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APOSTILA 2

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UNIP
INSTITUIÇÕES JUDICIÁRIAS
Apostila 2 – Noções de Interpretação Jurídica
Material elaborado para servir de instrumento de apoio aos alunos do curso de “Direito” do Campus Santos da UNIP
Elaborado por: Denis Domingues Hermida
ÍNDICE
I) Estudos prévios sobre linguagem.....................................................3 - 7
II) Conceitos de direito e ciência do direito.........................................8 - 13
III) Conceito de interpretação..............................................................14 - 18
III) Finalidade do direito......................................................................19 - 23
V) As escolas de interpretação.............................................................24- 28
VI) O problema da interpretação na atualidade....................................29 - 30
		CAPÍTULO 1- ESTUDOS PRÉVIOS SOBRE LINGUAGEM
a) Introdução
			Neste início do curso de direito, um dos pontos mais importantes é tentar introduzir o aluno no mundo jurídico, fazer com que o mesmo passe a se habituar com expressões e objetos típicos do direito. É como se fôssemos ensinar matemática a um leigo, é impossível conhecer matemática sem que haja uma noção do que venha a ser “número”,”soma”,”subtração” etc.
			Portanto, nossa missão inicial é apresentar ao aluno o objeto de seu estudo, os elementos que compõem esse objeto. O bom operador do direito deve ser criativo, ter a criatividade de, trabalhando com os elementos do objeto do seu estudo(isto é, o direito), formar teses capazes de atingir os objetivos impostos pela função que exerce no mundo jurídico. Vejam que para conseguirmos êxito na exploração de determinada ciência, devemos dominar a linguagem específica dessa ciência.
b) Conhecimento e conhecimento científico
Conhecimento : Conhecimento é uma técnica para a verificação de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou a posse de uma técnica semelhante. Por “técnica de verificação” deve-se entender qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto; e por objeto deve-se entender qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade. Técnica, nesse sentido, é o uso normal de um órgão ou sentido tanto quanto a operação com instrumentos complicados de cálculo: ambos os procedimentos permitem verificações controláveis.
Não se deve presumir que tais verificações sejam infalíveis e exaustivas (ver atual conceito de idéia), i.e., que subsista uma técnica de verificação que, uma vez empregada em relação a um conhecimento “x”, torne inútil seu emprego ulterior em relação ao mesmo conhecimento, sem que este perca algo de sua validade.
A controlabilidade dos procedimentos de verificação, sejam eles grosseiros ou refinados, significa a repetibilidade de suas aplicações, de modo que um conhecimento permanece como tal só enquanto subsistir a possibilidade da verificação.
Interessante, ainda, a análise da relação entre conhecimento e saber. Segundo Abbagnamo, “saber” tem duas acepções : 
como conceito geral : qualquer técnica considerada capaz de fornecer informações sobre um objeto
- como ciência : conhecimento cuja verdade é de certo modo garantida
Sob o ângulo geral (conceito geral), o saber seria um produto do conhecimento, vez que, se esse é uma técnica de verificação de um objeto, o saber é exatamente o conjunto de dados colhidos de tal verificação.
Como ciência, o “saber” (científico) passa a ser qualificado pela garantia de “certeza” de seu conteúdo.
 Conhecimento científico: Já o “conhecimento científico” é o “conhecimento” (em seu conceito original analisado acima) qualificado pelo adjetivo “científico”.
			Adjetivo científico tem significado de garantia de “certeza” (já que ciência é o conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, a garantia da própria validade.
			Assim, conhecimento científico é : uma técnica para a verificação de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou a posse de uma técnica semelhante. Por “técnica de verificação” deve-se entender qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto; e por objeto deve-se entender qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade. Técnica, nesse sentido, é o uso normal de um órgão ou sentido tanto quanto a operação com instrumentos complicados de cálculo: ambos os procedimentos permitem verificações controláveis, sendo essa controlabilidade a garantia de certeza dos dados colhidos da verificação do objeto.
c) Signo, suporte físico, significado e significação 
 Signo é uma unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, que tem o status lógico de relação da seguinte forma : um suporte físico se associa a um significado e a uma significação : 
 O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada ou a palavra escrita. Em suma, a matéria, com natureza física,
 O significado é algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária a que se refere o suporte físico.
 A significação é a noção, idéia ou conceito suscitado pelo significado.
Assim, temos : Suporte físico Significado Significação
Para melhor compreensão, apresentemos um exemplo : 
 - L I V R O ( é o suporte físico – no caso, um conjunto de signos gráficos (letras)
- o significado do suporte físico “livro” é uma reunião de folhas impressas ou manuscritas em volume
- a significação, por sua vez, será aquilo que a palavra “livro”, a lembrança que me desperta, como, por exemplo, a imagem do livro que eu tenha lido e gostado muito 
d) Língua, linguagem e fala 
 Paulo de Barros Carvalho� apresenta as definições de linguagem, língua e fala apresentando a relação existente entre esses 3(três) entes : 
Língua : sistema de signo, em vigor numa determinada comunidade social, cumprindo o papel de instrumento de comunicação entre os seus membro, num sentido de “idioma”; é um conjunto de sinais (signos) organizados através dos quais os seres se comunicam. Cada grupo social possui a sua língua.
Exemplos : os sinais dos surdos-mudos, os desenhos em placas de trânsito, a língua escrita, a língua falada etc 
Fala : é o ato individual de seleção e atualização da língua;
Exemplo : Preciso me comunicar com alguém, então escolho a língua e a forma como farei
Linguagem : capacidade do ser humano para comunicar-ser por intermédio de signos cujo conjunto sistematizado é a língua
Em conclusão : A língua é a linguagem praticada em determinada comunidade social, enquanto que a fala é a linguagem praticada por determinado membro de uma determinada comunidade social.
e) Enunciado e proposição
			Saber a diferença entre enunciado e proposição é essencial para a diferenciação entre texto de lei e norma jurídica, como será estudado mais adiante.
			Enunciado é o resultado da atividade psicofísica de enunciação, apresentando-se como um conjunto de fonemas ou de grafonemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, forma a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser compreendida pelo destinatário, no contexto da comunicação.
			Existem palavras que freqüentemente são utilizadas como sinônimas de enunciado : sentença, oração, asserção e proposição.
			Enunciação é o ato de produção de enunciado.
			Exemplifiquemos : quando escrevo uma carta, estou realizando uma enunciação (ato físico e psicológico de escrever uma carta), sendo que a carta escrita (resultado, produto do ato de enunciação).
			Proposição é o conteúdo significativo que o enunciado exprime, isto é, aquilo que o enunciado significou para receptor do enunciado (aquele a quem foi dirigido o enunciado). 
			Exemplifiquemos:- Ato dos legisladores que redigem e aprovam um projeto de lei ( enunciação	
- Texto de lei ( enunciado
- Resultado da interpretação (juízo de valor) do jurista em relação ao texto de lei( proposição
f) Conceito e definição
Como ensina Ricardo Guibourg� : 
definir é indicar um significado para determinada palavra
conceituar é enquadrar uma palavra em um determinado significado (se duas palavras tem o mesmo significado, elas tem o mesmo conceito)
Assim, enquanto definir significa individualizar um determinado significado para uma palavra, no ato de conceituar eu agrupo palavras que se enquadram em determinado significado.
Para melhor clarearmos referida diferença, voltamos a citar Ricardo Guibourg para quem se temos um filho, escolheremos para ele um nome que soe bem, sendo que a nossa escolha não é determinada por condições próprias de nosso filho e que nos induzem a chamá-lo de João ou de Manoel, vez que um nome próprio é um produto de pura preferência.
No entanto, no mundo é possível distinguirmos infinitos indivíduos : homens, baratas, moléculas de hidrogênio, plantas, sendo óbvio que não é possível pôr nomes próprios a cada um.
 
Para evitar esse problema,agrupamos os objetos individuais em conjuntos ou classes e estabelecemos que um objeto pertencerá a uma classe determinada quando reúna tais ou quais características. Exemplificando, qualquer móvel destinado a que nos sentemos sobre ele será um “sofá” se tiver braços e será uma “cadeira” se não tiver braços. Com isto, não só criamos as palavras sofá e cadeira, como também criamos os conceitos a que estas palavras se referem. 
	Portanto, aproveitando o exemplo acima, podemos afirmar que o conceito de “cadeira” é objeto sem braços destinado a que seres humanos sentem-se. Já o conceito de “sofá” é objeto com braços destinado a que seres humanos sentem-se.
CAPÍTULO II
CONCEITOS DE DIREITO E CIÊNCIA DO DIREITO
a) Direito positivo
 O homem é um ser social, sendo a vivência em sociedade um requisito para a sua sobrevivência (Aristóteles já dizia que o homem é um “animal político”). É verdadeiro também que, como afirmou Thomas Hobbies em “O Leviatã”, “o homem é lobo do homem”. Isto é, o ser humano tem uma potência de destruição de seu próximo, gerada pela luta de interesses.
Com o objetivo de compatibilizar as duas assertivas acima, surgiu o “Estado”, que tem o objetivo de organizar a sociedade, limitando a liberdade de seus membros, com o objetivo de alcançar o “bem comum”, isto é, a felicidade de todos.
 O instrumento utilizado pelo Estado para “organizar” a sociedade é o direito, mais especificamente as normas jurídicas, que são comandos (ordens), produzidos pelo Estado, que tem em seu cerne a concessão de direitos e a determinação de obrigações, comando esse de caráter obrigatório, ante o elemento coercitivo (punitivo) nele existente.
			Como ensina Maria Helena Diniz� não se tem conseguido um conceito único de direito, não só pela variedade de elementos que apresenta, mas também porque o termo “direito” é análogo, pois ora designa a “norma”, ora a “autorização ou permissão” dada pela norma de ter ou fazer o que ela não proíbe, ora a “qualidade do justo” etc., exigindo tantas definições quantas forem as realidades que se aplica.
			E continua, o ser humano é gregário por natureza, não só pelo instinto sociável, mas também por força de sua inteligência, que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para atingir seus objetivos. O homem é essencialmente coexistência, pois não existe apenas, mas coexiste, isto é, vive necessariamente em companhia de outros indivíduos. Com isso, espontânea e até inconscientemente, é levado a formar grupos sociais: família, escola, associações esportivas, recreativa, cultural, religiosa, profissional, sociedades agrícolas, mercantil, industrial, grêmio, partido político etc.
			Em virtude disso estabelecem os indivíduos entre si “relações de coordenação, subordinação, integração e delimitação”, relações essas que não se dão sem o concomitante aparecimento de normas de organização da conduta social”.
			Como o ser humano encontra-se em estado convivencial, é levado a interagir; assim sendo, acha-se sob a influência de alguns homens e está sempre influenciando outros. E como toda interação perturba os indivíduos em comunicação recíproca, para que a sociedade possa conservar-se é preciso delimitar a atividade das pessoas que a compõem, mediante normas jurídicas.
			Temos, assim, que o direito atua sobre o comportamento humano intersubjetivo, isto é, as condutas dos seres humanos em relação a outros seres humanos, sendo o direito positivo o conjunto de normas jurídicas estabelecidas pelo poder político que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época. 
			É mediante normas que o direito pretende obter o equilíbrio social, impedindo a desordem e os delitos, procurando proteger a saúde e a moral pública, resguardando os direitos e a liberdade das pessoas.
b) Ciência do direito
			Iniciemos pela pergunta “O que é ciência ?”. É todo conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, a garantia da própria validade.
A limitação expressa das palavras “em qualquer forma ou medida” é aqui incluída para tornar a definição aplicável à ciência moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a Ciência inclui garantia absoluta de validade, sendo portanto, como conhecimento, o grau máximo de certeza
 É diferente da opinião, já que a esta falta a certeza de validade. Como conhecimento, caracteriza-se pelo grau máximo da certeza, apesar da ciência moderna não ter pretensões de certeza absoluta.
As diferentes concepções de Ciência podem ser distinguidas conforme a garantia de validade que lhes atribui. Essa garantia pode consistir : 
na demonstração : doutrina segundo a qual a ciência provê a garantia de sua validade demonstrado suas afirmações, isto é, interligando-as num sistema ou num organismo unitário no qual cada uma delas seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada, é o ideal clássico da ciência. 
na descrição : começou a formar-se com Bacon, Newton e os filósofos iluministas. Seu fundamento é a distinção baconiana entre a antecipação e interpretação da natureza : a interpretação consiste em “conduzir os homens diante dos fatos particulares e das suas ordens”
na autocorrigibilidade : concepção que reconhece, como garantia única da validade da Ciência, a sua autocorrigibilidade. Reflete uma desistência de qualquer pretensão à garantia absoluta, seja por abrir novas perspectivas ao estudo analítico dos instrumentos de pesquisa de que as ciências dispõem.
 É a filosofia uma ciência ? Inicialmente, vamos ao conceito de filosofia.
Não é fácil fixar o conceito de filosofia, ante a pluralidade de significados, sendo que conceituar a filosofia geral, sem dúvida alguma, uma tomada de posição em relação ao todo pensado em relação à palavra “filosofia”.
Entendemos filosofia assim como Descarte, segundo o qual “esta palavra significa o estudo da sabedoria, e por sabedoria não se entende somente a prudência nas coisas, mais um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem conhecer, tanto para a conduta de sua vida quanto para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”. 
Em suma, filosofia é o “processo” de busca da essência das coisas, da busca da razão primeira das coisas.
Agora, vamos ao conceito de ciência : é todo conhecimento que inclua, em qualquer forma ou medida, a garantia da própria validade. A limitação expressa das palavras “em qualquer forma ou medida” é aqui incluída para tornar a definição aplicável à ciência moderna, que não tem pretensões de absoluto. Mas, segundo o conceito tradicional, a Ciência inclui garantia absoluta de validade, sendo portanto,como conhecimento, o grau máximo de certeza
 É diferente da opinião, já que a esta falta a certeza de validade. Como conhecimento, caracteriza-se pelo grau máximo da certeza, apesar da ciência moderna não ter pretensões de certeza absoluta.
 As diferentes concepções de Ciência podem ser distinguidas conforme a garantia de validade que lhes atribui. Essa garantia pode consistir : 
na demonstração : doutrina segundo a qual a ciência provê a garantia de sua validade demonstrado suas afirmações, isto é, interligando-as num sistema ou num organismo unitário no qual cada uma delas seja necessária e nenhuma possa ser retirada, anexada ou mudada, é o ideal clássico da ciência. 
na descrição : começou a formar-se com Bacon, Newton e os filósofos iluministas. Seu fundamento é a distinção baconiana entre a antecipação e interpretação da natureza : a interpretação consiste em “conduzir os homens diante dos fatos particulares e das suas ordens”
na autocorrigibilidade : concepção que reconhece, como garantia única da validade da Ciência, a sua autocorrigibilidade. Reflete uma desistência de qualquer pretensão à garantia absoluta, seja por abrir novas perspectivas ao estudo analítico dos instrumentos de pesquisa de que as ciências dispõem.
Ora, ante o acima apontado, é possível afirmar que o “conjunto filosofia” está contido no “conjunto ciência”.
Entendemos que sim. A filosofia busca a essência das coisas através de procedimento que lhe é próprio e, se o resultado de tais procedimentos não gera uma garantia “tátil”, material, gera uma garantia de validade enquanto sistema de cognição. Isso é, a filosofia está adequada ao conceito contemporâneo da ciência, que não tem a pretensão de absolutismo das verdades, mas uma visão sistemática, autocorrigível. 
		E a ciência do direito, qual é o seu objeto ? 
Responderemos através da análise de 2(dois) pontos : a) análise do que vem a ser “direito” e “norma jurídica” b) Diferenciação entre direito positivo e ciência do direito.
b.1) Análise do que vem a ser “direito”� e “norma jurídica”
			Para a afirmação do que venha a ser o “direito”, partiremos da parte (normas jurídicas) para se chegar ao todo (direito).
			Então perguntamos, o que vem a ser “norma jurídica” ?
Na definição de Paulo de Barros Carvalho, “a norma jurídica é a significação que colhemos da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captados pelos sentidos. Vejo os símbolos lingüísticos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo idéias ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como proposição.”�
E complementa o Professor : 
“A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito(...). Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas proposições, ficarão registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos termos utilizados.
Aponta o Mestre importante analogia :
“Por analogia aos símbolos lingüísticos quaisquer, podemos dizer que o texto escrito está para a norma jurídica, tal qual o vocabulário está para sua significação. Nas duas situações, encontraremos o suporte físico que se refere a algum objeto do mundo (significado) e do qual extratamos um conceito ou juízo (significação).”
E conclui :
“... nessa estrutura triática ou trilateral, o conjunto dos textos do direito ocupa o tópico de suporte físico, repertório das significações que o jurista extrai, compondo juízos lógicos, e que se reporta ao comportamento humano, no quadro de suas relações intersubjetivas (significado).”
Se pensarmos que a norma é um juízo hipotético-condicional (se ocorrer o fato x, então deve ser a prestação Y), formado por várias noções, é fácil concluir que nem sempre um só texto (de lei, p.ex.) será suficiente para transmitir a integralidade existencial de uma norma jurídica. Às vezes, os dispositivos de um diploma definem uma, algumas, mas nem todas as noções necessárias para a integração do juízo e, ao tentar enuncia-lo verbalmente, expressando a correspondente proposição, encontramo-lo incompleto, havendo a premência de consultar outros textos do direito em vigor. “�
		Da análise do texto do Professor Paulo de Barros Carvalho em comunhão com os nossos conhecimentos de teoria geral do direito, podemos afirmar que : 
o homem é um ser social, sendo a vivência em sociedade um requisito para a sua sobrevivência (Aristóteles já dizia que o homem é um “animal político”)
é verdadeiro, também que, como afirmou Thomas Hobbies em “O Leviatã”, “o homem é lobo do homem”. Isto é, o ser humano tem uma potência de destruição de seu próximo, gerada pela luta de interesses.
com o objetivo de compatibilizar as duas assertivas acima, surgiu o “Estado”, que tem o objetivo de organizar a sociedade, limitando a liberdade de seus membros, com o fito de alcançar o “bem comum”
o instrumento utilizado pelo Estado para “organizar” a sociedade é o direito, mais especificamente as normas jurídicas, que são comandos, produzidos pelo Estado, que tem em seu cerne a concessão de direitos e a determina de obrigações, comando esse de caráter obrigatório, ante o elemento coercitivo nele existente.
não se pode confundir “lei” (lato sensu) com “norma jurídica”, vez que esta última tem um caráter mais amplo do que a “lei”, pois a norma jurídica é o juízo hipotético completo, isto é, o comando completo pretendido pelo direito positivo, em que se enlaça determinada conseqüência à realização de um evento, contendo uma previsão abstrata (antecedente da norma) que, ocorrendo, leva à formação de uma relação jurídica (conseqüente da norma)), que envolve direitos e deveres das partes (sujeitos da norma), o que, na maior parte das vezes, não se encontra em uma única “lei”, sendo o cientista do direito obrigado a recorrer a inúmeras legislações para, compreendendo o significado de cada elemento contido na disposição legal, poder apontar a integralidade do comando abstrato. 
A falta do conhecimento do real significado de “norma jurídica” leva muitas vezes o operário do direito a não compreender o sistema positivo como um todo, levando a conclusões equivocadas e cientificamente imprestáveis.
na norma jurídica haverá uma hipótese, suposto ou antecedente (antecedente da norma), a que se conjuga um mandamento, uma conseqüência (conseqüente da norma). A hipótese trará a previsão de um fato (ex. ser proprietário de imóvel urbano), enquanto que o conseqüente prescreverá a relação jurídica (ex.: dever de pagar o IPTU e direito do Fisco cobrar o tributo).
O princípio que estabelece o elo de ligação entre antecedente e conseqüente das normas jurídicas é o dever-ser, contrapondo às leis naturais, onde encontramos o princípio da causalidade. O enunciado da proposição, em símbolos lógicos, é este : se A, então deve ser B, ao passo que as regras da natureza se exprimem assim : se A, então B.
Feita essa ampla análise das normas jurídicas, e sabendo-se que as mesmas são os instrumentos através do qual o direito alcança os seus objetivos, podemos, agora, definir direito como um conjunto coordenado e harmônico (sistema) de comandos (normas jurídicas) que tem por objetivo coordenar o comportamento das pessoas que formam uma determinada sociedade a fim de, limitando tais comportamentos, atingir o fim do Estado, que é o bem comum.
b) Diferença entre direito positivo e ciência do direito
			A definição de direito positivo já foi proposta acima, resumindo-se como “um conjunto coordenado e harmônico de comandos que tem por objetivo coordenar o comportamento das pessoas que formam uma determinada sociedade a fim de, limitando tais comportamento, atingir o fim do Estado, que é o bem comum.
			Isto é, o direitopositivo é, nada mais, nada menos do que o sistema jurídico de um país, sistema esse, por óbvio, válido e vigente, formado por normas jurídicas que se harmonizam e se correlacionam.
			Já a ciência do direito é, nada mais, nada menos, uma linguagem de sobrenível, uma metalinguagem, que tem o seu foco dirigido para o estudo daquele complexo normativo, que é o direito positivo. 
			PORTANTO, o objeto da ciência do direito é o direito positivo.
CAPÍTULO III
CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO
Neste capítulo procuraremos responder à pergunta “o que é a interpretação ?”.
			Interessantíssimo que o estudo da interpretação seja tão exíguo na ciência do direito. Todos interpretam as leis ou até mesmo a Constituição, mas pouquíssimos são capazes de afirmar, com bases sólidas, qual o procedimento por eles utilizado, qual fora a finalidade do procedimento interpretativo e o que se perseguiu com o trabalho interpretativo. E mais, no trabalho interpretativo, em raras oportunidades há a reflexão do papel da interpretação na realização do direito.
			Não podemos esconder que a nossa preocupação com a interpretação se tornou efetivamente existente nos estudos que estamos enfrentando no programa de pós-graduação, inclusive no sentido de podermos hoje afirmar que “interpretar é realizar o direito”.
			A questão que se coloca é em que incide a interpretação, sobre que objeto incide o trabalho interpretativo. Interpreta-se o “Direito” ou interpreta-se “enunciados prescritivos” (entendendo-se “enunciados“ como “produto da atividade psicofísica de enunciação). Apresenta-se como um conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatário”).
			Importante, nesse ponto, distinguirmos o Direito e as Leis (enunciados prescritivos) e, com tal objetivo, transcrevemos trechos das lições de Friedrich Augusto von Hayek : 
“ O Direito, no sentido de normas de conduta aplicadas, é indubitavelmente tão antigo quanto à sociedade; só a observância de normas comuns torna possível a existência pacífica de indivíduos em sociedade. Muito antes que o homem desenvolvesse a linguagem ao ponto de esta lhe permitir enunciar determinações gerais, um indivíduo só seria aceito como membro de um grupo na medida em que se conformasse às suas normas.”
		
	E o mesmo Hayek acrescenta que : 
“ Para o homem moderno, por outro lado, a idéia de que toda lei que governa a ação humana é produto de legislação parece tão óbvia, que a afirmação de que o Direito é mais antigo que a legislação se lhe afigura quase paradoxal. No entanto, não pode haver dúvida de que existiam leis séculos antes de ocorrer ao homem que ele podia fazê-las ou alterá-las. A idéia de que era capaz disso praticamente não surgiu antes da era clássica grega; posteriormente desapareceu, ressurgindo no final da Idade Média, quando gradualmente obteve aceitação mais geral.”
		Se o Direito e a Lei (vista essa num sentido lato, como “enunciado prescritivo”) não mantêm entre si uma relação de identidade, não podemos deixar de reconhecer que a “Lei” é adotada pelo sistema jurídico pátrio como o principal instrumento de prática do Direito, conforme princípio da legalidade, previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, in verbis : 
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”
		Assim, desde já fixamos a premissa de que se interpretam os enunciados prescritivos (leis) e não o Direito !
		Se fixamos o objeto sobre o qual incide a interpretação, é importante traçarmos mais alguns pontos a respeito desses enunciados prescritivos, buscando sabedoria no magistério de José Luiz Fiorin, Professor livre-docente do Departamento de Línguística da Universidade de São Paulo, para quem :
 
“ O primeiro sentido de enunciação é o de ato produtor do enunciado. Benviste diz que “a enunciação é essa colocação em funcionamento da língua por um ato individual de utilização”(1974, p. 80). Ascombre e Ducrot afirmam : “A enunciação será para nós a atividade linguageira exercida por aquele que fala no momento que fala”
“ Se a enunciação é a instância constitutiva do enunciado, ela é a “instância lingüístcia logicamente pressuposta pela própria existência do enunciado (que comporta seus traços e suas marcas)”(Greimas e Courtès, 1979, p. 126). O enunciado, por oposição à enunciação, deve ser concebido como o “estado que ela resulta, independentemente de suas dimensões sintagmáticas”(Greimas e Courtès, 1979, p. 123). Considerando dessa forma enunciação e enunciado, este comporta freqüentemente elementos que remetem à instância de enunciação : de um lado, pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos, adjetivos e advérbios apreciativos, dêiticos espaciais e temporais – em síntese, elementos cuja eliminação produz os chamados textos enuncivos, isto é, sem nenhuma marca de enunciação; de outro lado, termos que descrevem a enunciação, enunciados e reportados no enunciado (Greimas e Courtès, 1979, p. 124)
		Aplicando os ensinamentos de Fiorin para o nosso objeto de estudo, necessário termos o conhecimento da existência de um fenômeno de produção lingüística denominado Enunciação, em que determinado indivíduo através de trabalho intelectual e físico produz, sob a forma escrita ou falada, enunciados, que são, em realidade, além de, por óbvio, produtos da enunciação, um conjunto de signos (fonemas ou grafonemas) que, dispostos sob uma determinada forma (sintaxe), são capazes de gerar significados (semântica), gerando uma mensagem.
		
		Aproveitando as lições do lingüistica, o enunciado, sob o ponto de vista daquele que o recebe (o intérprete), é o suporte físico, do qual se extrai o significado e a significação com o fim de se obter a mensagem. Sobre a relação entre suporte físico, significado e significação, transcrevamos as palavras de Paulo de Barros Carvalho : 
“ O falar em linguagem remete o pensamento, forçosamente, para o sentido de outro vocábulo : signo. Como unidade de um sistema que permite a comunicação inter-humana, signo é um ente que tem o status lógico de relação. Nele, um suporte físico se associa a um significado e a uma significação, para aplicarmos a terminologia husserliana. O suporte físico, da linguagem idiomática, é a palavra falada (ondas sonoras, que são matéria, provocadas pela movimentação de nossas cordas vocais, no aparelho fonético) ou a palavra escrita (depósito de tinta no papel ou de giz na lousa). Esse dado, que integra a relação síginica, como o próprio nome indica, tem natureza física, material. Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu significado; e suscita em nossa mente uma noção, idéia ou conceito, que chamamos de significação.” 
		Isso é, através do contato do receptor (intérprete) com o enunciado (código utilizado), se é capaz de extrair um significado (a “coisa”, de existência concreta ou imaginária, a que se vincula o signo utilizado no enunciado) e uma significação (que é o conceito, a noção que é suscitada na mente do receptor da mensagem – intérprete).
		Do que já foi escrito, percebemos que começamos a tocar na interpretação através da análise dos signos, do significado e da significação. E nesse ponto indagamos : a interpretação é um ato produtor ou meramente um ato reprodutor ? Ou, utilizando-se os termos de Roman Jakobson, a interpretação se identifica com a “tradução” ou é um fenômeno próprio que, a partir de um enunciado, produz novos enunciados dirigidos a um determinado fim, no caso, a prática do Direito ?
			Nicola Abbagnano apresenta dois momentos do significado do termo “interpretação”, um ligado à “Escolástica Latina”, sob a influência dos ensinamentos de Aristóteles, e outro vinculado à “Semiótica Americana” : 
“Aristóteles denominou I. o livro em que estudou a relação entreos signos lingüísticos e os pensamentos e entre os pensamentos e as coisas. Ele de fato considerava as palavras como “sinais de afeições da alma, que são as mesmas para todos e constituem as imagens dos objetos que são idênticos para todos”, considerando ademais como sujeito ativo dessa referência a alma ou o intelecto (De interpr., 1, 16a, 1ss.)
 Boécio, graças a quem essa doutrina passou para a Escolástica latina, entendia por I. “qualquer termo que significa alguma coisa por si mesmo”, incluindo entre as I, os substantivos, os verbos e as proposições, e excluindo as conjunções, as proposições e em geral os termos gramaticais, que não significam nada por si mesmos. Para ele, referência do signo ao que ele designa era o essencial da interpretação (In librum de interpr. Edtio prima, I, em P.L., 64, col 295).”
“ Conquanto não falte hoje quem considere a I. um processo mental (C.K. Odgen – I. ª Richards, The meaning of Meaning, 1952 (1ª ed., 1923), p. 57; DUCASSE, em Journal of Symbolic Logic, 1939, n. 4), a semiótica americana apresentou outra doutrina fundamental da I., que toma como base o comportamento. Os pressupostos dessa doutrina são encontrados na obra de Peirce, que entendeu a I. como um processo triádico que se dá entre um signo, seu objeto e seu interpretante, constituindo este último a relação entre o primeiro e o segundo termo (Coll. Pap. 5.484).”
 Nessa maturação de raciocínio, interessante a transcrição do pensamento do Língüista Russo acima citado, que diferencia bem a “interpretação” e a “tradução”: 
“ É claro que os interpretarei e não serei uma máquina de tradução que, como o mostrou de modo excelente nosso amigo Y. Bar-Hillel, não compreende e por conseguinte traduz literalmente. Desde que haja interpretação, emerge o princípio da complementariedade, promovendo a interação do instrumento de observação e da coisa observada.”
	Da lição acima, concluímos claramente que a interpretação, no sentido que se deve adotar para o Direito (que tem como objeto os comportamentos humanos intersubjetivos) não é uma mera tradução, não é uma mera enunciação que apresenta, com signos diversos, o mesmo significado do texto interpretado, mas é, como bem observa Jakobson, um processo que contém não só a apreensão do significado do enunciado analisado, mas que possui o efetivo caráter de “complementaridade”, promovendo a adequação do significado do enunciado ao objeto sob o prisma do qual é procedida a interpretação.
	Ora, se “desde que haja interpretação, emerge o princípio da complementariedade”, não é difícil afirmar, com convicção, que o resultado da interpretação não se prende ao exato significado do enunciado analisado, mas, “promovendo a interação do instrumento de observação e da coisa observada”, expande os seus horizontes à uma finalidade, dirigida à coisa que será “vítima” da interpretação.
		 
		Já sob o enfoque eminentemente jurídico, Luís Roberto Barroso apresenta a sua definição de interpretação : 
 “ A interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto.”
		Das simples, porém relevantes, palavras de Barroso, atentamo-nos para a finalidade da interpretação no Direito que é “fazer incidir em um caso concreto” a norma jurídica. Portanto, se, como ensina Jakobson, a interpretação atua “promovendo a interação do instrumento de observação e da coisa observada”, temos que, para o Direito, o “instrumento de observação” é o enunciado prescritivo e a “coisa observada” o caso concreto em análise jurídica.
		Do todo exposto, podemos concluir, como nossa definição de “interpretação de lei” o procedimento de obtenção do significado de um determinado enunciado prescritivo, a partir da interação entre o instrumento de observação(o texto legal) e a coisa observada (a situação fática concreta, com todas as suas peculiaridades), tendo como finalidade a prática do Direito. 
	
		Tal definição tornar-se-á mais completa quando apontarmos, em capítulo próprio, a finalidade do Direito.
CAPÍTULO IV
 A FINALIDADE DO DIREITO 
		
 		Fomos claro ao afirmar no capítulo anterior que a interpretação da lei(enunciado prescritivo) é um instrumento sine qua non para a prática do direito.
		Se a “lei” fora adotada pela nossa sociedade como o instrumento efetivo de fixação do comportamento intersubjetivo, fixando direitos e deveres, a realização do Direito somente se realizará a partir da incidência do trabalho interpretativo na lei, produzindo a norma jurídica aplicável ao caso concreto.
		Os meios justificam os fins. Assim, é condição necessária para a efetiva compreensão do trabalho interpretativo, fixarmos qual a finalidade do Direito. Nesse ponto, importante ressaltarmos que, como bem ensina Jean-Louis Bergel, “os diversos sistemas jurídicos sempre estão confrontados com duas grandes alternativas : a justiça ou a utilidade de um lado(A), o individualismo ou o coletivismo do outro(B)”
		
		E, tratando da finalidade do Direito, continua BERGEL, explicitando as alternativas citadas : 
“ Na esteira de filósofos ingleses tais com Bentham e depois J. Stuart Mill (1806-73) e consoante uma importante corrente atual do pensamento americano, “o útil” é o princípio de todos os valores no campo do conhecimento bem como no da ação. Trata-se, via de regra, de alcançar a “maximização do prazer” do maior número de pessoas possível num grupo social e de evitar a dor e o sofrimento. O direito tem então o objetivo de estabelecer as regras capazes de conduzir “à maior felicidade do maior número”. 
“ Opuseram aos utilitaristas aqueles que pensam que o direito não é “uma fábrica de produzir a ordem social” mas uma arte caracterizada pelo fim que persegue e que, seguindo as pegadas de Aristóteles ou de Santo Tomás, “o fim do direito é o justo”; disseram que a função do direito consiste então “em determinar a proporção mais justa entre interesses” 
“Opõem sempre, com paixão, individualismo e coletivismo. O individualismo, fundamentado na doutrina filosófica que afirma a realidade própria dos indivíduos em detrimento dos gêneros e das espécies, expressa-se pelas teorias que vêem no indivíduo o valor essencial no plano político, econômico e moral e implica o desenvolvimento dos direitos e das responsabilidades do indivíduo. O coletivismo, ao contrário, concentra-se na doutrina e no regime social fundamentados na propriedade coletiva dos meios de produção e de troca e nos poderes do Estado”
			Dentro desse combate ideológico “individualismo x coletivismo” e “justiça x utilidade”, BERGEL distingue “as escolas formalistas”, que privilegiam a segurança jurídica graças à forma exterior da regra de direito, “as escolas idealistas”, que perseguem um ideal de justiça e fazem da ordem jurídica uma ordem moral, e “as escolas realistas”, centradas no progresso social. Mas a maioria dos autores mostra, em toda a história das idéias sobre os fundamentos e as finalidades do direito, duas grandes correntes cuja distinção traduz uma escolha fundamental entre tendências idealistas (A) e tendências positivistas(B).”
		Por estarmos buscando na narrativa de BERGEL os elementos necessários para a nossa conclusão a respeito da finalidade do Direito, passamos a transcrever as lições do Mestre Francês a respeito da “filosofia idealista” e das “doutrinas positivistas” : 
“ ... o idealismo jurídico corresponde às doutrinas do “direito natural” e à afirmação de que existe um ideal de justiça superior ao direito positivo que se impõe ao poder e ao próprio legislador. As diversas tendências “jusnaturalistas” têm em comum certas idéias essenciais : a afirmação de que o direito natural proceda da natureza, a existência de princípios não escritos superiores ao direito positivo e que se lhe impõem, a primazia da busca da justiça sobre o respeito à legalidade, a permanência decertos valores que prevalecem sobre aqueles consagrados pelos homens do Estado” 
“ Toda definição de positivismo é sumária e pode ser inexata. Às vezes é difícil qualificar uma doutrina. Assim, a teoria do contrato social pode, conforme os casos, vincular-se ao positivismo ou ao idealismo. A heterogeneidade das doutrinas positivistas torna mais aleatória ainda a busca de um critério geral do positivismo. Não obstante, podemos caracterizar as tendências positivistas pelo fato de rejeitarem qualquer metafísica jurídica, qualquer justiça transcendente e qualquer idéia de direito natural, mas se louvam apenas no conhecimento da realidade positiva, jurídica ou científica.”
		Ante a multiplicidade de tendências positivistas, BERGEL aponta para diversas “realidades positivistas”, opondo o “positivismo jurídico e o positivismo sociológico “ e o “positivismo jurídico e o positivismo científico”: 
“ O positivismo jurídico consiste em reconhecer valor unicamente às regras de direito positivo e em reduzir todo o direito às regras vigentes em dada época e em dado Estado, sem se preocupar em saber se é justo ou não. O direito mostra-se então uma disciplina autônoma que se identifica com a vontade do Estado do qual é expressão. (...) O direito se reduz a um fenômeno estatal e amiúde à arbitrariedade do poder ou à política da força,”
“ O positivismo sociológico é a concepção segundo a qual o direito se reduz ao direito positivo, tal como ele existe em dado momento e em dado território, extraindo-se a regra de direito da análise dos fatos sociais. Essa análise tem o mérito de lançar luzes na relatividade do direito no tempo e no espaço assim com a influência dos fatos social. Mas tem o inconveniente de limitar o direito a um reflexo servil dos atos, mesmo dos mais condenáveis, ao passo que ele também pode dominá-los, e de consagrar um determinismo inquietante em geral inexato quando a vontade humana pode impor suas escolhas”
		Apresentadas as oposições entre jusnaturalismos e positivismo, e percebendo-se o radicalismo em ambas as posições, encontramos nos ensinamentos de Chaïm Perelman, que se posiciona na existência de “uma nova visão do Direito”, que alia o positivismo e o idealismo, isto é, a busca da norma jurídica mais justa possível para o caso concreto a partir da interpretação das leis: 
“ Distinguimos assim três fases na ideologia judiciária. 
Na primeira fase, antes da Revolução Francesa, o raciocínio judiciário, embora enfatizando o caráter justo na solução e não concedendo grande importância à motivação, era, ainda assim, atado pela regra de justiça que exige tratamento igual de casos essencialmente semelhantes. Daí a importância às regras consuetudinárias e os precedentes
Desde a Revolução Francesa, e durante mais de um século, pondo-se no primeiro plano a legalidade e a segurança jurídica, havia-se acentuado o aspecto sistemático do direito e o aspecto dedutivo na raciocínio judiciário. Havia se difundido que este último não se diferenciava muito do raciocínio puramente formal : esta aproximação entre o direito e as matemáticas deveria garantir o funcionamento previsível e imparcial das Cortes e dos Tribunais. Este modo de ver subordinava, mais nitidamente do que nunca, o poder judiciário e favorecia uma visão estática e legalista do direito.
Faz algumas décadas que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser um retorno ao direito natural...confia ao juiz a missão de buscar, para cada litígio particular, uma solução eqüitativa e razoável, pedindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça, para consegui-lo, dentro dos limites autorizados por seu sistema de direito. Mas é-lhe permitido para realizar a síntese buscada entre a eqüidade e a lei...”
		É importante destacar que tais fases do raciocínio jurídicos estão diretamente ligados a momentos históricos do direito, mais especificamente da forma de pensar o direito. Extraímos que : a primeira fase experimenta uma prevalência do conceito “jusnaturalista” do direito; a segunda fase, de um conceito “normativista abstrato” de direito e a terceira fase, um conceito de “normativismo concreto”, nos moldes do pensamento de Miguel Reale (tridimensionalidade do direito).
		O terceiro momento, que nos parece ser de uma característica eminentemente normativa concretizante, busca a regulação da sociedade tentando-se a máxima justiça possível. Isto é, alia a finalidade de “pacificação social” com a de “produzir a justiça no caso concreto”. Por esse modelo, norma jurídica seria a norma (vista como juízo do enunciado prescritivo(lei) mais a situação normada. Sobre essa característica normativa-concretizante, transcrevemos os ensinamentos de Miguel Reale : 
“ Sendo o Direito um bem cultural, nele há sempre uma exigência axiológica atualizando-se na condicionalidade histórica de maneira que a objetividade do vínculo jurídico está sempre ligada às circunstâncias de cada sociedade, aos processos de opção ou de preferência entre os múltiplos caminhos que, como vimos, se entreabrem no momento de qualquer realização de valores. Põe-se, assim, no âmago da experiência jurídica a problemática do Poder, que procura assegurar por todos os modos, inclusive pela força física, a realização do Direito.
 Vê-se, pois, que o conceito do Direito implica, outrossim, o elemento do Poder (donde dizermos que é uma realidade ordenada, ou, por outras palavras, uma ordenação) assim como o de sociedade : é o Direito vinculação bilateral-atributiva da conduta humana para a realização ordenada dos valores de convivência. Temos, assim, de maneira geral, a sociedade como condição do Direito, a Justiça como fim último, a bilateralidade atributiva como forma ordenatória específica, e o Poder como garantia de sua atualização.”
 
			Vê-se, pois, que, nessa “nova visão do Direito”, não se despreza a lei, nem a coloca com identidade do Direito, mas, sim, como mais um fator a ser levado em consideração para a formação da norma jurídica a ser aplicada no caso concreto, além do valor cultuado pela sociedade em que o Direito é aplicado, e a busca da Justiça.
Retornando a Perelman, após apresentar as 3(três) fases do raciocínio judiciário na história, o Autor passa a analisar como funciona a atual concepção de raciocínio judiciário, denominada como a “terceira fase”, de um caráter de normatividade-concreta, que procura aliar o império da lei (exigência de respeito ao texto legal como forma de segurança jurídica) à necessidade de se buscar uma decisão “aceitável” no processo, entendendo-se por “aceitável” a decisão que busca a máxima justiça para o caso concreto, além de basear-se em argumento capaz de convencer os “auditórios” (partes do processo, os juristas e a sociedade como um todo).
					Apresentamos a seguir os pontos explicados pelo Autor como de “execução” do raciocínio jurídico moderno : 
“ Durante séculos... a busca da solução justa era o valor central que o juiz devia levar em conta, e os critérios do justo eram comuns ao direito, à moral e à religião...” (p. 183)
“ ... após a revolução francesa... o que é posto no primeiro plano é o valor concedido à segurança jurídica, à conformidade das decisões de justiça com as prescrições legais. O juiz não deveria violar a lei, aplicando critérios de justiça que lhe fossem próprios : sua vontade e seu senso de eqüidade deveriam inclinar-se diante da manifestação da vontade geral, tal como era dada a conhecer pela legislação.” (p.184)
“ Desde o processo de Nuremberg... notamos na maioria dos teóricos do direito, e não apenas entre os partidários tradicionais do direito natural, uma orientação antipositivista que abre um espaço crescente, na interpretação e na aplicação da lei, para a busca de uma solução que seja não só conforme à lei, mas também eqüitativa, razoável, aceitável, em uma palavra, que possa ser, ao mesmo tempo justa e conciliável com o direito em vigor” (p.184)
 Não se tem dúvida de que a noção e a finalidadedo direito varia com o tempo e de acordo com a própria sociedade em que o mesmo vive (direito está diretamente relacionado ao meio ambiente em que atua), mas sempre foi possível uma visão de verdadeira “luta” entre as visões jusnaturalista e positivista do direito.
	Perelman, a seu turno, narra que a atual visão do direito (“a nova visão do direito”) prevê a composição, de forma dialética, entre as concepções jusnaturalista e positivista, com a possibilidade de interpretação que torne mais “flexível” a lei, aplicando-a ao caso concreto com “eqüidade”. 
		E, já concluindo esse capítulo, adotamos a finalidade do Direito conforme a “nova visão do Direito” de Perelman, que se compatibiliza não só com a “Tridimensionalidade do Direito” de Reale, mas também com a “normalidade” de Goffredo Telles Júnior, para quem “normal, no mundo ético, é a qualidade do procedimento ou do estado não extravagante, não contrário às referidas concepções”, isto é, que se compatibiliza com os valores predominantes na sociedade.		
		Em suma, para nós, num Estado dirigido pelo princípio da legalidade (inciso II do artigo 5o. da Constituição Federal), realiza-se o Direito quando aplica-se, a um caso concreto, uma norma jurídica que é produto de interpretação de enunciados prescritivos, interpretação essa que levou em consideração os valores adotados pela sociedade e buscou a justiça para o caso concreto.
CAPÍTULO V –
AS ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO
			Para que possamos fixar o procedimento que entendemos como o correto para a interpretação da lei com o fito de realizar o Direito, é necessário que tenhamos uma visão global das várias escolas de interpretação que surgiram no decorrer da história.
			Com tal objetivo, apresentamos breves explanações sobre as características das seguintes escolas de interpretação : “Escola da Exegese”, “Escola Histórica”, “Norma Pura de Hans Kelsen”, “Direito Vivo de Ehrlich” e a “Interpretação Sociológica”. Servirão como base de informações as obras de Jean Louis-Bergel e Wellington Pacheco de Barros. 
A “Escola da Exegese”
			Relata Bergel que logo depois da promulgação do Código Civil Francês de 1804, o chamado “Código de Napoleão”, apareceu a chamada Escola da Exegese, que pretendia “reduzir o direito à lei e, mais particularmente, o direito civil ao Código de Napoleão”.
			Ainda com as palavras de Bergel, dentro da perspectiva do princípio de separação dos poderes e da filosofia da Revolução Frencesa, o legislador era a única expressão da soberania nacional e da lei, expressão da vontade geral, a única fonte do direito.
			Aubry, citado por Bergel, “toda a lei, em seu espírito bem como em sua letra, com uma larga aplicação de seus princípios e o mais completo desenvolvimento das conseqüências dela decorrentes, mas nada além da lei, essa foi a divisa dos professores do Código de Napoleão”. 
			Conforme Wellington Pacheco de Barros, “a Escola da Exegese foi aquela que sustentou a proeminência do método exclusivamente legalista de se interpretar o Direito, aplicando-se apenas os procedimentos gramaticais e lógicos”.
			Para José Antonio Niño, citado por Pacheco de Barros, “este sistema representa a mais rudimentar tarefa de elaboração jurídica, porque seu trabalho afasta o estudo de outras fontes do Direito, sem considerar as implicações e desenvolvimentos que a própria lei sofre no seu contexto fático. Segundo ele, foi esta redução simplista e primitiva do Direito que fez a escola insuficiente para acompanhar a natural evolução da Ciência Jurídica”.
		Para Werner Goldschmidt, citando Antonio Hernándes-Gil, aquilo que se caracteriza como “as notas distintivas da Escola da Exegese” pode ser agrupado nos seguintes princípios : a) o Direito Positivo é todo o Direito e todo Direito Positivo está constituído pela lei; b) a interpretação deve ser dirigida para buscar a intenção do legislador; os códigos não deixam nada ao arbítrio do intérprete; este não tem por missão fazer o Direito; o Direito está feito; c) descoberta esta intenção e estabelecido o princípio fundamental que consagra a lei, é preciso obter todas as conseqüências, para dar à norma a extensão de que seja suscetível, servindo-se de um processo dedutivo; d) costume não tem valor; as insuficiências da lei se completam através da própria lei; e) o argumento da autoridade deve ser respeitado com o conseguinte respeito às obras de seus antecessores; e, f) o Direito, em suma, tem um caráter eminentemente estatal : dura lex, sed lex” 
			Analisando-se criticamente as características da “Escola da Exegese”, resta óbvio concluir que o procedimento por ela adotado, de não imaginar nada, além da própria lei, incompatibiliza-se com a “nova visão de Direito”, nos moldes indicados por Perelman, e com claras características de normatividade concretizante. Enfim, o procedimento da “Escola da Exegese” não é capaz de compatibilizar legalidade e eqüidade.
A “Escola Histórica”
		Descreve Wellington Pacheco Barros que “enquanto a Escola da Exegese se consubstanciava pelo amor ao Código de Napoleão se consubstanciava pelo amor ao Código de Napoleão e ao sentimento precedente quase generalizado dos ensinamentos de Montesquieu e Rousseau, tornando suas disposições como de conteúdo exaurível de todo o Direito, não permitindo ao intérprete qualquer possibilidade criadora, na mesma época surge na Alemanha uma outra forma de positivismo legalista. A idolatria agora não é mais pelo Código Civil Francês, porém pelo Corpus Iuri.”
		E, continua o Autor, “surgia dessa forma, a Escola Histórica do Direito, cujo fundamento básico residia na recepção do direito Romano pelos pandectistas, assim chamados os defensores das compilações justinianas, e que teve em Savigny e Windscheid seus principais líderes. Para eles o Direito Romano exauria todo o conteúdo do Direito tornando no campo da interpretação a função do juiz como mero ato mecânico”.
		A “Escola Histórica”, tendo defendido inicialmente uma interpretação histórica, que tivesse como objeto os costumes e a evolução da sociedade, acabou por se tornar um “positivismo legalista” ao fixar como sine qua non para a realização de tal interpretação histórica a obediência as regras do Direito Romano.
		Caracterizando-se como um “positivismo legalista”, o método adotado pela “Escola Histórica” também não possui qualquer adequação à finalidade de se obter uma norma jurídica que compatibilize o “legalismo” e a “eqüidade” na forma da “nova visão do Direito de Perelman”.
 
A “Norma Pura de Hans Kelsen” 
		A “Escola Normativista”, norteada por Hans Kelsen, é bem caracterizada por Bergel :
“ A escola normativista examina a organização jurídica em si mesma, sem sequer ver nela uma criação do Estado, que se despersonaliza e fica apenas uma palavra cômoda que expressa a unidade dessa organização.”
		Como relata Pacheco Barros, “Kelsen é um positivista, tomando em consideração a grande divisão do Direito que se formou entre aqueles que defendem a limitação do Direito que se formou entre aqueles que defendem a limitação do Direito ao legislado e os outros que sustentam ser essa ciência bem mais ampla.”.
		Continuando o Autor, “no seu método(de Kelsen) não há dualismo entre Direito e Estado. Se o Estado guarda alguma relação com o Direito, é objeto dessa ciência; portanto, o Estado é conseqüência do Direito. De outro lado, desaparece qualquer antítese entre Direito Objetivo e Direito Subjetivo, porque não há lugar para dois Direitos, já que aquilo que se chama Direito Subjetivo nada mais é do que o Direito Objetivo. No tocante à aplicação do Direito, com já disse acima, não existe diferença entre lei e sentença. Esta é a particularização daquela”.
		Máximo Pacheco G., reproduzindo o próprio Kelsen sobre o método de interpretação da Teoria Pura do direito, transcreve que a teoria do Direito Positivo não estabelece qualquer critério e não indica qualquer método que permita dar preferência a uma das diversas possibilidadescontidas no marco de uma norma.
		Para Kelsen, o Direito não toca a realidade, a norma jurídica é constituída num ciclo hermético de auto-produção que não envolve a efetiva análise do fato concreto normado. Para Kelsen, os fatos eram objeto da Sociologia Jurídica e não do Direito; os valores eram objeto da Filosofia do Direito e não do Direito.
		Se de um lado a interpretação normativa abstrata proposta por Kelsen não é capaz de levar à finalidade da “nova visão de Direito”, que é por nós adotada, a noção de sistema proposta por Kelsen é de relevo para a análise interpretativa, vez que, mesmo o direito não sendo somente lógica, não sendo somente sistema, é “também” um sistema que “também” deve ser analisado logicamente.
O “Direito Vivo de Ehrlich”
		Em seu estudo sobre interpretação sociológica, Wellington Pacheco Barros expõe que : 
 “a expressão Teoria do Direito Vivo tem origem em uma conferência pronunciada por Eugen Ehrlich no ano de 1903. Nela, Ehrlich sustentou que frente a uma aplicação puramente esquemática do mandato legal ao fato da vida, sublinha-se a importância de uma formulação livre do Direito. Não que com isso deva o juiz decidir conforme seu arbítrio, sem<ao que tem de partir da tradição jurídica para encontrar o Direito justo. Com isso, significa que toda aplicação de uma regra geral ao caso concreto não afasta a individualidade judicial, mas que na sua função criadora deve se voltar à realidade em sua volta” 
		Gurvitch, comentando o pensamento de Ehrlich, diz que ele se fixou numa dupla tarefa. Em primeiro lugar, pretendeu demonstrar que a chamada Ciência do Direito elaborada pelos juristas é simplesmente uma técnica relativa que tende a um fim prático transitório e, devido às suas fictícias sistematizações, incapaz de nada captar exceto a certeza mais superficial da realidade efetiva do Direito. Em segundo lugar, pretendeu ele descrever de forma metódica e objetivamente a realidade íntegra e espontânea do Direito em todos seus planos de profundidade.
		Continua Gurvitch narrando que o fato de que a ciência dogmático-normativa do Direito não é uma ciência senão meramente técnica que serve aos fins transitórios dos tribunais, se faz particularmente evidente quando se reconhece que certos princípios olhados correntemente como surgidos de uma imutável lógica jurídica, em realidade só são adaptações a circunstâncias históricas por inteiro concretas. Tais são os três postulados da chamada lógica jurídica que, em realidade, não tem nada a ver com a lógica verdadeira. São eles : primeiro, a negação da liberdade dos juízes, que estão sujeitos às proposições fixadas de antemão; segundo, a dependência de todo Direito do Estado; terceiro, a unidade do Direito, identificada com a coerência sistemática das proposições jurídicas. Assim ele mostra que, no que respeita a esses pontos, se trata de procedimentos de ficção com a máscara aplicada à realidade efetiva do Direito, são técnicas que só têm sentido em certas épocas históricas da vida do Direito, sobretudo para servir às necessidades do Estado centralizado.
	
		Maria Helena Diniz, em seu “Compêndio de Introdução à Ciência do Direito” apresenta as diretrizes que Ehrlich entendia que a interpretação jurídica deveria seguir : “1) se o texto da lei é unívoco e sua aplicação não fere os sentimentos da comunidade, deve-se aplicá-lo; 2) se o texto não oferece solução pacífica, ou se conduz a uma decisão injusta, o magistrado deverá ditar a sentença, que, segundo a sua convicção, o legislador ditaria se tivesse pensado no caso; 3) se o magistrado não puder formar convicção sobre como o legislador resolveria o caso concreto, então deve inspirar-se no Direito livre, ou seja, no sentimento de coletividade; e 4) se ainda não encontrar inspiração nesse sentimento, deverá, então resolver discricionariamente.”
		Percebe-se das “diretrizes” da interpretação segundo a “Teoria do Direito Vivo” que há preocupação não só com a adequação da norma jurídica aos valores cultuados pela sociedade, como também ao sentimento de “justiça”. No entanto, o fácil desprendimento à lei impede que se tome como característica da interpretação a simbiose entre a lei e a eqüidade, afastando-se, nesse ponto, da visão de direito por nós adotada.
A “interpretação sociológica”
			Wellington Pacheco Barros, no seu estudo sobre a “Interpretação Sociológica do Direito”, afirma que “a dignidade da lei tão eloqüentemente sustentada pelo positivismo necessita de eficácia social. Suas regras devem ser regras emanadas do consenso. Aquela lei que afronta e desorganiza a sociedade. Aquela lei que afronta e desorganiza a sociedade, impondo cogências diametralmente opostas ao viver e ao querer social é lei ilegítima, porque carecedora de eficácia.”
			Concluindo a sua obra, o Autor aponta para as razões do radicalismo da “interpretação sociológica” : “O “a lei é lei e por isso tem que ser cumprida” é uma verdade cheia de vícios. Sua admissão como princípio inquestionável somente é compreensível como uma manifestação de fé, uma unção a um conceito em que as demais portas são fechadas para não permitir que se analise os porquês dessa crença. É como se se dissesse : ou se acredita ou não se acredita na lei porque ela representa toda a verdade do Direito. 
			E continua a sua conclusão : “A teria do Direito Dogmático, estático, puro, inflexível, foi criada para uma sociedade plenamente estabelecida e de comportamento visivelmente inalterável em que os valores passados continuaram presentes com um certo grau de oscilação e certeza continuarão no futuro. E a lei que emergir desse contexto pela previsibilidade do meio de onde foi gerada, naturalmente que será hoje o que foi ontem e continuará tendo plena eficácia amanhã. (...) Ou seja, a lei existe; porém, a realidade não permite a sua execução. Guardadas as proporções e tão-só para fortalecer o argumento, é como a situação do credor que tem um título líquido, certo e exigível, garantido por lei, mas o devedor não tem como pagar. Qual a serventia do crédito?”
			Ora, não temos dúvida de que a interpretação de lei deve ter o seu prisma “sociológico” com a adequação da norma jurídica aos valores cultuados pela sociedade no momento de sua aplicação. No entanto, não concordamos com a “inflexibilidade” da lei apresentada pela “Teoria Sociológica do Direito”, pelo menos da forma como apontada por Wellington Pacheco Barros. Como já exposto, os signos (as palavras) são polissêmicos, tem a possibilidade de conter vários significados, cabendo ao intérprete adotar aquele significado que mais se compatibiliza com o contexto social e com os ditames da justiça.
CAPÍTULO VI –
O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO NA ATUALIDADE
			Este capítulo pretende uma reflexão sobre a forma que a interpretação vem sendo tratada atualmente, pelo menos em nosso país, pela comunidade jurídica, tratando-se o Direito como algo abstrato e exclusivamente sistêmico, debruçando-se numa “normatividade abstrata” que gera prejuízos não só ao próprio Direito (que acaba não cumprindo o seu desiderato), mas, também e principalmente, à sociedade, que não vê o Estado cumprindo o seu papel de “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, com a promoção do “bem de todos”(incisos I e IV do artigo 3º da Constituição Federal de 1988).
			Importante para esta reflexão as palavras de Lenio Luiz Streck : 
“ Como saber “operacional”, domina no âmbito do campo jurídico o modelo assentado na idéia de que o processo interpretativo possibilita que o sujeito (a partir da certeza-de-si-do-pensamento-pensante, enfim, da subjetividade instauradora do mundo) alcance a “interpretação correta”, o “exato sentido da norma”, “o exclusivo conteúdo/sentido da lei”, “o verdadeiro significado do vocábulo”, “o real sentido da regra jurídica”etc. Pode-se dizer que o pensamento dogmático do Direito acredita na possibilidade de que o intérprete extrai o sentido da norma, comose este estivesse contido na própria norma, enfim, como se fosse possível extrair o sentido-em-si-mesmo. Trabalho, pois, com os textos no plano meramente epistemológico, olvidando o processo ontológico da compreensão.
	(...) é possível afirmar que, explícita ou implicitamente, parcela expressiva da doutrina brasileira sofre influência da hermenêutica de cunho objetivista de Emilio Betti, baseada na forma metódica e disciplinada da compreensão, onde a própria interpretação é fruto de um processo triplo que parte de uma abordagem objetivo-idealista. Com isso, a interpretação é um processo reprodutivo, pelo fato de interiorizar e traduzir para a sua própria linguagem objetificações da mente, através de uma realidade que é análoga à que originou uma forma significativa. Assim, a atribuição de sentido e a interpretação são tratadas separadamente, pois Betti acredita que só isso vai garantir a objetividade dos resultados da interpretação.” 
		Importante que as características apontadas por Streck para a “interpretação” atual e usualmente utilizada na comunidade jurídica brasileira, é mero “processo reprodutivo”, mera ação de “traduzir para a sua própria linguagem objetificações da mente”. Perceba-se que tais características de “reprodução” e “tradução” incompatibilizam-se com as características “produção”, “complementariedade” e “interação” apresentadas por nós, sob os argumentos de Roman Jakobson, no capítulo I do presente trabalho, como características inerentes à verdadeira interpretação.
		A “produção”, “complementariedade” e “interação” são condições necessárias para o desenvolvimento da verdadeira interpretação !
		A conclusão a que chegamos é que, na realidade, essa “interpretação” atual e usualmente utilizada pela nossa comunidade jurídica, citada por Streck, não é uma verdadeira interpretação, mas, sim, na melhor das hipóteses, uma “pseudo-interpretação”, que não realiza, de forma alguma, o Direito, sendo incapaz de construir uma “sociedade livre, justa e solidária”.
		A verdade, entretanto, é que falso conceito de interpretação está arraigado as nossas estruturas jurídicas, iniciando-se com a forma como é “ensinado o Direito” nas Universidades e terminando na “insensibilidade” das decisões judiciais, que utilizam a “interpretação”(ou melhor, a “pseudo-interpretação”) como forma de dar cabo ao processo e não no intuito de garantir uma decisão justa e compatível com os valores contemporâneos cultuados pela sociedade.
		A maior prova dessa “insensibilidade” do Judiciário, que, deixamos claro, estende-se aos Advogados, Juristas, Membros do Ministério Público, enfim, a toda a comunidade jurídica (mas que se torna mais visível no Judiciário, ante a “coisa julgada” formada sobre suas decisões), são as fundamentações das sentenças e acórdãos. Pergunta-se, quantas vezes, em nossa experiência judiciária, encontramos sentenças cuja fundamentação demonstram um trabalho interpretativo de cunho concretizante, com a avaliação das várias possibilidades de solução (virtualidade) e a escolha da possibilidade que mais se compatibiliza com os valores contemporâneos cultuados pela sociedade e com o sentimento de justiça ? É muito raro tal comportamento. Normalmente, as decisões judiciais mantêm, em suas fundamentações, amplo espaço para a análise da prova produzida nos autos, e um minúsculo espaço no corpo da decisão para a interpretação da lei. Tudo ocorre como se o texto legal já fosse absolutamente auto-explicativo, sendo que a sua citação (sob a forma normalmente numérica : artigo “x” da Lei “y”) já fosse suficiente para a “fundamentação” exigida no inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal (“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade...”). Tais “pseudo-fundamentações”, que são fruto de uma “pseudo-interpretação” não cumprem o seu papel constitucional, tanto no que se refere ao artigo X do artigo 93, quanto aos incisos II e IV do artigo 3º, ambos da CF/88). 
	E é exatamente com o intuito de, não só constatar a ocorrência desse vício interpretativo usual e atual, como também de encontrar meios para modificar tal situação, que tal trabalho, que visa efetivamente uma compreensão do que é a “interpretação jurídica”, de qual é a sua finalidade e de qual o procedimento adequado para o alcance de seus fins, vale a pena, no sentido não só de interpretarmos o inciso III do artigo 2º da Lei 9.296/96, mas também de interpretar qualquer enunciado prescritivo.
� BARROS CARVALHO, Paulo de. Língua e Linguagem – Signos Lingüísticos – Funções, formas e tipos de linguagem – Hierarquia de linguagens. In apostila do curso de Filosofia do Direito I(lógica jurídica) no programa de mestrado em direito da PUC/SP, 2o semestre de 2002 
� 
� DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 7a edição, 1995 
� A análise é feita sobre o “direito positivo” e não sobre a “ciência do direito” 
� CAVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo : Saraiva,7aedição,atualizada, 1995
� Textos extraídos da obra “Curso de Direito Tributário”, de Paulo de Barros Carvalho, editora Saraiva, 7a. edição atualizada, 1995, pp. 7 e 8
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