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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO GESTÃO DE NEGÓCIOS São Cristóvão Agosto de 2019 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS DEPARTAMENTO DE DIREITO Cássio Roberto Uruga Oliveira Gabriela França de Oliveira Pedral Lucas Prado Menezes Carvalho Manuel Eduardo dos Santos Neto Rafael Mitidieri Simões Correia Rennan de Alcântara Menezes GESTÃO DE NEGÓCIOS Atividade solicitada pela professora Clara Angélica Gonçalves Cavalcanti Dias como requisito parcial para aprovação na disciplina Direito dos Contratos – Turma 02 – do período 2019.1 desta universidade. São Cristóvão Agosto de 2019 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 4 2. ORIGEM DO INSTITUTO NO DIREITO ROMANO ............................................................................ 5 3. CONCEITOS E ELEMENTOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS ............................................................... 8 3.1. CONCEITOS DE GESTÃO DE NEGÓCIOS ................................................................................ 8 3.2. ELEMENTOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS ............................................................................. 10 4. PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES LEGAIS ............................................................................................... 12 5. EFEITOS JURÍDICOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS ......................................................................... 19 5.1. OBRIGAÇÕES DO GESTOR DO NEGÓCIO ............................................................................. 19 5.2. OBRIGAÇÕES DO DONO DO NEGÓCIO ................................................................................ 21 5.3. EFEITOS DA RATIFICAÇÃO DA GESTÃO .............................................................................. 21 6. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ........................................................................................ 22 7. CONCLUSÕES ................................................................................................................................ 25 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 26 4 1. INTRODUÇÃO Em algumas situações do cotidiano, a solidariedade pregada pela Constituição Federal impõe a necessidade de intromissão nos negócios de terceiros, mesmo sem autorização específica para tanto, para que se evite prejuízos ao dono do negócio. Esta situação pode ser verificada quando uma pessoa contrata um caminhão pipa para conter um incêndio em uma fazenda vizinha a sua, ou quando uma pessoa, na ausência do dono do negócio, sabendo que o mesmo se encontra sem os insumos necessários para a regular produção, adquire por sua conta os insumos e mantém o negócio em funcionamento. Assim, agindo no reconhecido interesse de um terceiro, ainda que presumido, o gestor do negócio possui direito a ter os gastos efetuados em decorrência do interesse alheio ressarcidos e, desta maneira, o ato unilateral praticado gera o nascimento de uma obrigação. Portanto, temos que a gestão de negócios alheios é um ato unilateral e, ainda, é uma das fontes de obrigação prevista no ordenamento brasileiro. Além disto, é notório que o instituto em questão se assemelha, em alguns pontos, ao contrato de mandato. Por isso, torna-se tão importante compreender as bases teóricas do seu desenvolvimento e analisar em quais situações podemos aplicar um ou outro instituto civil. Partindo dessas questões norteadoras, o presente trabalho visa apresentar, de maneira sintética, o instituto da Gestão de Negócios, dando ênfase ao seu conceito e elementos formadores, além das principais disposições legais, jurisprudenciais e os efeitos jurídicos que dele decorre. 5 2. ORIGEM DO INSTITUTO NO DIREITO ROMANO A Gestão de Negócios, negotiorum gestio, possui origens no direito romano e se desenvolveu ao longo dos séculos de modo a incorporar as novas necessidades da sociedade. Devido a organização dos textos do Corpus Juris, a definição precisa do surgimento e desenvolvimento do instituto, no direito romano, é contravertida, sendo possível se estabelecer três grupos de discussões1: i) Qual a ação ou quais as ações que, de início, sancionaram a negotiorum gestio; e se a origem delas se encontra no ius civile ou no ius honorarium; ii) Quais os casos, a princípio, enquadrados na negotiorum gestio, e como esse instituto se estendeu, pouco a pouco, até tomar a configuração espelhada na forma mais conhecida; e iii) Se essa evolução se conclui no direito clássico, ou se, ao contrário, a negotiorum gestio só se delineou, como instituto autônomo, no período justinianeu. Em breve síntese, a posição dominante é a de que a negotiorum gestio surgiu como instituto do ius honorarium, limitando-se, de início, à gestão dos negotia absentis (negócio do ausente) e, pouco a pouco, durante o período clássico, foi recepcionada pelo ius civile em duas ações civis de boa-fé: a actio negotiorum gestorum directa e a actio negotiorum gestorum contraria. A caracterização da gestão de negócios no direito romano (período pós- classico e justinianeu) – onde já estava completamente distinta dos institutos do mandato e da procuração – dependia do preenchimento de alguns requisitos, conforme a lição do professor Moreira Alves2: i) Gestão do negócio alheio (negotium alienum): é um elemento objetivo que determina a necessidade do negócio ser de propriedade alheia, ou 1 ALVES (2018), p. 616 2 ALVES, Id., p.616 6 seja, não existirá gestão de negócios se o agente promover ações visando gerir negócio próprio, ainda que indiretamente resulte em proveito de terceiros (Ex.: sócios e coerdeiros); ii) Ânimo de benefício de terceiro independente do conhecimento de sua identidade (negotium uiliter coeptum): é um elemento subjetivo da gestão do negócio que permite que esta seja caracterizada quando o agente comprova que agiu com a intenção de obter, por meio dela, resultado em proveito de terceiro, independentemente, do conhecimento da identidade do proprietário do negócio (dominus negotii); iii) Atividade útil ao proprietário (negotium utiliter coeptum): se desdobra em duas acepções: a primeira, na necessidade do gestor iniciar uma atividade útil ao proprietário (e não que a gestão seja útil); já a segunda, determina que a aferição da utilidade da ação é realizada objetivamente, ou seja, que a ação seja àquela esperada por um indivíduo normal, na mesma situação e agindo em seu próprio proveito; iv) Espontaneidade da gestão: não se caracteriza a gestão de negócios quando o gestor realiza sua atividade em observância a obrigação com o dominus negotii. Importa destacar que, ficará caracterizada a gestão de negócios se o gestor realiza a interferência compelido por erro essencial, ou seja, acreditando falsamente existir obrigação objetiva. Outro ponto que gera discussões em relação ao referido instituto, no direito romano, diz respeito a gestão de negócios realizada contra a vontade do proprietário. A hipótese, conhecida como negotiorum gestio prohibente domino, encontra na doutrina especializada duas soluções: a um, acredita que o gestor possui, ao menos, uma actio utilis para reaver a controvérsia;a dois, afirma que o gestor só possui direito a actio utilis caso a proibição tenha ocorrido, dolosamente, depois do gestor ter realizado as despesas. 7 Já em relação a possibilidade da negotiorum gestio ser ratificada pelo dominus negotii, os textos romanos parecem indicar que, nesta hipótese, haveria mandato em relação ao gestor, que concedia a actio mandati para o gestor poder cobrar do dominus negotii as despesas realizadas com a negotiorum gestio. Paulo Nader3 destaca que, em Roma, a gestão de negócios foi alçada a categoria dos quase-contratos, em decorrência das suas similitudes com o contrato de mandato. Assevera o mestre que, a intromissão nos negócios alheios, sem justa causa, era uma prática condenada e, por isso, paralelamente a ação que o gestor possuía para o reembolso, existia a ação do proprietário para pleitear indenização em face dos prejuízos sofridos pela má administração do gestor. Por fim, tendo em vista apenas os pontos que guardam especial relação com a conformação atual do instituto, o professor Moreira Alves4 destaca que, embora seja um ato unilateral do gestor, a negotiorum gestio gerava obrigações para ambas as partes: o gestor e o proprietário. Devido a clareza de sua exposição, cumpre trazer à baila seu magistério: “São obrigações do negotiorum gestor: a) conduzir a termo a gestão, não podendo deter-se sequer pelo fato de ter o dominus negotii falecido; b) restituir ao dominus negotii, finda a gestão, as coisas objetos dela, bem como entregar-lhe todas as vantagens (como, por exemplo, os frutos) advindas da negotiorum gestio, cedendo-lhe as ações surgidas com a gestão; e c) ter a diligência do bonus pater familias, uma vez que ele responde até por culpa leve. São obrigações do dominus negotii: a) ressarcir o negotiorum gestor das despesas ou dos prejuízos havidos com a negotiorum gestio; e b) liberar o gestor das obrigações contraídas no interesse dele, dominus negotii.” (destaques nossos) Assim, firmes nas lições dos citados mestres, é indubitável a importância de se compreender a sistematização e o desenvolvimento do instituto no direito romano 3 NADER (2018), p. 609 4 ALVES, op. cit. p. 617-618 8 para a correta inteligência da natureza, elementos e aplicação do instituto no Direito Contemporâneo, como passaremos a analisar. 3. CONCEITOS E ELEMENTOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS A correta compreensão de qualquer instituto passa pelo entendimento do conceito e dos elementos que o compõem. Para isso, torna-se imperioso trazer os conhecimentos produzidos pela doutrina especializada para iluminar o caminho de construção da compreensão científica. 3.1. CONCEITOS DE GESTÃO DE NEGÓCIOS Neste item trataremos do conceito doutrinário da Gestão de Negócios, reservando ao item sobre as disposições legais o conceito legal do instituto. Diversos são os autores que definiram a gestão de negócios na doutrina pátria. Clóvis Beviláqua5 definiu a gestão de negócios como “a administração oficiosa de negócios alheios, feita sem procuração”. Esta definição, apesar da sintaxe simples, apresenta os elementos necessários para uma caracterização do ato de intromissão na esfera particular de outrem como Gestão de Negócios. Note que Bevilaqua salienta a alteridade do negócio, a oficiosidade de ação e a ausência do mandato, notadamente da procuração. Já para Silvio de Salvo Venosa6, a Gestão de Negócio trata-se da “intervenção de terceiro em negócio alheio, sem autorização do titular, no interesse e de acordo com a vontade presumida deste”. Nota-se que o professor Venosa substituiu a ausência de procuração pela ausência de autorização do dono do negócio em sua definição. De fato, é necessária a ausência de autorização, e não necessariamente da procuração, sob pena de restar 5 BEVILÁQUA (apud GONÇALVES, 2017, p. 778) 6 VENOSA (2017), p. 462 9 configurado o mandato tácito, espécie de contrato já abordada em outro trabalho, e não a gestão de negócios. A sua definição é precedida de uma feliz observação: “O título desse instituto diz menos do que encerra. Cuida-se, evidentemente, de “gestão de negócios alheios”. Esse ato, atividade ou conduta é unilateral em sua origem” Esta observação é de vital importância para se compreender definitivamente a diferença entre a “Gestão de Negócios” – ato unilateral de vontade, fonte de obrigação descrita no código civil – e a “Gestão dos Negócios” – técnica de administração das pessoas jurídicas por pessoas físicas. O mestre Venosa, ainda, descreve de maneira precisa o que entende por “Negócio Alheio”. Para ele, negócio alheio seria “qualquer atividade em prol da vontade presumida do dono do negócio que dê origem a obrigações, sejam atos meramente materiais, sejam atos ou negócios jurídicos7”. Assim, utilizando essa visão ampla de negócio alheio, pratica a gestão de negócios todo aquele que, presumindo a vontade do dono do negócio, atua no sentido de prover do necessário para evitar prejuízos a este, agindo como se dono fosse do negócio. É neste sentido a definição do professor Carlos Roberto Gonçalves, eis o seu magistério8: “Dá-se a gestão de negócios quando uma pessoa, sem autorização do interessado, intervém na administração de negócio alheio, dirigindo-o segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono.” Partindo desta definição, o ilustre doutrinador passa a analisar o que ele denomina de pressupostos da Gestão de Negócios e Caio Mario da Silveira, citando Orlando Gomes, chama de elementos da Gestão de Negócio. Vejamos quais são esses 7 VENOSA, id., p. 462 8 GONÇALVES (2017), p. 778 10 elementos/pressupostos e como eles são impactam no momento da identificação da Gestão de Negócios alheios. 3.2. ELEMENTOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS Os elementos ou pressupostos da Gestão de Negócios tratam das características essências que conferem a ação humana o significado jurídico do instituto. Desta maneira, utilizando a teoria dos requisitos das relações jurídicas de Pontes de Miranda, podemos incluir estes pressupostos/elementos no plano de existência da Gestão de Negócios. Diante disso, a ausência de um dos pressupostos aqui mencionados descaracteriza a ação humana como Gestão de Negócios, podendo esta interferência ser reputada ilegal (se não contiver os pressupostos de outro instituto jurídico) ou classificada como outra relação jurídica. Para a apresentação dos pressupostos da Gestão de Negócios utilizaremos as lições do professor Carlos Roberto Gonçalves, dispostas em seu livro “Direito Civil Brasileiro”9. Vejamos quais são esses requisitos: i) Intervenção em “Negócio Alheio” O termo negócio alheio, aqui, não tem a mesma significação técnica descrita alhures, mas, tão somente, que o ato praticado visa interferir na esfera privada de outrem, ou seja, que a propriedade do negócio não seja da pessoa que executou a ação. Duas observações se fazem necessárias em relação a este pressuposto: o erro quanto a propriedade não descaracteriza a Gestão de Negócios, desta maneira se o autor da ação acreditasse ser o dono do negócio, ou se ele acreditava que uma outra pessoa era o dono, per si, não tem o condão de descaracterizar o instituto em estudo; da mesma 9 GOLÇALVES, id., p. 779-781 11 maneira, o não conhecimento da identidade do real proprietário não obsta que a ação do gestor se enquadre na definição da Gestão do Negócio Alheio. ii) Ausência de autorização do dono do negócio A ausência de autorização, tácita ou expressa, do dono do negócio caracteriza a espontaneidade do gestor, elemento chave para diferenciar a Gestão de Negócios do Contrato de Locação de Serviços e do contratode Mandato. Observe que, caso o dono do negócio possua conhecimento e autorize o agente a praticar a ação, estaríamos diante ou de um contrato de Mandato Tácito (caso houvesse representação) ou de um contrato de locação de serviço (caso não haja representação). Desse pressuposto podemos inferir que a ação do gestor dever ser espontânea e improvisada, devendo o gestor atuar da mesma forma que o dono do negócio atuaria diante daquela situação. Por óbvio essa atuação em conformidade com a atuação do dono do negócio não é absoluta e determinada, devendo-se analisar, caso a caso, a adequação da ação ao comportamento esperado do homem comum. iii) Atuação no interesse e vontade presumida do “dominus” Ao ingerir nas atividades privadas de terceiros, deve o agente agir em conformidade com a vontade do dono do negócio. Como a ausência de autorização é um dos elementos da Gestão de Negócios, a vontade do dono do negócio só pode ser presumida, caso contrário estaríamos diante de uma autorização (ao menos tácita). Assim, para restar caracterizada a Gestão de Negócios, faz-se mister que a ação seja orientada a essa vontade presumida, sendo que a atuação em desconformidade com essa presunção gera responsabilidade pessoal pro gestor, como será melhor abordado em tópico posterior. 12 iv) Ação limitada a atos de natureza patrimonial Esta limitação visa impedir que, sob o pretexto altruístico, um agente interfira demasiadamente na esfera particular de outrem. Desta maneira, ficam excluídos do âmbito do instituto os assuntos de interesse público, ou os concernentes ao estado civil ou, ainda, aos interesses familiares. Cumpre destacar que, mesmo nos negócios patrimoniais há limitações ao exercício da Gestão de Negócios. Assim, só poderão ser executados atos que possam ser executados por meio de mandatário e que não se exija mandato expresso. v) Ação motivada pela necessidade ou pela utilidade Este pressuposto informa que a ação do Gestor deve guiar-se para prover o dono do negócio de um proveito. Por este pressuposto, infere-se que a utilidade é um elemento fundamental para a caracterização da Gestão de Negócios. Assim, caso a Gestão gere proveitos para o dono do negócio, este ficará vinculado aos compromissos assumidos pelo gestor, ainda que tal fato o desagrade, ou que tenha decorrido de operações arriscadas e excedentes da mera administração. 4. PRINCIPAIS DISPOSIÇÕES LEGAIS De maneira geral, a gestão de negócios está disposta no Código Civil de 2002, no Capítulo II do Título VII, entre os artigos 861 e 875. Mas nem sempre foi assim. O Código Civil de 1916 alojou a gestão de contratos dentro Capítulo VIII, no Título V – Das várias espécies de contratos. Assim, durante a vigência deste Códex, diversos autores defendiam a classificação da Gestão de Negócios como quase contrato, espécie intermediária entre os contratos e os atos unilaterais criada no direito romano. Esse entendimento, hoje, não possui respaldo jurídico, estando pacífico a qualificação da Gestão de Negócios como ato unilateral. 13 Feita esta necessária digressão legislativa, visando situar no tempo o entendimento sobre o instituto, passemos a analisar detidamente os artigos do Título VII – Dos Atos Unilaterais, Capítulo II – Da Gestão de Negócios, do Código Civil de 2002 (Lei n.º 10.406/2002). Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar. O art. 861 do Código Civil define a Gestão de Negócios, estabelecendo os pressupostos ou elementos do instituto, já descritos em tópico anterior. Note-se que a parte final do artigo 861 estabelece a responsabilização do gestor perante o dono do negócio e, também, com os terceiros com quem contratar. Estas questões serão detalhadamente discutidas no tópico sobre os efeitos jurídicos da Gestão de Negócios, na sequência deste. Art. 862. Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abatido. Art. 863. No caso do artigo antecedente, se os prejuízos da gestão excederem o seu proveito, poderá o dono do negócio exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior, ou o indenize da diferença. Já nos artigos 862 e 863 o legislador ordinário estabeleceu a responsabilidade do gestor quando este agir em desconformidade ou com a vontade manifesta do dono do negócio, quando pela vontade presumida deste. Por estes, o Gestor responderá pelos prejuízos que causar nas suas ações manifestamente contrárias à vontade, expressa ou presumida, ainda que o ato gere benefícios parciais. Assim, a título de exemplo, será responsabilizado o agente que tenha encaminhado animal sabidamente doente terminal a um veterinário, arcando com os custos desta ação. Note-se que neste exemplo, tanto o dono do animal, quanto o terceiro 14 interveniente sabiam da condição de irrecuperabilidade do animal e que o dono não tinha o interesse no dispêndio financeiro incapaz de salvar o doente, portanto, a conduta não se amolda nos pressupostos da Gestão do Negócio. O artigo 864 dispõe sobre o dever anexo de informação, que decorre da boa- fé e da eticidade. O professor Cristiano Chaves ressalta que “como negócio unilateral, não necessita a gestão de prévio comunicado ao dono do negócio, o qual não precisa anuir preteritamente10”, sendo assim, a hipótese mais comum de aplicação da casuística seria nas situações emergenciais, que a parte final do citado artigo dispensa da espera da resposta. Observe. Art. 864. Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo. O artigo 865 dispõe sobre a necessidade de continuidade da gestão: Art. 865. Enquanto o dono não providenciar, velará o gestor pelo negócio, até o levar a cabo, esperando, se aquele falecer durante a gestão, as instruções dos herdeiros, sem se descuidar, entretanto, das medidas que o caso reclame. Desta maneira, ainda em atenção a boa-fé e a eticidade, o gestor do negócio, depois de iniciada a gestão, não pode abandoná-la, salvo se o dono do negócio tomar as providências necessárias para tanto. Art. 866. O gestor envidará toda sua diligência habitual na administração do negócio, ressarcindo ao dono o prejuízo resultante de qualquer culpa na gestão. Outra obrigação anexa e implícita, também decorrente da boa-fé, é o dever de cuidado, previsto no art. 866 do CC para a relação proveniente da Gestão de Negócio. O professor Cristiano Chaves assim comenta o citado artigo: “Por diligência habitual deve-se entender a observância de um dever médio de cuidado, não condizente, por exemplo, com a 10 FARIAS (2017), p. 755 15 diligencia habitual de um mau administrador. Mutatis mutandis, seria o agir no direito de família como um bom pai de família”. Temos que não merecem reparos ou considerações adicionais às lições do aclamado mestre. Passando ao artigo 867, nota-se que o gestor é responsável pelas substituições que se fizer por outras pessoas. O principal objetivo da norma é majorar o já citado dever de cuidado do gestor para abarcar, também, a escolha de eventual substituto. Art. 867. Se o gestor se fizer substituir por outrem, responderá pelas faltas do substituto, ainda que seja pessoa idônea, sem prejuízo da ação que a ele, ou ao dono do negócio, contra ela possa caber. Parágrafo único. Havendomais de um gestor, solidária será a sua responsabilidade. O parágrafo único do art. 867, supra, determina a responsabilidade solidária entre os gestores. Como a solidariedade não se presume, art. 265 do CC/2002, o parágrafo único do art. 867 é de extrema importância para assegurar, tanto ao dono do negócio quanto para terceiros, a responsabilização dos gestores de negócio alheio. Art. 868. O gestor responde pelo caso fortuito quando fizer operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, ou quando preterir interesse deste em proveito de interesses seus. Parágrafo único. Querendo o dono aproveitar-se da gestão, será obrigado a indenizar o gestor das despesas necessárias, que tiver feito, e dos prejuízos, que por motivo da gestão, houver sofrido. O artigo 868 do CC/2002 estabelece a responsabilidade do gestor no caso de ações arriscadas na gestão do negócio. Tomando, mais um vez, o magistério do professor Cristiano Chaves11: 11 FARIAS (2017), id., p.757 16 “O caput art. 868 veicula duas hipóteses nas quais o gestor responde civilmente de forma agravada, restando responsável ainda que no caso fortuito. São elas: a) Na prática de atos extremados. O dever de cuidado na gestão, enunciado no art. 866 supra, não contempla a prática de atos extremados, ainda que fosse usual tal conduta pelo dono do negócio. Relaciona-se a regra com o fato de na gestão o patrimônio administrado ser de outrem, importando cuidado e diligência contumaz. Somente o dono do negócio, ou pessoa autorizada para tanto – o que não é o caso do gestor – poderá arriscar o patrimônio administrando. Conforme reiteradamente afirmado, ao gestor cabe administrar, e não especular. b) Preterição dos interesses do dono do negócio em favor do gestor. Ainda por tratar-se de patrimônio alheio, não admite a legislação civilista que a gestão do dono do negócio seja preterida por benefícios ao gestor, sob pena de desconfigurar o exercício da gestão no interesse de outrem”. No mais, o parágrafo único traz a necessidade de indenização do gestor pelas despesas necessárias e prejuízos sofridos no caso de aproveitamento da gestão, ainda que resulte de ações arriscadas. Art. 869. Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão. § 1º A utilidade, ou necessidade, da despesa, apreciar-se-á não pelo resultado obtido, mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem. § 2º Vigora o disposto neste artigo, ainda quando o gestor, em erro quanto ao dono do negócio, der a outra pessoa as contas da gestão. Quando a administração do negócio pelo gestor se der de maneira útil, ou seja, de acordo com a vontade presumida do dono do negócio, nos limites da prudência, gerando benefícios, ou evitando prejuízos, gerará, para o dono do negócio, a obrigação de honrar com os compromissos firmados pelo Gestor perante terceiros, além de 17 ressarcir o Gestor pelas despesas úteis e necessárias, bem como de eventuais prejuízos sofridos pelo Gestor. Art. 870. Aplica-se a disposição do artigo antecedente, quando a gestão se proponha a acudir a prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio ou da coisa; mas a indenização ao gestor não excederá, em importância, as vantagens obtidas com a gestão. O artigo supra adiciona duas hipóteses nas quais o ressarcimento ao Gestor se torna obrigatória para o dominus. Estas hipóteses – quando o escopo da gestão visa dirimir prejuízos iminentes, ou quando a gestão gere proveitos ao dominus – decorrem do critério da utilidade, já discutido em tópico oportuno. Art. 871. Quando alguém, na ausência do indivíduo obrigado a alimentos, por ele os prestar a quem se devem, poder-lhes-á reaver do devedor a importância, ainda que este não ratifique o ato. O artigo 871 do CC/2002 consagra o princípio da proteção integral ao vulnerável na medida em que dispensa o ato de ratificação da Gestão do Negócio, pelo dominus que neste caso é o prestador de alimentos, para gerar a obrigação de ressarcir o Gestor pelo valor despendido no cumprimento da obrigação de terceiro. Esta presunção de interesse decorre da essencialidade da prestação de alimentos, sem qual o alimentado tem a sua subsistência prejudicada. Nesta situação, a necessidade do alimentando é colocada em superposição ao interesse do prestador de ter a sua esfera particular preservada contra a intromissão de um terceiro. Andou bem o legislador nesta previsão. Art. 872. Nas despesas do enterro, proporcionadas aos usos locais e à condição do falecido, feitas por terceiro, podem ser cobradas da pessoa que teria a obrigação de alimentar a que veio a falecer, ainda mesmo que esta não tenha deixado bens. Parágrafo único. Cessa o disposto neste artigo e no antecedente, em se provando que o gestor fez essas despesas com o simples intento de bem-fazer. 18 Em que pese o artigo não tratar especificamente sobre a Gestão de Negócios, uma vez que a ação não é orientada pelos pressupostos já analisados, por sua aproximação com o instituto em análise, o legislador previu a possibilidade de indenização, nos mesmos moldes da gestão de negócios, para aquele que dispensar auxílio financeiro para cobrir as despesas com enterro, nos moldes e costumes do local. Especificamente para a Gestão de Negócios, importa analisar o parágrafo único deste artigo que prevê a cessação da presunção de interesse quando ficar provado que o terceiro agiu, pura e simplesmente, com o desejo de ajudar (altruísmo). Art. 873. A ratificação pura e simples do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato. Apesar da redação simples, o artigo 873 do Códex confere a Gestão de Negócios todos os efeitos do Mandato. Há uma divergência doutrinária quanto a conversão da Gestão em Mandato, ou apenas da concessão à Gestão de Negócios dos efeitos do Mandato. Há quem, à exemplo de Maria Celina Bodin de Morais, Heloisa Helena Barbosa e Gustavo Tepedino, que defendem apenas a conversão de efeitos do mandato à Gestão de Negócios. O que parece ser a posição dominante. Art. 874. Se o dono do negócio, ou da coisa, desaprovar a gestão, considerando-a contrária aos seus interesses, vigorará o disposto nos arts. 862 e 863, salvo o estabelecido nos arts. 869 e 870. Aqui, artigo 874, o legislador consagra os efeitos lógicos da desaprovação da Gestão pelo dono do negócio. Estes efeitos já foram analisados, quando do estudo dos citados artigos. Sem novidades no particular. Art. 875. Se os negócios alheios forem conexos ao do gestor, de tal arte que se não possam gerir separadamente, haver-se-á o 19 gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus. Parágrafo único. No caso deste artigo, aquele em cujo benefício interveio o gestor só é obrigado na razão das vantagens que lograr. Por fim, o legislador previu a hipótese na qual os interesses do Gestor são conexos aos interesses do dono do negócio. Quando esses interesses não puderam ser separados, presumir-se-á o gestor e o dono do negócio como sócios, aplicando-se ao caso as disposições sobre a sociedade. 5. EFEITOS JURÍDICOS DA GESTÃO DE NEGÓCIOS Tendo por fundamento as análises já realizadas sobre a evolução histórica do instituto, as posições doutrinárias quanto ao conceito e aos pressupostos/elementos da Gestão de Negócios, além das disposições legais sobre o instituto fixadas no CódigoCivil de 2002, podemos enumerar os efeitos jurídicos da Gestão de Negócios em três grupos: as obrigações do gestor do negócio, as obrigações do dono do negócio e os efeitos jurídicos da ratificação da gestão pelo dono do negócio. Vejamos. 5.1. OBRIGAÇÕES DO GESTOR DO NEGÓCIO De acordo com as lições do professor Silvio de Salvo Venosa12 “o princípio geral determina que o gestor se conduza dentro dos moldes de mandatário, aplicando a diligência habitual do bonus pater famílias (art. 866 do CC/2002). Além deste princípio geral, o professor Carlos Roberto Gonçalves13 destaca as seguintes obrigações do Gestor do Negócio: i) Comunicar a gestão ao dono do negócio, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo. 12 VENOSA (2017), p. 464 13 GONÇALVES (2017), p.782-784 20 Recebendo a comunicação do gestor, o dono do negócio tomará uma das deliberações assim elencadas por WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO: a) desaprovará a gestão, caso em que a situação se regerá pelo art. 874 do Código Civil; b) aprová-la-á expressa ou tacitamente, caso em que a gestão se converterá em mandato expresso ou tácito; c) aprová-la-á na parte já realizada, desaprovando-a, porém, para o futuro; d) constituirá procurador, que assumirá o negócio no pé em que se achar, extinguindo-se assim a gestão; e) assumirá pessoalmente o negócio, cessando igualmente a gestão, como no caso da letra anterior. ii) Manter a Gestão iniciada até que o proprietário tome as medidas cabíveis para a retomada da gestão. Porém, há casos em que o Gestor fica dispensado de manter a Gestão, como, por exemplo, doença grave ou acidente. Outro ponto que merece destaque é em relação a morte o dono do negócio. Diferente do contrato de mandato, que é celebrado intuitu personae, a morte do dono do negócio não faz cessar a Gestão, devendo o gestor continuar com as ações necessárias enquanto aguarda instruções dos herdeiros. iii) Envidar, nesse mister, a sua diligência habitual, ressarcindo ao dono todo o prejuízo decorrente de qualquer culpa na gestão. iv) Não promover operações arriscadas, ainda que o dono costumasse fazê-las, “nem preterir interesses deste em proveito de interesses seus”, sob pena de responder pelo caso fortuito. 21 5.2. OBRIGAÇÕES DO DONO DO NEGÓCIO Já as obrigações do Dono do Negócio, podem assim ser enumeradas, segundo as lições do professor Carlos Roberto Gonçalves14: i) Indenizar o gestor das despesas necessárias e dos prejuízos que houver sofrido, mesmo que decorram de operações arriscadas. ii) Cumprir as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis, se o negócio for utilmente administrado (gestão útil), apreciando-se a utilidade não pelo resultado obtido, “mas segundo as circunstâncias da ocasião em que se fizerem”. iii) Igualmente cumprir as obrigações assumidas em seu nome e efetuar os aludidos pagamentos quando a gestão se proponha a acudir a prejuízos iminentes, ou redunde em proveito do dono do negócio, ou da coisa, pois nesses casos a utilidade decorre do próprio fato (gestão necessária); iv) Reembolsar, quando obrigado legalmente a fornecer alimentos a alguém e estiver ausente, ao gestor que prestá-los, ainda que não tenha ratificado o ato, bem como as “despesas do enterro” feitas por terceiro. 5.3. EFEITOS DA RATIFICAÇÃO DA GESTÃO Ratificação é o ato pelo qual o dono do negócio, ciente da gestão, aprova o comportamento do gestor. Existem duas espécies de ratificação: a expressa – quando o dominus aquiesce com a Gestão perpetrada – e a tácita – quando tomando conhecimento da Gestão e podendo desautorizá-la, o dominus simplesmente silencia. O professor Venosa15 destaca que “somente o dono do negócio, ou seu representante legal, ou com poderes especiais, pode ratificar a gestão. Se o dono é pessoa jurídica, a ratificação deve ser formalizada pelo órgão que a represente”. 14 GONÇALVES, id., p.784-786 15 VENOSA (2017), p. 465 22 Finalizando a análise sobre os efeitos jurídicos da Gestão de Negócios, colacionamos a doutrina do professor Carlos Roberto Gonçalves16 que de maneira didática resume os efeitos da ratificação da Gestão de Negócios: A afirmação de que a ratificação retroage ao dia do começo da gestão (“omnis ratihabitio prorsus retrotrahitur”) equivale a dizer que esta se extingue, transformando-se em mandato. Por essa razão, cessam as responsabilidades especiais que vinculam o gestor e não mais se cogitará de saber se foi útil, ou não, a gestão. É como se não tivesse havido gestão de negócios, mas apenas mandato. 6. ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS Com a entrada em vigor do novo CPC (Lei 13.105/2015), o sistema de uniformização da jurisprudência, prevista nos arts. 926 – 928 do novo código, majorou a importância da atenção aos precedentes judiciais na prática forense nacional. Diante desse cenário e valoração dos precedentes, torna-se indispensável compreender como os tribunais pátrios se posicionam acerca de determinadas questões. Em se tratando de Gestão de Negócios, temos uma farta produção jurisprudencial, como não seria producente buscar esgotar toda a produção jurisprudencial em um trabalho desta natureza, optamos por trazer alguns temas mais recorrentes, que já foram objeto de apreciação pelos tribunais pátrios. Reconhecimento dos elementos constitutivos, ou pressupostos, da Gestão de Negócios: Agravo regimental no recurso especial. Ação de prestação de contas. Gestão de negócios não caracterizada. Súmula n. 7/ST). 1- Para configurar o instituto da gestão de negócios é necessária a reunião dos seguintes elementos: administração de negócio alheio; atuação por iniciativa do gestor; inexistência de autorização por parte do dono; e, por fim, ser o negócio de um terceiro que se encontra ausente e não possui mandatário. 2 - Não caracteriza gestão de negócios a atuação de advogado nos limites das instruções dadas pelo mandante. (STJ, Ag. Reg. no REsp. n. 723.816, 4' T., rei. Min. João Otávio de Noronha, j. 13.10.2009, D] 26.10.2009) 16 GONÇALVES, op. cit., p. 787 23 É válida a interpelação extrajudicial realizada pelo Gestor de Negócios para denunciar comodato: Declaratória. Nulidade de ato jurídico. Interpelação extrajudicial para comunicar denúncia de comodato. Ato jurídico válido. Ato promovido por terceiro, alheio ao contrato de comodato. Irrelevância. Terceiro que atuou como gestor de negócios, segundo a vontade presumível do titular do direito. Art. 861 do CC. Manutenção de posse. Impossibilidade. Posse precária. Extinção do comodato a partir da interpelação extrajudicial válida, promovida por terceiro gestor de negócios. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP, Ap. n. 0041042-91.2008.8.26.06021Sorocaba, 20' Cãm. de Dir. Priv., rei. Álvaro Torres Júnior, D]e 13.09.2012) Deve se aplicar as regras previstas para a Gestão de Negócios ao caso de pessoa que se investe na condição de “síndico temporário”, sem eleição, de imóveis em condomínio: Dever de prestação de contas, em imóvel tido em condomínio, com administrador que se aponta como temporário, sem eleição, disposições estatutárias ou regulamento, que deve se reger não pela estrita aplicação das regras do condomínio edilício, mas da gestão de negócios. (TJRJ, Ap. n. 0014057-35.2007.8.19.0208 (2008.001.56780), 3' Câm. Civel, rei. Des. luiz Fernando de Carvalho, j. 15.12.2009) Dever de prestar contas do Gestor do Negócio: Ação de prestação de contas. Gestão de negócios. Primeira fase. Ainda que réu não tenha assumido o encargo de curador da autora, o seu dever, para esta primeira fase da demanda, decorredo fato de ter atuado, como ele próprio admite, como gestor de negócios em relação à irmã incapaz, nos termos do art. 861 do CC. Sentença mantida. Negado provimento. Unânime. (TJRS, Ap. Cível n. 70.015.305.618, 7' Câm. Cível, rei. Des. Maria Berenice Dias, j. 27.09.2006) Diferença entre Gestão de Negócio e mandato: Gestão de negócios. Administrador. Procurador od negotio. Comparecimento em juízo em nome próprio. Inadmissibilidade. A gestão de negócios possui analogia com o mandato, sobretudo com o mandato tácito. A diferença é que no mandato existe prévio acordo entre mandante e mandatário. Na gestão de negócios, inexiste esse ajuste prévio. (]TAIRT 106/316) Reclassificação para Gestor de Negócio do mandatário que excede os poderes do mandato: Gestão de negócios. Administradora de bens. Atos excessivos ao poder outorgado no mandato. Reconhecimento. A administradora de bens (mandatária) que excede os poderes do 24 mandato é reputada como mero gestor de negócios (exegese do art. 1.297, do CC). (li TAC, AI n. 571.954-00/5, 7ª Câm., rei. Juiz Willian Campos, j. 27.04.1999) Possibilidade de análise isolada de ações que, per si, eram suficientes para caracterizar a Gestão de Negócios – possibilidade de procedência parcial do pedido de indenização do gestor: Apelação. (...) Tio dos herdeiros que, ao realizar tal específica contratação, agiu como gestor de negócios, gestão útil e merecendo ser assim referendada, nos termos do art. 869 do CC. Gestão não proveitosa, contudo, no que se refere à ulterior contratação dos serviços relacionados à defesa criminal da herdeira que já então confessara coautoria no assassinato dos pais, tanto porque também contrária aos presumíveis interesses dos autores da herança. Sentença de improcedência da demanda parcialmente reformada, para o acolhimento, apenas, do pedido de arbitramento e cobrança de honorários referentes à primeira contratação. Julgamento do mérito da apelação verificado por maioria de votos, mediante a adoção do voto intermediário. Apelação parcialmente provida, prejudicado o agravo retido. (TJSP, Ap. cível s/ rev. n. 1.087.552.000, 25ª Câm. de Dir. Priv., rei. Ricardo Pessoa de Mello Belli, j . 07.07.2009, DJ 19.08.2009) Reconhecimento da obrigação de ressarcir o pagamento das despesas de funeral realizado por terceiro: A partir do expresso no art. 872, caput, do CC e ficando evidenciado que a autora efetuou o pagamento dos serviços relativos ao funeral da filha dos réus (...) tem o direito de ser ressarcida. A testemunha [ ... ] confirmou que a autora emprestou o valor para realização dos atos pertinentes ao funeral, sendo que o réu ( ... ) na ocasião, comprometeu-se com a autora a efetuar o pagamento até o próximo final de semana após o funeral. O pagamento de valor diretamente à funerária não afasta o direito da autora receber, integralmente, a quantia que despendeu. Irrelevante, perante à autora, o pagamento efetuado pelo recorrente à funerária, porquanto a pretensão deduzida nesta demanda tem como base a relação estabelecida entre os litigantes. Sendo os réus, independente do divórcio, pais da falecida( ... ]. ambos, em tese, tinham obrigação alimentar (arts. 872 e 1.696 do CC). Logo, há responsabilidade solidária, inexistindo razão para ocorrer individualização da condenação. Desnecessidade, no mais, em sede de Juizado Especial Cível, de se formalizar o julgamento, principalmente na instância recursai, repetindo-se argumentos apresentados n a decisão da 1·' fase (art. 46 da Lei n. 9.099/95). Recurso improvido. Proposta de decisão homologada mantida por seus próprios fundamentos. 25 (T. Rec. - RS, Rec. cível n. 71.000.560. 755, 2• T. Rec. Cível, rei. Juiz Leandro Figueira Martins, j. 20.10.2004) Equivalência entre ato ratificado do Gestor de Negócio e ato do mandatário: Monitória. Instrumento de confissão de dívida. Assinatura da funcionária do autor. Gestão de negócios. Art. 873 do CC. Ato ratificado equivale a ato praticado por meio de mandato. Ação procedente. Coação moral. Inexistência de prova. Art. 333, I, do CPC (art. 373, 1, do CPC/2015). Ônus do autor. Desconsideração de personalidade jurídica. Inaplicabilidade. Recurso não provido. (TJSP, Ap. cível c/ rev. n. 7.339.137.000, 21• Cãm. de Dir. Priv., rei. Silveira Paulilo, j. 13.05.2009, D} 29.05.2009) 7. CONCLUSÕES Diante do exposto, temos que a correta compreensão do instituto da Gestão de Negócios fornece ao operador do direito o ferramental teórico necessário para, em uma dada situação concreta, conseguir diferenciar o instituto em tela, do mandato (seja ele expresso ou tácito) e, até mesmo, da ingerência indevida na esfera privada de outrem. Desta maneira, entendendo a Gestão de Negócios como a administração de negócio alheio, não autorizada pelo interessado, realizada por altruísmo e segundo o interesse a vontade, ao menos presumida, do dono do negócio, temos que diversas são as ocasiões em que se pode atuar sob o manto de proteção do referido instituto. Cumpre destacar que, mesmo sendo um ato unilateral de vontade, a Gestão de Negócios se une a lei, aos contratos e aos atos ilícitos como fonte de obrigações e, efetivamente, as gera, tanto para o gestor quanto para o dono do negócio quando presentes todos os seus pressupostos. Por fim, destaca-se que a aplicação do instituto é relativamente sedimentada na jurisprudência nacional, o que firma as bases para a consolidação de um instituto tão importante e que vem se desenvolvendo desde o Direito Romano. 26 BIBLIOGRAFIA ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 18ª ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 2018 Coelho, Fábio Ulhoa - Curso de direito civil, volume 3 – Contratos. 5. ed. — São Paulo - Saraiva, 2012. Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro - Volume 3 - Teoria das Obrigações Contratuais e Extra Contratuais. 26. ed., São Paulo: Saraiva 2010. FARIAS, Cristiano Chaves, et. al. Código Civil para Concursos. 5ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017 NADER, Paulo. Curso de direito civil, volume 3: contratos. 9ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2018 Pereira, Caio Mario da Silva - Instituições de Direito Civil - Volume III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2014. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Contratos em Espécie. São Paulo: Editora Atlas, 17. Ed. 2017.
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