaginoso, fantasioso. Seguindo a linha de pensamento que rege este trabalho, deve-se dizer que se trata exatamente do contrário dessas afirmações. O metafísico seria o mais realista de todos os pensadores, como reforça o próximo trecho: “O ser, objeto da metafísica, é eminentemente concreto. O metafísico é, no sentido pleno da palavra, o mais realista dos sábios, seja quando 1 GARDEIL, 2013, 289 2 2013, p. 292 12 considera do ponto de vista do ser a universalidade das coisas, como quando se eleva ao mais real dos objetos: os espíritospuros e Deus.”[sic] 3 É por isso que esta ciência é chamada de ontologia, pois a palavra grega on significa ente ou ser. Como será melhor explanado adiante, o termo “ente” é uma forma verbal do verbo “ser”, no infinito. Essa forma verbal seria o particípio presente, que já caiu em desuso na língua portuguesa. O ente é o que está no presente, na existência atual. Considerando o pensamento em questão, afirma-se que a mais nobre de todas as ciências, certamente deve ter o mais nobre foco de estudo; que é Deus, as coisas superiores, as coisas transcendentes, enfim, a própria existência. É aí que entra o termo “ser”. Aristóteles, filósofo da antiguidade e grande influenciador do pensamento de Tomás, afirma: “[...] ciência que considera o ser enquanto ser e as propriedades que lhe competem enquanto tal.”4 Esta afirmação encontrará morada no pensamento do Aquinate. Agora, entrando mais especificamente nos textos do Aquinate, serão apresentados alguns trechos de sua obra “Comentário à metafísica de Aristóteles”. Logo no proêmio encontram-se as três principais concepções. Vamos então à primeira: É triplo o modo como podemos, ao máximo, tratar dos entes inteligíveis. Primeiro, pela ordem do saber. De fato, as coisas, das quais o intelecto tem certeza, parecem ser as mais inteligíveis. E porque a certeza da ciência que se adquire pelo intelecto se dá mediante o conhecimento das causas, parece que o conhecimento das causas é maximamente intelectual. Por isso, aquela ciência que considera as primeiras causas maximamente parece ser reguladora das outras. 5 Neste sentido, a metafísica trata daquilo que é o máximo saber possível, investigar realidades tão fundamentais que apontar o seu limite é o mesmo que apontar o máximo que o ser humano pode conhecer. Esta ciência é a propósito das primeiras causas ou princípios, razão pela qual é denominada filosofia primeira. Prossegue o doutor angélico: “Segundo, pela comparação do intelecto com os sentidos. De fato, porque o conhecimento dos sentidos é sobre os particulares, parece que o intelecto difere dele 3 GARDEIL, 2013, P. 301. 4 Metafísica, IV, 1, 1003 a 21-22 5 Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 3. 13 porque conhece os universais.” 6 Portanto, trata-se da ciência do que é absoluto, que não pretende deixar-se confundir pelo que é perceptível sensivelmente, mas tem no intelecto o seu regente. Ao encontro disso, a passagem a seguir: [...] em qualquer ciência particular seriam considerados os entes particulares. Resta, portanto, que aqueles entes inteligíveis sejam considerados por uma ciência comum que, sendo maximamente intelectual, seja reguladora das outras. 7 Ainda como ciência do absoluto, em terceiro lugar, destaca-se esse modo de estudo por sua separação da matéria: Terceiro, pelo próprio conhecimento do intelecto. Como cada coisa tem aptidão de ser inteligível, enquanto separada da matéria, é preciso que ela trate ao máximo dos inteligíveis, que ao máximo são separados da matéria. [...] a ciência que considera essas coisas parece ser maximamente intelectual, e primeira ou senhora das demais. 8 As outras ciências buscam, de modo geral, investigar a causa mais próxima, a causa imediata. A metafísica, por outro lado, busca a causa mais distante, que possibilitou todas as outras; as causas seriam, assim, caminho para o conhecimento. Explorando outro aspecto, enquanto as outras ciências investigam os objetos particulares, a metafísica busca o mais universal de todos os objetos, o ser. As ciências, como a física, tomam como objeto aquelas coisas que têm matéria ou estão relacionadas a ela; a física, originalmente, é o estudo da natureza, do movimento. Para Aristóteles movimento é o mesmo que mudança, e distinguia alguns tipos: alteração; translação; geração e corrupção; e aumento e diminuição. Portanto, estuda o ente móvel e material. 9 A metafísica estuda justamente aquilo que é separado na matéria, que é eminente. No final do proêmio, Tomás arremata tudo isso com três nomes, que correspondem respectivamente a cada uma dessas descrições: [...] derivam-se três nomes. Diz-se ciência divina ou teologia, enquanto considera as referidas substâncias (que nunca podem existir na matéria). Metafísica, enquanto considera o ente e as coisas que são conseguintes ao ente. [...] Diz-se filosofia primeira, enquanto considera as primeiras causas das coisas. 10 6 Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 4. 7 Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 4. 8 Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 5. 9 ABBAGNANO, 2007, p. 462 10 Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 9. 14 Nas palavras do próprio Aquinate, a argumentação pela qual ele acreditava que essa ciência merecia mais honra e destaque do que qualquer outra vem da observação da sociedade. Ele afirma que, assim como os homens de grande intelecto exercem naturalmente o papel de senhores, administradores, e regem os outros, assim também a ciência que rege todas as outras deve ser ao máximo intelectual, porque estuda de modo mais elevado sobre o que é inteligível. 11 Como veremos em tópicos posteriores, para Tomás a metafísica não se separa da teologia, porque Deus não é mais um ente, mas está além dele, sendo o próprio ser. “Em definitivo, a obra de S. Tomás nos dá ao mesmo tempo uma metafísica de caráter e de ordenação puramente filosóficos, mas um pouco fragmentária e incompletamente elaborada, e uma metafísica mais orgânica e mais aprofundada, mas que tem para nós o inconveniente de estar compreendida em uma pesquisa teológica.” 12 Deve-se, pois, distinguir dois modos em que Tomás usa o termo teologia. Existe a teologia como parte da filosofia e a teologia como ciência da fé, separada da filosofia. Primeiramente como uma área da filosofia, localizada dentro da metafísica, reconhecendo que o objeto desta é o mais elevado e perfeito, superior a todos os outros e do qual eles provêm. A outra concepção de teologia é aquela ciência que parte do dado revelado e por isso é a ciência suprema, sendo a filosofia a sua auxiliar. A teologia entendida do primeiro modo é imperfeita porque não se funda na revelação da própria divindade, a sagrada escritura, chamada por Tomás de Sacra Pagina. Há, portanto, a metafísica separada, que não parte do dado revelado, mas somente dos dados da razão; e há a metafísica que busca auxiliar a teologia, refletindo sobre o Divino, sobre a revelação, uma metafísica absorvida pela teologia. Depois de entrar no próprio texto do frade dominicano para buscar compreender sua visão, esse tópico introdutório encerra-se com mais um trecho de Gardeil, que reforça a explicação, de forma bem clara, a respeito do objeto central desta ciência que é a área temática deste trabalho, o ser: Coloquemo-nos de início no plano da simples apreensão de um objeto de pensamento: esta mesa, esta folha de papel, minha mão, um sentimento de alegria de que tomo consciência, etc... vejo que tudo isto é ser e que se não o fosse a título algum, eu não teria mais nada a que ligar meu pensamento. Mesmo as negações, as privações, só se 11 Cf. Comentário à metafísica de Aristóteles, proêmio, 2. 12 GARDEIL, 2013, p. 306 15 concebem a partir de uma certa referência ao ser. Suprima-se este e não haverá mais objeto e nem, por conseguinte, pensamento. [...] É em relação ao que é, ou por outra, em relação ao ser, que julgamos: todo juízo, tanto negativo como afirmativo, é uma síntese de dois termos no ser. Nosso pensamento nos aparece ainda, na sua atividade perfectiva, como determinado ou polarizado pelo ser. A realidade é ser, e pensar é conceber o que é a realidade. Concluamos: uma vez que o ser é o objeto primitivo e o mais compreensivo do pensamento, a metafísica, que é a ciência do que é primeiro e mais universal, não poderia ter outroobjeto senão o ser. Qual é pois o conteúdo objetivo desta noção de ser, da qual acabamos de descobrir a situação privilegiada tanto no pensamento como na realidade concreta? 13 1.2 Primeiro Concebido. Para nortear a temática deste tópico, apresenta-se parte do primeiro parágrafo do opúsculo “O Ente e a Essência”, uma obra de juventude de Tomás, escrito no seu primeiro magistério na universidade de Paris. “[...] como diz Avicena no primeiro livro de sua metafísica (I,6, 72b, A), o ente e a essência são o que é concebido primeiro pelo intelecto, [...], importa dizer o que é significado pelo nome de essência e de ente, como se encontra em diversos e como está para as intenções lógicas, isto é, o gênero, a espécie e a diferença.” 14 Como as já tratadas concepções de metafísica indicam, a ideia de ente e de essência é algo primeiramente formulado no intelecto. Já que a ideia advém de Avicena, é importante trazer uma passagem desse autor que ajuda a elucidar esse ponto; essa é tirada da obra Metafísica: “O ente é a primeira impressão que incide sobre a alma” 15 O primeiro objeto do intelecto é o quid est (o que é) das coisas materiais, elas causam uma impressão no intelecto. O ente seria, neste caso, o que há de mais conhecido. A palavra ente designa uma das variações da palavra ser e, basicamente, se refere às coisas que existem ou podem ser concebidas como existentes, é aquilo que exerce o ato de ser. Existem também os chamados entes de razão, que não possuem um correspondente concreto na realidade. Eles são enquanto pensados, de modo que quando não há pensamento algum sobre eles, eles não são nada.16 Então, os entes de razão são pensamentos, somente. “Por conseguinte, o ente é o objeto próprio do intelecto; ele é, pois, o primeiro inteligível, como o som é o primeiro objeto próprio do ouvido. Logo, 13 GARDEIL, 2013, p. 310-11 14 O ente e a essência, prólogo, §1 15 AVICENA apud FERNANDES 16 Isto será melhor explicado em 2.3 16 segundo a razão, o ente tem prioridade sobre o bem.”17 O objeto primeiro do intelecto humano é a quididade da coisa material, primeiro no sentido que antes ele percebe que há uma coisa, e depois vêm todos os outros processos do conhecimento. Isso porque reconhecer o ente é da própria natureza do intelecto. O conhecimento tem início através dos sentidos e dos processos de abstração e entendimento, próprios da inteligência humana. A mesma ideia está explicitada neste trecho do medievalista francês Étienne Gilson: “Não é o ser, mas o ente o primeiro conhecido. Ele é, inclusive, conhecido antes do bem, porque, para ser bom, é preciso ser. O ente cai primeiramente no intelecto porque toda coisa é cognoscível enquanto é [...]” 18 Numa passagem anterior, o mesmo autor dá uma opinião: “Por certo, Aristóteles sabia que apenas o individual é, ou existe, mas o único modo de ser pelo qual ele poderia se tornar inteligível era a essência.” 19 O gênero é um grupo ou categoria lógica que abarca várias espécies, sendo que o ser enquanto tal não se encontra em nenhum deles. A espécie por sua vez é um conjunto de traços que permitem caracterizar, reconhecer e classificar determinado objeto em grupos; dentro do pensamento tomista, não deve ser confundida com a ideia biológica de espécie. Por outro lado, a diferença é o que constitui e define a espécie dentro do gênero, por exemplo, o termo “racional” é a diferença da espécie “homem” dentro do gênero “animal”. A diferença pode ser apenas acidental, ou específica.20 A essência é o ente enquanto passível de definição, é aquilo que dá identidade, como afirma o próximo trecho: “[...] na medida em que se diz natureza tudo aquilo que, seja como for, pode ser captado pelo intelecto, Pois, a coisa não é inteligível senão pela sua definição e sua essência; [...]” 21 Tomando uma afirmação de Avicena, Tomás acredita que é o intelecto que produz a universalidade das coisas.22 Com base nisso, ele afirma um pouco adiante: “Vemos, de fato, que as formas não são inteligíveis em ato, senão na medida em que estão separadas da matéria e de suas condições; nem se tornam inteligíveis em ato, a não ser pela capacidade da substância 17 Suma Teológica I, 5, 2, C. 18 2016, p. 457 19 Ibid., p. 69 20 Estas definições são encontradas no vocabulário da suma teológica: in suma teológica. 21 O ente e a essência, I, §5 22 Cf. O ente e a essência, III, §39 17 inteligente, na medida em que são recebidas nela e na medida em que são elaboradas por ela.” 23 Quando tomamos a palavra “humanidade”, por exemplo, o que se considera são as características do ser humano em geral, como ossos, carne; e não o que é peculiar de um ser humano individual, como esses determinados ossos, essa determinada carne. Isso se denomina matéria designada. Segue o fragmento: “Como, portanto, humanidade inclui na sua intelecção apenas aquilo a partir do que o homem tem o ser homem, fica claro que se exclui da significação a matéria designada ou que se prescinde desta.” 24 A essência é um dos significados da palavra “ser”. Por essa palavra Sto. Tomás designa o que é uma coisa, um ser, aquilo pelo qual uma coisa é o que ela é e distingue-se de qualquer outra. O que constitui sua inteligibilidade. O que irá exprimir sua definição. A inteligência não apreende uma essência senão despojando-a de seus caracteres individuais (abstração). As essências, portanto, fazem parte da realidade existente, mas não possuem realidade separada a não ser no e para o espírito que as pensa. E esta realidade está toda ordenada à existência ao menos como possível. Não existe, portanto um mundo real das essências, mas somente um mundo real dos seres existentes, dos quais cada um possui uma essência. 25 Para Tomás, mesmo aquilo que não pode ser concebido, pensado, pode ainda existir, porque o intelecto humano não compreende a existência em sua plenitude. Como será tratado adiante, aquele do qual vem o ato de existir não pode ser apreendido totalmente pela mente humana. Isso reforça a ideia do primado da existência em relação à essência. “Se a ontologia tomista de fato incorpora, como dissemos, a de Aristóteles, ela deve, com efeito, reconhecer, na estrutura de cada ser real, a presença de uma causa do ser apreensível por um conceito, e ela é a essência; mas se a ontologia tomista comporta, além disso, um esforço para ultrapassar a de Aristóteles, ao situar, para além da essência, um ato da própria essência, ela obriga a reconhecer a atualidade própria de um esse (ser) que, porque transcende a essência, transcende também o conceito.” 26 Quando falamos de intelecto e apreensão, falamos necessariamente de percepção. Ora, a primeira coisa que percebemos é que nós existimos, e existem coisas além de nós, daí a atualidade constante desse tema. Após perceber a existência, a tendência 23 O ente e a essência, IV, §46 Acerca de matéria de forma, cf. 2.1 24 O ente e a essência, II, §26 25 NICOLAS, 2001, p.81 26 GILSON, 2016, p. 133 18 natural é, logo em seguida, conhecer o máximo possível do que existe. “Conhecer, sei agora, é perceber o que é.” 27 1.3 Os transcendentais. Os transcendentais são termos conversíveis ao ser, em outras palavras, são atributos que todos aqueles que exercem o ato de ser possuem. A saber, no pensamento de Tomás, os transcendentais consistem em: uno, bom, verdadeiro; substantivando, pode-se chamar de unidade, bondade e verdade. Eles nada acrescentam ao ser em si, mas sim acrescentam uma característica de relação. Assim são definidos pelo Vocabulário da Suma Teológica: Enquanto transcendente significa aquilo que está acima, transcendental é aquilo que percorre todos os gêneros, ainda que de maneira diversa. Assim se dá com o ser e com as propriedades do ser enquanto tal (unidade, verdade, bondade), que se encontram sempre quehaja ser, em qualquer nível que seja. É nesse sentido que se opõe a relação transcendental que se encontra nas diversas categorias, do ser à relação predicamental que é uma categoria do ser distinta de todas as outras. 28 Quanto à unidade, se trata da relação consigo, que o ente é indiviso, em si completo, uma substância única. “O uno nada acrescenta ao ente, senão a negação da divisão, pois uno nada mais significa que o ente indiviso. Assim, o ente e o uno são convertíveis.” 29 Ainda outro trecho da Suma Teológica: “E temos de dizer que o uno, convertível ao ente, a este nada acrescenta; o um, porém, princípio do número, acrescenta ao ente algo que pertence ao gênero quantidade.” 30 A bondade acrescenta relação com a vontade, é o que é apetecível. “[...] é da essência do bem ser o termo do apetite, pois o bem é aquilo que todos desejam” 31 Já a concepção clássica de Tomás para é verdade é a conformação da coisa ao intelecto, pois todos os entes são passíveis de apreensão no intelecto. É claro que essa 27 GARDEIL, 2013, p. 349 28 NICOLAS, 2001, p. 101 29 Suma teológica I, 11, 1, C. 30 Ibidem. I, 11, 1, ad 1 31 Suma Contra os gentios, III,III, 2 19 apreensão não é total, mas de acordo com a capacidade do conhecedor. 32 “‘Todo ser é inteligível enquanto é ser’.” 33 Embora a verdade epistemológica seja o conceito principal ligado a este termo, também há o que se chama de verdade ontológica, que é a própria coisa. Verdadeiramente, o intelecto que apreende pode ser defeituoso, mas a coisa em si nunca estará errada em relação a ela mesma. Um conceito é mais verdadeiro quanto mais se aproxima da coisa. O próprio Aquinate afirma na sua famosa obra Suma Contra os Gentios: Além disso, embora a verdade não esteja propriamente nas coisas, mas na mente, segundo o Filósofo, todavia a coisa é dita às vezes verdadeira, enquanto provém propriamente do ato da natureza. Daí afirmar Avicena que a verdade de uma coisa é a propriedade que cada coisa tem de ser o que lhe está determinado, enquanto naturalmente é destinado a se conhecer, e enquanto incita o seu próprio conceito que está na mente divina. 34 Ainda é demonstrado, que apesar da fraqueza do intelecto para captar a verdade plena, é a ela que ele naturalmente deseja: “[...] assim como o verdadeiro é o bem do intelecto, o falso é o seu mal, segundo o Filósofo, pois naturalmente desejamos conhecer o verdadeiro, e fugimos de ser enganados pelo falso.” 35 Outra passagem acerca do uno parece mostrar a convicção que Tomás transmitia ao afirmar os transcendentais: “deve-se dizer que não há leviandade em se dizer que o ente é uno, porque uno acrescenta algo segundo a razão ao ente.” 36 Eles constituirão, como este capítulo visa expor, uma das bases da metafísica tomista. 1.4 O ente no sentido das categorias. Tomás diz que: “[...] o ente por si se diz de dois modos: de um modo que é dividido por dez gêneros; de outro modo, significando a verdade das proposições.” 37E ele diz que esse segundo modo se refere principalmente às privações e negações, e exemplifica 32 Cf. Questões discutidas sobre a verdade 33 GARDEIL, 2013, p. 373 34 Suma Contra os gentios, I, LX, 4. 35 Ibidem., I, LXI, 7 36 Suma teológica I, 11, 1, ad 3. 37 O ente e a essência, I, §3 20 citando a cegueira, porque é possível afirmar verdadeiramente que a cegueira está no olho, mas não é possível dizer que essa privação tenha alguma essência. 38 O sentido da palavra ente que interessa para este trabalho é o primeiro, pois o próprio Aquinate diz: “[...] essência deriva de ente dito do primeiro modo.” 39 Esses dez gêneros citados no parágrafo anterior são claramente as dez categorias elaboradas por Aristóteles, ao qual o próprio Tomás chama de “o Filósofo”. Tomando o texto do pai dessa classificação, encontra-se: “Cada uma das coisas ditas sem nenhuma complexão significa ou substância, ou quantidade, ou qualidade, ou relação, ou onde, ou quando, ou estar-em-uma-posição, ou ter, ou fazer ou sofrer.” 40 Estas são, pois, as dez categorias. Seguindo no mesmo fragmento, ele exemplifica: [...] substância é, por exemplo, homem, cavalo; e é quantidade, por exemplo, dois côvados, três côvados; e qualidade, por exemplo, branco e gramatical; e relação: metade, maior; e onde: no Liceu, na ágora; e quando: ontem, antes; estar em uma posição: está deitado, sentado; e ter: está calçado, está armado; e fazer: por exemplo, cortar, queimar; e sofrer: ser cortado, ser queimado.” 41 Segundo Aristóteles, todo objeto do mundo pode ser classificado nestas categorias. Então, em se tratando de essência e de existência, o ente só pode ser entendido deste modo. Em outra passagem o Doutor Angélico diz: [...] que “o ente dito do primeiro modo é o que significa a essência da coisa" E, visto que, como já se disse, o ente dito deste modo é dividido por dez gêneros, é preciso que a essência signifique algo comum a todas as naturezas, pelas quais os diversos entes são colocados em diversos gêneros e espécies, assim como a humanidade é a essência do homem e igualmente a respeito dos demais. 42 De posse deste conceito, indispensável para este tema proposto, agora pode-se seguir com outro tópico ligado diretamente a este: substância e acidentes. 1.5 Substância e acidentes. Aristóteles também fala de dois sentidos para o termo “acidente”, sendo que o que nos interessa é o seguinte: 38 Cf. O ente e a essência, I, §3 39 O ente e a essência, I, §4 40 Categorias, I, IV, 1b25 41 Ibidem, 1b29 42 O ente e a essência, I, §4 21 “São acidentes todos os atributos que pertencem a cada coisa por si mesma, mas que não entram na substância da coisa. Por exemplo, acidente neste sentido é a propriedade de um triângulo ter a soma dos ângulos iguais a dois retos. Os acidentes desse tipo podem ser eternos, enquanto os acidentes do outro tipo não podem. 43 Dentre as dez categorias, temos a substância, que é essencial, as demais são denominadas predicados acidentais ou acidentes. Os acidentes podem ser alterados sem destruir ou interferir na natureza da coisa em questão, porque é algo dito da coisa, e não a coisa em si. Neste exemplo do triângulo, vemos o caso do chamado acidente substancial. O conceito de triângulo exige essencialmente apenas que a forma geométrica tenha três lados e, consequentemente, três ângulos. O fato da soma desses ângulos ser igual a dois ângulos retos é um acidente, mas que sempre vai estar ligado a esta substância. Esses acidentes não pertencem à essência, mas estão fundados nela. Já os acidentes que habitualmente entende-se quando se usa este termo são aquelas características que pertencem a um sujeito só em determinadas situações. A cor, para usar um exemplo bem simples, é algo que não altera em nada a substância. Nas palavras do próprio Tomás: “[...] só se apresenta como extrínseco à essência ou quididade de uma coisa aquilo que não entra na sua definição, visto que a definição significa o que a coisa é. Ora, somente os acidentes de uma coisa não entram na definição.” 44 Em outro trecho, outro ponto importante a ser ressaltado sobre os acidentes, a sua dependência total em relação à substância, ou seja, que eles não se sustentam sem ela: “[...] a brancura não é subsistente por si mesma como indivíduo, mas é individualizada num sujeito subsistente.” 45 Em fragmento posterior: “[...] a substância não depende do acidente, embora o acidente dependa da substância.” 46 “Com efeito, ousía entre os gregos é o mesmo que essência entre nós, [...]” 47 Ousía significa substância, e considerando que o nosso intelecto não tem a capacidade de conhecer plenamente as coisas, como já foi dissertado, não conhecemos essa substância, então é por meio dos acidentes que nós conhecemos, denominamos e classificamos as coisas. Como é demonstrado no próximo trecho: 43 Cf. Metafísica,IV, 1025 A 30 44 Suma Contra os gentios, I, XXI, 2 45 Ibidem, I, XXI, 3 46 Ibidem, I, XXIII, 6 47 O ente e a essência, II, §15 22 De fato, também nas coisas sensíveis, as próprias diferenças essenciais nos são desconhecidas; donde serem significadas por diferenças acidentais que se originam das essenciais, assim como a causa é significada pelo seu efeito, assim como bípede é posto como diferença do homem. Ora, os acidentes próprios das substâncias imateriais nos são desconhecidos; donde as suas diferenças não poderem ser por nós significadas nem por si, nem pelas diferenças acidentais. 48 No entanto, o próprio Tomás diz que nos acidentes há essência, mas de um modo diverso, análogo podemos dizer49, e explica isso: E, visto que, como foi dito, a essência é aquilo que é significado pela definição, é preciso que tenham essência da maneira como têm definição. Ora, têm uma definição incompleta, pois não podem ser definidos a não ser que o sujeito seja posto na sua definição; e isto é assim porque não têm ser por si separado do sujeito; mas, assim como da forma e da matéria resulta o ser substancial quando se compõem, igualmente, do acidente e do sujeito resulta o ser acidental, quando o acidente advém ao sujeito. 50 Desse modo, se diz que os acidentes têm essência porque podem ser definidos. Porém, para defini-los, é necessário falar do sujeito ou substância, o que mantém a ideia de dependência. O acidente é do sujeito, pertence a ele, mesmo que não seja necessário, então sem o sujeito ele seria “acidente de nada”, e, portanto, não existiria. [...] aquilo ao qual o acidente advém é um ente completo em si, subsistente no seu ser, o qual ser precede, de fato, naturalmente o acidente que sobrevém. E, assim, o acidente sobreveniente, pela conjunção de si com aquilo ao qual advém, não causa aquele ser no qual a coisa subsiste [...] 51 “[...] qualquer coisa que possua em grau eminente a natureza que lhe é própria constitui a causa pela qual aquela natureza será atribuída a outras coisas: por exemplo, o fogo é o quente em grau máximo, porque ele é causa do calor nas outras coisas.” 52 Com base nisso, o Aquinate diz que, como a substância é aquilo que é denominado ente em sentido próprio, os acidentes são ditos entes de forma secundária, por sua relação com ela. 53 “[...] macho e fêmea são afecções próprias do animal, e não se referem à substância, mas só à matéria e ao corpo. E é por isso que do mesmo esperma, de acordo 48 O ente e a essência, V, §67 p 39 49 Cf. O ente e a essência, VI, §71 50 O ente e a essência, VI , §72 51 O ente e a essência, VI, §73 52 Metafísica, II, 993b24 53 Cf. O ente e a essência, VI, §74 23 com a modificação que venha a sofrer, deriva o macho ou a fêmea.” 54 Aqui Aristóteles trata dos acidentes que seguem a matéria, isto é, sem ela não existem. Um exemplo usado pelo próprio Aquinate é a negridão da pele de um etíope, que não tem sua razão de existir na alma, ou seja, na forma, e por isso sempre vai permanecer até depois da morte. 55 Ainda acerca disso, ele acrescenta: “E, porque cada coisa individua-se pela matéria e é colocada num gênero ou espécie pela sua forma, assim, os acidentes que se seguem à matéria são acidentes do indivíduo, de acordo com os quais, também os indivíduos da mesma espécie diferem entre si. No entanto, os acidentes que se seguem à forma são afecções próprias do gênero ou da espécie; donde se encontrarem em todos que participam da natureza do gênero ou da espécie, assim como a capacidade de rir segue-se à forma no homem, porque o riso acontece por alguma apreensão da alma do homem.” 56 “Quando assim, a aptidão é acidente inseparável; mas o complemento que advém por algum princípio que está fora da essência da coisa ou que não entra na constituição da coisa, é separável, assim como o mover-se e similares.” 57 Nesse mesmo parágrafo, Tomás dá o exemplo do ar, que tem diafaneidade, uma qualidade que permite a passagem da luz. Então essa aptidão permite que ele demonstre luminosidade a partir do contato com um corpo luminoso, que lhe é exterior. “Mesmo sendo dito em tantos significados, é evidente que o primeiro dos significados do ser é a essência, que indica a substância.” 58 Fica, então, demonstrado o conceito de substância e a relação que os acidentes estabelecem para com ela. 1.6 Composto e simples. “Com efeito, todo ente ou é simples ou é composto. O que é simples é indiviso em ato e em potência. Ao passo que o composto não tem o ser enquanto suas partes estão divididas, mas somente quando constituem e formam o próprio composto. Fica então claro: o ser de qualquer coisa consiste na indivisão.” 59 Entra-se aqui em mais uma dicotomia da filosofia Tomista, a diferença entre ente simples e ente composto. 54 Metafísica, X, 1058b21 55 O ente e a essência, VI, §76 56 O ente e a essência, VI, §77 57 O ente e a essência, VI, §78 58 Metafísica, 1028 a 13 59 Suma teológica I, 11, 1, C 24 Mais uma vez, no prólogo de O Ente e a Essência, encontra se: “Devemos receber o conhecimento do simples a partir do composto e chegar ao anterior a partir do posterior.” 60 Não deixando esquecer o porquê deste presente capítulo, mais à frente pretende-se discorrer sobre Deus, ser simples e ato puro, e compreender a essência também das criaturas; e para isso é necessário antes tratar de especificações acerca do próprio ente, pois, do contrário, não se pode traçar o itinerário proposto neste trabalho. Acerca disso, dois parágrafos subsequentes, um que afirma a pura simplicidade de Deus: “[...] em ambas há essência, mas nas simples de um modo mais verdadeiro e nobre, de acordo com o que têm também um ser mais nobre; são, com efeito, causa das que são compostas, pelo menos a substância primeira e simples que é Deus.” 61 E outro que reforça a ideia de pelo composto se caminha ao simples: “[...] como as essências daquelas substâncias nos são mais ocultas, daí devermos começar pelas essências das substâncias compostas, a fim de que, principiando pelo mais fácil, processe-se um aprendizado mais adequado.” 62 Embora também haja composição em substâncias imateriais, a facilidade de compreensão do que é composto se dá justamente, em grande maioria, pela sua passividade em serem captadas pelos sentidos. Visto que, entre as composições, uma das mais básicas é de forma e matéria.63 Como se segue: Portanto, a essência da substância composta e da substância simples diferem nisto que a essência da substância composta não é apenas a forma, mas abarca a forma e a matéria; no entanto, a essência da substância simples é apenas a forma. E a partir disto são causadas outras duas diferenças. 64 Essas duas diferenças são expostas no próximo fragmento: Uma é que a essência da substância composta pode ser significada como todo ou como parte, o que acontece por causa da designação da matéria, como foi dito. E, por isso, a essência da coisa composta não se predica, de não importa qual modo, da própria coisa composta; de fato, não se pode dizer que o homem seja sua quididade. Mas, a essência da coisa simples, que é sua forma, não pode ser significada senão como todo, visto que nada há aí, além da forma, à maneira de recipiente da 60 O ente e a essência, prólogo, §2 61 O ente e a essência, I, §8 62 O ente e a essência, I, §9 63 Acerca disso, será posteriormente discorrido em tópico próprio. 64 O ente e a essência, VI, §49 25 forma. Deste modo, de qualquer maneira que se tomar a essência da substância simples, predica-se desta. A segunda diferença é que as essências das coisas compostas, por serem recebidas na matéria designada, multiplicam-se de acordo com a divisão dela, donde acontecer que alguns sejam o mesmo em espécie e diversos em número. Mas, como a essência da simples não é recebida namatéria, não pode haver aí tal multiplicação. E, deste modo, é preciso que não se encontrem nestas substâncias vários indivíduos da mesma espécie, mas, tantas são as espécies quantos forem os indivíduos, [...] 65 Na Suma Contra os Gentios, encontra-se: “Em todo ente que não seja sua essência, quididade ou natureza é necessário haver composição.” 66 Ora, o único ente que é sua própria essência é Deus, como será tratado em tópico específico. Então disso se conclui que todas as criaturas são compostas, ainda que não possuam matéria, o que já vai conduzindo ao próximo tópico. Porém, antes disso, são necessários alguns trechos para concluir de forma clara. “Além disso, é necessário que a unidade preceda toda pluralidade. Ora, em todo composto há pluralidade. Logo, é necessário que aquele que é antes de todas as coisas – Deus – careça de toda composição.” 67 “Além disso, em qualquer gênero, uma coisa é tanto mais nobre quanto mais simples for. Por exemplo: no gênero do calor, o fogo é o mais nobre, porque não tem mescla alguma de frio. Ora, o que está colocado na suprema nobreza de todos os entes, necessita também de estar na suprema simplicidade.” 68 Neste trecho é introduzido um elemento fundamental, a ideia de causalidade, ideia essa fundante para buscar compreender a relação entre Criador e criaturas. 1.7 Criador e Criaturas Para deixar bem claro, ao contrário que alguns possam afirmar, é imprescindível na doutrina tomista e cristã que Deus criou o mundo, e o criou do nada. Não havia nenhuma matéria preexistente, nenhuma potência passiva, pois Deus não necessita disso. “[...] Deus criou todas as coisas não de sua substância, mas do nada.” 69 É uma passagem do nada para a existência, é um salto, um instante. Como é demonstrado: “[...] 65 O ente e a essência, VI, §50 66 Suma Contra os gentios, I, XXI, 1 67 Suma Contra os gentios, I, XVIII, 7 68 Suma Contra os gentios, I, XVIII, 5 69 Suma Contra os gentios, I, XVII, 4 26 entre o ser e o não-ser, que são os extremos da criação, não pode haver intermediário algum. 70 “Por isso, conhecemos sua relação com as criaturas, a saber, que é causa de todas elas, e a diferença das criaturas com relação a Deus, a saber, que Ele não é nada do que são seus efeitos. Enfim que tudo isso lhe é negado não por deficiência sua, mas em razão de sua excelência.” 71 Isso significa que não podemos dizer que “Deus é ... suas criaturas”, da mesma forma que não se pode afirmar que a causa é equivalente ou igual a seus efeitos. As criaturas são efeitos de Deus e por isso não se comparam a ele, a não ser por analogia, como será tratado no próximo tópico. “Para causar o ser, seria necessário primeiro que essa causa fosse, o que significa que, sendo o ser a única causa concebível, o ser não tem causa. Logo, ele tampouco tem começo.” 72 Outra informação já bem evidente para quem estuda o pensamento cristão, mas que é necessário ser mencionada. Que a criação deve vir de um só princípio criador, ao contrário do que afirmara, por exemplo, o maniqueísmo, que o mundo tinha um princípio bom e outro mal. Ainda que os dois fossem bons, não poderiam coexistir, pois o ser puro não tem limites, e dois infinitos não existem. Mas o que é criar? Criar é, pois, dar existência aquilo que antes não tinha, é fazer com que o nada seja alguma coisa. Assim diz Étienne Gilson: “[...] o que é criar se não causar o ser?” 73 “Se a existência é um ato constitutivo da substância real, a causa primeira das substâncias só será considerada criadora se sua eficácia atinge também, e, em certo sentido, inicialmente, o ato primeiro pelo qual a substância existe.” 74 Esta passagem diz, em outras palavras, que o criador não somente constrói as coisas, desenha, engendra, mas age no ato primeiro, isto é, faz com que elas possam existir. A existência é um influxo, um sopro divino. O criador é o único que existe por si só, e as criaturas têm uma total dependência em relação a ele. Como já dizia Agostinho de Hipona: “Existe algo, senão porque tu 70 Suma Contra os gentios, II, XIX, 2 71 Suma Teológica, I, 12, 12, C 72 GILSON, 2016, p. 30 73 GILSON, 2016, p. 93 74 Ibidem. p. 27 és?” 75 O motivo de tudo que existe é porque Deus existe antes, e criou as demais coisas em sua infinita liberdade. Por isso, a frase de Tomás: “[...] todas as coisas existem para conseguirem a semelhança divina, como seu fim último.” 76 As criaturas poderiam muito bem não existir, bastando a vontade de Deus, agora ele não tem nenhuma potência para não ser. Diz Tomás na Suma Teológica: [...] embora se conceda de alguma maneira que a criatura se assemelha a Deus, não se pode, por outro lado, e de modo nenhum, afirmar que Deus se assemelha à criatura. Pois, como explica Dionísio, “entre aqueles que são de uma mesma ordem admite-se uma mútua semelhança, não, porém, entre o efeito e a causa”. Dizemos que uma imagem se parece com o homem, mas não o contrário. Assim, também, em certo sentido, pode-se dizer que a criatura é semelhante a Deus, mas não que Deus seja semelhante à criatura. Para um aprofundamento no tema que este fragmento traz, apresenta-se o conceito de analogia. Outro ponto chave para a metafísica tomista, a ser tratado no próximo tópico. 1.8 A analogia do ser. (princípio da analogia) Existem coisas que recebem o mesmo nome por semelhança. Isso significa que um mesmo termo pode ser aplicado a coisas que não são iguais, mas possuem algo em comum, como o termo animal. A teoria da univocidade do ser busca então a unidade, fugindo da ambiguidade. A teoria da equivocidade, por outro lado, evoca justamente o sentido de ambiguidade, afirmando que o mesmo nome pode assumir significados totalmente diferentes, portanto sendo aplicado a coisas totalmente diferentes. Ora, deve-se saber que algo se predica de diversas coisas de múltiplos modos, às vezes, de fato, totalmente segundo a mesma noção e, então, se diz predicar delas univocamente, como “animal” em relação a “cavalo” e “boi”. Outras vezes, porém, segundo noções totalmente diversas e, então, diz-se delas equivocamente, como “cão” em relação à “constelação” e ao “animal”. Outras vezes, porém, segundo noções que são, em parte, diversas e, em parte, não diversas. Diversas, de fato, segundo que implicam diversas relações, unas, porém, segundo que essas relações diversas se referem a uma única e mesma coisa. E a isso se diz predicar analogamente, isto é, proporcionalmente, enquanto cada um, segundo sua relação, refere-se a algo único. 77 Aristóteles, apesar de não ser o primeiro a usar o termo analogia, fê-lo. Utilizou essa palavra no sentido de igualdade, enquanto relação, proporção. As coisas não são 75 Confissões, XI, 7. AGOSTINHO, 2017, p. 308 76 Suma Contra os gentios, III, XIX, 4 77 Comentário à metafísica de Aristóteles, IV, 1, 7) 28 iguais e por si, mas são por analogia, no sentido das relações que estabelecem entre si. 78 Para ele, a universalidade do ser se dá pela estrutura da analogia. Tomás defende a teoria ou princípio da analogia, mas não se deve esquecer que ele acreditava sim que todos possuímos em comum o ato de ser, que vem sumamente de Deus, porque para acreditar na analogia é necessário admitir um princípio unificador. Isso designa que todos os entes possuem ao menos uma coisa em comum, mas também coisas diferentes. Um conceito análogo exprime ao mesmo tempo uma identificação e uma diversidade. 79 Temos algo em comum com Deus, pois o nosso existir vem dele, e depende ininterruptamente dele, de forma que sem o influxo divino nada seríamos. A analogia do ser pode ser analogia de proporção ou de atribuição. De proporção porque cada objeto particular tem um caráter fundamental e intrínseco. O conceito da analogia reconhece que, apesar do princípio unificador, cada um tem um modo próprio de ser. É muito importanteque fique clara a diferença entre igualdade e similitude, essa última é a que corresponde a essa teoria. Diversos entes, diversas essências, manifestam-se de modos diferentes. A analogia de atribuição indica que somente o ato de ser tem o ser em si80, enquanto da substância é dita que têm ser em virtude na sua relação com esse ato de ser, o ser atual. Esse ser puro é a realidade que se chama de Deus. “O conceito de existência não é unívoco, porque a existência não é algo uniforme, que está fora da essência: toda essência tem seu próprio modo de ser existente em si mesmo.” 81 A analogia então diz que há uma série de entes, adequados em certa ordem, e na mente são unificados em um só conceito. O ser é algo sim concebido pelo intelecto, mas não é apenas isso, não é apenas uma palavra, é algo real. Então dessa forma o princípio da analogia, um dos mais importantes conceitos da metafísica tomista, é uma maneira de conduzir a Deus. Isso porque não é possível para o intelecto acessar diretamente a Deus. Nas próprias palavras do Aquinate: “Ora, não se diz que o sol e o fogo produzido por ele sejam univocamente quentes. Ademais, as formas das coisas produzidas por Deus não atingem a espécie da virtude divina, porque recebem 78 Cf. ABBAGNANO. 2007, p. 55 79 Cf. ROVIGHI, 1964, 18 80 A ser melhor explanado em 2.3 81 Non è unívoco neppure il concetto di esistenza perché l’esistenza non è qualche cosa di uniforme che si appiccichi quase dal di fuori alle essenze: ogni essenza há il suo modo di esistere commisurato a sè. (ROVIGHI, 1964, 20) Tradução Própria 29 dividida e particularmente o que em Deus é simples e universal. Vê se, pois, nenhuma coisa pode-se predicar universalmente de Deus e dos seres.” 82 Quando se diz “Deus é bom” e se diz que qualquer coisa é boa não se está falando a mesma coisa, isto porque quando se diz algo a respeito de Deus se diz essencialmente, e quando se diz das coisas, das criaturas, se diz por participação em Deus, pois só ele é verdadeiramente bondade, verdade, beleza... Um indivíduo é chamado de homem não por ser a própria humanidade, mas por fazer parte dela. 83 Outro exemplo é que se diz que o remédio é saudável, o sangue é saudável, porque eles se preferem à saúde do animal, a quem de modo próprio se predica o termo saudável. 84 Em seu Comentário à metafísica de Aristóteles85 Tomás dá o exemplo de analogia no sentido de muitos serem comparados a um. A palavra saudável é usada para se referir à dieta, medicina, urina, e animal, por exemplo. Esse predicado não é unívoco, porque apesar de haver uma relação, tendo como centro o sentido de saúde, não se usa estritamente do mesmo modo. Um se refere à atividade que conserva a saúde, outro ao modo de produzi-la, outro a um sinal dela, e outro ainda àquele que a tem. Depois de ver Tomás defendendo a analogia, agora se nota uma das suas críticas ao princípio da univocidade e da equivocidade: “Porém, se se disser que ente não é predicado unívoco, em nada isso diminui a conclusão supra, pois ente não se predica de muitos sujeitos equivocamente, mas analogamente e assim é necessário que se reduza a um só.” 86 No tópico anterior foi abordada a diferença e a distância entre o Criador e as criaturas, mas agora importa mais falar das semelhanças, porque algo não pode causar um efeito totalmente diferente se si. “Como os efeitos são mais imperfeitos que suas causas, não convêm a elas nem no nome nem na definição; todavia, é necessário encontrar entre uns e outras alguma semelhança, pois da natureza da ação nasce que o agente produza algo semelhante a si, já que todo ser produz quando está em ato.”87 82 Suma Contra os gentios, I, XXII, 1 83 Cf. Suma Contra os gentios, I, XXXI, 6 84 Suma Teológica, I, q 13, a 5, p. 295 85 Cf. IV, 1, 9 86 Suma Contra os gentios, II, XV, 1 87 Suma Contra os gentios, I, XXIX, 1 30 A mesma ideia se encontra no fragmento a seguir: Quando se trata de um agente que não coincide no gênero, seus efeitos alcançarão uma semelhança mais distante ainda com a forma do agente. Mas não de tal modo que participem segundo a mesma razão específica ou genérica, mas apenas segundo alguma analogia, assim como o ser é comum a tudo. É desta maneira que os efeitos de Deus, enquanto entes, lhe são semelhantes como ao primeiro e universal princípio de todo o ser. 88 Analogia, neste caso, significa especificamente proporção. Uma casa depois de construída não é exatamente a mesma coisa que o seu desenho, mas obedece a uma proporção. Da mesma forma, nada é como Deus, por isso nada se predica univocamente de Deus e das criaturas. 89 E como equívoco significa semelhança aleatória, sem relação, não se pode dizer que a semelhança das criaturas com Deus seja desse modo, mas pela própria vontade dele. [...] em vão predica-se um nome de uma coisa, se por tal nome dela nada entendemos. Ora, se os nomes diferem-se de Deus e das criaturas só por pura equivocidade, por meio deles não chegaríamos à intelecção de Deus, visto que só conhecemos as significações destes nomes enquanto aplicam-se às criaturas. Logo, inutilmente provar-se- ia ou dir-se-ia de Deus ser ele ente, bom, ou coisas semelhantes.” 90 A analogia não se trata de tautologia, que é quando um predicado se trata de algo já presente no sujeito, uma repetição de conceitos, redundância. A analogia não repete a mesma ideia com palavras diversas, mas acrescenta também ideias diversas, e nesse caso não se trata de simples repetição e sim de enriquecimento. Tautologia é inutilidade, e não é inútil falar de Deus por analogia, pois essa doutrina tem grande importância para buscar conhecê-lo. 91 Assim, em virtude do que foi mencionado, entende-se que a analogia é uma posição totalmente intermediária entre o equívoco e o unívoco. É da ideia de analogia que procedem os graus do ser, a diversidade e a semelhança das coisas. Depois de estabelecidos estes conceitos, básicos para entender tudo que será discorrido posteriormente sobre o pensamento de Tomás, pode-se encerrar este capítulo 88 Suma Teológica, I, q 4, a 3. 89 Suma Contra os gentios, I, XXXII, 2 90 Suma Contra os gentios, II, XXXII, 5 91 Cf. SERTILLANGES, 1951, p. 34 31 introdutório e ir adentrando no cerne da questão, buscando compreender melhor o que é essência e existência. 32 CAPÍTULO 2 – A COMPREENSÃO DO SER NO TOCANTE À ESSÊNCIA E EXISTÊNCIA Considerando que o propósito central deste trabalho é tratar sobre a essência e a existência, este capítulo apresenta alguns pontos fundamentais para se chegar a estes conceitos. Deve-se atentar primariamente ao conceito de essência como princípio de determinação dos entes, e que em quase todos eles ela funciona também como princípio de limitação, visto que dizer que um ente é algo determinado implica retirar desse ente a possibilidade de ser diversas outras coisas. De igual importância está o conceito de existência como pertencente apenas a Deus de forma própria, e às criaturas por participação. 2.1 Forma e Matéria. Existe uma teoria aristotélica, sem a qual é impossível compreender seu pensamento, chamada de hilemorfismo. Sua definição é muito simples: todos os seres corpóreos são compostos de matéria e forma. A partir destes dois termos, foram desenvolvidos muitos estudos por vários pensadores. Tomás não fica de fora dessa lista, principalmente no que se refere à essência. Para Aristóteles, a forma (eidos, em grego) mostra, além do que é visível, sensível, a verdadeira natureza da coisa “[...] é princípio e organização de uma coisa que, unido à matéria específica da coisa, forma o ‘composto’ que é aquilo a que Aristóteles atribui a realidade ontológica mais forte.” 92 O que está no intelecto são as formas. Já a matéria é o princípio físico das coisas. Ela é oque tem capacidade, possibilidade de receber determinação, que seria a forma. A chamada “matéria-prima” seria a matéria carente completamente de determinação, e é um conceito abstrato, porque não pode de fato existir matéria sem uma forma. 93 Neste tópico, começa-se a perguntar o que cada coisa é, o que a faz ser o que é, ou seja, a sua determinação, definição, delimitação, essência. Primeiramente, na Suma Contra os Gentios Tomás diz: “[...] a matéria não é a substância da coisa, pois, se o fosse, todas as formas seriam acidente, como, aliás, opinavam os filósofos da natureza. Ao contrário, a matéria é parte da substância.” 94 Desse modo, aqui se mostra 92 PELLEGRIN, 2010, p. 33 93 Ibid. p. 43 94 Suma Contra os gentios, II,LIV, 1 33 que o que determina a substância das coisas não é a matéria. Bem, é claro que a matéria separada não pode ser denominada essência, “[...] a coisa tanto é cognoscível como é classificada numa espécie ou num gênero pela sua essência; ora, nem a matéria é princípio de conhecimento, nem algo é fixado num gênero ou espécie graças a ela, mas graças àquilo que algo é em ato.” 95 Poder-se-á perguntar, então, se é a forma que é a substância, e Tomás novamente responde: “nem a forma é o ser, mas ela e o ser estão relacionados entre si por uma certa ordenação, pois a forma está para o ser como a luz para o luzir, e a brancura para o branquear.” 96 A forma, então, também não é o que é dito aquilo que é. A substância é, pois, a composição de matéria e forma, sendo que, separadas, nenhuma pode ser denominada ente. 97 O palavra grega ousía foi traduzida para o latim como essência ou como substância. Neste caso, seu significado é essência, “o que é” de um ente. É comum entre os medievais empregar substância neste sentido. Da essência de um ente faz parte a matéria e a forma que, juntas, formam a substância composta. À substância se acrescentam, então, os acidentes. Como já foi dito, a essência é aquilo que se expressa pela determinação da coisa.98 É dizer “o que é” a coisa (do latim quid est). A existência é o fato de a coisa ser (do latim quod est.) Essa determinação toma como base os conceitos de gênero e diferença, tratados no capítulo anterior. Quando se define ou descreve as substâncias, fala-se da matéria e da forma para tal, desta feita, a substância é igual ao composto, e a essência compreende matéria e forma. Não se deve de modo algum afirmar que uma ou outra seja um acréscimo, e nada que sugira que seriam acidentes, e não a própria substância. Não se deve pensar que a matéria seja a substância e a forma seja um acréscimo, ou vice-versa. Como se segue: “Não se pode, porém, dizer que a essência signifique a relação que há entre a matéria e a forma, ou algo acrescentado a estas, pois isto seria necessariamente um acidente e estranho à coisa, nem, por ela, a coisa seria conhecida – tudo o que, cabe à essência.” 99 A essência não é a relação porque a relação 95 O ente e a essência, II, §11 96 Suma Contra os gentios, II,LIV, 1 97 Cf. Et seq. 98 Tudo aquilo que é forma, ato, especificação, diferenciação até mesmo individual, pode ser denominado determinação. Determinar vem de terminar, de término, de termo. Implica um limite e simultaneamente um acabamento. (NICOLAS, 2001, p. 79) 99 O ente e a essência, II, §14 34 é um acidente, e o acidente é um acréscimo à substância, como também tratado no capítulo anterior. Voltando ao conceito de espécie, ele se refere ao indivíduo de modo indistinto, indeterminado. Tudo que está na espécie diz respeito ao indivíduo, mas sem sua identidade específica. Em outras palavras, a espécie exclui toda informação a respeito de matéria designada. Por exemplo, a humanidade é aquilo que dá ao homem tal identidade, mas não se refere àquilo que faz ele ser tal homem singular, muito menos o que faz estar na existência propriamente dita. 100 A definição de homem não se refere às características do indivíduo, como, por exemplo, à altura, mas sim às características da espécie em geral. Então, homem e humanidade se referem à mesma coisa, porém de modo distinto. “Assim sendo, resta que a noção de gênero ou de espécie caiba à essência, na medida em que é significada a modo de todo, como pelo nome de homem ou de animal, na medida em que contém implícita e indistintamente este todo que está no indivíduo.” 101 A essência pode ser entendida como o todo, o composto, que pode ser o homem, por exemplo; ou ser entendida como a parte, a forma, que seria a humanidade, neste mesmo caso. Remetendo novamente à ideia de intelecção, temos o seguinte trecho: “[...] as formas não são inteligíveis em ato, senão na medida em que estão separadas da matéria e de suas condições; nem se tornam inteligíveis em ato, a não ser pela capacidade da substância inteligente [...]” 102 Para Tomás, o princípio de individuação, o que torna um indivíduo numericamente distinto em relação aos outros, entre os entes é a matéria, não ela tomada de modo geral, mas a matéria assinalada. Matéria assinalada é a matéria sob dimensões determinadas, a matéria de um ente singular. Isto porque a matéria do meu corpo não faz parte da definição de Homem de modo geral, mas faz parte da minha definição enquanto homem. Quando se fala em “carne e ossos” se está dentro da definição de ser humano, por exemplo, e quando se fala “esta carne e estes ossos” se está na “definição” de um singular entre os humanos. 103 Definição neste caso é empregada de forma, análoga, visto que Tomás diz que ter esta carne e estes ossos faria parte da definição de Sócrates, por exemplo, se ele tivesse uma definição. Acontece que 100 Ibid., II, §26 101 Ibid., III, §33 102 Ibid., IV, §46 103 Cf. Ibid, II, §17 35 o indivíduo não pode ser por nós definido. O indivíduo nos é indefinível; é inefável. Na metafísica de Tomás, as coisas que fazem parte da mesma espécie não são idênticas; uma cadeira, por exemplo, não é idêntica a nenhuma outra, porque cada uma tem sua matéria assinalada distinta. O fragmento a seguir discorre a respeito da relação dos acidentes para com a forma e a matéria. E ressalta que alguns dizem respeito mais a uma que à outra, e que existem acidentes independentes da matéria, mas, por outro lado, não existe nenhum apartado da forma. Pois, de fato, sendo a matéria e a forma as partes da substância, assim, alguns acidentes seguem-se principalmente à forma e alguns à matéria. Ora, encontra-se alguma forma, como a alma intelectual, cujo ser não depende da matéria; mas, a matéria não tem ser senão pela forma. Donde, nos acidentes que se seguem à forma, há algo que não tem comunicação com a matéria, como é o inteligir, que não se dá por órgão corporal, [...] Há, porém, alguns dos que se seguem à forma, que têm comunicação com a matéria, como o sentir; mas, nenhum acidente segue-se à matéria sem comunicação com a forma. 104 Alguns acidentes estão ligados diretamente à matéria, como a quantidade; já a qualidade está mais diretamente ligada à forma. No caso citado, a alma, que é forma, está ligada ao inteligir, já o sentir está ligado ao corpo, mas também à alma. Não existe matéria em estado puro, informe, mas somente o que se chama de matéria informada. A forma é o ato da matéria, e o ato de ser é acrescentado ao composto não para que a substância se forme, visto que a substância já está formada; mas sim para fazer com que essa substância tenha existência. A essência é uma possibilidade, uma potência, e o ato de ser, a ser melhor tratado posteriormente, é o que realiza o que está em potência. Para concluir tudo isso, uma passagem de Tomás: De fato, quaisquer que estejam entre si de modo que um seja causa de ser do outro, aquilo que tem noção de causa pode ter ser sem o outro, mas a recíproca não é verdadeira. Ora, acontece que o relacionamento da matéria e da forma é tal quea forma dá ser à matéria e, deste modo, é impossível que haja matéria sem alguma forma; no entanto, não é impossível haver alguma forma sem matéria. De fato, a forma, por ser forma, não tem dependência para com a matéria. Mas se se encontram algumas formas, que não podem ser senão na matéria, isto lhes advém na medida em que estão distanciadas do primeiro princípio que é o ato primeiro e puro. Donde, aquelas formas, que estão próximas ao máximo do primeiro princípio, serem formas subsistentes por si, sem matéria. De fato, a forma, de acordo com a totalidade do seu gênero, 104 Ibid., VI, §75 36 não necessita da matéria, como foi dito. Tais formas são inteligências e, por isso, não é preciso que as essências ou quididades destas substâncias sejam algo de outro que a própria forma. 105 Quanto ao primeiro período, um exemplo: um homem pode existir sem ser pai, ou, sendo pai, perder o filho e continuar existindo. Um homem, enquanto filho, tem o ser a partir do pai. Mais adiante, as formas que não podem ser senão na matéria são chamadas entes corpóreos; já um exemplo de forma que pode subsistir sem a matéria é a alma intelectiva. Já o termo “inteligências”, utilizados no último período, se refere aos anjos. Outro exemplo de forma sem matéria é o caso da alma separada, quando esta subsiste sem o corpo que lhe é naturalmente destinado. Esta é uma situação extraordinária. O natural é a alma existir como forma do corpo. A morte introduz esta condição extraordinária. Na ressurreição, a alma volta a ser forma do corpo – o que ela era antes da morte. No caso dos anjos, acima citado, a forma apenas informa (perfaz) um ser, sem matéria. Assim, ser sem matéria não é uma condição extraordinária, mas o natural destes entes. Para prosseguirmos esse itinerário, será tratada de maneira específica no próximo tópico a temática de ato e potência. 2.2 Potência e ato. Os dois conceitos centrais deste tópico também são retirados do pensamento de Aristóteles. Dentre os significados de potência para ele, os principais são de potência ativa e potência passiva. A potência ativa é a capacidade de realizar algo, de causar um fato ou uma mudança. Já a potência passiva é a capacidade de sofrer alguma ação ou mudança. O fogo tem a potência ativa de queimar ou esquentar algo; já o ferro tem a potência passiva de ficar quente se for exposto ao fogo. O primeiro significado de potência é princípio de movimento ou mudança. 106 Deus não tem potência passiva e nem necessita dela, pois o mundo não tinha potência nenhuma de ser quando ainda era nada, e, no entanto, ele o criou. 105 Ibid., IV, §48 106 Cf. Metafísica, V, 12, 119 a 15-25 37 Já a noção de ato é inerente à noção de potência, e Aristóteles diz que não é necessário buscar sua definição propriamente dita, mas se satisfazer em compreender intuitivamente através da noção de potência. É a atividade de atualização de alguma coisa, mas só age sobre aquilo que tem a potência de ser, com exceção de Deus. Uma árvore tem a potência de ser cadeira, e o carpinteiro a atualiza, por exemplo. Assim como o professor não é professor em ato quando está dormindo. 107 Logo ao iniciar esse tema é necessário afirmar que a relação potência-ato é algo determinante no pensamento tomista. Como afirma Gardeil: “[...] as grandes distinções da matéria e da forma, da substância e dos acidentes, e mesmo a que nos testa estudar, da essência e da existência, aparecem como várias notáveis aplicações da distinção fundamental da potência e do ato.” 108 Dessa forma, potência e ato são princípios organizadores de toda metafísica tomista, sendo que as outras dicotomias derivam desta. Na mesma perspectiva, o próprio Tomás diz: [...] nas substâncias compostas de matéria e forma há dupla composição de ato e potência; uma, é a da própria substância, que se compõe de matéria e forma; outra, da própria substância (que já é composta) e ser, composição que também pode ser expressa assim: o que é e ser, ou o que é e pelo qual é. 109 Isto será de suma importância posteriormente, ao tratar-se a respeito do ato de ser. Então nota-se que tanto nas composições já vistas como as que virão se diz que uma é ato em relação à outra, que é potência. Destarte, “[...] a composição de ato e potência existe em um número maior de coisas do que a composição de matéria e forma.” 110 De fato, é dito que algo tem a perfeição enquanto está em ato. 111 A composição de matéria e forma só há nas substâncias corpóreas (corpos). A composição de potência e ato se encontra também nas substâncias espirituais (inteligências, espíritos). A última abrange todo o criado. Em outro trecho, Tomás diz: “[...] todo ato é por essência bom, pois não há o mal senão na potência carente de ato.” 112 Há coisas em que as potências ou aptidões estão 107 Cf. Metafísica, IX, 6, 1048a 35-1048b 5 108 GARDEIL, 2013, p. 411 109 Suma Contra os gentios, II,LIV, 3. 110 Ibid., II,LIV, 4. 111 Cf. Suma teológica, I, 4, 1, C. 112 Suma Contra os gentios, III,III, 5. Cf. Suma teológica I, 25, 1, ad 1: “[...] todo ser age enquanto está em ato” 38 presentes na própria substância, como já citado; em outras, porém, as potências devem ser classificadas como acidentes. 113 De fato, ato e potência se referem à própria existência, e em se tratando dessa relação, Tomás diz: “[...] toda forma e ato estão em potência antes de adquirirem o ser.” 114 Então, exceto Deus, que é o ato puro, como se verá posteriormente, tudo que existe em ato já foi potência. Na essência, a forma é ato e a matéria é potência. O ato é propriamente ato no ser, isto é, existência. De outro modo, potência se refere às capacidades, possibilidades. Todo homem adulto em ato já o foi em potência; em sentido contrário, outro exemplo, um homem nunca se tornará um cavalo, porque não há nele potência para tal. Desse modo, quanto aos seres finitos, ao mesmo tempo em que são ato, porque já são alguma coisa, são também potência, porque nunca são completos. O único que não tem potência é aquele que é imutável, que não pode vir a ser nada, pois já é o ato puro, Deus. Como se seguirá, o termo ser sempre se refere a um ato: “E nada tem atualidade senão enquanto é; o ser é, portanto, a atualidade de todas as coisas, até das formas.” 115 O ser é, portanto, a atualização de qualquer substância. Para encerrar, um comentário do Padre Gardeil: “Deve-se, pois, afirmar que em toda composição de ato e de potência, o ato é limitado pela potência, o que acarreta a consequência de que o ato puro será absolutamente ilimitado ou perfeito.” 116 Depois de esclarecidos estes pressupostos; já se pode tratar do tema do próximo tópico, que se refere ao ser como o ato dos atos, o ato de existir. 2.3 O Actus essendi. Tomás diz: “(...) o termo ser designa um ato.” 117 De fato, a ideia central da metafísica tomista é que o ser é “ato de ser”, ou originalmente em latim, actus essendi, também chamado simplesmente de esse. Isso significa dizer que ele é o ato dos atos, a suprema atualidade dos entes, a realidade das realidades, a efetividade das efetividades. A existência é um influxo divino, isto é, algo que só pertence a Deus e que somente ele pode conceder. Verdadeiramente, nenhuma criatura pode dar existência a algo que está 113 Cf. Suma Contra os gentios, II,VIII, 4. 114 Suma Contra os gentios, II,LIII, 6. 115 Suma Teológica. I, 4, 1, ad 3 116 2013, p. 409 117 Suma Contra os gentios, I,XXII, 4. 39 na sua mente, ou mesmo retirá-la daquilo que a tem. Fazer com que algo exista ou não, depende de Deus e somente dele. [...] o ser é o que há de mais perfeito entre todas as coisas, pois a todas se refere como ato. E nada tem atualidade senão enquanto é; o ser é, portanto, a atualidade de todas as coisas, até das formas. Por conseguinte, não se refere às coisas como o recipiente
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