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O que todo pedagogo precisa saber sobre libras

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O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 5
Copyright © Eduardo de Campos Garcia
Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma e por 
qualquer meio mecânico ou eletrônico, inclusive através de foto-
cópias e de gravações, sem a expressa permissão do autor. Todo o 
conteúdo desta obra é de inteira responsabilidade do autor.
Editora Schoba
Rua Melvin Jones, 223 - Vila Roma - Salto - São Paulo - Brasil
CEP 13321-441
Fone/Fax: +55 (11) 4029.0326 | 4021.9545
E-mail: atendimento@editoraschoba.com.br
www.editoraschoba.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G198q
Garcia, Eduardo de Campos, 1974-
O que todo pedagogo precisa saber sobre Libras / Eduardo de 
Campos Garcia. - Salto, SP:
Schoba, 2012. 92p. : 21 cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-8013-124-6
1. Língua de sinais - Educação - Brasil. 2. Língua brasileira de sinais 
- Educação - Brasil. 3. Surdos - Educação - Brasil. 
4. Escolas. 5. Prática de ensino. I. Título.
12-0872. CDD: 419 CDU: 81’221.24
13.02.12 17.02.12 033200
Obs.: O nome do autor deve ser citado CAMPOS-GARCIA, Eduardo de. 
Conforme Lattes.
Prefácio
Toda construção acadêmica consciente possui um cará-
ter paradoxal. As reflexões do autor convergidas em questiona-
mentos que partem de suas reminiscências e fundamentam-se 
a partir da apropriação teórica constituem-se em campo, por 
excelência, onde se estabelecem as condições propícias para o 
desvendamento daquilo que, à primeira vista, passa por desper-
cebido à nossa ordinariedade. É justamente esse desvendamento 
que Eduardo de Campos Garcia propõe aos pedagogos, neste 
livro que ora apresento ao leitor.
O caráter paradoxal do livro O que todo pedagogo precisa 
saber sobre Libras está forjado em questões históricas. Questões 
estas que versam sobre a apropriação do saber jurídico e do saber 
clínico por uma instituição de grande importância no desenvol-
vimento da autonomia humana: a escola. Aliás, ao fazer presen-
te esta obra ao leitor, Eduardo de Campos Garcia tenciona, de 
maneira contundente, a matriz constituinte da diferenciação 
entre o surdo e o ouvinte. Matriz esta secularmente e paulatina-
mente instaurada em nossa sociedade que, ainda hoje, ignora o 
universo daqueles que não se “encaixam” na cultura dominante.
6 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 7
A tensão envolvida em O que todo pedagogo precisa saber 
sobre Libras é plástica. É polimorfa. Sua plasticidade transforma 
a pesquisa, o trabalho docente, a memória e a convivência do 
autor no universo surdo em um tecido orgânico que deve ser 
tocado. Sentido. Compreendido por aqueles que fazem a esco-
la: alunos, professores, diretores, agentes, enfim, todas as pessoas 
que direta ou indiretamente buscam construir uma sociedade 
mais justa para todos.
Cabe esclarecer que, utilizando-me das palavras do autor, 
as “imposições ouvintistas não são frutos apenas de um senso 
comum, mas frutos de documentos oficiais que as registraram 
como verdadeiras, dando a elas poderes legais de ação e susten-
tando-as na história”. É justamente em decorrência disso que o 
leitor deve se desvincular dos paradigmas que sustentam suas 
ações para avançar no entendimento de que todos os envolvidos 
com a educação estão, na verdade, enredados por uma relação 
íntima com o reconhecimento das potencialidades de cada ser 
humano, seja ele surdo, seja ele ouvinte.
Como ainda são poucos os trabalhos que versam sobre 
o universo cultural dos surdos e a respectiva dicotomia com o 
universo cultural ouvinte, informo-lhe que você tem em mãos 
uma obra de grande valia. O esforço do autor em oferecer a sín-
tese de estudos desenvolvidos há anos fornece, ao leitor, o enten-
dimento das questões que envolvem a cultura surda e a cultura 
ouvinte de maneira privilegiada: rompendo com preconceitos e 
evocando os desafios da escola na educação de surdos e ouvintes 
em nosso país. Por isso mesmo, ao ler esta obra, o leitor deve 
senti-la a partir de suas próprias práticas pedagógicas. Deve re-
fletir sobre as dimensões que aqui são apresentadas para, a partir 
desse ponto, perceber as possibilidades que emergem na escola 
de promover a igualdade, a cidadania e, principalmente, de des-
mistificar os mitos que hodiernamente envolvem a cultura surda 
e as ações escolares.
Estou certo de que, enquanto estiver lendo O que todo pe-
dagogo precisa saber sobre Libras, o leitor estará em boa compa-
nhia. Boa leitura!
São Paulo, 13 de janeiro de 2012
Prof. Dr. Leandro Petarnella1
1 Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba e professor da Universi-
dade Nove de Julho-SP.
O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 9
Introdução
A ideia deste trabalho teve início por meio de minhas re-
miniscências de quando atuei como professor de Língua Portu-
guesa e Literatura, com alunos surdos e ouvintes matriculados 
em salas regulares em escolas públicas.
Naquele tempo, observava o quanto as experiências visu-
ais eram importantes para os surdos e quanta ansiedade e vonta-
de de aprender eles manifestavam; porém, essa vontade se desfi-
gurava em meio a uma cultura estritamente ouvintista, presente 
num ambiente escolar castrador.
Embora os alunos surdos estudassem em salas regulares, 
estudavam em salas de recursos em período adverso, cuja forma-
ção dos docentes era especificamente pautada em uma concep-
ção clínica. Salvas algumas exceções.
O trabalho na sala de recursos, pautado em uma con-
cepção clínica, não priorizava a língua brasileira de sinais, mas 
procurava mecanizar a oralização nos indivíduos surdos que ali 
estavam. Esse processo, muitas vezes, contribuiu para que se de-
senvolvesse na escola uma medicalização na surdez, restringindo 
a educação a uma análise clínica e deficiente. Deficiente, porque, 
10 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 11
ao priorizar e reduzir o ensino à oralização, muito se perdeu do 
potencial linguístico e das habilidades dos surdos, prejudican-
do-os em seu processo de ensino-aprendizagem.
O que me incomodava era o fato de perceber que havia 
em relação aos surdos uma limitação, não orgânica, mas imposta 
pela própria sociedade e pelas instituições de ensino. Essas li-
mitações eram as de não poder expandir seus espaços para que 
germinasse a cultura surda nos ambientes sociais.
Ainda trabalhando em escolas estaduais, após as aulas me 
encontrava com alguns ex-alunos e amigos surdos, em uma praça 
chamada “Do Carmo”, no centro de Mogi das Cruzes. Sentado 
nos bancos dessa praça, comecei a aprender os primeiros sinais 
em Libras e a compreender quanta angústia se tinha dentro da-
quele universo de silêncio; não era uma angústia pelo silêncio, 
mas sim por não serem ouvidos em sua singularidade linguística.
Por esse motivo, comecei a ler a respeito do processo de 
ensino e aprendizagem dos indivíduos surdos, sobre a escola 
para surdos e sobre a cultura surda.
Hoje, lecionando no ensino superior, deparo-me com 
alunos surdos nos diversos cursos de graduação, e acredito e me 
felicito em dizer: é um começo, para que possamos, num futuro, 
ter Narcisos-espelhos-homens-surdos não mais como indivídu-
os observados pelo outro, mas observadores e construtores de 
sua identidade.
Se me perguntarem o porquê dessa inquietação em rela-
ção à causa surda, digo simplesmente que, ao longo de minha 
vida, quando ainda criança e na adolescência, recebi da escola 
diversos diagnósticos, tomei alguns medicamentos e fui repro-
vado por vários anos. Dos rótulos que recebi, alguns hoje me 
fazem rir: hiperativo, doidinho, lelé da cabeça; por isso me com-
padeço de todos aqueles que, de uma certa forma, ouviram essas 
mesmas palavras sendo proferidas da boca de um “educador”.Enfim, valeu a pena! Pois viver é ter marcas e deixá-las de 
alguma forma durante o espaço e o tempo de nossa existência 
essencialmente finita, como entendia Nietzsche, demasiada hu-
mana! Por acreditar que valeu a pena, agradeço a toda equipe 
da disciplina Fundamentos e Práticas de Libras da Universidade 
Nove de Julho, amigos que contribuem constantemente para 
meu crescimento acadêmico e pessoal.
Prof. Ms. Eduardo de Campos Garcia2
2 Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbite-
riana Mackenzie UPM-SP e professor do Departamento de Educação da Univer-
sidade Nove de Julho UNINOVE-SP.
 13
Todo pedagogo deve saber 
que a Libras é...
A Libras é a língua de sinais brasileira e, como toda língua natu-
ral humana, terá sua singularidade em nível de desenvolvimento 
mental, de maturação3 e de regras sociais.
Sendo a Libras reconhecida pelos linguistas como uma 
língua natural humana, podemos afirmar que esse reconheci-
mento se deu devido à Língua Brasileira de Sinais se desenvol-
ver por meio dos mesmos processos que qualquer outra língua 
humana. Isso ocorre porque os processos de desenvolvimento 
mental, maturação e apreensão das regras sociais são inerentes à 
linguagem humana e a todas as línguas4 humanas, independen-
3 Maturação: crescimento acompanhado de mudanças na capacidade funcional; 
está altamente correlacionada com a idade; aptidão da criança (Cf. Gregor, 1991, 
p. 51).
4 “Os seres humanos podem utilizar uma língua de acordo com a modalidade 
de percepção e produção desta: modalidade oral-auditiva (português, francês, 
14 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 15
temente da modalidade na qual ela se desenvolve, seja ela visuo-
espacial ou oral-auditiva.
O reconhecimento do estatuo de língua atribuído às 
línguas visuoespaciais é muito importante para o processo de 
educação dos seres humanos, cuja condição humana é a de ser 
surdo. Isso porque, durante séculos, as línguas visuoespaciais fo-
ram concebidas apenas como linguagem, sendo vistas como um 
subproduto da razão humana, algo primitivo sem capacidade de 
expressar o pensamento como as línguas orais-auditivas. Na atu-
alidade, podemos afirmar que essa concepção é puro mito.
Sobre o processo de desenvolvimento da linguagem e das 
línguas humanas, diferentes autores de diferentes correntes cien-
tíficas observaram, discutiram e analisaram ao longo da história 
o processo de desdobramento em nível bio-orgânico e social 
desse fenômeno humano.
No decorrer da história, os estudos elaborados por meio 
dos conceitos do estruturalismo de Saussure (1977), da fenome-
nologia de Merleau-Ponty (1990), do gerativismo de Chomsky 
(2008), da psicogênese de Piaget (1964) e Wallon (1975) e do 
sócio interacionismo de Vygotsky (2001), embora tenham sido 
concebidos por diferentes olhares, acabam complementando-se 
nos dias atuais, possibilitando maior clareza por meio de uma 
intertextualidade sobre o tema linguagem e línguas humanas.
Metaforicamente, cada teórico com suas análises sobre 
linguagem e línguas humanas se comparam às peças de um 
inglês, japonês etc.) ou modalidade visuoespacial (língua de sinais portuguesa, 
língua de sinais francesa, língua de sinais inglesa, língua de sinais americana, lín-
gua de sinais brasileira etc.)” (Cf. Quadros, Karnopp, 2006, p. 24).
quebra-cabeça, cujo todo permite a compreensão das partes e a 
ressignificação dos conceitos.
Tais estudiosos, ao tratarem do assunto linguagem e lín-
guas humanas, independentemente da corrente científica a qual 
pertencem, acabam por meio de uma intertextualidade, concor-
dando e complementando-se entre si em inúmeros aspectos, o 
que faz desse tema algo universalizado em relação às concepções 
tecidas sobre ele durante a história da humanidade.
Pensemos que essa universalização é justamente o que 
constrói o caráter dicotômico do fenômeno linguagem, ineren-
te a todas as línguas humanas. A dicotomia como característica 
inerente à linguagem e as línguas humanas faz delas ao mesmo 
tempo um fenômeno por essência biológico e social, genético e 
sócio-construído. Por esse motivo, os autores se complementam.
Nesse aspecto dicotômico, o biológico influencia o social 
ao mesmo tempo em que o social influencia o biológico, propi-
ciando à linguagem e às línguas humanas uma constante evolu-
ção, o que lhes confere sua característica dinâmica. Isso significa 
que, ao analisarmos e intertextualizarmos os estudos elaborados 
pelos vários teóricos, juntamos o quebra-cabeça, possibilitando 
estudar o fenômeno da linguagem e das línguas humanas com 
maior clareza.
Nessa ótica dualista em que olhares opostos se comple-
mentam e se intertextualizam, podemos conceber que o estrutu-
ralismo de Saussure (op. cit), embora se diferencie do gerativis-
mo de Chomsky (op. cit), ambos se completam para um melhor 
entendimento sobre a linguagem e as línguas humanas na atuali-
dade. O mesmo ocorre em relação a Piaget, Wallon, Vygotsky, e 
16 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 17
Merleau-Ponty, em que os apontamentos bio-orgânicos se inter-
textualizam com os apontamentos sociointeracionistas, possibi-
litando uma leitura e compreensão sobre a característica dualista 
e dicotômica da linguagem e das línguas humanas.
Muitas vezes, mesmo que por meio de diferentes óticas 
científicas, os teóricos acabam explanando o tema linguagem 
e línguas humanas com similaridades que, em síntese, são im-
portantes para a compreensão desse fenômeno singularmente 
humano. Reafirmamos essa singularidade humana do potencial 
linguístico porque, embora os animais desenvolvam sistemas de 
comunicação, estes são fechados, sem desencadeamento de pro-
cessos evolutivos com interferência na forma de pensar.
Por isso, pensamos que, no campo da linguagem, as análi-
ses elaboradas pelos diferentes teóricos complementam-se, dan-
do respostas às atuais observações sobre a linguagem humana e 
suas etapas de desdobramento.
Entre as similaridades significativas apontadas pelos teó-
ricos, poderemos observar no decorrer do trabalho que muitas 
das correntes citadas acima consideram a linguagem um fenô-
meno natural e a língua humana um fenômeno social. Sendo 
que dentro do aspecto dicotômico inerente a linguagem e as 
línguas humanas, devemos conceber que toda língua será uma 
linguagem, mas nem toda linguagem é uma língua. Isso porque 
as línguas são a maturação da linguagem, e a linguagem é a ex-
pressão do pensamento em sua essência. Desse modo, sendo a 
língua humana uma linguagem, será ela também expressão do 
pensamento humano por essência, porém de forma elaborada, 
complexa, epistêmica.
Alguns teóricos e críticos concebem que o fenômeno da 
linguagem humana está intimamente ligado ao fenômeno do 
pensamento humano. Para esses autores, os dois fenômenos – 
pensamento e linguagem –, que possibilitam o desdobramento 
de uma língua natural nos indivíduos, são intrínsecos.
Para La Taille (1992, p. 44), “a linguagem nutri e conduz 
o pensamento”. Partindo dessa lógica, acreditamos que o pensa-
mento, ao se desenvolver em nível exoendógeno e endoexóge-
no, nutre e propicia naturalmente o desdobramento das línguas 
humanas, pois sendo estas a maturação da linguagem de um ser 
humano, atenderá as necessidades biossociais de cada indivíduo 
humano para representar suas ideias. A proposta de La Taille 
nos faz interpretar que a linguagem humana e o pensamento hu-
mano existem numa unissonância funcional. Para compreender 
a linguagem e o pensamento humano como algo indissociável, é 
preciso entender a posição da neurociência.
Para o neurocientista Lent (2005, p. 625), “a primeira ta-
refa linguística do cérebro se confunde com os mecanismos do 
pensamento humano”, logo pensamento e linguagem tornam-
se, em nível de indivíduo, uníssono,indissociável, interindepen-
dente.
Por meio dos apontamentos de La Taille e Lent, nós ava-
liamos que pensamento e linguagem humana são sinônimos em 
nível de potencial linguístico.
Complementando essa sinonímia entre as proposições de 
La Taille e Lent, Quadros e Karnopp (2006, p. 15) consideram 
que a “linguagem é um componente da mente humana”, o que 
reforça a ideia de unissonância. Salles (2004, p. 67) sintetiza 
18 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 19
nossos apontamentos postulando que a “linguagem está intrin-
secamente ligada à natureza humana, no aspecto biológico e no 
aspecto psicossocial”.
Para La Taille (1992, pag. 44), “a linguagem como produ-
to da razão humana acaba no curso da história se tornando sua 
fabricante”, é uma dinâmica, uma relação entre meio e indivíduo, 
indivíduo e meio, por isso podemos conceber que a linguagem 
e as línguas humanas se maturam, desdobram-se num constante 
processo dicotômico; exoendógeno e endoexógeno.
Para Piaget (2002, p. 85), “entre a linguagem e o pensa-
mento existe um ciclo genético, de tal modo que um dos dois 
termos se apoia necessariamente sobre o outro, em formação só-
lida e em perpétua ação recíproca”. Nesse caso, é obvio que “o ser 
humano é dotado de um estado cognitivo inicial rico, comple-
xo, uma faculdade cognitiva inata de linguagem, uma verdadeira 
propriedade da espécie, codificada como uma herança genética 
humana” (Salles et al, 2004, pp. 69-70). Isso significa que somos 
em potencial seres linguísticos, sendo linguagem e pensamento 
essência do indivíduo.
A linguagem humana vista como herança genética inter-
textualiza-se com a concepção naturalista de Platão, que a con-
cebe como um fenômeno que “nasce com o homem” (Quadros; 
Karnopp, 2006, p. 78), mas sendo uma manifestação “interindi-
vidual” (Piaget, 2002, p. 78).
Observando a proposta de Platão e Piaget, podemos 
compreender que, embora a linguagem seja potencialmente 
uma herança genética e que ela sofra interferências sociais em 
seu processo de maturação, o indivíduo a matura segundo sua 
subjetividade. Isso significa que o bio, ao observar o sócio, apre-
ende-o não de forma passiva, mas ativamente, transformando-o 
segundo sua visão de mundo. Por essa ótica, cada ser humano é 
capaz de ler e reler o mundo à sua volta, propondo novas con-
cepções e propiciando a evolução da sociedade por meio de seu 
pensamento.
Para Darwin, “(...) o desenvolvimento da linguagem agiu 
sobre a própria mente, colocando-a em condições de formular 
longas cadeias de pensamento” (apud Salles et al, Ibid., p.66).
É relevante compreendermos que, na medida em que os 
sujeitos-biológicos externam suas necessidades biomentais, eles 
socializam seus pensamentos, tornando-se sócios-sujeitos. Esses 
bio-sócio-sujeitos, ao socializarem seus pensamentos, recebem 
uma resposta do meio, que se constitui por outros bio-sócio-
sujeitos. Nessa troca de pensamentos, há modificações conside-
ráveis nas estruturas do pensamento humano, desencadeando 
longas cadeias de novos pensamentos.
Sobre os aspectos apresentados por Darwin e Piaget, 
é relevante intertextualizá-los com o pensamento de La Tail-
le (1992, p. 15), que o exemplifica afirmando que “A partir da 
aquisição da linguagem, inicia-se uma socialização efetiva da 
inteligência”. Desse modo, o subjetivo, por meio do desenvol-
vimento da linguagem humana, tornou-se social, sendo que o 
social, ao ser apreendido pelo bio, torna-se subjetivo.
Essa socialização da inteligência se dá porque, em nível 
de existência do homem, “um dos traços essenciais da espécie 
humana é a aptidão para a linguagem” (Wallon, 1995, p. 102). 
O homem nasce sendo um ser linguístico, e por ser um ser lin-
20 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 21
guístico será um ser social.
Em síntese, a linguagem desenvolveu-se na espécie huma-
na como consequência da necessidade do homem de aprimorar 
seu pensamento e externá-lo, “concluí-lo”,5 estabelecer laços en-
tre seus semelhantes, permitindo que este observasse e refletis-
se sobre seu percurso de vida individual e social, consolidando 
e marcando sua existência no decorrer da história. Entretanto, 
cabe-nos pontuar que, segundo Piaget (2002, p. 80), “o pensa-
mento precede a linguagem e esta se limita a transformá-lo pro-
fundamente”.
O que queremos mostrar com esse apontamento de Pia-
get é que a linguagem é um reflexo do pensar e não o contrário; 
ou seja, a linguagem se manifestará naturalmente segundo as ca-
racterísticas com as quais os indivíduos, segundo sua condição 
humana, pensarem, perceberem o mundo à sua volta; o que po-
derá ocorrer de forma auditiva, visual, ou sinestésica.
Pensemos que, no homem primata, a faculdade de pensar 
permitiu que este desenvolvesse, segundo suas necessidades, um 
sistema de símbolos e signos mentais que fossem capazes de esta-
belecer laços sociais mais elaborados por meio do que se chama 
hoje língua humana.
A relevância desse pensamento se dá porque, segundo 
Morin (2003, p. 55), “todo desenvolvimento verdadeiramente 
humano significa o desenvolvimento conjunto das autonomias 
individuais” na qual a linguagem se ratifica como característica 
singular presente no homem. Por isso, a modalidade com a qual 
5 Visão de Merleau-Ponty sobre a linguagem. “A língua conclui o pensamento” 
(Cf. Flynn, 2004).
o homem percebe o mundo é fundamental para o desenvolvi-
mento natural da modalidade de sua linguagem e o desdobra-
mento de sua língua materna. Isso nos deixa claro que a natureza 
humana é que define o surgimento da modalidade linguística 
que se desenvolverá no indivíduo, e não a sociedade. Quando 
a sociedade conceitua e atua sobre o indivíduo forçando-lhe o 
desenvolvimento linguístico que não é de sua natureza, esse me-
canicamente reproduz o que lhe mecanizaram. Por esse motivo, 
podemos observar que os surdos aprendem a oralizar não de for-
ma natural, mas somente por interferência de profissionais, sen-
do que os sinais, sim, são para o surdo naturalmente a expressão 
de seu pensamento.
Independentemente do modo como o ser humano per-
ceberá o mundo à sua volta, a linguagem propiciará e propiciou 
na história da humanidade o poder do homem de estabelecer 
laços por meio da comunicação e da expressão de seu pensamen-
to. Logo, é o ser humano capaz de construir mentalmente, por 
meio da linguagem, a externalização de seu pensamento, sua 
conclusão, como já dito acima.
Em nível corporal e cerebral, numa análise do biossiste-
ma da fisiologia da linguagem, sua conclusão tem como canal 
linguístico o corpo humano e alguns órgãos articulatórios que 
evoluíram na espécie humana, propiciando que o homem exter-
nasse seu pensamento. A espécie humana, por necessidades, de-
senvolveu e adaptou órgãos, cuja função primeira é outra, para, 
ao articular esses órgãos, poderem transformar o pensamento in-
dividual em palavra social. Entre esses órgãos que se adaptaram 
ao longo do desenvolvimento da espécie humana, encontram-se 
22 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 23
a língua-músculo-bucal e as mãos. Entendamos que cada povo 
tem sua língua-idioma, elaborada pela língua-músculo-bucal 
ou pelas mãos; porém todos os povos utilizam esse órgão e esse 
membro para efetuar as mesmas funções não lingüísticas: sentir 
gosto e pegar as coisas.
Isso significa que não há de fato no ser homem órgãos ou 
membros corporais que sejam naturalmente desenvolvidos para 
a produção das línguas humanas, mas sim uma evolução da es-
pécie que adaptou alguns órgãos e membros, possibilitando que 
a construção externada dos signos mentais se manifestasse por 
meio de alguma articulação.
Entre esses órgãos responsáveis pelo desenvolvimento da 
externalização dos signos mentais das línguas humanas, estão alíngua (músculo bucal) e as mãos (membros), sendo que am-
bos podem construir palavras que representem o pensamento 
humano.
Segundo os conceitos da fenomenologia apontados por 
Merleau-Ponty (1990, p. 23), “a linguagem é o prolongamento 
indissolúvel de toda atividade física”.
Nesse aspecto, embora pareça complexa a proposta de 
Merleau-Ponty, entendemos que, independentemente do meca-
nismo com a qual a linguagem se manifestar, seja esse por meio 
da mão ou da língua, ela será sempre fruto da maturação do sis-
tema neuromotor do ser humano, acompanhado de sua essência 
inteligente.
Para entendermos essa proposição, é preciso compreen-
der que a vocalização se constrói por meio da “articulação6 (...) 
que ocorre pelo envio de comandos para os núcleos motores do 
tronco encefálico que, por sua vez, comandam a musculatura 
facial, a língua, as cordas vocais da laringe, a faringe e os mús-
culos respiratórios” (Cf. Lent, 2005, pp. 631-632). Isso com-
prova que até mesmo a vocalização é submetida a uma condição 
motora, não tendo diferença funcional, em nível cerebral, dos 
sinais elaborados nas línguas de sinais, cujo “canal linguístico e 
articulatório principal é a mão” (Cf. Silva, 2002, p. 21). Nesse 
caso, todos os músculos e nervuras envolvidos nas articulações 
do braço contribuirão para a manifestação do signo mental em 
palavra sinal.
Devemos entender que, no processo do desenvolvimento 
da linguagem, segundo a articulação motora utilizada, a oralida-
de primitiva apresenta-se na forma de frêmitos – sons descone-
xos denominados balbucio oral – , e os sinais por meio de gestos 
denominados balbucio gestual. Esses são os primeiros vestígios 
do surgimento e da formação de signos mentais de um ser huma-
no que, com o passar dos anos, desdobram-se em uma língua por 
meio da maturação.
Sobre a fase primária da linguagem humana e sua matu-
ração na construção dos signos mentais, é importante obser-
varmos que, segundo Wallon (2007, p. 61), “a expressão é uma 
atitude” e, a princípio, em todos os indivíduos “o movimento 
é tudo o que pode dar testemunho da vida psíquica e traduzi-
6 Temos consciência de que as etapas anteriores ao da articulação na produção 
da oralidade são: “Conceitualização e formulação” (Cf. Lent, 2005, p. 630). 
“Chomsky observou que o termo articulatório (...) expressava uma forma geral 
de a linguagem ser representada no nível de interface articulatório-perceptual, 
incluindo, portanto, as línguas sinalizadas” (Quadros; Karnopp, 2001, p. 214).
24 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 25
la (Sic!) completamente” (1995, p. 75). Para comprovar que o 
corpo em movimento traduz a vida psíquica, Wallon (1995, p. 
120) pontua que, “basta ver uma criancinha no banho e a agita-
ção de seus membros causados pela água, em uma idade em que 
a criança não poderia sustê-los por si mesma, esse fenômeno tem 
todo aspecto de uma satisfação transbordante”, satisfação essa 
externada por gestos corporais soltos e sons orais – frêmitos.
Sobre os movimentos corporais, podemos observar que 
eles provocam reações afetivas, iniciando uma comunicação en-
tre o indivíduo e seu meio. Por se tratar de uma comunicação 
efetuada pelos movimentos corporais, chamamos essa manifes-
tação de “cinésica”.7 Nesse contexto, Guiraud (2001, p. 20) “diz 
que o corpo fala na medida em que nos dá informações”. Porém, 
o corpo de todos os seres humano fala, mas na medida em que 
esse falar ocorre por meio de um órgão articulatório específi-
co de um indivíduo, que ao se articular conclui o pensamento 
e propicia a externalização dos signos mentais, esse falar trans-
cende a linguagem corporal e se consolida como língua natural 
humana. Isso porque esse falar não é prosódia, um falar incons-
ciente, mas um falar que por meio de sinais concluem um pensa-
mento manifestando-se como palavra.
Piaget (2002, p. 79) propõe que, “no terreno senso motor, 
já existem sistemas de significações”. Esse apontamento sobre a 
significação é importante para nós, porque toda língua se cons-
truirá por meio de uma linguagem que se matura e, por meio 
dessa maturação, haverá a construção de signos e símbolos men-
tais.
7 (Weil; Tompakow, 1980, p. 5).
Em princípio, entendamos que “as descargas, suscitadas 
pelas necessidades do bebê, refletem sensações. Trata-se de um 
recurso de comunicação, pois mediante esses movimentos, sus-
citará no meio as respostas a suas necessidades” (Cf. Duarte, 
2007, p. 24), dando início à troca social de ideias, propiciando a 
partir de então o surgimento dos signos mentais, pois estes nas-
cem e se desenvolvem por meio dos laços afetivos.
Desse modo, podemos compreender que a linguagem 
humana se matura, porque em nível mental o ser humano de-
senvolve signos mentais mais complexos, capazes de exprimir o 
pensamento do indivíduo com maior exatidão, para que, dessa 
forma, obtenha respostas às suas necessidades. Essas modifica-
ções substanciosas da linguagem e da língua humana ocorrem 
em nível endógeno,8 ativado por ações exógenas.9 Desse modo, 
entendemos que há uma ação endoexógena operando constan-
temente na maturação da linguagem.
Metaforicamente, podemos filosofar que, “assim como os 
pássaros têm asas, os homens têm línguas” (Lewes apud Salles et 
al, 2004, p. 66), e o homem não chegaria muito longe em relação 
à evolução do pensamento, se ele tivesse se submetido apenas à 
linguagem.
Se em princípio a linguagem humana se apresenta de for-
ma primitiva, com gestos e frêmitos involuntários, na medida 
em que o ser humano se matura, a linguagem se desdobra em 
representações sígnicas, complexas e dinâmicas.
8 “Transformações que ocorrem no pensamento; fatores internos.” (Cf. Silva, 
2006, pp. 4-7).
9 “Sob a dependência de forças exteriores.” (Wallon, 1975, p.75).
26 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 27
Nesse processo de construção dos signos mentais, en-
tendemos que, “no momento em que a inteligência sensório-
motora se prolonga em representação conceitual e se converte 
em representação simbólica, o sistema de signos sociais também 
aparece” (Piaget, 1964, p. 88).
Entendamos que, antes da criança expressar seus senti-
mentos por meio de uma palavra, seja esta elaborada (utilizare-
mos como exemplo o sentimento de amar) pelo sinal de amor 
ou pela oralização do vocábulo amor, basta que ela beije, faça 
o gesto do beijo para que o significado da construção mental, 
o amor, seja externado. Nesse caso, a criança sente o amor, mas 
ainda não sabe utilizar em seu discurso a palavra, enquanto sig-
no mental, para representar seu sentimento, sua sensação. Por 
isso, nesse contexto, entendemos que “o gesto precede a palavra” 
(Costa, 2007, p. 31).
Para exemplificar melhor a citação acima, observemos 
que, na ação do beijo, do gesto de beijar, não houve a externa-
lização do signo mental abstrato do significante amor, nem por 
meio do sinal nem por meio da oralidade, apenas um gesto, mas 
esse gesto é identificado por meio dos significados sociais atri-
buídos a ele em algumas culturas e em alguns contextos como 
expressão de amor.
Desse modo, pela necessidade de representar os estados 
mentais, as criações, as percepções e as sensações sígnicas de for-
ma epistemológica, “no plano filogenético, os órgãos articulató-
rios foram se tornando, no desenvolvimento linguístico, canal 
privilegiado para as atividades da língua10 (...)”, (Silva, 2002, p. 
10 Silva refere-se como órgão articulatório os envolvidos na oralidade, acredi-
20) sendo que, pela maturação do pensamento, a linguagem hu-
mana se desdobra em uma língua natural humana, denominada 
língua materna. Materna porque se herda de modo psicossocial, 
numa espécie de legado genético-cultural.
Em nível cerebral humano, numa concepção bio-orgâni-
ca, a linguagem é produzida, em relação àarticulação, na “área 
de broca,11 situada no hemisfério esquerdo do cérebro” (Cf. 
Herculano-Houzel, pp. 622-623). Já a construção dos sentidos, 
nas elaborações morfossintáticas, pragmática e na semântica 
oracional dos discursos, independentemente desses discursos se-
rem construídos por meio do sinal ou pela oralidade, “enquanto 
capacidade de conceber conexão, entre as ideias e as palavras, 
pertence aos dois hemisférios cerebrais” (Cf. Ibid., p. 623). Des-
se modo, segundo Condillac, “tanto a fala como os sinais per-
mitem o desenvolvimento do pensamento” (apud Silva, 2002, 
p. 42) humano.
Por meio dessa premissa, podemos compreender que “o 
cérebro humano está neurologicamente equipado para adquirir 
língua, não necessariamente fala (oral)” (Salles et al, 2004, p. 
67), ou seja, chamamos esse fenômeno de potencial linguístico.
O potencial linguístico de um ser humano caracteriza-se 
pela capacidade que todo indivíduo tem de desenvolver a lin-
guagem, o pensamento e a sua língua materna. Embora esse 
tamos possível relacionar essa concepção aos órgãos articulatórios da língua de 
sinais, mesmo porque retomaremos aqui a concepção de Chomsky sobre arti-
culação.
11 Esse nome foi dado em homenagem ao neurologista francês Paul Broca 
(1824-1880), pelo fato dele ter localizado a área cerebral responsável pela lingua-
gem humana (Cf. Herculano-Houzel, 2005, p. 622).
28 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 29
desenvolvimento seja intrínseco ao homem, segundo Saussure 
(1995, p. 17), “língua não se confunde com linguagem”, embora 
sejam insolúveis uma em relação à outra.
Para Wallon (1995), o processo de desenvolvimento das 
línguas humanas tem seu início com a linguagem, por meio dos 
movimentos corporais elaborados pelo indivíduo ainda crian-
ça. Nesse processo de desenvolvimento, há interações de causa 
e efeito. Há, por necessidade, com o tempo, o desenvolvimento 
de signos mais complexos que sejam capazes de transformar o 
pensamento e o conhecimento humano em representações epis-
têmicas que se denominam palavras.
Desse modo, “nas línguas de sinais, as configurações de 
mãos juntamente com as localizações em que os sinais são pro-
duzidos, os movimentos e as direções são unidades menores 
que formam as palavras” (Quadros, 2004, p. 20). Nas línguas 
de sinais, a manifestação das palavras ocorre por um mecanismo 
cinésico, movimento que se constrói num espaço determinado.
Nesse sentido, “as palavras existentes em qualquer língua 
distribuem-se em várias classes, conforme as formas, as funções 
que desempenham e o sentido que expressam” (Macambira, 
1999, p. 17). Segundo Wallon (2007, p. 105), “a palavra não se 
desenvolve senão com aptidão de identificar um fato de experi-
ência numa imagem ou numa ideia”.
Utilizando os apontamentos de Macambira, queremos 
dizer que não podemos mais atribuir valor semântico ao vocá-
bulo “palavra” como se esse fosse sinônimo de oralidade. Isso 
porque “o sinal é a língua do surdo” (Silva, 2002, p. 28) e, por 
meio dele, o surdo manifesta seus signos mentais naturalmente. 
Mesmo porque a língua natural dos surdos, a Libras, é consi-
derada pelos linguistas uma língua natural humana, com regras 
próprias, “dotada de um sistema linguístico legítimo” (Cf. Qua-
dros; Karnopp, 2006, p. 30), que propicia a ela autonomia no 
desdobramento, na elaboração e no surgimento da palavra-sinal.
As palavras segundo a neurociência, como um acúmulo 
da experiência mental de vida, são processadas em um dicioná-
rio interno cerebral chamado de “léxicon mental” (Lent, 2005, 
p. 627). Desse modo, “a língua é coletiva sob a forma de uma 
soma de sinais em cada cérebro, como um dicionário cujos 
exemplares, todos idênticos, são repartidos entre os indivíduos” 
(Saussure, 1977, p. 27).
Nesse processo de acúmulo de experiência e seu desdobra-
mento, em que a linguagem se matura numa língua e desenvol-
ve signos mentais complexos, o que ocorrerá de diferente entre 
os indivíduos surdos e ouvintes será a atribuição de valores que 
cada um, em sua condição humana, der à construção dos signos 
mentais. Nesse sentido, é importante compreendermos que lin-
guisticamente “o surdo é o indivíduo que aprende o mundo por 
meio de experiências visuais” (Quadros, 2004, p. 10), enquanto 
os ouvintes construirão seus signos mentais por meio da audi-
ção, numa coerência silábica sonora.
Não importa a forma como os signos mentais são cons-
truídos, mas importa se essas particularidades serão respeitadas 
no processo de ensino e aprendizagem. Mesmo porque “pesqui-
sas confirmaram que o sinal é uma língua, sendo até mesmo pro-
cessada pelo cérebro como tal” (Silva, 2002, p. 22).
Pelos motivos explicitados acima, é importante compre-
30 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 31
endermos que “os homens se comunicam de várias maneiras, 
utilizando praticamente todos os sistemas sensoriais para perce-
ber e interpretar os sinais que o sistema motor (de outra pessoa) 
produz” (Lent, 2005, p. 623). Nesse caso, teremos uma relação 
de emissão, pelo sinal ou pela oralização, e de recepção, que 
ocorrerá pelo sistema sensorial visual ou pelo sistema sensorial 
auditivo.
Entendamos que a linguagem é em sua natureza inerente 
a todos os seres humanos, já as línguas se desenvolvem por meio 
dos aspectos culturais dos indivíduos, aspectos esses que nascem 
com a subjetividade humana, “o que nos torna gêmeos pela lin-
guagem e separados pelas línguas” (Morin, 2003, p. 56).
Entre esses aspectos culturais, estará o modo como a lín-
gua se projeta para o meio e o modo como os sócios a percebem12 
e a sentem. Por essas características de emissão e percepção, 
denomina-se que as línguas são desenvolvidas em modalidades 
diferentes: visuoespacial (palavra-sinal, construção cinésica e 
percebida pela visão) ou oral auditiva (palavra-oral, construção 
silábica e percebida pela audição).
Sobre a língua visuoespacial, devemos compreender que 
“(...) a primeira língua da criança surda transcende às questões 
do universo da comunicação e mostra as relações sígnicas como 
fundamentais para concepção dos universos sociocultural e 
12 “Sentir é a capacidade que os animais apresentam de codificar certos aspec-
tos da energia física e química que os circunda, representando-os como impul-
sos nervosos capazes de ser “compreendidos” pelos neurônios. (...) Perceber (...) 
trata-se da capacidade que alguns animais apresentam – nem todos – de vincular 
os sentidos a outros aspectos da existência, como comportamento, no caso dos 
animais, e o pensamento, no caso dos seres humanos” (Lent, 2005, p. 169).
cognitivo do surdo” (Correia; Fernandes, 2008, p. 21). Falar de 
construção sígnica é falar de pensamento, é falar de construções 
mentais, é falar de representações que se manifestam e se desen-
volvem em nível endoexógeno em cada ser humano.
Desse modo, “todo surdo tem o direito de ser alfabetiza-
do na sua língua” (Skutnabb-Kangas apud Quadros, 2001, p. 
223), sendo que aqui nos referimos ao direito humano, e não ao 
direito em nível legal, pois sendo a Libras uma língua legítima, 
não há razão para a sociedade negá-la.
Por isso, é importante entendermos que em relação à pri-
meira língua, “a língua dos surdos está no sinal, é por meio dele 
que o sujeito surdo compreende e interfere no mundo” (Silva, 
2002, p. 28). Este, por sua vez, o sinal, em seu processo de ama-
durecimento estará aberto a cinésica que será operada pelo or-
ganismo desde criança, ou seja, é por meio do movimento que 
o sinal se matura, transforma-se, manifesta-se naturalmente, 
desdobra-se de linguagem para a Língua Brasileira de Sinais.
Esse processo de maturação evolui por meio de etapas, tais 
como as etapas observadas nas línguas orais. Para que possamos 
compreender o caminho percorrido pela Libras em seu proces-so de maturação, devemos nos alimentar de novos conceitos em 
relação à velhas palavras.
Um desses conceitos a serem renovados estará relaciona-
do à palavra balbucio. “O balbucio é um fenômeno que ocorre 
em todos os bebês, surdos e ouvintes” (Pettito; Marantette apud 
Quadros; Karnopp, 2001, p. 217), sendo que “nos bebês surdos 
foram detectados duas formas de balbucio manual, o balbucio 
manual silábico e a gesticulação” (Ibid.). “O balbucio manual 
32 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 33
silábico apresenta combinações que fazem parte do sistema lin-
guístico das línguas de sinais.13 Ao contrário, a gesticulação não 
apresenta organização interna” (Ibid.).
Na medida em que o indivíduo surdo se desenvolve, ocor-
re o “input”14 linguístico; momento no qual o indivíduo “se 
apropria, tenta transformar o teu em meu” (Wallon, 1975, p. 
157) em nível de língua.15
Entendamos que, no desenvolvimento da Libras, “o 
input em língua de sinais é, obviamente, importante para que 
o bebê passe para etapas posteriores” (Karnopp apud Quadros 
et al 2001, p. 218). Desse modo, “o bebê surdo com a atenção 
visual voltada para a face do interlocutor capta indícios sutis no 
rosto que lhe servirão para atribuir significado aos sinais de sua 
língua” (Ibid.). Isso significa que um bebê ouvinte observará os 
sons à sua volta, já os bebês surdos se atentarão aos movimentos 
para ocorrer o input linguístico de sua língua, materna.
13 “O balbucio manual é considerado como período pré-lingüístico que em li-
nhas gerais, caracteriza-se pelos gestos sociais (bater palma, dar “tchau” e enviar 
beijinhos, etc...) e pela utilização do apontar; essas são as primeiras produções 
manuais” (Cf. Karnopp, 1999 apud. Quadros; Karnopp, 2001, p.218).
14 Input é aquilo que é absorvido, entrada (Quadros; Karnopp, 2001, p. 218).
15 Wallon não se refere aos surdos em seus estudos, mas se tratando de um estu-
do elaborado por ele, cujo foco está voltado para o desenvolvimento da lingua-
gem humana. E sendo a Libras uma língua que se concebe por meio de todos os 
princípios linguísticos das línguas oralizadas, é pertinente que Wallon seja re-
lacionado ao momento em que ocorre o input linguístico dos surdos na língua 
de sinais. Wallon não se refere aos surdos em seus estudos, mas tratando-se de 
um estudo elaborado por ele, cujo foco está voltado para o desenvolvimento da 
linguagem humana. E sendo a Libras uma língua que se concebe por meio de 
todos os princípios linguísticos das línguas oralizadas, é pertinente que Wallon 
seja relacionado ao momento em que ocorre o input linguístico dos surdos na 
língua de sinais.
Por meio dessa observação, acreditamos que para os in-
divíduos “a reprodução de um modelo parece implicar um ele-
mento de aquisição em função da experiência” (Piaget, 1964, p. 
20), e isso ocorrerá, também, em relação à aquisição de uma lín-
gua de sinais. O bebê surdo observará seu ambiente e dele filtra-
rá, absorverá, apreenderá o que lhe for significativo. Isso ocorre 
por uma necessidade mental de todos os indivíduos surdos de 
construir conceitos mentais e elaborar naturalmente sinais que 
identifique seu pensamento, propiciando avanços na experiên-
cia linguística do indivíduo. Essa experiência se amplia se os só-
cios já utilizarem os sinais na língua natural dos surdos.
Na relação de experiência, a observação da criança fará 
com que ela apreenda, aproprie-se dos signos de sua língua ma-
terna, isso nos remete à reação circular “que consiste em que uma 
impressão provocada por um gesto tende a reproduzir o gesto, 
a fazê-lo repetir-se de maneira que ele se ocupe em prolongar a 
impressão, a reproduzir, a fazê-la passar pelas diversas variações 
de que é suscetível” (Thong, 2007, p. 17).
Entendemos essa reação circular apresentada por Thong16 
não como o surdo sendo um observador estático, ou seja, o sur-
do enquanto indivíduo não é um observador passivo nesse pro-
cesso de absorver os signos à sua volta ao absorver o “gesto” que 
para o surdo é uma língua (idioma), mas como algo que, ao ser 
observado, absorvido e apreendido pelo indivíduo surdo, sofre 
as variações das quais é suscetível, pois a língua como manifes-
16 Thong, assim como Wallon não se refere ao surdo ao elaborar essa observa-
ção, mas sendo essa uma premissa aplicada ao processo de ensino e aprendizagem 
no desenvolvimento humano, consideramos pertinente adapta-la para os estudos 
sobre o desenvolvimento da linguagem e da língua humana do indivíduo surdo.
34 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 35
tação do pensamento, ao ser absorvida, sofre as modificações às 
quais é suscetível. Essas modificações ocorrem porque cada indi-
víduo a compreende e a interpreta construindo novos conceitos 
e utilizando-a segundo sua visão de mundo.
Isso ocorre porque o signo-palavra é dinâmico, um ver-
dadeiro elemento vivo fruto da capacidade humana de elaborar 
e reelaborar seus conceitos, já que “não existe apropriação rigo-
rosa e definitiva entre o ser vivo e o seu meio, as suas relações 
resumem-se a uma transformação mútua” (Wallon, 1975, p. 
164). Desse modo, compreendemos que “a língua é o material 
fundador de nosso psiquismo e de nossa vida relacional” (Kar-
nopp, 2008, p. 75), ela permite que nossos pensares se estrutu-
rem sendo “os signos, o alimento da consciência” (Bakhtin apud 
Silva, 2002, p. 35) e, por isso, dicotômicos, mutáveis e imutáveis.
Retomando a questão sobre a dinâmica da linguagem e 
das línguas, devemos observar que, no período pré-linguístico 
da língua de sinais, os apontamentos e os gestos sociais – apon-
tar, balançar a cabeça, bater palmas etc. – encorpam-se, são 
aprendidos pelo sujeito surdo, dando origem aos sinais. Nesse 
período, as crianças começam a adquirir a palavra-sinal. Por esse 
motivo, em nível de desenvolvimento linguístico, devemos com-
preender e respeitar o direito da criança surda de desenvolver o 
sinal como língua materna, pois “a criança surda não tem o input 
da língua oral” (Kelman, 2008, p. 87) nem necessita ter.
Essa não necessidade do desenvolvimento mecanizado da 
oralização por parte do surdo ocorre porque a Língua Brasileira 
de Sinais é “uma língua genuína no léxico, na sintaxe e na capa-
cidade de gerar uma quantidade infinita de sentenças” (Stokoe 
apud Quadros; Karnopp, 2004, p. 30).
Sendo a Libras uma língua legítima, mesmo fonetica-
mente a língua de sinais brasileira será estudada pelos linguistas. 
Segundo Quadros e Karnopp (2006, p. 81), foneticamente “a 
fonética estuda os aspectos físicos dos sinais em Libras”.
Na prática, entendemos que, se a mão estiver em forma-
to de C, todos os dedos selecionados estarão juntos e formando 
uma configuração de mão arredondada com uma fissura entre 
os demais dedos da mão e o polegar; temos aí a letra C sendo 
representada pelo alfabeto manual, não há palavra, mas uma 
representação alfabética. Ao posicionarmos essa configuração 
de mão, em C, sobre a outra mão, que será a mão denominada 
mão de base, e elaborando movimento para frente, teremos a 
construção mental sendo externada por meio do sinal da palavra 
“cinza”. A mesma configuração manual em C, colocada sobre a 
cabeça, teremos a palavra-sinal “tio” etc. Essa ocorrência pode 
ser comparada à emissão sonora das palavras oralizadas “tia” e 
“dia”. Observamos que, sob aspecto sonoro, ambas são iguais, e o 
que as difere é a entonação colocada na pronúncia das palavras. 
Devemos observar que a locação de mão substitui a entonação 
vocal.
Nesse mesmo exemplo, devemos compreender que um 
estrangeiro não reconhece a diferenciação sonora da pronún-
cia dessas duas palavras “tia” e “dia”, assim como para nós possa 
parecer difícil entender que uma mesma configuração de mão 
possa ter significados diferentes quando colocada em locações 
diferentes. Para o surdoisso, é imediatamente percebido, lido, 
reconhecido, absorvido e interpretado.
36 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 37
Por esses apontamentos descritos acima, acreditamos que 
a base da Libras é a cinésica, cujo cérebro humano a reconhece 
como língua, pois, se repararmos nas especulações sobre os es-
tudos fonéticos da Libras, concluiremos que o cérebro faz uma 
análise “das bases fisiológicas relacionadas à produção” (Ibid.) 
das palavras.
Entendemos que, em nível de palavras-sinais, elas perten-
cem, assim como as palavras oralizadas, a uma “categoria lexical 
ou classe de palavras tais como verbo, substantivo etc.” (Ibid.). 
Isso ocorre porque “as línguas humanas possuem um padrão de 
organização dos seus elementos” (Ibid., p. 27) aos quais deno-
minamos “universais linguísticos” (Salles et al, 2004, p. 85). Por 
isso, de forma mais explícita, consideramos importante reafir-
mar que as línguas de sinais, entre elas a Libras, organizam-se em 
nível fonológico, fonético, morfológico, sintático, semântico e 
pragmático, assim como qualquer outra língua.
Pelo fato de a Língua de Sinais Brasileira ser linguistica-
mente reconhecida como língua legítima, apresentando todos 
os aspectos inerentes a uma língua natural, devemos compreen-
der que, em todos os níveis sociais, “se faz necessário consolidar 
o argumento de que a aquisição da língua de sinais o mais preco-
cemente pelo surdo, é fundamental para o seu desenvolvimento 
cognitivo e sua integração social” (Silva, 2002, p. 28). Para isso, 
devemos reconhecer que, nos movimentos elaborados pelos sur-
dos, há como essência à manifestação do pensamento humano, 
que se concebe por meio da palavra viva e articulada, manifesta-
da no silêncio que fala, dispensando a oralização.
Por meio das observações elaboradas nesse estudo, pode-
mos avaliar a importância dos sinais-palavras que se constroem 
no universo mental dos indivíduos surdos. Essa importância é 
reconhecida na Lei 10.436 de 2002, Lei de Libras, assunto do 
qual trataremos no próximo capítulo.
39
Todo pedagogo deve saber que 
a lei de Libras diz...
A Língua Brasileira de Sinais, como abordada no capítulo I, 
existe e resiste há muito tempo às imposições de uma sociedade 
construída e alicerçada por meio de uma cultura pensada pelos 
ouvintes e imposta aos surdos durante séculos.
O fato linguístico que nos é significativo em relação a essa 
imposição da cultura ouvinte ao ser humano surdo transcende 
os aspectos sociais de imposição cultural e alicerça-se na exis-
tência de um indivíduo surdo, de um sujeito surdo, dotado de 
uma singularidade linguística, que mesmo ao ser suprimido por 
uma outra corrente de pensamento fez permanecer sua natureza 
linguística visuoespacial na história da humanidade.
Essas imposições ouvintistas não são frutos apenas de um 
senso comum, mas frutos de documentos oficiais que as regis-
40 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 41
traram como verdadeiras, dando a elas poderes legais de ação e 
sustentando-as na história.
Ao longo do tempo, a ciência clínica visualizou e experi-
mentou inúmeras tentativas de cura do que, numa visão socio-
antropológica, é incurável: a subjetividade e a condição humana 
de ser um indivíduo surdo. Surdo, não como adjetivo, mas como 
meio de representação do seu eu interior que se manifesta lin-
guisticamente por meio das línguas de sinais, entre elas a Libras.
Tais documentos se pautaram nas concepções clínicas que 
se construíram em torno do indivíduo surdo, portanto havia um 
respaldo científico sustentando tais concepções.
Embora os surdos tenham sofrido as pressões sociais, por 
meio de documentos legais, para que o uso da língua de sinais 
fosse proibido, a Libras venceu o tempo e se mostrou legítima 
enquanto língua humana, permanecendo viva na sociedade e 
posicionando-se como elemento fundante do psiquismo do 
surdo brasileiro. Dessa forma, a resistência e a permanência da 
Libras sobre o tempo desmistifica as concepções das teorias clí-
nicas.
Desse modo, podemos compreender que a natureza hu-
mana do surdo se sobrepôs à arbitrariedade social ouvinte, e isso 
se deu porque, sendo a Libras uma língua natural e legítima, su-
perou as forças impostas pela cultura ouvinte e suas concepções 
clínicas.
O fato é que, por meio das teorias clínicas que se esten-
deram à educação, os surdos foram submetidos a um silêncio 
mental, que os colocava numa situação de menor valia entre os 
demais da sociedade-ouvinte.
A escola pautada em documentos oficiais, cujas diretrizes 
se sustentavam “numa concepção clínico-patológica de surdez, 
dava à educação uma conotação terapêutica, cujo objetivo do 
currículo era a de dar ao sujeito a audição e a fala” (Cf. SME, 
2007, p. 15) numa tentativa de reabilitação.
Nessa tentativa de reabilitação, numa busca de classificar 
o mal do surdo, as teorias clínicas e, em consequência, a escola, 
adjetivavam o surdo como afásico, surdo-mudo, mudinho, defi-
ciente sensorial e, muitas vezes, deficiente mental.
A concepção de surdo incapaz, um verdadeiro imaginário 
em relação ao surdo, foi criada por meio de concepções absurdas 
e grotescas. Um desses absurdos registrados historicamente em 
ralação ao surdo data no final do século XIX. Nesse período, 
o imaginário sobre os surdos consolidava-se da seguinte forma:
“Todo mundo sabe que os surdos-mudos são seres inferio-
res sob todos os aspectos. Não se trata de estabelecer uma com-
paração entre os criminosos e os surdos-mudos, mas, com efeito, 
a degenerescência hereditária é o fator dominante” (Grémion 
apud. Lulkin, 2005, pp. 33-34). 
Essa concepção de inferioridade imposta ao surdo deu aos 
ouvintes o poder de decisão para falar em nome dos surdos e de-
finir em nível oficial o que era relevante na educação dos surdos.
Em síntese, em 1872, decidiu-se em Veneza que o meio 
humano para comunicação do pensamento era a língua oral. Em 
1880, em Milão,17 definiu-se que a oralidade deveria imperar so-
17 Lulkin, 2005, pp. 33-49. Skliar, 2005, pp. 16-17.
42 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 43
bre a gestualidade, pois essa era indubitavelmente superior.
Sob essa convicção, “na prática escolar, a primeira medida 
educativa para coibir o uso da língua de sinais foi obrigar os alu-
nos surdos a sentarem sobre suas mãos (...). Criaram-se sistemas 
reabilitadores altamente refinados na regulação e controle do 
corpo” (Lulkin, 2005, p. 38).
Há pessoas que ainda hoje acreditam e “sugerem que o 
problema da surdez não é o acesso à oralidade, mas que ela afe-
ta a faculdade mental dos surdos para a linguagem” (Cf. Skliar, 
2005, p. 17).
Por esses motivos, acreditamos que o silêncio imposto 
aos surdos por meio dos documentos não era e não é a ausência 
da oralidade, mas sim um silêncio mais profundo, o silêncio da 
alma. Um silêncio que cala o indivíduo no seu íntimo e impõe 
a ele uma personificação arbitrária, não do que ele é realmente, 
mas do que o fizeram acreditar ser. Esse tipo de imposição deve 
“ser entendido como uma das causas fundamentais na produção 
do holocausto linguístico, cognitivo e cultural que viveram os 
surdos” (Ibid., p. 16).
Em meio a esse crescente holocausto, as famílias ouvintes 
nas quais surdos nasciam, impulsionadas por uma visão também 
clínica, acreditavam, e muitas ainda acreditam, numa possível 
recuperação dos surdos, numa cura. Dessa forma, “as ideias, nos 
últimos cem anos, são um claro testemunho do sentido comum 
segundo os surdos se adaptam com naturalidade a um modelo 
de medicalização da surdez” (Ibid., p. 7).
Se, em relação ao ser humano surdo, o que se construiu 
historicamente foram visões pautadas em concepções clínicas, 
em relação ao corpo humano e ao espaço ao seu redor, canal de 
articulaçãoda Libras, os documentos oficiais teceram uma ideia 
de desconexão entre pensamento linguagem e língua que uti-
lizasse o corpo como meio, como canal de desdobramento de 
uma língua.
O corpo sempre foi visto, pela sociedade e pela escola, 
como meio de diversão, prazer e criatividade, ou de repressão, 
o que dá a impressão de estar desvinculado de um pensamen-
to sistematizado e elaborado, simbolizado. Essa concepção do 
corpo é uma proposta restritiva que gera, muitas vezes, leituras 
equivocadas sobre quais disciplinas estão relacionadas à utiliza-
ção do corpo.
Dessa forma, os educadores na elaboração de seus projetos 
acreditam que “é necessário considerar outros modos de comu-
nicação, como a linguagem do corpo e a linguagem das artes em 
geral, permitindo transversalizar em particular com educação 
física e arte” (PCNs/TT, 1998, p. 133). Porém, em muitos pro-
jetos, o corpo é o centro do trabalho de duas disciplinas: artes e 
educação física. Dificilmente professores de geografia, códigos 
e linguagem, história, matemática ou alfabetizadores sentem-
se familiarizados com trabalhos corporais ou não o relacionam 
com uma possível metodologia de ensino a ser utilizada em seu 
planejamento.
Para os ouvintes, o corpo é, de fato, um complemento de 
sua língua materna, por ele se constitui a prosódia, sendo o cor-
po, quando expandido, fruto da arte; quando explorado em sua 
potência, fruto do esporte e da atividade física.
44 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 45
Muitas vezes, o corpo na escola é meramente tratado numa 
relação de poder, em que sua disposição demonstra a ordem e a 
organização, o domínio dos impulsos sobre o outro indivíduo.
Nesses aspectos, nas salas de aulas, nessa concepção de 
dominação do corpo, “o modelo mais conhecido é a distribui-
ção convencional com carteiras dispostas de modo enfileirado, 
a mesa do professor posicionada à frente da sala, em destaque, 
para que ele ocupe esse lugar” (Scarpato, 2006, p. 74). Pense-
mos, nas carteiras estão seres humanos, “assim fica a ideia de es-
tarem propositadamente dispostas desse modo para impedir os 
alunos em seus movimentos a fim de discipliná-los” (Ibid.). Em 
pleno século XXI, as escolas, em grande maioria, ainda se orga-
nizam desse modo.
Talvez por isso, pela concepção de corpo adotada pelas 
políticas em escolas ouvintistas, a sociedade tenha certa dificul-
dade de perceber o corpo e o desenvolvimento espacial sensorial 
visual como canal de uma língua legítima. Porque reconhecê-la 
é mais que aceitar uma língua, é quebrar o imaginário histórico 
sobre o corpo e o espaço.
Não só o corpo, mas as construções sobre a língua utili-
zada pelos ouvintes brasileiros, como a língua portuguesa, que 
se apresenta nos PCNs como sendo a “única língua nacional” 
(PCNs/LP, 1998, p. 29). O que de fato, em termos práticos, já 
não o era em 1998, se considerarmos as inúmeras línguas, legiti-
mamente naturais e nacionais oralizadas e sinalizadas por comu-
nidades indígenas18 e pelos surdos brasileiros.
18 “Os índios Urubus-Kapor do Brasil utilizam uma língua de sinais para a co-
municação, mesmo sendo em maioria ouvintes” (Cf. Ferreira-Brito, 1994 apud 
Skliar, 2005, p. 23).
Sobre aspectos laborais, pensava-se muitas vezes para o 
surdo, em relação ao currículo, uma escola de formação técni-
ca ou auxiliar formadoras de surdos que exerciam atividades de 
prestação de serviços. Dentre essas profissões pré-determinadas 
ao surdo, encontravam-se “afiador de ferramentas, alfaiate, ar-
tesão, barbeiro, bibliotecário, cartazista, confeiteiro, costureiro, 
fotógrafo, maquilador, pedreiro, tipógrafo” (Thoma, 2005, p. 
130).
Por essas e inúmeras outras razões, podemos pensar “a 
educação especial como um subproduto da educação” (Skliar, 
2005, p. 11). Não só isso, mas a educação especial é o espaço 
onde o surdo sempre foi colocado, mesmo pelos documentos 
oficiais “de um modo estático nas políticas e nas práticas peda-
gógicas” (Ibid.).
O fato é que o imaginário existente sobre o surdo na so-
ciedade atual em nível de senso comum é produto de valores 
documentados e institucionalizados durante anos. Talvez por 
isso “evita-se toda uma possível denúncia acerca do fracasso da 
instituição escola, das políticas educacionais e da responsabili-
dade do estado. O que fracassou na educação dos surdos foram 
as representações ouvintistas acerca do sujeito surdo” (Ibid., p. 
18). Por isso, não se pode conceber o surdo como um indivíduo 
fadado ao fracasso escolar. O fracasso do surdo é proveniente do 
fracasso das políticas públicas que permitiram a institucionali-
zação das versões clínicas sobre o surdo.
Cabe-nos admitir que “a educação dos surdos não fracassou, 
ela apenas conseguiu os resultados previstos em função dos me-
canismos e das relações de poderes e saberes atuais” (Ibid., p. 19).
46 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 47
O que queremos dizer com as abordagens feitas acima é 
que a Lei Federal 10.436 de 24 de abril de 2002 representa um 
marco na educação brasileira, não a reconhecendo apenas por 
decreto, mas legitimando uma língua de sinais brasileira, reco-
nhecendo a importância dela na cultura do surdo, reconhecen-
do sua história, sua cultura linguística e social.
Por meio da Lei 10.436, a Língua Brasileira de Sinais é 
reconhecida como a língua oficial dos surdos brasileiros, sendo 
que, com esse reconhecimento, o surdo tem seus direitos lin-
guísticos garantidos, anulando a deficiência sensorial e admitin-
do a diferença cultural linguística.
Essa lei põe fim à “intenção de que crianças surdas sejam, 
em um hipotético futuro, adultos ouvintes” (Skliar, 2005, p. 21).
Segundo a Lei 10.436, Art. 1º: “É reconhecida como 
meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de 
Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados”. 
No aspecto da lei, o surdo tem o direito legitimado de ser 
respeitado em sua língua materna, Libras, pois, por meio dela, 
ele se comunicará e expressará seu pensamento. Cabe a nós en-
tendermos que o verbo expressar refere-se ao poder que um in-
divíduo tem de “exprimir, declarar, falar” (Bueno, 1980, p. 470). 
Por isso, a Libras não é só um mero código linguístico pelo qual 
ouvintes e surdos se comunicam. A Libras é uma língua legítima, 
pela qual os surdos concluem seu pensamento, tendo nacional-
mente seu direito legitimado para garantir a respeitabilidade ao 
surdo.
Ainda no Art. 1º, Parágrafo único: “(...) o sistema linguís-
tico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical pró-
pria, constitui um sistema linguístico de transmissão de ideias 
e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil19”.
Em se tratando de língua, “não há uma cultura sobrepon-
do-se a outra, mas uma dinâmica fundamental emergente entre 
os homens, a troca, a diversidade como elemento essencial para 
constituição da singularidade” (Silva, 2002, p. 27).
Nesse sentido, fica óbvio, pela lei, a autonomia e o res-
peito à pessoa surda em seus direitos linguísticos, opondo-se às 
ideias clínicas que imperaram nos séculos XIX e XX, e que infe-
lizmente ainda derramam seus resquícios nos dias atuais.
A lei também dispõe no artigo 2o que: “Deve ser garanti-
do, por parte do poder público em geral e empresas concessio-
nárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar 
o uso e a difusão da Língua Brasileira de Sinais – Libras como 
meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das co-
munidades surdas do Brasil”.
O Art. 3º da Lei 10.436 que dispõe sobre a relação entre 
saúde e o surdo diz: “As instituições públicas e empresas con-
cessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem 
garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de 
deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor”.Acreditamos que o tratamento adequado ao qual se refere 
19 Acreditamos que a palavra-chave desse parágrafo, ao qual os envolvidos na 
educação deverão se atentar para uma ampla reflexão, é o uso da palavra “oriun-
do”. A significação dessa palavra permite-nos refletir que a transmissão de ideias 
e fatos, construtores da cultura, deve partir dos surdos, mas que essa não deve se 
manter somente entre eles, mas romper as barreiras sociais e constituir a diversi-
dade cultural brasileira, compondo-a.
48 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 49
o Art. 3º não se remete a uma concepção clínica da surdez na 
busca de uma cura, como alguns ainda insistem em fazer; mas 
o de respeitar a Libras como inerente ao indivíduo surdo. Nesse 
sentido, ao surdo será dada a assistência à saúde segundo suas ne-
cessidades médicas, como a qualquer outro ser humano, respei-
tando sua “natureza linguística”20, para que possa ser informado 
sobre suas possíveis doenças ao longo da vida.
Nesse aspecto, acreditamos que a lei não fala de tratamen-
to ao surdo para a surdez, mas entendemos que se refere à quali-
dade do atendimento dos profissionais da saúde em relação aos 
seres humanos surdos. Nessa relação, estará a troca de informa-
ções sobre seu estado clínico.
Para exemplificar, podemos observar dois relatos de pa-
20 Essa leitura do Art. 3º se constrói com base nas seguintes referências: “Os 
deficientes auditivos têm o direito de serem tratados com respeito, dignidade; 
devendo haver, sobretudo, nesses locais, qualidade no atendimento. Nesse caso, 
a comunicação deve fluir para que esses sujeitos se façam entender diante de seus 
problemas e de suas doenças. Com isso, percebemos a necessidade de os profis-
sionais da área de saúde adquirirem aptidão para se comunicar com o deficien-
te auditivo...” (Cruz, 2007, p. 192) “O bloqueio de comunicação entre surdos 
e profissionais da saúde instaura-se como um dos grandes obstáculos da comu-
nidade surda, quando procura serviços de saúde. O indivíduo surdo precisa ser 
assistido de forma global, ter respeitadas as suas crenças, seus valores e diferenças 
(...) Na sociedade atual, preconiza-se a convivência com as diferenças. Várias me-
didas são adotadas nas instâncias federal, estaduais e municipais, asseguradas pela 
Constituição Brasileira, tentando garantir a inclusão das pessoas com surdez no 
cotidiano familiar, coletivo e institucional. Aos profissionais da saúde, torna-se 
indispensável buscar novos paradigmas que facilitem promover uma assistência à 
saúde de qualidade e humanizada. A relação profissional da saúde e cliente surdo 
precisa ser melhorada, porque para os surdos o atendimento digno é atingido 
quando são compreendidos em suas necessidades, efetivando assim a inclusão na 
saúde (...) Responder às dificuldades dos surdos quando procuram atendimento à 
saúde é dever de todos profissionais comprometidos em colaborar na construção 
de uma sociedade inclusiva. (Chaveiro; Barbosa, 2005).
cientes surdos:
“Tive dengue e o médico não explicou. Sei que tive por 
que aqui na escola a professora falou que dengue dá febre, dor, 
mas eu não sabia que doença era. (S17)” (Chaveiro; Barbosa, 
2005).
“Tive apendicite (...). Meu esposo também é surdo (...). 
No primeiro hospital que fui, deram-me remédio e falaram que 
podia voltar para casa que não era nada sério. A dor só aumenta-
va, procuramos outro hospital, não conseguiram nos entender, 
aplicaram uma injeção (...). Já não suportava de tanta dor, foi 
quando chegaram em casa nossos amigos, um casal de surdos, 
eles tinham carro, fomos buscar uma sobrinha minha, ouvin-
te, para ir junto ao hospital, só assim recebi atendimento. Fui 
operada, o apêndice supurou. Fiquei internada 9 dias, ninguém 
pôde ficar comigo, estava sozinha, os profissionais do hospital 
não sabiam conversar comigo, passei mal, chorei, tudo sozinha. 
(S3)” (Ibid.)
Essas informações são relevantes aos profissionais da edu-
cação, porque nelas estão explícitas a importância da Libras no 
atendimento hospitalar.
Consideramos que, por meio dessa leitura, ficará claro 
que o Art. 3º não faz referência ao tratamento da surdez, mas 
as necessidades humanas básicas do surdo no que se refere a seu 
atendimento à saúde. Sobre a educação, sãos os educadores res-
ponsáveis pela construção de cidadãos conscientes em nível de 
deveres e direitos.
O Art. 4º da Lei 10.436 refere-se diretamente à adequa-
50 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 51
ção do currículo do ensino médio e superior, o que já vem ocor-
rendo em inúmeras universidades. Segundo a lei:
“O sistema educacional federal e os sistemas educacionais 
estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a in-
clusão nos cursos de formação de educação especial, de fono-
audiologia e de magistério, em seus níveis médio e superior, do 
ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte inte-
grante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, confor-
me legislação vigente”. 
Isso significa que qualquer instituição de ensino que ne-
gar a importância da Libras como constituinte curricular nos 
cursos de formação estarão em déficit com a lei, negando aos 
profissionais das áreas citadas acima de estarem capacitados para 
atuarem numa sociedade multicultural, bilíngue.
Ainda no Art. 4º, Parágrafo único: “A Língua Brasileira 
de Sinais – Libras não poderá substituir a modalidade escrita 
da língua portuguesa”. Trataremos no próximo capítulo esse as-
pecto de aquisição da escrita da língua portuguesa pelos surdos.
Com essa leitura, analisamos que a lei não modifica ape-
nas as características linguísticas do Brasil, que passa a partir 
de 2002 a ser reconhecidamente um país bilíngue; ela quebra e 
rompe com paradigmas antigos que atribuíam apenas a oraliza-
ção o estatuo de língua.
Esse reconhecimento, em nível legal, não é fruto de mera 
burocracia, mas sim resultado de lutas de seres humanos que 
buscaram seus direitos linguísticos para firmarem sua identida-
de linguística na sociedade.
Identidade linguística nos remete a pensar em um direito 
além do direito enquanto regras sociais, mas em um direito que 
nasce com o homem, humano, um direito fruto do respeito aos 
diferentes modos de conceber o mundo e de refletir sobre ele. A 
Lei 10.436 representa esse direito, o direito de ser surdo.
Desse modo, permite que em nossa sociedade existam 
espelhos-homens21 surdos, cuja língua se construa na mesma 
modalidade, a visual-gestual.
A importância desses espelhos-homens surdos, reconhe-
cidamente respeitados pela sua identidade linguística a partir de 
2002, se dá porque “as palavras refletem a arena de forças políti-
cas presentes nas relações interpessoais” (Silva, 2002, p. 25). Se 
fizermos uma auto-reflexão, o que muitas vezes preocupa não é 
de fato a oficialização da Libras enquanto língua nacional, mas 
a relação de poder que está implícita nos ouvintes, no processo 
interpessoal de sua cultura.
Nessas relações interpessoais, embora todo indivíduo te-
nha a capacidade de transformar o ambiente a ponto de cons-
truir sua história, o que ocorreu em relação a Libras por meio de 
seus utentes, é preciso entender que “devemos buscar a análise 
e a compreensão dos fenômenos de comportamento individual 
e coletivo, nos mais diversos contextos em que as interações so-
ciais e culturais ocorrem” (Kelman, 2008, p. 87).
Refletindo sobre o apontamento de Kelman, pensamos 
que, se não houvesse um reconhecimento político da existên-
21 Tivemos como referência para essa concepção de homem: Glad apud Prioste 
et al, 2006, p. 60. Que apresenta o homem como um indivíduo que se estabelece 
por meio de espelhos homens sociais.
52 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 53
cia da Libras; ela continuaria sendodesconsiderada, o que le-
varia os indivíduos surdos a serem despojados de sua natureza e 
submetidos à mecanização do ensinamento, o que desconstrói a 
subjetividade humana, tendo como consequência a negação da 
própria cultura.
Por esses motivos, o reconhecimento da Língua Brasileira 
de Sinais como língua (não como simples linguagem) e como 
primeira língua dos surdos brasileiros não é somente a aprova-
ção do ensino de uma “nova” modalidade de língua, mas o re-
conhecimento da cidadania, da identidade, da subjetividade, do 
realizar-se da pessoa humana surda em manifestar e refletir, se-
gundo sua natureza sensório-motora e sua cultura.
Como já dissemos, o Brasil é hoje reconhecidamente um 
país bilíngue, no qual devemos enfatizar que a relação das di-
ferenças entre as línguas oficiais se faz inerente às redes sociais, 
que são dinâmicas justamente por terem um caráter heterogê-
neo, e por esse aspecto devemos compreender que “conhecer 
várias línguas não representa uma ameaça, mas abre um leque de 
manifestações linguísticas dependentes de diferentes contextos” 
(Quadros, 2008, p. 28), o que nos enriquecerá pelas múltiplas 
culturas que se apresentarão.
Por meio da heterogeneidade, o indivíduo, seu pensa-
mento e sua língua como expressão de sua identidade terá valor 
porque manifestará a diferença, marca da subjetividade, da cul-
tura de um povo. Nesse aspecto, “os símbolos que impregnam a 
cultura só vão se revestir de significado para as crianças surdas 
se houver interações sociais e comunicativas significativas” (Kel-
man, 2008, p. 92) a elas.
Para compreendermos sobre a significação construída 
pela língua, nós devemos assimilar que a lei reconhece que “a 
criança surda não tem o input da língua oral”, (Kelman, Ibid, p. 
87).
Desse modo, a lei reconhece que “os surdos criaram, de-
senvolveram e transmitiram, de geração em geração, uma língua 
cuja modalidade de percepção e produção é viso-gestual” (Idem, 
Ibid, p. 23).
A lei traz em sua essência todas essas concepções ou pro-
cura atender essas especificidades e representa uma síntese desses 
valores do surdo.
Nesse aspecto, fazendo uma leitura pautada nas concep-
ções pedagógicas atuais, pautada no direito do ser humano de 
ser o que ele é em sua essência, acreditamos que a Lei 10.436 não 
é um marco no direito do surdo de aprender por meio da Li-
bras, mas sim o reconhecimento das lutas dos indivíduos surdos, 
pelos seus direitos culturais, inerentes ao indivíduo, ao cidadão 
brasileiro surdo. A lei é um dizer não à oralização mecânica, e 
dizer sim ao “silêncio”, essência de sua palavra.
Para que a sociedade se reconheça em um novo parâme-
tro, os cursos de formação que estão diretamente relacionados à 
construção dos valores e do pensamento dos sócios, incluirão a 
Libras em sua grade curricular. Em referência aos aspectos legais, 
o decreto de número 5.626 que regulamenta a Lei 10.436, no 
capítulo II, artigo 3º, dispõe sobre a obrigatoriedade da inserção 
da disciplina de Libras nos cursos de formação de professores, 
tanto no ensino médio como nos cursos de nível superior. Nos 
termos do decreto:
54 eduardO de campOs garcia 55
“Art. 3º: A Libras deve ser inserida como disciplina curri-
cular obrigatória nos cursos de formação de professores para o 
exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos 
de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e priva-
das, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos 
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. § 1º: Todos os 
cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o 
curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso 
de pedagogia e o curso de educação especial são considerados 
cursos de formação de professores e profissionais da educação 
para o exercício do magistério. § 2º: A Libras constituir-se-á em 
disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação su-
perior e na educação profissional, a partir de um ano da publica-
ção deste Decreto.”
Por meio da lei, acreditamos que o respeito à cultura do 
surdo germinará tanto nos aspectos linguísticos como nos as-
pectos científicos, dada a abertura para que se discuta a cultura 
do surdo e sua língua materna em nível superior, sendo que, por 
meio dessa obrigatoriedade, abre-se também a universidade a 
um novo universo de conhecimentos. Esses conhecimentos refe-
rentes aos direitos do ser humano surdo é que gerarão, segundo 
nossa análise, o respeito ao silêncio do surdo, que grita por meio 
dos movimentos, desenhando no espaço suas ideias e recriando 
sua própria história. Desse modo, a fala do surdo reconhecida-
mente se propagará em nível social e científico por meio de sua 
construção cinésica.
Todo pedagogo deve saber que 
a educação multifacetada é...
Neste capítulo, abordaremos a vivência dos surdos e ouvintes 
num mesmo espaço de aprendizagem, o da escola. A proposta 
em primeiro momento é a de não classificar como inclusiva22 
a escola em que surdos e ouvintes estiverem vivenciando seu 
aprendizado.
Isso porque acreditamos que toda escola deverá ser um 
espaço de vivências significativas, onde seus sujeitos deverão 
se ver como protagonistas e sem rótulos.23 Não há “inclusão” 
real se não houver concepção de igualdade, e acreditamos que 
22 “Concordamos que é necessário romper com a tradição segundo a qual, uma 
vez reconhecido o fracasso da escola especial, aparece de maneira implacável uma 
única opção, a escola inclusiva” (Skliar, 2005, p. 13).
23 “Nas práticas discursivas sobre surdez, na busca de uma conceitualização mais 
complexa, de forma enganosa usam-se os termos “deficiência”, “diversidade” e “di-
ferença”. (Ibid.)
56 eduardO de campOs garcia O que tOdO pedagOgO precisa saber sObre Libras 57
a concepção de igualdade nasce na medida em que respeitamos 
absolutamente a cultura do outro.
Pensamos que, com a concepção de igualdade, a proposta 
pedagógica de uma escola “não deverá ser compreendida como 
uma mudança metodológica dentro do mesmo paradigma da es-
colarização” (Skliar, 2005, p. 1). Ela deverá estar além da prática, 
deverá pautar-se no reconhecimento de que os surdos são indi-
víduos dotados de potencialidades próprias no processo educa-
cional, e essas potencialidades deverão ser reconhecidas assim 
como o são as potencialidades dos ouvintes.
Esse reconhecimento das potencialidades de cada ser hu-
mano é que concebemos como a igualdade a ser empregada no 
processo educacional. Isso é relevante porque “a reflexão sobre as 
potencialidades dos surdos não deve ser interpretada como um 
modelo para os surdos serem educados, ou como uma proposi-
ção metodológica de aprendizagem” (Cf. Ibid., p. 25).
É óbvio que todo planejamento educacional terá como 
item também seus métodos, nesse ponto não queremos parecer 
contraditórios em concordar que será importante e indispensá-
vel propô-los, porém, antes do método24 escolhido ser aplicado, 
deverá existir a reflexão substanciosa do que de fato é recomen-
dável e significativo para o surdo.
Nessa significação de valores do que é significativo ao sur-
24 Pensamos que “A rigidez metodológica tem apresentado sérios problemas no 
campo educacional toda vez que é considerada mais importante do que a criança. 
Ao contrário do que propõe essa tendência, acredito que toda escolha metodoló-
gica deve levar em conta a criança, e não apenas a escola ou o educador. A ênfase 
do processo educacional deve ser o desenvolvimento cognitivo e a comunicação 
das crianças” (Silva, 2005, p. 41).
do, deveremos estar atentos que as potencialidades dos surdos 
terão uma relação íntima com a sua condição humana, a de ver 
o mundo e pensá-lo por meio de experiências visuais como já 
explicitado no capítulo I.
Em algumas escolas, ainda há, em seus projetos pedagó-
gicos “a imposição de culturas e perfis narrados como belos,

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