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As sanções administrativas têm como fundamento a prática de infração relativa à execução do contrato pela empresa pactuante. Resultam, pois, de transgressão contratual e precisam ter previsão no instrumento de contrato. O Estatuto refere-se à multa de mora, aplicável quando há atraso injustificado na execução do contrato (art. 82). Essa multa não é a multa comum, mas sim uma punição pelo descumprimento de prazo previsto contratualmente. Por isso, distingue- se dos juros de mora, que nem sempre traduzem sanção. A aplicação da multa não impede a de outras sanções. São sanções: a) advertência; b) multa, na forma prevista no contrato; c) suspensão temporária de participar de licitação e impedimento de contratar com a entidade licitadora pelo prazo de até 2 anos (art. 83, I a III). A multa aqui não decorre necessariamente de atraso, mas pode incidir no caso de outra infração contratual. Em nosso entender, não se trata de multa compensatória, que visa a reparar danos,185 mas sim da denominada multa simples ou cláusula penal, que retrata uma sanção por infração a alguns deveres contratuais.186 A suspensão de participar de licitação pode ser aplicada a empresas ou profissionais que: a) tenham sido condenados definitivamente por fraude fiscal; b) tenham praticado atos para frustrar os fins do certame; c) indiquem não possuir idoneidade para contratar com qualquer das entidades (art. 84). A fundação, como pessoa jurídica oriunda do direito privado, se caracteriza pela circunstância de ser atribuída personalidade jurídica a um patrimônio preordenado a certo fim social. Trata-se de uma das categorias das pessoas jurídicas de direito privado, estando reguladas nos arts. 62 a 69 do Código Civil. Esse tipo de entidade não pode abstrair-se da figura daquele que faz a dotação patrimonial – o instituidor – e, embora a lei civil não seja expressa, é também inerente às fundações sua finalidade social, vale dizer, a perseguição a objetivos que, de alguma forma, produzam benefícios aos membros da coletividade. Essa finalidade as distancia de alvos que visem à percepção de lucros, deixando-as em agrupamento diverso daquele em que se encontram, por exemplo, as sociedades comerciais. Pode 1. 2. mesmo dizer-se que são essas as características básicas das fundações: 1ª) a figura do instituidor; 2ª) o fim social da entidade; e 3ª) a ausência de fins lucrativos. Foi com esse parâmetro que nasceram as fundações públicas, sem alteração, inclusive, dos citados elementos básicos caracterizadores. Mudança, na verdade, temos apenas na natureza do instituidor, que agora passou a ser o Estado. Desse modo, podemos considerar, já de início, uma primeira divisão para as fundações: as fundações privadas, instituídas por pessoas da iniciativa privada; e as fundações públicas, quando o Estado tiver sido o instituidor. Na prática, várias têm sido as denominações atribuídas às fundações públicas: fundações instituídas pelo Poder Público, fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (art. 71, III, CF), fundações controladas pelo Poder Público (art. 163, II, CF), fundações sob controle estatal (art. 8o, § 5o, ADCT, CF), fundações públicas (art. 19, ADCT, CF), fundações governamentais e outras do gênero. O rótulo não tem grande importância. O ponto que deve ser lembrado é realmente o de que essas fundações são criadas pelo Poder Público, que, por isso mesmo, assume o papel de instituidor das entidades. A grande discussão que se tem travado, há algum tempo, sobre as fundações públicas diz respeito à natureza jurídica das entidades. Está longe ainda o momento de pacificação dos diversos pensamentos que tratam da questão da personalidade jurídica das fundações instituídas pelo Poder Público, o que é realmente lamentável. Como se verá adiante, a discussão nada acrescenta ao tecnicismo jurídico, mas, ao contrário, cria grande confusão no meio jurídico, nos Tribunais e no próprio seio da Administração, provocando claramente, como já tivemos oportunidade de presenciar, algumas reações irônicas por parte daqueles aos quais é apresentada a discussão. Há duas correntes sobre a matéria. A primeira, hoje dominante, defende a existência de dois tipos de fundações públicas: as fundações de direito público e as de direito privado, aquelas ostentando personalidade jurídica de direito público e estas sendo dotadas de personalidade jurídica de direito privado. Por esse entendimento, as fundações de direito público são caracterizadas como verdadeiras autarquias, razão por que são denominadas, algumas vezes, de fundações autárquicas ou autarquias fundacionais. Seriam elas uma espécie do gênero autarquias.187 O STF optou por esse entendimento, quando deixou assentado que “nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito privado. As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais, são fundações de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público. Tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando-se a elas a vedação a que alude o § 2o do art. 99 da Constituição Federal”.188 Noutro giro, há autores que sustentam tratar-se de entidades de distintas categorias.189 A segunda corrente advoga a tese de que, mesmo instituídas pelo Poder Público, as fundações públicas têm sempre personalidade jurídica de direito privado, inerente a esse tipo de pessoas jurídicas. O fato de ser o Estado o instituidor não desmente a caracterização dessas entidades, até porque é o Estado quem dá criação a sociedades de economia mista e a empresas públicas, e essas entidades, como já visto, têm personalidade jurídica de direito privado. Essa era a opinião clássica de HELY LOPES MEIRELLES, para quem constituía uma contradictio in terminis expressões como autarquias fundacionais ou fundações públicas, explicando que se a entidade era uma fundação estaria ínsita sua personalidade privada e que, se era uma autarquia, a personalidade seria de direito público. Advertia o saudoso jurista que “uma entidade não pode, ao mesmo tempo, ser fundação e autarquia; ser pessoas de direito privado e ter personalidade de direito público! E rematava: o fato de o Estado servir-se de instituto de direito privado para a realização de atividades de interesse público não transfigura a instituição civil em entidade pública, nem autarquiza esse meio de ação particular”.190 Com o advento da Constituição de 1988, o autor passou a entender que a referência a fundações públicas e denominações análogas permitia inferir que tais entidades teriam personalidade de direito público. Apesar disso, mostrava ainda certo inconformismo em relação à posição adotada pelo STF: “Não entendemos como uma entidade (fundação) possa ser espécie de outra (autarquia) sem se confundirem nos seus conceitos”.191 Com a vênia devida ao grande autor, parece-nos que a mera denominação não serve como critério para aceitar as fundações de direito público; o critério, isto sim, deve ser o da natureza jurídica da entidade. Vários autores perfilham o entendimento de que as fundações instituídas pelo Poder Público teriam personalidade de direito privado.192 Em nosso entender, sempre nos pareceu mais lógico e coerente o pensamento de HELY LOPES MEIRELLES. Na verdade, causa grande estranheza que uma fundação criada pelo Estado se qualifique como pessoa de direito público, ainda mais quando se sabe que o recurso do Poder Público a esse tipo de entidade de direito privado visava a possibilitar maior flexibilidade no desempenho de atividades sociais exatamente iguais às colimadas pelas fundações instituídas por particulares. Causa também grande confusão e parece bastante incongruente a caracterização das fundações públicas como espécie do gênero autarquia. Ora, se uma entidade tem personalidade jurídica de direito público e se revestede todos os elementos que formam o perfil das autarquias, seria muito mais razoável que não fosse ela denominada de fundação, mas sim de autarquia. E, assim, há que se chegar necessariamente à conclusão de que existem fundações que são autarquias e fundações que não o são... Realmente, nota-se um semblante de perplexidade em todos aqueles que passam a conhecer esse tipo de distinção adotada pela maior parte da doutrina. A hesitação alcança também o próprio Judiciário. Em ação movida contra a Fundação Nacional de Saúde – FNS, instituída pelo Governo Federal, o Juiz da 2o Vara Federal de Sergipe declinou de sua competência para a Justiça Estadual, que também se julgou incompetente. Suscitado o conflito negativo, foi ele decidido pelo Superior Tribunal de Justiça, que indicou, como competente, o juiz estadual. Em Recurso Extraordinário, o Supremo Tribunal Federal reformou a decisão do STJ, declarando a competência da Justiça Federal. Flagrante a hesitação, eis a ementa da decisão: “Fundação Pública – Autarquia – Justiça Federal. 1. A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público. 2. Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal. Artigo 109, I, da Const. Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua natureza jurídica conceitual assemelhar-se, em sua origem, às autarquias. a) b) c) d) 3. Ainda que o art. 109, I da Const. Federal não se refira expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.”193 Não é difícil observar, pelo texto da própria ementa, que inexiste precisão absoluta para a caracterização desse tipo de fundações. Por outro lado, o enquadramento dessas fundações como categoria-espécie do gênero autarquias é feito por similitude, já que reconhecidamente a Constituição não alude à categoria fundacional no art. 109, I. De qualquer modo, são quatro os fatores diferenciais trazidos pelo STF para a distinção entre as fundações governamentais de direito público e as de direito privado: desempenho de serviço estatal; regime administrativo; finalidade; e origem dos recursos. O primeiro fator nos parece frágil, pois que tanto as primeiras como as últimas sempre exercem atividade qualificada como serviço público. O regime administrativo não é causa da distinção, mas efeito dela; de fato, o regime será um ou outro conforme se qualifique, como premissa, a fundação como inserida nesta ou naquela categoria, sendo, pois, insatisfatório esse fator distintivo. A finalidade é rigorosamente a mesma para ambas, ou seja, a execução de serviço público não lucrativo. Aliás, nem há propriamente distinção de finalidade entre fundações públicas e autarquias. Sendo assim, o único fator do qual se pode extrair pequeno elemento de diferenciação reside na origem dos recursos, admitindo-se que serão fundações estatais de direito público aquelas cujos recursos tiverem previsão própria no orçamento da pessoa federativa e que, por isso mesmo, sejam mantidas por tais verbas, ao passo que de direito privado serão aquelas que sobreviverem basicamente com as rendas dos serviços que prestem e com outras rendas e doações oriundas de terceiros.194 Para alguns estudiosos, a marca diferencial entre as categorias fundacionais estaria na natureza do serviço: serviços públicos, para as fundações de direito público, e atividades estatais de caráter social, para as de direito privado.195 O critério, contudo, a nosso ver, é impreciso, bastando lembrar que as atividades de caráter social podem muito bem inserir-se na classe dos serviços públicos. Desse modo, parece melhor a linha diferencial fundada na natureza dos recursos. Ainda assim, porém, não se justificaria, em nosso entender, adotar idêntica denominação para entidades com distinta fisionomia. Se as fundações de direito público são verdadeiras autarquias, não tem a menor lógica que sejam nominadas de “fundações”, principalmente por se tratar de entidades de categoria jurídica diversificada. Tudo só contribui para dificultar o entendimento daqueles que se dedicam ao estudo das pessoas administrativas, sobretudo quando o Direito, por seus postulados lógicos, deve transmitir simplicidade e coerência, e não anomalias e confusões para os estudiosos. Como nos mais diversos exemplos que se têm verificado, seja em nível federal, seja em nível estadual, distrital e municipal, as fundações governamentais dependem diretamente do orçamento público e subsistem à custa dos recursos públicos oriundos do erário da respectiva pessoa política que as controla, será forçoso reconhecer que, à luz da distinção acima, restaram poucas dentre as fundações públicas que podem ser qualificadas como fundações governamentais de direito privado. Há um outro aspecto diferencial que deverá marcar a distinção entre as duas categorias fundacionais. As fundações governamentais de direito privado são adequadas para a execução de atividades não exclusivas do Estado, ou seja, aquelas que são também desenvolvidas pelo setor privado, como saúde, educação, pesquisa, assistência social, meio ambiente, cultura, desporto, turismo, comunicação e até mesmo previdência complementar do servidor público (art. 40, §§ 14 e 15, da CF). Para funções estatais típicas a fundação deverá ser pessoa de direito público, já que somente esse tipo de entidade detém poder de autoridade (potestade pública), incompatível para pessoas de direito privado. Este diploma, por muitos anos, relacionou como pessoas da Administração Indireta federal apenas as autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista. A Lei no 7.596, de 10.4.1987, porém, acrescentou ao art. 5o do Decreto-lei no 200/1967 o inciso IV, pelo qual as fundações públicas passaram a integrar, ao lado daquelas, a Administração Indireta. Vejamos o teor do dispositivo: “Fundação pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidades de direito público, com autonomia administrativa, patrimônio próprio gerido pelos respectivos órgãos de direção, e funcionamento custeado por recursos da União e de outras fontes.” Complementando a inovação, a mesma lei criou o § 3o do art. 5o do Decreto-lei no 200/1967, explicitando que “as entidades de que trata o inciso IV deste artigo adquirem personalidade jurídica com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, não se lhes aplicando as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações”. Não parece haver dúvida de que o legislador tinha em mente a já consolidada ideia relativa às fundações instituídas pelo Poder Público, como pessoas jurídicas de direito privado, dotada de muitos pontos de assemelhação com as fundações criadas pela iniciativa privada, inclusive quanto à aquisição da personalidade jurídica através do registro do ato constitutivo. Desse modo, é indiscutível que as entidades introduzidas na Administração Indireta se caracterizam como fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado e com sua configuração estrutural básica regulada pelo Direito Civil. A Constituição de 1988 por várias vezes se referiu às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, mas em nenhum momento tratou de sua personalidade jurídica. Sendo assim, tem-se que as fundações públicas de direito privado, previstas no Decreto-lei no 200/1967, não guardam qualquer incompatibilidade com as regras constitucionais, o quepermite inferir que a regra que as definiu tem inteira eficácia. Em compensação, o lamentável dilema continua provocando uma pergunta: afinal, por que tanta confusão e incoerência no trato das fundações instituídas pelo Estado? Em virtude da posição dicotômica, majoritária como já dissemos, não teremos outra forma de tratar das fundações, que não a de sempre distinguir as fundações públicas de direito privado, de um lado, e as de direito público, de outro, estas últimas consideradas como espécies das autarquias. Relembre-se, por oportuno, que, por serem uma espécie de autarquias, as fundações de direito público receberão o influxo das mesmas prerrogativas e especificidades atribuídas àquela categoria de pessoas administrativas. As fundações foram inspiradas pela intenção do instituidor de dotar bens para a formação de um patrimônio destinado a objetivos sociais, e não de caráter econômico ou empresarial. Como já acentuou reconhecida doutrina, releva constatar que a entidade beneficia pessoas de forma desinteressada, sem qualquer finalidade lucrativa.196 O Código Civil, primitivamente, previa que tais entidades destinavam-se apenas a fins religiosos, morais, culturais ou de assistência. A relação, contudo, era insuficiente e, por isso, o art. 66, parágrafo único, do Código, foi alterado pela Lei nº 13.151, de 28.7.2015, prevendo-se agora os seguintes objetivos: I) assistência social; II) cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III) educação; IV) saúde; V) segurança alimentar e nutricional; VI) defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; VII) pesquisa científica, desenvolvimento de tecnologias alternativas, modernização de sistemas de gestão, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos; VIII) promoção da ética, da cidadania, da democracia e dos direitos humanos; IX) atividades religiosas.197 Desse modo, é de se reconhecer que tal objetivo não pode comportar o intuito de obtenção de lucros, assim havidos como a parcela de rendimentos que decorre das atividades de caráter econômico. O lucro é somente compatível com as sociedades civis e comerciais que visem, na verdade, a distribuir tais rendimentos a seus sócios. Não é o caso das fundações. São elas entidades de fins não lucrativos e se, em sua atividade, houver valores que ultrapassem os custos de execução, tais valores não se configurarão tipicamente como lucro, mas sim como superavit, necessário ao pagamento de novos custos operacionais, sempre com o intuito de melhorar o atendimento dos fins sociais. Nelas, portanto, o aspecto social sobreleva ao fator econômico. A definição legal das fundações, contida, como vimos, no art. 5o, inciso IV, do Decreto-lei no 200/1967, indica expressamente a característica dos fins não lucrativos. A despeito de a referência constar da conceituação das fundações públicas com personalidade de direito privado, aplica-se também às fundações autárquicas, já que idênticos os objetivos de ambas as categorias. Os fins a que se destinam as fundações públicas são sempre de caráter social e suas atividades se caracterizam como serviços de utilidade pública. Por esse motivo, jamais poderá o Estado instituir fundações públicas quando pretender intervir no domínio econômico e atuar no mesmo plano em que o fazem os particulares; para esse objetivo, já se viu, criará empresas públicas e sociedades de economia mista. As fundações governamentais se destinam, habitualmente, às seguintes atividades: a) assistência social; b) assistência médica e hospitalar; c) educação e ensino; d) pesquisa; e) atividades culturais. Aqui cabem duas observações. Primeiramente, pode a lei estabelecer outros fins, desde que tenham feição social. Depois, não é incomum que objetivos fundacionais coincidam com fins autárquicos, já que em ambos sobreleva o aspecto social.198 Vejamos alguns exemplos de fundações da esfera federal: Fundação Escola de Administração Pública; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Fundação Casa de Rui Barbosa; Fundação Nacional do Índio; Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; Fundação Nacional de Saúde e outras tantas ligadas à Administração. Vale a pena tecer uma última consideração sobre o objeto das fundações governamentais. Segundo entendemos, se a fundação pública é instituída com a adoção, basicamente, do regime de direito privado, deverá sujeitar-se ao modelo previsto no Código Civil, inclusive quanto ao objeto, constituído, como vimos, das finalidades a que alude o art. 62, parágrafo único, do mesmo Código. Não obstante, se se tratar de fundação de direito público, poderá o legislador indicar objeto diverso dos que constam no diploma civilístico. A razão é que tais fundações têm natureza autárquica, o que permite ao legislador fixar sua finalidade institucional, considerando o interesse público perseguido, naquele caso específico, pela Administração.199 Neste tópico, é necessário adequar o que já dissemos a respeito das demais pessoas da Administração Indireta. E, para proceder a essa adequação, temos que distinguir os dois tipos de fundação pública, embora para ambos seja necessária a edição de lei. No caso de fundações públicas de direito privado, a lei apenas autoriza a criação da entidade. Como bem registra o art. 5o, § 3o, do Decreto-lei no 200/1967, a personalidade dessas fundações é adquirida com a inscrição da escritura pública de sua constituição no Registro Civil de Pessoas Jurídicas. São, pois, dois atos diversos: a lei é autorizadora da criação da entidade, ao passo que o ato de registro é que dá início a sua personalidade jurídica. Se a fundação pública for de natureza autárquica, ou seja, de direito público, a regra a ser aplicada é a mesma que incide sobre as autarquias, vale dizer, a própria lei dá nascimento à entidade, porque essa é a regra adotada para o nascimento da personalidade jurídica de pessoas jurídicas de direito público.200 A extinção das fundações públicas decorre também de lei, como ocorre com as demais pessoas administrativas. Mas, retornando à distinção, a lei autorizará a extinção de fundações de direito privado e ela mesma extinguirá as de direito público, nesta última hipótese tal como sucede com as autarquias. O art. 37, XIX, da CF, com a redação da EC no 19/1998, criou inovação quanto às fundações. Reza o dispositivo que somente por lei específica pode ser autorizada a instituição de “empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. O mandamento, ao mencionar a autorização por lei, só pode ter-se referido às fundações governamentais de direito privado, e isso pela óbvia razão de que as fundações de direito público são diretamente instituídas por lei, espécies que são do gênero autarquias, como já deixamos anotado anteriormente. Quis o Constituinte, então, atribuir à lei complementar a tarefa de fixar quais os setores aos quais poderão dedicar-se as fundações públicas de direito privado; significa, a contrario sensu, que não poderá ser autorizada a criação desse tipo de fundação fora das áreas indicadas no aludido diploma. No que concerne a tal previsão, alguns intérpretes advogam o entendimento de que, sem tal lei, não haveria ensejo para as fundações governamentais de direito privado. Discordamos, contudo, dessa linha de opinião: embora de algum tempo para cá esteja havendo uma certa “publicização” das fundações, ainda existem algumas que se caracterizam como entidades privadas, com fisionomia mais aproximada àquelas fundações do setor privado. A lei complementar, certamente, definirá, além das áreas de atuação, o regime jurídico básico a ser aplicado, diferenciando-o mais precisamente do que incide sobre as fundações de natureza autárquica – regime esse tipicamente de direito público.Embora já nos tenhamos referido, de passagem, ao regime jurídico das fundações públicas, entendemos, por questão de método, que devemos deixar bem claras as linhas desse regime no que concerne às referidas entidades. As fundações públicas de direito público não se distinguem, nesse particular, das autarquias: sujeitam-se ao regime de direito público. Em consequência, estarão descartadas as normas de direito privado reguladoras das fundações particulares. Recebendo o influxo desse quadro normativo, pode-se concluir que as fundações públicas de direito público fazem jus às mesmas prerrogativas que a ordem jurídica atribui às autarquias, tanto de direito substantivo, como de direito processual. E nem poderia ser de outro modo, na medida em que são consideradas como espécie do gênero autarquia.201 É também a posição adotada pela jurisprudência.202 Em relação às fundações públicas com personalidade de direito privado, temos que reconhecer que a lei criou para elas um regime especial. Na verdade, deveriam elas reger-se, basicamente, pelas normas de direito civil sobre a matéria fundacional, e só supletivamente pelas regras de direito público, principalmente, como vimos oportunamente, na relação que vincula as entidades da Administração Indireta à respectiva Administração Direta. Todavia, o já citado art. 5o, § 3o, do Decreto-lei no 200/1967, embora tenha previsto a aquisição da personalidade jurídica pelo registro da escritura pública de constituição, consignou que não lhes são aplicáveis as demais disposições do Código Civil concernentes às fundações. Podemos, pois, concluir que o regime jurídico aplicável sobre as fundações públicas de direito privado tem caráter híbrido, isto é, em parte (quanto à constituição e ao registro) recebem o influxo de normas de direito privado e noutra parte incidirão normas de direito público, normas que, diga-se de passagem, visarão a adequar as entidades à sua situação especial de pessoa da Administração Indireta. No que concerne às prerrogativas processuais, deve entender-se que não incidem sobre as fundações governamentais de direito privado, mas apenas sobre as fundações de direito público, que, como vimos, são espécies de autarquias. O art. 496, I, do CPC, por exemplo, deixa expresso que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, só produzindo efeito, após confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra as pessoas federativas e as respectivas autarquias e fundações de direito público. Nota- se, assim, que o legislador pretendeu afastar deliberadamente as fundações de direito privado, ainda que instituídas pelo Poder Público. Numa interpretação sistemática há de se inferir que somente as fundações autárquicas têm a garantia daquelas prerrogativas, o que não ocorre com as fundações privadas, às quais devem ser aplicadas as regras processuais comuns às partes em geral. Dispõe o art. 150, § 2o, da CF que o princípio da imunidade tributária, relativa aos impostos sobre a renda, o patrimônio e os serviços federais, estaduais e municipais (art. 150, VI, a), é extensivo às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Empregando essa expressão, de amplo alcance e sem qualquer restrição, desnecessário se torna, nesse aspecto, distinguir os dois tipos de fundações públicas. Ambas as modalidades fazem jus à referida imunidade, não incidindo, pois, impostos sobre a sua renda, o seu patrimônio e os seus serviços. A despeito da controvérsia existente, a jurisprudência se consolidou no sentido de que há uma presunção iuris tantum em favor da imunidade das fundações públicas. Resulta, então, que caberá à Administração tributária comprovar a eventual tredestinação dos bens protegidos pela imunidade, matéria, obviamente, objeto de prova.203 Da mesma forma que as autarquias, os bens do patrimônio das fundações públicas de direito público são caracterizados como bens públicos, protegidos por todas as prerrogativas que o ordenamento jurídico contempla. Para não sermos repetitivos, remetemos o leitor ao mesmo tema, que examinamos na parte relativa às autarquias.204 As fundações públicas de direito privado, contrariamente, têm seu patrimônio constituído de bens privados, incumbindo sua gestão aos órgãos dirigentes da entidade na forma definida no respectivo estatuto. Somente se houver na lei autorizadora restrições e impedimentos quanto à gestão dos bens fundacionais é que os órgãos dirigentes deverão obedecer. Fora dessa hipótese, o poder de gestão é da própria fundação, cabendo, no caso de desvio de finalidade, a responsabilização civil e criminal dos responsáveis. Este é outro ponto em que é necessário distinguir as fundações. Em relação às fundações públicas de direito público e, portanto, de natureza autárquica, deve ser adotado o mesmo regime fixado para os servidores da Administração Direta e das autarquias. Como já assinalamos anteriormente, foi restabelecida a eficácia do art. 39, da CF, em sua redação original, pelo qual se impõe a adoção de regime jurídico único para Administração Direta, autarquias e fundações. Esse regime fora extinto pela EC no 19/1998, mas o STF, declarando a inconstitucionalidade do novo art. 39, fez restaurar o mandamento primitivo.205 Apesar das divergências em torno do dispositivo, entendemos que os aludidos entes públicos devem adotar um só regime para todos os servidores, seja ele o estatutário, seja o trabalhista.206 Já no caso de fundações públicas de direito privado, o pessoal, em nosso entender, deve sujeitar-se normalmente ao regime trabalhista comum, traçado na CLT. Sendo de natureza privada tais entidades, não teria sentido que seus servidores fossem estatutários. Na verdade, haveria mesmo incompatibilidade, haja vista que o regime estatutário, com seu sistema de cargos e carreiras, é adequado para pessoas de direito público, como é o caso das autarquias e das fundações autárquicas, sem contar, como é óbvio, as pessoas políticas da federação. A despeito do regime trabalhista, aplicam- se aos empregados dessas fundações as restrições de nível constitucional, como, por exemplo, a vedação à acumulação de cargos e empregos (art. 37, XVII) e a necessidade de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos antes da contratação dos empregados (art. 37, II).207 1. 2. 3. Como sucede com as pessoas da Administração Indireta, as fundações públicas, qualquer que seja a sua natureza, sujeitam-se a controle pela respectiva Administração Direta. Esse controle pode ser exercido sob três prismas: o controle político, que decorre da relação de confiança entre os órgãos de controle e os dirigentes da entidade controlada (estes são indicados e nomeados por aqueles); o controle administrativo, pelo qual a Administração Direta fiscaliza se a fundação está desenvolvendo atividade consonante com os fins para os quais foi instituída; e controle financeiro, exercido pelo Tribunal de Contas, tendo a entidade o encargo de oferecer sua prestação de contas para apreciação por aquele Colegiado (arts. 70 e 71, II, da CF). Vale a pena observar que o art. 71, II, da CF emprega a expressão fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, que, por sua abrangência, alcança tanto as fundações públicas de direito público como as de direito privado. Como o dispositivo se refere à apreciação de contas dos responsáveis por dinheiros públicos, infere-se que a fundação governamental que subsista apenas com recursos próprios não estará sob incidência da regra constitucional.208 Não se desconhece, todavia, a tendência atual de ampliar o controle sobre entidades que executam atividades sociais, objetivando impedir a malversação de recursos da entidade por dirigentes inescrupulosos. Outros dispositivos que contêm alguma forma de controle fundacional são os arts. 52, VII, 165, §§ 5o e 9o, e 169, parágrafo único, da CF. Nos termos do art. 66 do Código Civil, velará pelas fundações o MinistérioPúblico do Estado, onde situadas. Em virtude desse dispositivo, o Ministério Público em cada Estado tem, em sua organização funcional, orgão de execução, normalmente a Curadoria de Fundações, destinado à fiscalização dessas entidades, quando se trata de instituidor privado. O Código Civil, no art. 66, § 1o, estabelecia caber ao Ministério Público Federal o encargo de velar pelas fundações sediadas no Distrito Federal e em Territórios.209 A distorção, todavia, foi corrigida pela Lei nº 13.151, de 28.7.2015, que, alterando o citado art. 66, § 1º, conferiu o controle ao MP do DF e Territórios. Ressalve-se apenas, por oportuno, que nas fundações de direito público federais, o controle, se a lei o contemplar, incumbirá ao MP Federal. A função ministerial, no caso, se justifica pela necessidade de fiscalizar se a fundação está efetivamente perseguindo os fins para os quais foi instituída. Trata-se, portanto, de controle finalístico. No caso de fundações governamentais, é dispensável essa fiscalização, independentemente da natureza da entidade, haja vista que o controle finalístico já é exercido pela respectiva Administração Direta. Haveria, em consequência, duplicidade de controle para os mesmos fins.210 Esse é o motivo pelo qual em várias leis orgânicas estaduais do Ministério Público há a expressa menção de que a Curadoria de Fundações não tem atribuições para fiscalizar fundações governamentais. Observe-se, por oportuno, que mesmo os entes fundacionais de direito privado não recebem integral incidência das normas do Código Civil, e isso em face da peculiaridade de integrarem a administração indireta do Estado. Uma das que não incidem é exatamente a que se refere ao velamento das fundações pelo Ministério Público – norma inspirada na necessidade de controle das entidades criadas sob injunção da vontade de particulares.211 As fundações públicas de direito público podem dar origem a atos de direito privado e a atos administrativos. No primeiro caso, o controle judicial se dará pelas vias comuns, ao passo que neste último poderá o controle ser exercido pelas vias específicas, como o mandado de segurança e a ação popular. Se se tratar de fundações governamentais com personalidade de direito privado, a regra será que pratique atos de natureza privada, controláveis pelas vias processuais comuns. Entretanto, quando praticar ato no exercício de função delegada do Poder Público, esse ato se caracterizará como administrativo e, como tal, sujeito a controle também pelas mesmas vias especiais anteriormente mencionadas. No que concerne às fundações públicas com personalidade de direito público, a competência de foro para os litígios judiciais segue o que dissemos a respeito das autarquias. Tratando-se de fundação de direito público federal, seus litígios são dirimidos na Justiça Federal, inclusive aqueles que decorram da relação estatutária entre a fundação e seus servidores. A propósito, note-se que o art. 109, I, da CF, empregou a expressão “entidade autárquica”, que obviamente abrange autarquias e fundações autárquicas. A elas, inclusive, da mesma forma que às autarquias, aplica-se a Súmula 270 do STJ. As fundações estaduais e municipais terão seus feitos processados no foro fixado no código de organização judiciária do Estado.212 Se se tratar de fundação governamental de direito privado, seja qual for a esfera a que esteja vinculada, a regra de foro é a comum para as pessoas privadas, ou seja, a Justiça estadual. Como o pessoal dessas fundações deve reger-se pela lei trabalhista, será competente a Justiça do Trabalho para dirimir os conflitos dessa natureza. Ainda aqui é preciso distinguir a natureza das fundações governamentais. Como as fundações de direito público são espécie do gênero autarquia, as manifestações de vontade de seus agentes se formalizam, normalmente, por atos administrativos, regulados basicamente por regras especiais de direito público. Poderão, é claro, ser praticados atos de natureza privada e, nesse caso, se sujeitarão às normas do Direito Civil ou Comercial. Seus contratos também se caracterizam como administrativos, razão pela qual incide a disciplina da Lei no 8.666/1993, inclusive quanto à obrigatoriedade de licitação prévia. As fundações públicas de direito privado praticam, em regra, atos de direito privado. Só serão considerados atos administrativos aqueles praticados no exercício de função delegada do Poder Público. Em relação aos contratos, deveriam elas celebrar ajustes regulados pelo direito privado, tal como ocorre com as demais pessoas privadas. Todavia, o art. 1o, parágrafo único, da Lei no 8.666/1993 determinou sua aplicação também às fundações públicas, sem fazer qualquer distinção sobre a natureza dessas entidades. Assim sendo, não só se obrigam a realizar licitação, como também têm seus contratos regidos pelas respectivas normas daquele diploma. A questão da responsabilidade civil se aplica às duas modalidades de fundação pública. De acordo com o art. 37, § 6o, da CF, são civilmente responsáveis por atos de seus agentes tanto as pessoas jurídicas de direito público como as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. As fundações, como já visto, não se prestam à exploração de atividades econômicas; ao contrário, são criadas pelo Estado para a execução de atividades de caráter social e que, obviamente, retratam verdadeiros serviços públicos. Conclui-se, portanto, que as fundações governamentais sujeitam-se à responsabilidade objetiva, consagrada no referido mandamento, a exemplo do que se passa com as sociedades de economia mista e as empresas públicas quando prestadoras de serviços públicos. Aqui não é preciso distinguir os dois tipos de fundações públicas: se forem de direito público, estarão dentre as pessoas jurídicas de direito público; se forem de direito privado, incluir-se-ão entre as pessoas de direito privado prestadoras de serviços públicos. Ambas têm previsão no art. 37, § 6o, da CF.213 A responsabilidade das fundações é primária, ou seja, elas é que devem, em princípio, responder pelos prejuízos que seus agentes causem a terceiros. A pessoa estatal instituidora, como já tivemos a oportunidade de assinalar quando tratamos das outras entidades administrativas privadas, tem responsabilidade subsidiária, vale dizer, só se torna responsável se e quando a fundação for incapaz de reparar integralmente os prejuízos. A formação básica da Administração Pública é aquela que a subdivide em Administração Direta e Indireta, sendo esta última constituída pelas entidades anteriormente estudadas. Não obstante, existem algumas outras pessoas jurídicas que, embora não integrando o sistema da Administração Indireta, cooperam com o governo, prestam inegável serviço de utilidade pública e se sujeitam a controle direto ou indireto do Poder Público. Em seu perfil existem, como não podia deixar de ser, alguns aspectos inerentes ao direito privado e outros que as deixam vinculadas ao Estado. A despeito da imprecisão do conceito, como vimos, poderíamos tranquilamente enquadrá-las na