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A Colônia Juliano Moreira na década de 1940: política assistencial, exclusão e
vida social
Ana Teresa A. Venancio
Doutora em antropologia social pelo Museu Nacional (UFRJ), pesquisadora do
Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), professora e
coordenadora adjunta do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da
Saúde da COC/Fiocruz. 
Este trabalho analisa a história da Colônia Juliano Moreira (CJM), no contexto
da política assistencial à doença mental empreendida no Brasil na década de 1940 e
início dos anos 50. Utilizando como fontes registros médicos, documentos do Ministério
da Educação e Saúde, legislação e artigos e notícias em periódicos, considera como
marco temporal inicial a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) em
1941 – ao qual a CJM esteve subordinada. Busca demonstrar como, nesse período, a
assistência psiquiátrica no Brasil esteve articulada a uma política de saúde, voltada para
o planejamento e implantação de diretrizes modernizadoras de organização do próprio
Estado, incrementando-se o modelo de isolamento dos doentes mentais, ao mesmo
tempo em que produziu uma “vida social” na instituição em questão.
Do ponto de vista historiográfico investiga um período raramente estudado da
história da psiquiatria no Brasil, tendo em vista que as pesquisas sobre esse tema têm se
detido, majoritariamente, no período entre a criação do primeiro hospício brasileiro
(1852) até meados dos anos 1930 (Amarante, 1982; Carrara, 1998; Cunha, 1986; Engel,
2001; Oda, 2001; Portocarrero, 2002). Do ponto de vista analítico este trabalho discute
resultados de pesquisa que ampliam as conclusões de estudos fundamentados tanto na
perspectiva de Michel Foucault (1978; 1979) sobre a exclusão social da loucura nos
asilos e manicômios levada efeito pelo poder médico; quanto na perspectiva de Erving
Goffman (1968) sobre a despersonalização e perda dos vínculos sociais a que são
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submetidos os internos nesse tipo de instituição total. Nosso argumento é o de que, no
caso da história da Colônia Juliano Moreira na década de 1940 e início dos anos 50,
essa prática de internamento e isolamento dos pacientes, caminhou pari passu a dois
outros processos. 
Partindo da constatação de que os resultados da assistência psiquiátrica nesse
período acabaram por gerar um processo social de exclusão de indivíduos e de grupos
amplos de pessoas, queremos destacar que essa política assistencial foi também
produtora do próprio Estado brasileiro e de instituições cujas histórias são marcadas
pelas relações sociais que lá se formaram. Observar essas produções nos remete a
consideração de outros processos que estiveram articulados à conformação dessa
realidade de exclusão social. O primeiro processo foi o de construção de uma identidade
nacional pautada pelo fortalecimento de um Estado modernizador, ancorado em um
“planejamento” para a União, no qual se investiu em ações de saúde pública e, neste
contexto, nas relativas à assistência psiquiátrica. O outro processo foi o de busca de
ações terapêuticas que pudessem operar um “lidar” com a loucura a partir de diferentes
modos, e, nesta direção, sendo dispensada grande atenção para com a vida cotidiana dos
funcionários que moravam na Colônia Juliano Moreira e ali criavam suas famílias.
A assistência psiquiátrica no contexto das políticas públicas de saúde
A organização de uma política assistencial psiquiátrica nos anos 40 – no sentido
do planejamento e implantação de novas diretrizes para o problema da assistência aos
doentes mentais – esteve articulada à constituição de um Estado, ao mesmo tempo
modernizador e centralizador. Já em 1937 o Departamento Nacional de Saúde do então
Ministério da Educação e Saúde substitui o Departamento Nacional de Saúde Pública,
buscando melhorar a fiscalização e a execução das políticas de saúde pública. Por
2
contraste à área da educação, e sob a rubrica mais geral da saúde, todos os órgãos
passam a integrar o Departamento Nacional de Saúde (DNS), incluindo-se aqueles
relativos à assistência a psicopatas. O DNS seria então composto de quatro divisões:
Divisão de Saúde Pública, Divisão de Assistência Hospitalar, Divisão de Amparo à
Maternidade e à Infância e a Divisão de Assistência a Psicopatas. Esta última
produziria, a partir daquele mesmo ano, um inquérito de âmbito nacional, que tinha por
finalidade obter um diagnóstico da assistência psiquiátrica no país. Sua principal função
era encarregar-se:
"dos serviços relativos à assistência a psicopatas e à profilaxia
mental, de caráter nacional, bem como dos que, de caráter
local, sejam executados pela União, competir-lhe-á ainda
promover a cooperação da União nos serviços locais, por meio
de auxílio e da subvenção federais fiscalizando o emprego dos
recursos concedidos" (Artigo 17° da Lei n° 378 de 13 de
janeiro de 1937).
O que se observa nesse período, no campo da saúde, é um processo tanto de
centralização política quanto de descentralização no que se refere à implantação efetiva
dessas políticas, buscando uma interação entre as esferas federal, estadual e municipal
de governo. Essas novas ações seguiam as diretrizes de políticas de saúde pública que
vinham sendo discutidas internacionalmente em eventos e congressos patrocinados
principalmente pelos Estados Unidos. Entre 1930 e 1945 a Organização Pan-americana
de Saúde havia promovido várias reuniões preconizando o modelo de “centralização
normativa e descentralização executiva” (Fonseca et. al., 2005: 45), criando distritos
sanitários que compreendiam grupos de municípios. Através destes distritos é que seria
feito o controle das ações de saúde. A intenção era de instituir a fiscalização dos
municípios sob responsabilidade dos estados, garantindo hierarquicamente o controle
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federal sobre todas as instâncias, sem, entretanto, deixar de dialogar com os poderes
locais que detinham, dessa forma, alguma relevância no jogo do poder. 
João de Barros Barreto, primeiro diretor do Departamento Nacional de Saúde
(DNS), que se manteve no cargo até 1956, observava as dificuldades em controlar
devidamente as ações de saúde, passando a regulamentar as atividades relativas a essa
área por meio de uma intensificação do caráter centralizador do órgão. Em 1941 a
reforma do DNS promovida por Barros Barreto foi institucionalizada, através do
decreto-lei n°3.171 de 2 de abril, segmentando as ações de saúde segundo doenças
determinadas. A partir de então o DNS passaria a ser composto dos seguintes órgãos
específicos: Serviço Nacional de Lepra, Serviço Nacional de Malária, Serviço Nacional
de Peste, Serviço Nacional de Tuberculose, Serviço Nacional de Febre Amarela e o
Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM), o qual reunia a Divisão de Assistência
a Psicopatas (DAP) e o Serviço de Assistência a Psicopatas (SAP). O DNS ampliava
sua ação na área psiquiátrica, até então nitidamente mais centrada na atuação no Distrito
Federal. A tarefa de formulação de uma política assistencial psiquiátrica de âmbito
nacional saía fortalecida. 
O inquérito relativo a assistência psiquiátrica iniciado em 1937 daria origem,
neste contexto, à formulação do Plano Hospitalar Psiquiátrico1. O referido Plano,
intitulado como um conjunto de sugestões para a ação supletiva da União na área
psiquiátrica, mencionava a diversidade da assistência prestada nos diferentes estados
brasileiros distinguindo entre: os estados que não prestavam assistência a seus doentes
(Sergipe, Goiás e território do Acre); os que ofereciam uma assistênciarudimentar, sem
tratamento diferenciado e especializado (Mato Grosso, Espírito Santo e Piauí); os que
1. Departamento Nacional de Saúde. Plano Psiquiátrico para a União Sugestões para a Ação Supletiva
da União s/d. Centro de Pesquisa e Documentação Histórica Contemporânea da Fundacão Getúlio
Vargas (CPDOC/FGV), Río de Janeiro; Arquivo Gustavo Capanema, série Ministério da Educação e
Saúde – Saúde e Serviço Social, GCh 34.08.03 II-14. Este documento em papel timbrado do DNS ao
Ministro da Educação e Saúde, sem data, foi produzido após 1938 (pois cita legislação deste ano) e antes
de 1941 dadas as referências aos órgãos DAP e SAP, extintos em 1941. 
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prestavam alguma orientação especial, ainda que a assistência fosse considerada
bastante deficiente (Amazonas, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas e
Santa Catarina); os que ofereciam assistência especializada, mas ainda reduzida
(Paraíba, Pará, Bahia e Rio de Janeiro); os que assistiam seus doentes com base nos
métodos psiquiátricos considerados mais modernos e preocupados com a prevenção
(Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, São Paulo e Minas Gerais) (Departamento
Nacional de Saúde, s/d : 13). Como diretrizes, o Plano propunha a organização de uma
assistência psiquiátrica nacional, buscando também a reordenação dos serviços
existentes no Distrito Federal e o constrangimento do afluxo de pacientes de outros
estados para a região sudeste do Brasil, em particular o próprio Distrito Federal o qual,
por muito tempo, acolheu os então chamados doentes mentais de diferentes regiões do
país.
Tendo como principal personagem seu primeiro diretor, o médico psiquiatra
Adauto Botelho, o SNDM passaria assim a gerenciar a expansão da assistência
psiquiátrica em todo o território nacional. Ao mesmo tempo em que o decreto 8.550 de
03 de janeiro de 1946 autorizava o SNDM a realizar acordos com os Estados a fim de
expandir a assistência prestada, a gestão de Adauto Botelho (1941-1954) no SNDM,
instituía como modelo institucional o “hospital-colônia”, implantado em diferentes
estados brasileiros. Dentre os 20 estados mencionados no Plano Hospitalar Psiquiátrico,
14 deles são citados como contemplados com a construção ou ampliação de hospital-
colônia ou colônia. Para os seis outros estados (Amazonas, Pará, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Bahia e Paraná) observa-se a construção de hospitais ou de pavilhões no
interior destes (cf. Ministério, 1955). 
As propostas empreendidas pelo Plano Hospitalar Psiquiátrico, portanto,
privilegiaram como estrutura hospitalar o tipo padrão colônia, modelo institucional
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defendido desde os anos de 1910 no Brasil, como veremos. Já nesses anos 40 e 50 do
século XX o modelo colônia expandia-se nos moldes de um complexo hospital
ocupando área física considerável, afastado dos núcleos mais urbanizados e formado
por pavilhões e outras estruturas físicas assistenciais. É neste contexto que se verifica, a
partir da década de 1940 a ampliação da estrutura físico-assistencial da Colônia Juliano
Moreira, a qual acarretou também a consolidação de uma “vida social” no interior dessa
instituição. 
A Colônia Juliano Moreira: exclusão e vida social
Instalada na área de um dos mais antigos engenhos de cana de açúcar da região,
a Colônia situada em Jacarepaguá foi inaugurada em 1924, mas desde 1912, através do
decreto nº 9.748, de 31 de agosto, o governo brasileiro desapropriara o engenho,
seguindo as recomendações do Dr. João Augusto Rodrigues Caldas, de se buscar novo
espaço para as atividades de duas antigas colônias de alienados – Colônia Conde de
Mesquita e Colônia S. Bento – já consideradas em condições inadequadas. Em 1918 o
governo brasileiro libera as terras do antigo engenho e, no ano seguinte, começava a
construção da então Colônia de Psicopatas-Homens, renomeada Colônia Juliano
Moreira em 1935 (cf. Almeida, 1967). 
Em sua fundação, essa instituição fundamentava-se em dois alicerces: a
praxiterapia e a assistência hetero-familiar. Este último inspirava-se na experiência da
aldeia de Geel, na Bélgica, que desde o século XVII recebia romarias de alienados. Esta
afluência de doentes para a pequena aldeia levou a que muitos camponeses, mediante
pagamento, recebessem em suas casas os alienados e seus parentes, na época das festas
religiosas, ou passassem a cuidar dos doentes ali deixados pelas famílias até o ano
seguinte (Amarante, 1982: 52). No Brasil esse modelo da assistência hetero-familiar
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tomaria forma na colônia de Jacarepaguá, planejando-se o contato sistemático dos
doentes com pessoas normais e sadias, através da construção de casinhas higiênicas
(Moreira, 1910:19) para seus funcionários, os quais serviriam ao convívio doméstico
com os pacientes, ajudando na sua inserção numa vida social mínima. 
Mas foi na década de 1940 que a Colônia Juliano Moreira recebeu o maior
número de pacientes. A quantificação das fichas de observações indica o internamento
de 2.805 homens durante essa década, comparados aos 122 pacientes masculinos
internados na década de 1920 e aos 1.602 pacientes homens na década de 1930. Já na
segunda metade da década de 1930 a CJM passa a receber pacientes mulheres, havendo
também nos anos 40 um maior afluxo de pacientes do sexo feminino do que na década
anterior ou posterior. Os pacientes advinham em grande parte do Hospital Nacional
Psiquiátrico, herdeiro do antigo hospício e que, a essa época transferia seus pacientes,
remanescentes na Praia Vermelha, para a Colônia Juliano Moreira e para o Centro
Psiquiátrico Nacional no Engenho de Dentro.
Nesse projeto para abrigar os muitos doentes enviados para a Colônia Juliano
Moreira, a Seção de Obras do SNDM ficou encarregada da construção de novos
pavilhões, inaugurados com a presença de várias autoridades. Observa-se ao longo da
década de 1940 e início dos anos 50 a solicitação de construção de diversas unidades,
muitas delas realizadas: o Bloco Médico-Cirúrgico “Álvaro Ramos”, Pavilhão de
Tisiologia para Tuberculosos, Clínica Psico-cirúrgica Egaz Muniz, dois pavilhões para
adolescentes de ambos os sexos, dois pavilhões de admissões e reformatório para
alcoolistas, residências para o tratamento hetero-familiar e para o diretor, pavilhão da
administração, forno de incineração, novo necrotério, Núcleo Teixeira Brandão (para
mulheres), centro desportivo, entre outras.
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Em 19512 a Colônia abrigava cerca de 3.800 enfermos de ambos os sexos e tinha
como principais unidades hospitalares 4 clínicas psiquiátricas, (2 nos núcleos
masculinos “Ulysses Viana” e “Rodrigues Caldas” e 2 nos núcleos femininos “Teixeira
Brandão” e “Franco da Rocha”), Bloco Médico Cirúrgico (de clínicas especializadas), 2
Pavilhões de Tisiologia (feminino e masculino), a Pupileira e o Ambulatório de Higiene
Mental, situado fora da área física da Colônia, com endereço na então Avenida Taquara.
O Ambulatório de Higiene Mental da CJM tinha como objetivo o diagnóstico do
paciente agudo e encarregava-se da triagem dos pacientes que entravam na Colônia.
Localizado fora dos terrenos da instituição, o ambulatório produzia uma maior
proximidade da assistência psiquiátrica com os moradores das áreas vizinhas, como
indica a produção de informe publicitário para a população.
No que se refere aos recursos terapêuticos utilizados ao longo da década de
1940, a Colônia mantinha a assistência hetero-familiar e a praxiterapia, passando a
empregar a convulsoterapia (elétrica e química), o choque insulínico, o eletro-narcose e
a psicocirurgia. As principais atividadesrelativas à praxiterapia eram: lavoura de cereais
e hortaliças, pecuária e pequenas indústrias, destacando-se entre estas as de artefatos de
vime e de colchões, com cerca de 1600 doentes, “classificados em trabalho” (Algo
sobre a Colônia, 1951). Paralelamente a estas, entretanto, a Colônia começou a
desenvolver atividades voltadas para o cinema, os esportes (futebol, basquete, voleibol,
peteca, etc.), a rádio (rede de auto-falantes em toda a Colônia) e as artes aplicadas,
inclusive a pintura, com a exposição em 1950 de trabalhos de pacientes resultantes
dessa atividade. Segundo o próprio diretor da Colônia à época, Heitor Péres,
destacavam-se:
2. As informações a seguir foram coletadas de Informe Publicitário de março de 1951, intitulado “Algo
sobre a Colônia Juliano Moreira”. Documento avulso encontrado dentro do exemplar de Boletim da
Colônia Juliano Moreira, Vol. V, Nº I, 1951. (Biblioteca Nacional, Seção de Periódicos.) 
8
“os esportes, os exercícios coletivos, as recreações modernas
como o rádio e o cinema, a música desenvolvida que se faz
dentro da terapêutica ocupacional, a musicoterapia ou
meloterapia, o teatro; são ainda de grandes possibilidades
humanizadoras, a leitura, bem dirigida e bem dosada, a
biblioterapia, etc.” (Péres, 1949: 6)
Já em 1951 o Boletim da Colônia Juliano Moreira noticiava a “Instalação Definitiva do
Sistema de Amplificação Sonora e Autofalantes da CJM”, afirmando que a rádio
serviria como meio de fixação de tempo e espaço dos pacientes, não os deixando
desambientados de seu tempo. Inicialmente previsto para funcionar apenas em um
pavilhão, o serviço de rádio se estendia por toda a área da instituição, sendo considerado
como benéfico tanto para os pacientes quanto para os servidores e suas famílias. 
Além da população hospitalar, desde a fundação da Colônia estabeleceu-se em
sua área física considerável número de funcionários, cujas famílias serviam à
normalização do convívio dos doentes. A partir dos anos 40 esse ambiente se
desenvolveu em direção a vida de uma verdadeira cidade, com investimentos em vários
equipamentos coletivos e sociais. A própria instituição tinha um papel central neste
desenvolvimento. A construção de novas casas para o tratamento hetero-familiar, de
melhoria das estradas internas da Colônia e do transporte para seu acesso, que aparecem
no relatório do Serviço Nacional de Doenças Mentais de 1941 e 1945, refletem os
anseios para a comunidade que ali crescia.
Soma-se a isso a criação, pela instituição, de “órgãos auxiliares” destinados à
assistência à sua população “normal”: Escola Primária Municipal, a Cooperativa de
Consumo, o Posto de Puericultura “Maria Solange Pinto”, o Curso de Educação de
Adultos e o Clube Atlético da CJM. Desde 1946 a CJM criara também A Pequena Ação
Social, entidade de utilidade pública, subvencionada pela prefeitura do Distrito Federal.
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Sob os auspícios da direção da Colônia a Pequena Ação Social tinha por objetivos: 
 “velar pelo bem-estar dos doentes internados na Colônia
Juliano Moreira; elaborar com a direção da Colônia o amparo
e assistência aos referidos enfermos, seus filhos e suas
famílias; pugnar pela recuperação social e proteção ao
egresso da Colônia; associar-se a todos os movimentos oficiais
ou particulares, que visem à reabilitação do psicopata, em
geral; cooperar no auxílio médico-social aos servidores
Colônia Juliano Moreira e suas famílias.” (Colônia, 1954: 2)
A nova entidade era composta em sua maioria por mulheres, muitas delas esposas dos
médicos e psiquiatras da instituição, demonstrando a importância e valorização da
família nas relações sociais que conformam a história da Colônia: as famílias dos
servidores para a assistência hetero-familiar, a família dos próprios médicos para ajudar
na reinserção social do doente e na assistência aos servidores e seus familiares.. 
A “vida social” no interior da instituição também foi incrementada em 1951 com
a realização de festas religiosas, de missas nos pavilhões e na Igreja Nossa Senhora dos
Remédios, situada nas terras da CJM. Observa-se ainda a inauguração em 1954 do
Parque Infantil, que consistia numa praça com aparelhos especializados (gangorras,
voadores, balanços, deslizadores) considerados compatíveis com as chamadas modernas
técnicas dos play-grounds, visando proporcionar atividades recreativas-educacionais
para os filhos dos funcionários (cf. Colônia, 1954).
Esse panorama da instituição no início da década de 1950 nos informa, portanto,
que a implantação da Colônia voltada para a assistência hetero-familiar produzia,
juntamente com as ações assistenciais propriamente ditas, toda uma “vida social” que
incluía os funcionários, seus filhos e familiares, designados privilegiadamente como
moradores. Estimulada pelos tratamentos mais socializantes, independente do êxito dos
mesmos, observa-se a constituição e reprodução de um ambiente que buscava diluir os
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sentidos de isolamento e internamento próprios dos lugares asilares. Produzia-se uma
vida social na qual os doentes eram chamados de hóspedes, o lugar de cura dos
enfermos e de trabalho para os profissionais passava a ser também locus de moradia dos
funcionários, e onde diversos equipamentos sociais – o clube, o cinema, o rádio, a
igreja, o parque infantil, a escola – eram providenciados e mantidos pela instituição. A
Colônia Juliano Moreira passava assim a ter uma outra função social que não apenas a
do tratamento e da exclusão social decorrente do internamento prolongado dos pacientes
e do afastamento geográfico do centro urbano; contraditoriamente, ela reproduzia em
certa medida um núcleo urbano, tomando como população alvo dessa empreitada as
pessoas consideradas comuns e sadias. 
Bibliografia
Algo sobre a Colônia Juliano Moreira - Informe publicitário, março de 1951.
Documento avulso encontrado dentro do Boletim da Colônia Juliano Moreira, V
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