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Lideranças do Contestado, de Paulo Pinheiro Machado

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FICHA DA LEITURA: “LIDERANÇAS DO CONTESTADO”, DE PAULO PINHEIRO 
MACHADO. 
 
 
Lenon Gustavo Batista Taques 
 
 
Resumo: ​Trata-se de ficha de leitura que objetiva a concatenação das ideias expostas em torno 
das referida obra, a fim de cumprir às exigências da bolsa de pesquisa financiada pelo Conselho 
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq . 
 
Palavras-chave​: Guerra do Contestado. Santa Catarina. História. 
 
 
INTRODUÇÃO 
Talvez a principal diferença deste livro, que se propõe a contar tanto ideias gerais sobre 
a região, mas principalmente histórias individuais dos personagens que aqui marcaram época – 
como o próprio nome do livro sugere – é a abordagem a partir da história social. Em outras 
palavras, é a história contada a partir da perspectiva das camadas mais pobres da sociedade 
como “sujeitos de sua própria história”. A perspectiva abordada é o reconhece a “nítida 
consciência” dos caboclos do Contestado que, embora marginalizados, a clara percepção que 
estavam envolvidos em uma guerra onde classe e etnia exerciam papéis fundamentais . 1
Logo no início da obra o autor esclarece a abordagem a partir do desenvolvimento de 
uma “linguagem própria” dos rebeldes, entendida como um “conjunto de símbolos e 
representações que possuíam um significado muito peculiar” . Os hábitos e às convicções dos 2
sertanejos, tais como a “santa religião”, o messianismo de João Maria, primeiramente, e José 
Maria, posteriormente; a saudade do regime monárquico (que não necessariamente era o 
clamor pela volta da família Bragança) são pontos chave para entendermos o discernimento que 
o caboclo tinha de sua contemporaneidade. O próprio termo “Guerra do Contestado” mostra-se 
como uma tema polêmico, sustentando como expressão correta a “Guerra ​no ​Contestado”, 
“pelo fato de o conflito não ser uma guerra entre os estados de Paraná e Santa Catarina” . 3
1 MACHADO, Paulo Pinheiro. ​Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas 
(1912-1916)​. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004. p. 26 
2 Ib., p. 31. 
3 Ib., p. 32​. 
 
 
 
CAPÍTULO 1 - BUGRES, TROPEIROS E BIRIVAS 
A questão indígena é ponto crucial para entendermos a formação étnico-social do 
Contestado. Não diferente de outros partes do país, às relações entre “homens brancos” e os 
índios (comumente chamado de ​bugres ​) deu-se de forma conflituosa. Segundo o autor, “a 
população ‘branca’ precedia à eliminação dos bugres das regiões recém-ocupados como forma 
preventiva de ‘limpeza de terreno’” . Nem mesmo a proibição da escravidão indígena em 1757 4
foi capaz de frear às às relações de dominação que recaíram sobre os ​bugres​. 
No mesmo período, iniciou-se caminho das tropas. Estas estradas que ligavam o Rio 
Grande do Sul a São Paulo e mostraram-se como alternativa a “Estrada Real”, que percorria a 
faixa litorânea, “unindo a Colônia do Sacramento à Rio Grande, Laguna, Desterro, São 
Francisco e Santos”, de forma muito mais lenta em comparação. Segundo o autor, o caminho 
das tropas “não seguia um traçado único, possuía variantes que eram transitáveis dependendo 
da época do ano” . Às viagens, somadas às tensões políticas gaúchas – Revolução Farroupilha 5
(1835-1845) e Revolução Federalista – (1893-1895) – foram cruciais para o povoamento do 
planalto catarinense. Tropeiros e fazendeiros, além de suas famílias, “traziam consigo [...] 
escravos crioulos e africanos, índios ‘administrados’ e mestiços agregados”, contribuindo para 
a diversificação étnico-cultural da região . 6
Chegados os escravos, a partir deste momento outra forma de relacionamento começa a 
tomar força no Planalto: o batismo dos filhos. Era comum que fazendeiros fossem escolhidos 
padrinhos de batismos de seus comandados. Este apadrinhamento era um “meio de proteção a 
criança”, pois, quanto maior o poder exercido pelo padrinho – considerado um segundo pai –, 
melhor para o menor., visto que o apadrinhamento significava assumir “um conjunto de 
compromissos ligados ao auxílio do afilhado, mas receber, em contrapartida, a lealdade tanto 
do afilhado como de seu compadre.” . 7
4 Ib., p. 58. 
5 Ib., p. 61. 
6 Ib., p. 63-64 
7 Ib., p. 67 
 
 
Importante ressaltar que até 1822, vigorava o regime das chamadas ​sesmarias​, título 
“concedido pela Coroa e pelos governadores legislativos”. Um vácuo legislativo assolou o 
domínio do solo no país, redimido pela Lei de Terras de 1850, separando as terras de 
propriedade do Estado e dos particulares e “estabelecendo que o único título de propriedade 
válido a partir de então seria o adquirido por compra da terra”; em 1854 uma nova lei 
possibilitou a legitimação das próprias sesmarias e outras terras, favorecendo aqueles que 
contavam com “posições privilegiadas nos diversos escalões do Estado”, originando um 
sistema de especulação de terras na região. 8
A partir da segunda metade do século XIX os alemães começam a povoar o planalto. 
Vindos das “colônias de Rio Negro, no planalto paranaense, e de Blumenau e Joinville, em 
Santa Catarina” estabelecendo-se como comerciantes no local; ou , até mesmo, como criadores 
e lavradores em “pequenas propriedades colônias oficiais e particulares” . 9
Segundo o autor, desde a época – há de 150 anos atrás – já era possível identificar a 
diferenciação social no planalto catarinense. A concentração de terras e a “crescimento do 
número de escravos em mãos de poucos proprietários é um importante sinal deste processo”. A 
partir da análise de processos judiciais que tramitaram nas comarcas da época evidencia-se que 
“a situação política dominante foi importante para a definição de sentenças”; além de que os 
cargos de chefia que envolviam o aparato jurídico-estatal eram nomeados pelo presidente da 
província . Interessante notar, entretanto, a importância das mulheres em situações de 10
lideranças nas propriedades rurais devido a ausência deus cônjuges estarem em longas viagens 
nos das tropas . 11
Já no fim do capítulo, o autor discorre sobre o que chama de Coronelismo “sem 
enxada” e “sem voto”. Apesar deste fenômeno político estar ligado a Primeira República, suas 
práticas “vigorou em muitas regiões do país tanto antes da República como após a chamada 
Revolução de 1930” . Entretanto, no planalto, suas características diferenciam-se de outras 12
regiões devido ao sistema político-cultural disposto na época: Indaga: 
8 Ib., p. 73 
9 Ib., p. 72-73 
10 Ib., p. 85-86 
11 Ib., p 79-80 
12 Ib., p. 91 
 
 
Todos os autores reafirmam como decisivas às iniciativas dos coronéis nos períodos 
eleitorais. É importante registrar que a mudança de regime político da Monarquia para a 
República não correspondeu a um aumento muito significativo do número de eleitores das 
regiões rurais. [...] Fica aqui, portanto, a indagação: se a fonte principal de poder do 
coronel é o meio rural, no qual é evidente sua liderança, como é possível que os meios 
urbanos se tenham tornado seu principal “curral político”, já que era nas cidades
que 
residia a maior parte dos eleitores? 13
Os jogos de poder no planalto, entretanto, não se diferenciavam tanto de outras partes 
do país. A qualidade membro de uma loja maçônica, por exemplo, “podia também ser um bom 
ponto de partida para uma carreira política” . Como já citado, governadores (ou o ​chefe da 14
província​, nome também utilizado) nomeava delegados, promotores públicos, coletores de 
impostos, juízes e demais cargos, criando uma estrutura de poder favorável ao mantimento do 
status quo. 15
 
CAPÍTULO 2 - ASPECTOS INSTITUCIONAIS 
Desde o Brasil Colônia há litígios sobre o domínio sobre a região do oeste planalto 
serrano,”entre os rios Uruguai e Iguaçu, ao sul do de Rio Negro” . A questão de limites, 16
embora seja colocada por muitos autores como secundária quanto a sua relação 
causa-consequência com a Guerra do Contestado, tem certo nível de importância na relação dos 
conflitos segundo Paulo Pinheiro Machado . O combate se deu entre estes dois estado 17
vizinhos: Santa Catarina e Paraná. Haviam discussões sobre documentos coloniais que eram 
utilizados como argumentos para cada estado estabelecer como sua aquela jurisdição 
contestada . 18
O principal produto da região era a erva-mate. Segundo o autor, “é a região onde se 
localizava a maior quantidade de ervais nativos, onde a folha erva-mate era colhida de ervais 
em suas maioria devolutos”. Diante da quantidade de terras de posse indefinida, a Constituição 
de 1891 tratou de buscar soluções para o problema: 
13 Ib., p. 92 
14 Ib., p. 102 
15 Ib., p. 104 
16 Ib., p. 124 
17 Ib., p. 12 
18 Ib., p.125 
 
 
[...] Com o advento da República, a nova Constituição de 1891 passou do governo central 
a nova Constituição de 1891 passou do governo central aos estados a prerrogativa de 
legislar sobre terras e colonização. 
A definição de uma nova política estadual de terras ocorreu ainda na década de 1890 e 
tinha como objetivo atuar em duas “frentes”: a) regularização definitiva de antigas posses; 
b) venda de terras públicas para estímulo da pecuária e da lavoura. 19
. Os procedimentos de regularização as posses já existentes antes da Lei de Terras 
“previa esta legitimação e a revalidação de posses num prazo que se estendia até 1903”. Às não 
“legalizadas” foram consideradas devolutas e “incorporadas ao patrimônio do Estado”. Consta 
que neste período tornou-se comum a venda de terras públicas, sendo “o principal meio de 
legalização da grilagem de sitiantes”. 20
Outro fator preponderante para o clima ​pré-guerra na região foi a instalação da ​Brazil 
Railway​, empresa norte-americana incumbida, através de um contrato de concessão com o 
governo brasileiro, de construir uma linha férrea que ligaria o Rio Grande do Sul e São Paulo. 
Ademais, esta empresa recebeu como doação por parte do governo de um trecho de até 15 
quilômetros de terras de cada margem da linha” (uma concessão revogada previa a doação de 
30 quilômetros) . Para a exploração da madeira doada ficou incumbida uma subsidiária da 21
Brazil Railway chamada ​Lumber and Colonization, ​montando duas serrarias, uma na cidade de 
Calmon e a outra em Três Barras . Para o escoamento da madeira proveniente das terras 22
doadas, a companhia engendrou outra linha férrea que ligava União da Vitória até cidade 
portuária de São Francisco do Sul. Este último trajeto foi terminado apenas em 1917 . 23
Por meio de sua milícia armada a Lumber obteve a posse dos territórios . Consta que 24
este corpo de segurança “possuía um corpo de segurança de mais de 300 guardas, o que 
representava, na época, um efetivo superior ao do Regimento de Segurança de Santa Catarina 
que possuía, em 1910, 280 homens (incluindo banda de música, oficiais e guardas dos prédios 
públicos da capital), espalhados por todo o estado).” 25
 
19 Ib., p. 138 
20 Ib, p. 142 
21 Ib., p. 142-143 
22 Ib., p. 150-151 
23 Ib., p. 144 
24 Ib,, p. 148 
25 Ib., p. 152 
 
 
CAPÍTULO 3 - O TEMPO DO “FANATISMO” 
No segundo reduto do Taquaruçu, entre novembro de 1913 e fevereiro de 1914, vigorou 
um tipo acentuado de exaltação mística que procurava, na leitura de determinados 
“sinais” da natureza, a manifestação da presença do monge José Maria e das divindades e 
heróis que já haviam se “passado” e que agora integravam o ​exército encantado de são 
Sebastião. Certa feita, num momento logo após uma ​forma​, os líderes do reduto e alguns 
crentes afirmavam que às “dobras” do pequenas nuvens que apareciam no firmamento 
eram às imagens de José Maria e são Jorge montados a cavalo. Logo apareceu um 
caboclo, um pouco embriagado, que afirmava não estar vendo “bosta nenhuma”. Este 
homem levou uma surra de porrete. A partir daí não houve mais quem duvidasse dos 
sinais do céu. 26
Houve dois monges chamados “João Maria” que passaram por estas terras e que 
definitivamente influenciaram o desenvolvimento a região. O primeiro deles “tinha uma 
relação bastante próxima com a estrutura oficial da Igreja católica” . O segundo opunha-se ao 27
regime republicano e “teve uma relação hostil com o clero católico”. Era ligado às curas 
medicinais e tinha um discurso ambientalista de proteção à natureza. O fim da monarquia 
harmonizava com seu discurso apocalíptico que contava com grande apoio da população local. 
 Tanto um como outro passaram pela região durante os século XIX. 28
Na virada de século, os franciscanos alemães tomaram conta do clero no planalto 
serrano de Santa Catarina. Segundo o autor, esta atuação representou um “choque cultural e 
religioso”, causando um enfraquecimento das práticas religiosas (missas, comunhões, 
confissões. Os casamentos exclusivamente civis e “presença ostensiva de livre-pensadores e da 
maçonaria em meio à elite local” crescia . 29
No ano de 1912 um novo monge – este de nome José Maria – aparece na região. 
Segundo relatos, era um “homem penitente” e “dado a ações de cura e caridade”, além de ser 
um admirador do antigo monge João Maria. Provavelmente tinha maiores conhecimentos 
empíricos sobre ervas medicinais se comparado ao primeiro monge, e seu curandeirismo fez-o 
ser acusado de “charlatanismo”. Fato curioso é que apresentou-se como celibatário . Andou 30
pelo planalto, mas em certo momento estabeleceu residência nos campos do Espinilho, em 
Campos Novos. Certo dia, líderes de comunidades vizinhas – líderes este que posteriormente 
26 Ib., p. 163 
27 Ib., p. 164 
28 Ib., p. 168-169 
29 Ib., p. 171-172 
30 Ib., p. 175-176 
 
 
participaram ativiamente da guerra – convidaram o monge para comparecer à uma festa 
religiosa em Taquaruçu. 
A festa teve grandes proporções, e além dos tradicionais habitantes, compareceram 
“muitos sertanejos expulsos pela pela Lumber e pela Brazil Railway, tanto da costa do Rio do 
Peixe como da região do Iguaçu”. Neste tempo a cidade de Curitibanos – era o local de 
localização de Taquaraçu – estava sob uma disputa de poder interno, embora José Maria não
parecesse ter o objetivo inicial de posicionar-se sobre a rixa. Pouco a pouco, acreditando nos 
boatos de um novo João Maria, houve “aumento da aglomeração de pobres, errantes e doentes 
no arraial de Taquaruçu” . 31
O grande número de pessoas ativou o estado de alerta de coronel Albuquerque, então 
superintendente da cidade, a ponto de chamar o monge para uma “direta”, que foi ironicamente 
respondido por José Maria. A “monarquia cabocla” preocupava às autoridades locais, e a 32
repressão, através de suas forças de segurança, foram enviadas, fez-que com que fossem 
enviados trinta soldados ao local. Ao chegarem, José Maria já havia ido embora: “para evitar 
um confronto do qual nem sabia a razão, José Maria preferiu abandonar Taquaruçu em 
setembro de 1912 [...] para viver [...] em Irani” . 33
Mas nem mesmo a mudança de José Maria acalmou o anseio das autoridades em 
capturá-lo. Apesar de estar “entre amigos”, locais que ficavam sabendo de suas caras 
começaram a se reunir em Irani. Ressalta o autor: 
É importante observar que, tanto o ajuntamento inicial de Taquaruçu, resultantante da 
afluência de pessoas à Festa de Bom Jesus que se mantiveram no local após o evento, 
quanto o pequeno povoado de Irani, onde José Maria chegou em outubro de 1912 com um 
grupo de seguidores de Taquaruçu, não eram núcleos organizados segundo o modelo de 
“quadros santos”, como se instituiu mais tarde. 34
 
A insubmissão de José Maria irritava coronel Albuquerque, que “passou a ver com 
temor um ajuntamento de pobres ainda pequeno em Taquaruçu”. Em 22 de outubro de 1912, 
seguidores de José Maria, juntamente com próprio, guerrearam com a força paranaense. José 
31 Ib., p. 177-189 
32 Ib., p. 177-189 
33 Ib., p. 182-183 
34 Ib., p. p. 184-185 
 
 
Maria foi morto, assim como outros caboclos, entretanto os agentes do governo foram cercados 
e mortos no “entrevero”. Apesar da baixa no contingente, “a morte do monge, [...] significava 35
o fim do curioso movimento sertanejo” segundo às autoridades. 
 Depois da morte do monge houve o que o autor chama de um um processo de 
“reelaboração mística” . A crença que José Maria ressuscitaria teve início . Aparecem os 36 37
primeiros sinais do “comunismo caboclo”, onde todas as pessoas eram sustentadas “mesmo se 
não tivesse contribuído com nada” . A economia cabocla baseava-se em práticas cristãs de 38
partilha dos mantimentos e o suporte aos mais necessitados ; no entanto, como afirma Paulo 39
Pinheiro Machado, “não há uma rejeição, em abstrato, às atividades econômicas”, mas sim ao 
acúmulo de riquezas . 40
Passados um ano do que hoje conhecemos como ​Batalha do Irani​, uma virgem 
chamada Teodora “começou a relatar sonhos e visões que tinha com José Maria e a difundir a 
necessidade de todos se dirigirem a Taquaruçu a fim de aguardar o retorno de retorno do 
monge junto ao ‘exército encantado’ de são Sebastião”. 41
Em poucos dias Teodora perdeu sua “liderança”. Estava formado o segundo 
ajuntamento de Taquaruçu. Houve uma rápida sucessão de “lideranças”, e em dezembro de 
1913 Manoel, então com 18 anos assumiu o posto visto que, segundo ele, conversava com José 
Maria na mata. Foi este líder que introduziu o corte de cabelo aparado, criando a distinção 42
entre “pelados”, sertanejos do reduto; e “peludos”, os homens da forças de segurança . Porém, 43
poucos dias depois Manoel foi tirado do poder pois “declarou que, por ordem de José Maria, 
ele deveria dormir com duas virgens”. Sobre a chegada destas lideranças e seu mantimento 44
no poder, disserta o autor: 
 
35 Ib., p. 187 
36 Ib., p. 189 
37 Ib., p. 193 
38 Ib., p. 193 
39 Ib., p. 204 
40 Ib., p. 207 
41 Ib., p. 198 
42 Ib., p. 200 
43 Ib. p. 204 
44 Ib., p. 205 
 
 
Às lideranças de Teodora, Manoel e Joaquim não estavam apenas apoiadas em suas 
anunciadas capacidades mediúnicas e sagradas. O poder destes jovens era respeitado 
principalmente porque sua autoridade era bancada pelo patriarca Eusébio Ferreira dos 
Santos e sua esposa Querubina. Afinal, boa parte dos que se estabeleceram no “quadro 
santo” de Taquaruçu já acompanhava Eusébio e sua família desde São Sebastião das 
Perdizes. 45
Na localidade de Caraguatá, uma nova “virgem” surgia: Maria Rosa. Esta jovem tinha 
na época cerca de 15 anos e “procurou manter um comando direto” sob os chamados “pares de 
França”. Em 9 de março de 1914, ocorreu o ​combate de Caraguatá, ​vencido pelos “pelados”. 
Curioso fato é a tática usada pelos sertanejos, que, vestidos com roupa de mulheres tiraram a 
atenção dos soldados, enquanto outro grupo de atiradores aniquilou às forças do governo. 46
 
CAPÍTULO 4 - O TEMPO DO “JAGUNCISMO” 
A guerra, desde a liquidação de Taquaruçu em 1914, radicalizou-se . Teve início a 47
intervenção armada no estado, motiva, segundo o governador Vidal Ramos, pela 
“restabelecimento da ordem, a necessidade de normalizar a vida de uma extensa região do 
Estado”. Ao mesmo tempo, houve uma crescente na simpatia dos menos abastados da região 48
pelos rebeldes e o sertanejo “passou a ser um soldado temido” . 49
Nesta época também houve o ampliação das ideias do movimento: segundo o autor, os 
rebeldes tinham em seus ideais a defesa de seu projeto a nível nacional. A “monarquia cabocla” 
passa a ser uma “meta revolucionária de modificação de toda a sociedade”. Nascem os 50
primeiros traços do “comunismo caboclo”, ao passo que vários princípios de João Maria são 
deixados para trás. 51
Chiquinho Alonso, “um posseiro do Vale do Rio Timbó”, assume a liderança do 
movimento, acompanhado de vários outros combatentes com papéis de chefia entre os 
rebeldes, tais como Olegário e Germano . Entretanto, segundo o autor, Chiquinho Alonso e 52
45 Ib., p. 218 
46 Ib., p. 222-223 
47 Ib., p. 243 
48 Ib., p. 244 
49 Ib., p. 245 
50 Ib., p. 246-247 
51 Ib., p. 247-248 
52 Ib., p. 249-250 
 
 
Elias de Moraes (outro estrategista dos rebeldes), exercia um comando muito mais simbólico 
“do que efetivamente real”, servindo o presidente de uma confederação de chefes . Com a 53
radicalização, novos contingentes juntaram-se aos caboclos. Nesse ponto, é importante ressaltar 
a diversidade de interesses quanto a ingresso no movimento: 
No entanto, é importante ressaltar que a linguagem geral da “guerra santa” certamente 
teve diferentes significados, resultado de diferentes apropriações nas distintas regiões do 
planalto ou em diferentes setores sociais envolvidos. Para os habitantes de Taquaraçu e 
Perdizes, locais de origem do movimento, a rebelião foi o caminho trilhado após a 
violência que os coronéis e o governo, em sua totalidade, haviam praticado contra o 
monge José Maria. Para os sitiantes dos vales do Rio Timbó, Tamanduá e Paciência, era 
um meio para combater a presença cada vez mais agressiva dos coronéis Fabrício Vieira e 
Arthur de Paula e Souza, que desejam estender suas propriedades e sua influência política 
sobre aquelas regiões. Para as oposições políticas
formais aos chefes municipais de 
Curitibanos e Canoinhas, significava uma oportunidade ímpar de minar o poder do 
coronel Albuquerque e do major Vieira. Para os antigos ​maragatos de todo o planalto, a 
“guerra santa” significava a volta à ativa e uma chance de desforra contra os ​pica paus​. A 
participação de Agustin Perez Saraiva, o “Castelhano”, que se declarava primo do 
falecido Gumercindo, acentuava o simbolismo. 54
 
A partir do ataque à Vila de Canoinhas em 1914, tem-se início uma série de investidas 
pelos rebeldes: além da já citada Canoinhas, Itaiópolis, Papanduva, Vila Nova do Timbó e 
Curitibanos são atacadas, sem contar nas estações ferroviárias e serrarias da ​Lumber ​. Cresce 
nesse período os convites destinados a população da região para que se tornem novos “irmãos”. 
Carabinas Winchester eram o armamento dos caboclos, “mas a preferência dos piquetes, no 
confronto com às forças ‘peludas’, era o ‘entrevero’, a luta corporal em que se usavam facões.”. 
Diante da gravidade dos ataques, os estados de Santa Catarina e do Paraná solicitar a 55
intervenção federal (artigo 6º da CR). 56
Há, uma confusão pelas forças federais da definição de seus reais inimigos. Segundo o 
autor, às tropas comandadas pelo general Fernando Setembrino de Carvalho, segundo o autor, 
consideravam – por desconfiança e supostas espionagens por tropeiros e caixeiros – “toda a 
população do planalto” como “inimiga”. Entretanto, apesar da envergadura do conflito, a 57
imprensa nacional, e até mesmo catarinense, pouca importância deu a guerra, resumindo, 
segundo o autor, a “relatos avulsos e notícias ‘plantadas’ por partidários de Santa Catarina ou 
53 Ib, p. 277 
54 Ib., p. 257 
55 Ib., p. 261-262 
56 Ib., p. 266 
57 Ib., p. 266-268 
 
 
do Paraná”. Porém, o movimento sertanejo já começava a enfraquecer-se com o comandado 58
de outro líder, Adeodato. 
 
CAPÍTULO 5 - ADEODATO: LUTA E MEMÓRIA 
O último chefe rebelde do Contestado, Adeodato (também conhecido como ​Deodato, 
Joaquim Leodato, ​ou somente ​Leodato​), foi também o mais emblemático de todos. Após a 
morte de Chiquinho Alonso, a fome já assolava os redutos, além de “deserções e degeneração 
das práticas comunitárias”. Para boa parte da população – inclusive grande parte da 
historiografia – foi um chefe cruel, marcado por sua perversidade. 59
Adeodato estava entre os rebeldes desde o ano de 1914. Logo, tornou-se líder dos 
caboclos. Tinha apenas 27 anos quando assumiu o posto, muito mais jovens que outros líderes 
sertanejos e até mesmo que seus comandados na época , apesar de, inicialmente, ter recusado o 60
posto. Tinha muitas habilidades: desde às atividades militares até mesmo às atividades 
artísticas. ​Leodato ​encantava nos desafios de trova (também conhecida como ​porfias ​) em festas 
da região. 61
Para compreender a visão que a população cabocla tinha sobre seu chefe, interessante é 
o relato de João Melo: 
João Melo, que foi um dos meninos de recados de Adeodato e é alguém que guarda a 
mais generosa memória do último comandante, declara que o chefe “era justo e bom, só 
que de vez em quando mandava a gente ‘costear’ [castigar] quem não se comportava 
direito. Com ele a coisa era na dura [...]. Se merecia ‘costear’, ele ‘costeava’, se tivesse 
que matar, ele matava, mas sempre queria ajudar às pessoas”. Luiz Granneman de Souza, 
em depoimento para Walter Cavalcanti, afirma que Adeodata executava com as próprias 
mãos, em público, todos aqueles que ele, por desconfiança, achasse que estivessem 
“bombeando” para os ​peludos​”. Zeferino Ferreira Dias, que viveu no reduto de São 
Pedro, informa que havia “muito respeito no reduto e ai de quem desrespeitasse uma 
família”. Zeferino viu Adeodato ameaçar “um rapaz que dizia gracejos a umas molas”. 62
 
58 Ib., p. 279 
59 Ib., p. 294 
60 Ib., 290 
61 Ib., p. 299 
62 Ib., p. 307 
 
 
Durante a chefia de Adeodato, muito se fala de sua crueldade, mas não só. Adeodato 
transgrediu, em tese, os costumes da população cabocla: assassinou sua esposa devido um 
suposto adultério e matou seu padrinho, Neco Peppe (o que, para a população do planalto 
equivalia ao parricídio). Esta última talvez seja a maior violação, pela ótica da população 
cabocla, visto à importância das relações de apadrinhamento no planalto catarinense e em todo 
o interior do país. 63
A espionagem às delações foram, segundo o autor, comuns durante a governança de 
Adeodato. Consta que os redutários “passaram a comparar a época do começo da vida nos 
‘quadros santoss’, da alegria e fartura, com época de Adeodato, de cerco, fome, doenças e 
morte”. Inicia-se uma espécie de divisão política entre os rebeldes: de um lado, um grupo 64
radical, comandado pelo líder Adeodato, e outro ​moderado​, que contava com a adesão das 
virgens, de chefias locais e do líder Eusébio. 65
Em 14 de agosto de 1916, Adeodato foi capturado. Não delatou ninguém, 
embora todos os interrogatórios que sofreu. Em imparcial (e ​relâmpago​, nas palavras de autor) 
processo tramitado na comarca de Curitibanos, no ano de 1916, foi condenado há trinta anos de 
prisão. Em uma magistral trova declamada após o anúncio de sua sentença, Adeodato critíca às 
forças oficiais e coloca a guerra como uma disputa de classes. 66
Sô iguar a pica-pau 
Que quarqué madera fura 
Sô nas carta o Rei d’Espada 
Desaforo não atura 
Sô quinem toro de briga 
Por nadinha armo turra, 
Nego bão da minha raça 
Não tem chão que se apura 
 
O conflito chegava ao seu fim. Adeodato teve sua imagem demonizada pelo senso 
comum planaltense (“​O discurso às autoridades era quase único: todos estavam vivendo nos 
redutos por ordem dele e por temor ao chefe, Adeodato” )​. Após a rendição massiva de 67
rebeldes, muitos deles foram mortos pelas forças estatais, sendo os números de baixas 
63 Ib., p. 315-316 
64 Ib., p. 308 
65 Ib., p. 399 
66 Ib., p. 316-320 
67 Ib., p. 321 
 
 
certamente imprecisos. Um novo “problema” surge para o governo: onde colocar os 
prisioneiros? A grande parte, segundo telegrama enviado pelo General Setembro de Carvalho 
ao Coronel Leitão, comandante do 54ª Batalhão de Caçadores, disse: “​Devendo existir aí 
prisioneiros que tem casas e que se achavam obrigados nos redutos, é preferível que voltem a 
seus lares uma vez que se comprometam a não pegar em armas, servindo os seus precedentes 
de garantia ​”. 68
O autor observa ainda que, pós-guerra, há o fortalecimento do poder dos coronéis e a 
diferença de assistência entre aqueles que pertenciam ao grupo moderado em comparação com 
os demais, que tiveram, em grande maioria, ​habeas corpus concedidos. Adeodato, como já 
falado, foi condenado há 30 anos de prisão, e foi morto em uma suposta fuga no presídio de 
Florianópolis algum tempo depois. 69
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Por fim, o autor faz um processo de rememoramento de alguns episódios da guerra, 
além de seus antecedentes. Importante papel exercem a
primeira atuação das forças oficiais, 
que transformaram os “devotos em rebeldes”; o processo de “reelaboração mística” do monge 
José Maria; a criação dos “quadros santos” e às práticas de auxílio mútuo (“comunismo 
caboclo”); o bom-grado para com a monarquia; a influência das virgens; a criação dos grupos, 
tais como os “pares de São Sebastião” e “pares de França”; o “período do terror” pós-guerra e a 
demonização do último chefe rebelde. 70
 
 
REFERÊNCIAS 
68 Ib., p. 324 
69 Ib., p. 320-322 
70 Ib., p. 337-339 
 
 
MACHADO, Paulo Pinheiro. ​Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das 
chefias caboclas (1912-1916)​. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.

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