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SOCIOLOGIA ORGANIZACIONAL AULA 6 Prof.ª Carolina Esther Kotovicz Rolon 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, estudaremos a questão da diversidade e os obstáculos e ações que promovem a inclusão social nas organizações. Vamos começar abordando a diversidade na sociedade em geral, destacando os processos de visibilização da diversidade étnica, sexual e física nas diversas mídias. Os seres humanos não são produzidos em série, portanto, são diversos. Se a diversidade é um dado, por que ela (ou a falta dela) se torna um problema? Para começar a resolver este enigma, vamos traçar os passos que transformam determinado grupo com características específicas em alvo de preconceitos e estereótipos, fundamentando ações discriminatórias em relação às pessoas que compõem este grupo, e, então, gerando desigualdades sociais. Vamos estudar duas situações de desigualdade geradas por atitudes discriminatórias dentro das organizações: a trajetória de mulheres e de negros executivos. Por fim, traçaremos as legislações e políticas públicas aprovadas no Brasil desde a Constituição de 88 para combater discriminações e promover a inclusão social. CONTEXTUALIZANDO A sociedade é formada por pessoas de diversas origens e com características heterogêneas, e nem todos têm as mesmas oportunidades. Mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência e LGBTI são mais vulneráveis ao desemprego, a situações de risco e à violência em geral. Imagine uma empresa que produz produtos de limpeza naturais e sustentáveis. Esta empresa se preocupa com o meio ambiente e a promoção de um estilo de vida sustentável. Todavia, o presidente se dá conta de que a diretoria da empresa é formada apenas por homens brancos. Ele, então, contrata você para promover a diversidade e a inclusão social na empresa, em todos os níveis. Quais ações você implantaria para atingir este objetivo? TEMA 1 – DIVERSIDADE NA SOCIEDADE O tema da diversidade ganha cada vez mais espaço na agenda pública. Mas o que significa diversidade? O Brasil é um país construído por diversos povos: habitado por povos indígenas há milênios, colonizado por portugueses, que escravizaram e trouxeram vários povos africanos, cada qual com sua 3 cultura, e que recebeu ao longo da história milhões de imigrantes de centenas de origens. Os indígenas têm uma diversidade étnica enorme e, mesmo hoje, depois de séculos sendo expulsos de suas terras e dizimados, os mais de 800 mil indígenas brasileiros, de acordo com o censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pertencem a 305 etnias diferentes que falam mais de 180 línguas. Recentemente, o Brasil recebeu imigrantes haitianos após o terremoto que devastou o país, venezuelanos buscando novas oportunidades, sírios fugindo da guerra. Todavia, quando falamos de diversidade, nos referimos não apenas à origem das pessoas, mas também à sua identidade de gênero, à sua orientação sexual, aos deficientes e pessoas portadoras de necessidades especiais (PNE). As mulheres, os negros, os indígenas, as LGBTI e as PNE foram durante muito tempo invisibilizados na história da ciência, das invenções, da literatura, do cinema, não apenas no Brasil, mas no mundo. Você assistiu ao filme Estrelas além do tempo, sobre as cientistas negras norte-americanas da NASA? Este filme foi baseado em uma história real, de Dorothy Vaughan, Mary Jackson, Katherine Johnson e Christine Darden, cujos cálculos permitiram à NASA lançar foguetes e astronautas ao espaço. O grande público não conhecia a história dessas mulheres negras antes do livro e do filme lançados em 2016. Já o filme O jogo da imitação, lançado em 2014, conta a história do matemático britânico Alan Turning, que foi decisivo na vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial ao quebrar o código nazista, mas por ser homossexual foi condenado e inclusive sofreu uma castração química. Durante muito tempo, esses personagens eram desconhecidos do grande público, mas os filmes ajudaram a divulgar suas histórias e seus feitos. Estes são dois exemplos de muitas iniciativas para contar as histórias de mulheres, negros, LGBTI, indígenas e assim visibilizar a diversidade na história e na cultura. A diversidade cultural também está cada vez mais presente nas diversas sociedades nacionais hoje. Vimos anteriormente como a globalização aprofundou e intensificou o intercâmbio de ideias, produtos e pessoas ao redor do mundo. Uma das consequências é que temos cada vez mais sociedades multiculturais, ou seja, pessoas de culturas diferentes vivendo numa mesma sociedade. Esta convivência nem sempre é tranquila e pacífica. A diversidade gera atitudes como preconceito e discriminação, que visam subordinar certos 4 grupos e afirmar a superioridade de outros. Vamos entender tais conceitos na próxima seção. TEMA 2 – DISCRIMINAÇÃO, PRECONCEITO E DESIGUALDADE SOCIAL Uma equipe formada por pessoas de diversas nacionalidades, raças e identidades de gênero é uma riqueza para a organização devido às diferentes visões que elas trazem. Todavia, durante muito tempo, e infelizmente ainda hoje, muitas sociedades desenvolveram atitudes negativas em relação a pessoas de outras origens, raças, orientações sexuais, entre outros marcadores sociais da diferença. E a raiz disso é o preconceito. Como define Santos (1999, p. 56): O preconceito é uma atitude negativa, dirigido a pessoas ou a grupo de pessoas e implica uma predisposição negativa, contra alguém. Baseia-se numa comparação social em que a pessoa se coloca como referência positiva e o outro, objeto de preconceito, é visto em situação de desvantagem ou inferioridade social, econômica, política, cultural e biológica. O preconceito é uma atitude que viola, simultaneamente, no mínimo, três normas básicas: racionalidade, afeição humana e justiça. Os preconceitos geram estereótipos, imagens construídas e simplificadas de comportamentos de certos grupos. Estes estereótipos, como “tal grupo não é bom em matemática” ou “tal grupo é traiçoeiro, não dá para confiar” legitimam os privilégios de quem estereotipa e desautoriza aspirações dos subordinados. Preconceitos e estereótipos geram ações concretas (discriminações) e visam manter a posição privilegiada e imagem positiva do grupo discriminador. Enquanto eles são subjetivos e difíceis de mensurar, discriminações têm efeitos concretos na vida dos grupos discriminados, e estatísticas permitem acessar as desigualdades geradas. Os gráficos a seguir mostram as desigualdades de rendimento entre homens e mulheres (Gráfico 1) e brancos e negros (Gráfico 2). 5 Gráfico 1 – Média de rendimento segundo nível de escolaridade, por sexo (2016) Fonte: IBGE/Pnad Contínua citado por Oxfam, 2017, p. 64. Gráfico 2 – Média de rendimento segundo nível de escolaridade, por raça (2016) Fonte: IBGE/Pnad Contínua citado por Oxfam, 2017, p. 63. Observa-se que mesmo entre grupos com o mesmo nível de escolaridade, mulheres ganham menos do que homens, e negros ganham menos do que brancos. Esta é uma medida das desigualdades de gênero e raciais. Nos temas 3 e 4 veremos mais desigualdades que afetam mulheres e negros nas empresas. As pessoas vítimas de discriminações começaram a se organizar em movimentos mais ou menos formais e lutar por iguais condições e tratamento no Brasil e no mundo. Desta luta surgiram o movimento negro, o movimento indígena, o movimento feminista e o movimento LGBTI, os quais elaboraram diversas estratégias para combater discriminações e exigir igualdade. O direito0 1000 2000 3000 4000 5000 6000 Sem Instrução Ensino Fundamental compleo Ensino Médio completo Ensino Superior completo Mulheres Homens 0 500 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 Sem Instrução Ensino Fundamental completo Ensino Médio completo Ensino Superior completo Negros Brancos 6 constitucional de que todos são iguais perante a lei não bastou para garantir a igualdade real entre todos os homens e mulheres. Estes movimentos tiveram efeitos concretos nas empresas, e é importante para você, futuro(a) gestor(a), entender o que significa diversidade e as estatísticas das desigualdades no Brasil, percebendo a importância das políticas públicas e ações organizacionais na promoção e valorização da diversidade dentro das organizações. TEMA 3 – O TETO DE VIDRO QUE LIMITA A ASCENSÃO DE MULHERES DENTRO DAS ORGANIZAÇÕES A presença de mulheres em fábricas data da Revolução Industrial, e já naquela época elas ganhavam menos do que um operário homem. Todavia, desde então até muito recentemente, a maior parte das mulheres das classes média e alta eram destinadas aos cuidados do lar e dos filhos. Apesar de o trabalho doméstico ser intenso, este não era reconhecido socialmente como trabalho, e nem remunerado. Ao longo do século XIX e XX, muitas mulheres se uniram, em diversas sociedades, para exigir o direito ao voto, à educação e ao trabalho. Em muitos países, a situação das mulheres ainda é muito precária. A história da Malala Yousafzai, que foi atacada por desafiar os talibãs para ir à escola, é um exemplo de luta pelos direitos das mulheres. No Brasil, temos avançado muito nessa questão, mas, ainda assim, as mulheres brasileiras são vítimas de desigualdades e violências. Você sabia que, até os anos 1960, uma mulher casada precisava de autorização por escrito do marido para poder trabalhar? Hoje, as mulheres estão presentes nas mais diversas profissões, mas poucas ocupam cargos de chefia e comando. Quanto mais se sobe nas hierarquias das organizações, menos mulheres são encontradas. A pequena presença de mulheres em postos executivos foi constatada em diversos países. As mulheres avançaram muito no acesso ao ensino superior, mestrados e doutorados, mas muito pouco na hierarquia das organizações onde trabalham. Nos Estados Unidos, foi criado um termo para descrever este fato: teto de vidro, “representação simbólica de uma barreira sutil, mas ao mesmo tempo forte, porque não é tão explícita, mas dificulta muito a ascensão de mulheres aos cargos de comando das empresas.” (Santos; Tanure; Neto, 2014, p. 59) 7 A discriminação contra as mulheres pode ser tão sutil que às vezes elas próprias não se dão conta. É o que mostra o estudo de Santos, Tanure e Neto (2014), com 47 executivas que chegaram aos três níveis mais altos de organizações: presidente, vice-presidente e diretora. 3.1 As mulheres nas organizações, e os filhos com quem? Uma das explicações para a pouca representatividade feminina nos postos executivos das organizações é que elas ainda são vistas como responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos. A pesquisa de Machado e Neto (2016) sobre as consequências da licença maternidade para as mulheres brasileiras empregadas no setor privado evidencia altos índices de demissão. A pesquisa acompanhou a situação de mulheres entre 25 e 35 anos, 47 meses antes e depois de terem tirado a licença maternidade. O estudo constatou que muitas foram demitidas assim que terminou a licença, e metade delas foram demitidas até dois anos depois. Estas mulheres têm dificuldade em se recolocar no mercado de trabalho e, 47 meses após a licença maternidade, metade continua desempregada. Machado e Neto (2016) frisam que a maior parte das demissões das mulheres que tiraram licença maternidade é sem justa causa e por iniciativa do empregador. O padrão nas demissões muda no primeiro momento: 35% das mulheres com maior escolaridade perdem o emprego 12 meses após o início da licença, ao passo que 51% das mulheres com nível educacional mais baixo perdem o emprego no mesmo período. As mulheres que tiram licença maternidade de seis meses têm maior probabilidade de continuarem empregadas seis meses depois do final da licença, mas, ao final de um ano, a probabilidade de ser demitida é igual. A política de licença maternidade deve ser articulada com o acesso a creches e aos cuidados na primeira infância. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra a Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que apenas 35% das crianças de 0 a 3 anos frequentaram creches no Brasil em 2017. É preciso repartir os cuidados dos filhos para não punir as mulheres que são mães no mercado de trabalho. A definição social das mulheres envolve diversos aspectos que culminam em discriminações e violências. Pensar o lugar delas nas organizações e o que 8 estas têm feito para melhorar as condições de suas colaboradoras é central para você, futuro(a) gestor(a). TEMA 4 – EXECUTIVOS NEGROS Quantos executivos negros você conhece? E executivas negras? Uma pesquisa do Instituto Ethos com as quinhentas maiores organizações do país constatou que apenas 4,7% dos executivos e 6,3% dos gerentes destas organizações eram negros (Rodrigues, 2018). Ora, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE em 2015, 54% da população brasileira é negra (8,9% preta e 45,1% parda). Esta falta de representatividade de negros nos postos executivos e de gerência chamou a atenção do antropólogo Pedro Jaime, que se dedicou a estudar a trajetória de executivos negros no Brasil. Em seu livro Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial (2016), Jaime analisa a falta de representatividade de negros nas organizações brasileiras e observou que há duas gerações de executivos negros, que construíram suas carreiras em contextos sociais diferentes. A primeira geração é composta por aqueles que entraram no mercado de trabalho no final dos anos 1970, num contexto corporativo e social desfavorável. Estes profissionais negros não contavam com suporte para enfrentar as situações de preconceito e discriminação racial no trabalho, afinal, o racismo só foi considerado crime em 1989. Quanto ao contexto político-social, o Brasil vivia os anos de ditadura militar, que restringia mobilizações e reivindicações de movimentos sociais e da população em geral. O Estado cultivava a imagem da democracia racial e não havia leis ou políticas públicas efetivas de combate à discriminação e eliminação das desigualdades raciais. As primeiras reivindicações organizadas com relação à população negra datam de 1978 com a fundação do Movimento Negro Unificado. Os executivos negros da primeira geração relatam casos de racismo e o sentimento de solidão. No artigo que Jaime apresentou no Anpocs em 2012, ele transcreve trechos de uma matéria da revista Exame publicada em 1996 sobre executivos negros. Um deles relata que percebia o espanto de clientes que apenas tinham tido contato com ele por telefone e, ao chegarem para um almoço de negócios, constatarem que ele é negro. Outro executivo relatou: 9 ‘Eu era o técnico, mas me mandaram abrir buracos na rua para instalar postes’. Contou também que, em situações de disputa com profissionais brancos por uma promoção, era comum ouvir dos chefes que sua cor poderia constranger clientes importantes. Joaquim revelou que o que considerava mais difícil em sua experiência era aprender a lidar com a “solidão”. ‘Você não tem amigos negros na mesmaposição com quem possa trocar ideias. [...] Além disso, você começa a se vestir melhor e logo começam a chamar você de negro branco’. (Jaime, 2012, p. 5) A segunda geração de executivos negros entrou no mundo corporativo nos anos 2000, num contexto político-social mais favorável – já se falava na luta contra discriminações, em promoção da diversidade nas empresas e em ações afirmativas. Os negros que enfrentam situações de discriminação racial no trabalho têm um aparato de suporte. O movimento negro se profissionalizou e se institucionalizou em ONGs articuladas a redes transnacionais. Enquanto a primeira geração de executivos negros é constituída de trajetórias individuais, a segunda geração é fruto de ação coletiva tanto na valorização da identidade negra quanto nas políticas públicas e empresariais. As reivindicações das ONGs provenientes do movimento negro não se restringiram ao Estado. Elas começaram a pressionar o setor privado para que assumisse parte da responsabilidade pela eliminação das desigualdades raciais. Essas pressões se deram por meio de manifestações em frente às empresas ou no interior de suas instalações e culminaram com a apresentação em 2003 de uma representação junto ao Ministério Público do Trabalho, cobrando que este, como um órgão do Estado, cumprisse sua função institucional de dar atendimento às questões de interesse público levantadas pela sociedade através dos seus instrumentos legais: o inquérito civil público e a ação civil pública. O MPT respondeu a essas cobranças lançando em 2005 o Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos, sob a liderança da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), órgão vinculado à Procuradoria Geral do Trabalho. No mesmo ano instaurou inquéritos civis públicos nos cinco maiores bancos que na época operavam no Brasil e, diante dos resultados espantosos que evidenciavam a baixíssima presença de negros no quadro de pessoas dessas companhias, propôs a elas o estabelecimento de um Termo de Ajustamento de Conduta. Tendo em vista a recusa, decidiu ajuizar ações civis públicas contra essas empresas na Justiça Trabalhista. As ações foram julgadas improcedentes pelos magistrados, mas causaram repercussão na mídia. No ano seguinte, aconteceram audiências públicas e reuniões na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, quando a Federação Brasileira de Bancos foi convidada a negociar com representantes de entidades sindicais e ONGs provenientes do movimento negro. Ainda no ano de 2006, diversos bancos implementaram programas de trainees voltados para jovens afrodescendentes e logo no início de 2007, após resistências, a FEBRABAN aceitou realizar um recenseamento dos funcionários do setor bancário. Esses programas foram a principal porta de entrada pela qual a segunda geração de executivos negros iniciou a construção de suas trajetórias profissionais no mundo corporativo. Essa segunda 10 geração é, portanto, fruto pressão do movimento negro sobre as empresas. (Jaime, 2012, p. 15) Leitura complementar Leia a entrevista de Rachel Maia, CEO da Pandora, que aborda os temas da diversidade nas organizações. A entrevista publicada no site da revista Exame está disponível em: <https://exame.abril.com.br/carreira/como-vim-parar- aqui-tenho-uma-resposta-diz-ceo-da-pandora/>. Quais políticas e ações das organizações podem favorecer uma maior representatividade de executivos negros e mulheres? 4.1 As políticas públicas e ações afirmativas O Brasil é um país com um passado escravocrata, que ainda não foi superado, como atestam as condições desiguais da população negra em relação à população não negra e os casos de racismo. A discussão racial é densa, tanto na sociologia como na antropologia. Frisamos que a biologia já confirmou que não existem raças, mas uma única raça humana. Então por que ainda falamos em brancos, negros e índios como diversas raças? A ideia de raças foi uma construção histórica, desenvolvida por europeus a partir do século XV para justificar a exploração e o imperialismo nos continentes americano, africano e asiático. Ainda hoje, essa ideia tem consequências sociais e está na base de preconceitos, discriminações e violências. No Brasil, apesar de serem a maioria da população brasileira, os negros são minoria no ensino superior, são maioria entre a população mais pobre, que recebe até 1,5 salário mínimo, e maioria entre a população de mais de 16 anos desempregada. Nos últimos anos, diversos atores e organizações têm buscado discutir e implementar ações para promover a igualdade racial. Vamos ver os resultados mais importantes desta luta por igualdade na próxima seção. TEMA 5 – A LUTA POR INCLUSÃO SOCIAL, AS COTAS COMO INSTRUMENTO Na sociedade civil e no movimento social organizado, mulheres, negros, indígenas e LGBTI vêm lutando por direitos e contra as discriminações há muito tempo. Como vimos, a fundação do Movimento Negro Unificado data de 1978, mas os quilombos são provas da resistência negra. Já as mulheres lutam pelo direito à educação, ao voto, ao divórcio e a salários iguais. 11 A Constituição brasileira, no artigo 5º, afirma que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Brasil, 1988). No entanto, como vimos nesta aula, diversas estatísticas evidenciam péssimas condições de vida de mulheres e negros. Não há estatísticas oficiais sobre as condições de pessoas com necessidades especiais (PNE) e de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTI). Todavia, os índices de violência contra pessoas LGBTI são elevados no Brasil, e as pessoas que pertencem a estes grupos são vítimas de muitas discriminações. A presença de negros e mulheres nos postos mais elevados das organizações é baixíssima. Na esfera política, são raros os negros e mulheres eleitos. É justa uma sociedade em que postos de poder e prestígio são ocupados em sua maioria por homens brancos heterossexuais? A afirmação da igualdade na Constituição não foi suficiente para que a igualdade de fato exista. E isso não é apenas um problema brasileiro. No mundo inteiro há casos de discriminação, e os grupos alvos do preconceito mudam em diversos contextos. Você acompanhou o caso dos rohingya, minoria étnica que teve de fugir de Mianmar? Para saber mais, acesse o site: <https://oglobo.globo.com/mundo/entenda-perseguicao-aos-rohingya-em- mianmar-23016225>. Depois dos horrores que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial, com os campos de concentração nazistas que exterminavam judeus, poloneses, negros, ciganos e homossexuais, e campos de concentração americanos (muitas vezes esquecemos que nos EUA havia campos de concentração que prendiam japoneses), diversos países se reuniram e assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, incluindo o Brasil. Quarenta anos depois da assinatura desta declaração, a Constituição brasileira de 1988 impõe ao Estado reger-se pelos direitos humanos. Em 1988, foi criada pelo Ministério da Cultura da época a Fundação Cultural Palmares para promover e preservar a cultura afro-brasileira, formular e implantar políticas visando à elevação do percentual dos negros nos processos de desenvolvimento do país. E em 1989, o racismo tornou-se crime. Em 1993, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) era chanceler, o Brasil participou da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em 12 Viena.FHC demandou um relatório com as principais dificuldades do Brasil em cumprir os direitos humanos, e, depois da conferência, o Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) foi elaborado. Assim surge o Movimento Nacional pelos Direitos Humanos e a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos. Santos ressalta que “o PNDH significou, para os grupos vulneráveis, uma possibilidade de reconhecimento de suas lutas históricas em prol da liberdade, da igualdade, da democracia, entre outras, e a promoção dos direitos das vítimas da discriminação, por meio de políticas públicas e privadas” (1999, p. 56). Durante o governo FHC, pela primeira vez o Estado brasileiro reconheceu oficialmente a existência de racismo no país e criou um grupo interministerial para pensar formas de combatê-lo. O presidente Luís Inácio Lula da Silva seguiu na institucionalização do combate ao racismo e criou a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial em 2003. Em 2003, a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) começaram a adotar cotas raciais em seus processos seletivos. Diversas universidades públicas seguiram o exemplo, e, em 2012, a Lei das Cotas institui que todas as universidades e institutos federais devem reservar 50% de suas vagas, por curso e turno, a alunos que cursaram o ensino médio todo em escolas públicas. Destas vagas, metade é destinada a pessoas que moram em domicílios com renda per capita inferior a 1,5 salário mínimo e uma percentagem, igual à da população preta, parda e indígena (PPI) de cada estado, às pessoas PPI. Mas desde 1998, há cotas para negros nos programas de televisão, peças de teatro (25%) e comerciais e publicidade (40%), estabelecidas pela Lei n. 4370/98. A Lei n. 6783/2013 estabelece cotas de 20% de vagas para negros e pardos em concursos públicos federais. ”Ou seja, houve uma maior politização dos debates sobre a questão racial travados no espaço público brasileiro desde o final do século XX” (Jaime, 2012). As cotas existem na legislação brasileira desde 1991 quando a Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a previdência social, estabelece que “A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% a 5% dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas” (Brasil, 1991). O Estatuto da Pessoa com Deficiência, de 2015, é “destinado a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (Brasil, 2015) e obriga as 13 organizações a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos. Há, ainda, cotas de 5% dos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência e cotas para garantir a participação de mulheres na política, que foram aprovadas recentemente. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, O estímulo à participação feminina por meio da chamada cota de gênero está previsto no artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições. Segundo o dispositivo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, nas eleições para Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. (TSE, 2019) O TSE também decidiu que 30% dos recursos destinados aos partidos políticos por meio do Fundo Especial de Financiamento de Campanha devem ser destinados a campanhas de mulheres. As cotas são um instrumento de ação afirmativa para garantir a inclusão social. A ideia é discriminar de forma positiva, para atingir uma situação mais justa, o que também é feito em outros países. Um exemplo é a Alemanha, que estabeleceu cotas para mulheres nas organizações e na política. Termino nossa disciplina de Sociologia Organizacional com uma frase da filósofa polonesa-alemã Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. NA PRÁTICA Escolha uma organização – pode ser a organização na qual você trabalha ou uma organização em que você gostaria de trabalhar. Quais são as políticas e ações de promoção e valorização da diversidade da organização escolhida? A organização apresenta os resultados destas políticas e ações? A promoção e valorização da diversidade estão presentes em seus documentos? FINALIZANDO Nesta aula, vimos como a diversidade é parte da nossa sociedade, cada vez mais plural e multicultural. A diversidade, todavia, gerou atitudes negativas, como preconceito, racismo, machismo e homofobia. Nas organizações, atitudes discriminatórias são detectadas por meio das estatísticas que constatam o pequeno número de mulheres que chegam ao cargo de executivas e da grande porcentagem de mulheres demitidas um ano após terem tirado licença maternidade. As discriminações raciais são igualmente detectadas pela baixa 14 representatividade de pessoas negras nos postos executivos de organizações brasileiras. Por fim, vimos que, a partir de 1990, a luta contra as discriminações e a legislação em prol da inclusão social tem avançado. As cotas são um instrumento adotado no Brasil – e também em outros países – para promover um mínimo de inclusão social em universidades, empresas e na política. Retomando a problematização do início desta aula, algumas ações que você, como gestor(a) incumbido de promover a diversidade na empresa, pode desenvolver são programas de estágios para pessoas com deficiência, negros, mulheres, mulheres negras e pessoas trans; cotas para pessoas pertencentes a estas minorias na diretoria da empresa; e conselhos com trabalhadores e colaboradores da empresa para discutir mais medidas em prol da inclusão social. 15 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 11 maio 2019. BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 6 jul. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>. Acesso em: 11 maio 2019. BRASIL, Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 jul. 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8213compilado.htm>. Acesso em: 11 maio 2019. JAIME, P. Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial. São Paulo: Editora Edusp, 2016. ______. Executivos negros: racismo e diversidade no mundo empresarial. 36° Encontro Anual da Anpocs, Águas de Lindóia, São Paulo, 21 a 25 de outubro de 2012. Disponível em: <nfile:///D:/Rota%20Sociologia%20Organizacional/executivos%20negros%20ar tigo.pdf>. Acesso em: 11 maio 2019. MACHADO, C.; NETO, V. P. The Labor Market Consequences of Maternity Leave Policies: Evidence from Brazil. Disponível em: https://portal.fgv.br/sites/portal.fgv.br/files/the_labor_market_consequences_of_ maternity_leave_policies_evidence_from_brazil.pdf>. Acesso em: 11 maio 2019. OXFAM. A distância que nos une: um retrato das desigualdades brasileiras, 2017. 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Cota de 30% para mulheres nas eleições proporcionais deverá ser cumprida por cada partido em 2020. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Marco/cota- de-30-para-mulheres-nas-eleicoes-proporcionais-devera-ser-cumprida-por- cada-partido-em-2020>. Acesso em: 11 maio 2019.
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