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O que é imaginário

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Da imagem, à imaginação e ao imaginário�
Magali do Nascimento Cunha
Imagem, imaginação, imaginário; fantasia, fantástico, fantasma – todas essas palavras têm uma origem comum e dizem respeito à existência humana – a vida e o seu cotidiano. Partindo-se do princípio que a comunicação é um atributo intrínseco do ser humano, pois é capaz de “tornar comum”, voluntária e involuntariamente, pensamentos e sentimentos, a imagem, a imaginação e o imaginário tornam-se componentes privilegiados nesta dinâmica.
Particularmente quanto ao imaginário, objeto deste estudo, refletir sobre a forma como ele se institui coletivamente é um dos referenciais significativos no estudo dos processos comunicacionais que envolvem as relações, tanto as interpessoais quanto as sociais, mais amplas, que dão forma às representações sociais e às expressões culturais, entre elas, as mídias. 
Este texto busca contribuir com a indicação de elementos-chave deste referencial teórico em torno do imaginário social que possam nutrir estudos no campo da comunicação, em especial na relação com a cultura e com as mídias.
As divergentes compreensões gregas
Imagem, imago em latim, em grego eidos, tem raízes etimológicas no termo idea ou eidea, que trazem um elemento significativo: a palavra ideia é originária do verbo ver (horáo), cuja conjugação (aoristo) é eidon, que significa “eu vi”. Ainda desse mesmo radical vem o verbo eido, “ver, observar, representar-se, figurar”. Portanto, ideia é uma imagem mental.
Entre os primeiros pensadores a elaborar uma compreensão de imagem está Platão; ele a concebe como ideia de algo, “ideia da coisa” – uma projeção da mente – abordagem que está presente no clássico “Mito da Caverna”, ou a sua “Teoria das Ideias”, que compreende a existência de dois mundos – o que é concreto e o que é apreendido pelos nossos sentidos (PLATÃO, s.d.). Para Platão, a ideia da coisa é uma projeção do saber: ao verem a coisa, os olhos emitem raios de luz e projetam a imagem dessa mesma coisa que existe em nós como princípio universal (sentido de extromissão, como no “Mito da Caverna”).
Nessas reflexões, Platão também tocou no tema da imaginação, no grego, phantasia, mas não foi muito adiante, pois ancorou a noção na teoria platônica da mimèsis, em que a interpreta como “misto de sensação e opinião”, imitação ou representação da realidade, expondo-a como elemento da essência da arte, aspecto em que o filósofo se coloca em posição crítica, vendo-a como promotora de ilusão e engano – um afastamento da verdade (PLATÃO, 1989). Daí Platão classificar a imaginação como a mais inferior das faculdades, pensamento que dá base a outros que apreendem esta noção como algo de que se desconfiar. Para Platão e seus seguidores, a imaginação é fonte de conjecturas, o que deve ser evitado para não prejudicar a razão, ou a busca do conhecimento superior (a epistème).
Aristóteles, em um caminho diferente de Platão, se dedicou à compreensão da imagem relacionando-a à imaginação. Ao contrário de seu mestre, considerou inicialmente a imagem como uma experiência sensível, uma aquisição pelos sentidos – a representação mental de um objeto real. Imagem é compreendida por ele, portanto, como o resultado da ação de causas externas sobre nosso corpo (coisas luminosas produzem em nós imagens visuais): as coisas emitem cópias delas mesmas, por meio da luz, que são assimiladas pelos sentidos (os olhos em especial) e que, por conseguinte, são interpretadas pelo saber inato ou adquirido (o sentido da intromissão, diferente da compreensão idealista da extromissão do “mito da caverna”). Isso porque Aristóteles, diversamente de Platão, defendia a existência de um único mundo: aquele em que o ser humano vive, experimenta e sente (ARISTÓTELES, 2006).
No entanto, Aristóteles vai além dessa primeira compreensão ao indicar que imagem é ainda a reprodução de uma sensação na ausência da causa que a produziu e é por aí que chega ao tema da imaginação: “Imaginação [phantasia] é algo diverso tanto da percepção sensível como do raciocínio, mas a imaginação não ocorre sem percepção sensível e tampouco sem a imaginação ocorrem suposições” (ARISTÓTELES, 2006, p.110).
 	Aristóteles, portanto, segue trajetória oposta a Platão e coloca a imaginação (phantasia) entre as potências pelas quais a alma julga e conhece um ser qualquer e aponta uma relação profunda entre imagem e pensamento, chegando a afirmar que “não é possível pensar sem a imagem” (ARISTÓTELES apud MENESES, 1995, p.131): 
Se nada é percebido, nada se apreende nem se compreende, e, quando se contempla, há necessidade de se contemplar ao mesmo tempo alguma imagem, pois as imagens são como que sensações percebidas, embora desprovidas de matéria. E a imaginação é diferente da asserção e da negação: pois o verdadeiro e o falso são uma combinação de pensamentos (ARISTÓTELES, 2006, p. 121). 
Soma-se a isso a noção de que a palavra imaginação (phantasia) vem do mesmo radical de luz (phaos), como o próprio Aristóteles reflete no De anima (Tratado sobre a alma): “A imaginação será o movimento que ocorre pela atividade da percepção sensível. Já que a visão é, por excelência, percepção sensível, também o nome ‘imaginação’ deriva da palavra ‘luz’, porque sem luz não há o ato de ver” (ARISTÓTELES, 2006, p.113). 
Na compreensão aristotélica, phantasia é a abstração sensível: o sensível fornecendo o inteligível (uma separação a partir do que se sente). É a condição do pensamento, pois “penso aquilo que já senti”: quando se pensa (théorei) é necessário contemplar (théorein) alguma imaginação (phantasia). Já a phantasma é a sensação abstrata separada da matéria, do objeto, portanto, insensível. 
Aristóteles definiu a imaginação como o elemento intermediário entre a percepção e o pensamento, possibilidade de toda a memória, que não pode ocorrer sem as imagens da imaginação. O pensamento revive as imagens dos sentidos na forma de “pós-imagens” de sonhos e de lembranças residuais deixadas pela sensação primária. Sem percepção, portanto, não há imaginação e sem imaginação não há pensamento. Daí o termo fantástico (do grego phantastikós), como aquilo que tem origem na imaginação.
O discípulo de Platão também segue em direção diferente do mestre quando trata a noção herdada de mímesis. Como já mencionado, no pensamento platônico da mímesis, na arte não há produção de coisas reais, e sim imitações (representações) de coisas ou ações reais. O produto do artista não é apenas uma cópia, mas uma representação, o que compromete e afasta a verdade. Já Aristótoles concebe a mímesis de forma diferente: como recriação, quando retoma e o relaciona à ideia de poiésis, “fazer, confeccionar, produzir”. 
Primeiramente, Aristóteles considera o processo de imitação como algo a se valorar: “o imitar é congênito no homem (e nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por imitação, aprende as primeiras noções)” (1973, p.445). Entretanto, a mímesis, nesse sentido, não é mera imitação, mas, sim, recriação, pois o artista não deve imitar os homens como eles são e sim como deveriam ser; por isso imitam algo inexistente (daí o lugar positivo da imaginação na arte). Nesse sentido é que o artista (o ator ou o poeta) existe para narrar o que ocorreu, mas também para representar o que poderia ocorrer. 
Questão a se considerar é que é apenas a primeira formulação de imagem de Aristóteles que vai vigorar no pensamento clássico, aquela da imagem como representação mental de um objeto material e não essa segunda, a que a relaciona ao pensamento e à poiésis. Aqui a imagem pode consistir tanto na evocação de imagens mnemônicas quanto na construção de imagens criadas livremente pela phantasia (imaginação). 
 Imaginação vs. fantasia
O ponto de vista aristotélico sobre a imaginação como atividade mental entre a percepção e o pensamento vai reaparecer, melhor estruturado, na filosofia de Immanuel Kant, na obra clássica Crítica da faculdade do juízo (2006). Para esse pensador, a imagemé o vínculo entre a sensibilidade e o entendimento. Se o conteúdo do conhecimento é fornecido pelos sentidos e a forma do conhecimento é resultado das sínteses a priori do entendimento, a imaginação, que vincula essas duas fontes do conhecimento, participa tanto de uma quanto de outra. 
Por isso, Kant sintetiza o pensamento de Aristóteles e vai indicar dois tipos de imaginação: a imaginação reprodutiva e a imaginação produtiva. A imaginação reprodutiva é a que traz novamente ao espírito uma intuição empírica anteriormente ocorrida, isto é, a reorganização de situações e imagens experimentadas/sentidas durante a vida e que a memória guarda para se compor de diversas maneiras possíveis. A imaginação produtiva é o poder de representação originária do objeto, isto é, um poder ativo espontâneo, um processo que tem origem em si mesmo, por meio de uma síntese que combina elementos sensoriais com apreensão puramente intelectual (a razão). Esta imaginação não origina apenas a arte, mas é o poder e o agente de toda a percepção humana – a reflexão (KANT, 2006).
Até Kant, com a percepção reduzida do pensamento aristotélico, imaginação e fantasia eram tratadas como um só termo (phantasia). Depois dele, a partir da noção da imaginação produtiva (ou criadora), foi que Georg Wilhelm Friedrich Hegel, nos anos 1800, criou a distinção que passa a vigorar entre as duas noções, divorciando os termos. Para ele, tanto uma quanto outra são determinações da inteligência: mas a inteligência como imaginação é meramente reprodutiva; enquanto que como fantasia é criadora. Desta forma separados e hierarquizados, os dois termos, a partir de Hegel, serviram para estabelecer uma diferença entre o artista, capaz de fantasia criadora, e o ser humano comum, mecanicista, só capaz de imaginação/reprodução, para objetivos meramente práticos, como ter a visão da casa, local de refúgio, ou da roupa que deseja vestir, ou alimento quando tem fome. A fantasia colocada em um primeiro lugar hierárquico, a imaginação no segundo (HEGEL, 1991).
A perspectiva hegeliana, vinculada à platônica, tornou-se predominante no pensamento moderno. Por mais contribuições que possam ter advindo de pensadores que tomam a segunda abordagem de Aristóteles e a desenvolvem, ao longo da história do pensamento ainda predomina o senso restrito de imaginação como a faculdade que a mente possui de produzir imagens – representações mentais de um objeto ausente. Daí a relação de imaginação/fantasia com ficção, irrealidade, sonho, devaneio, utopia. O caráter criador da imaginação/fantasia (relacionado ao pensamento) fica “sufocado”. 
Ainda assim, vale destacar as contribuições oferecidas para o tema pela fenomenologia, com Maurice Merleau-Ponty e Edmund Husserl, e pelo existencialismo com Jean Paul Sartre, que tornaram possíveis que no pensamento contemporâneo, tanto pela filosofia como pela psicologia, se consiga dissipar as diferenças entre a imaginação e a fantasia. É o legado para a contemporaneidade que coloca a pauta de se tratar os dois termos como sinônimos, em um retorno à perspectiva grega aristotélica mais profunda. 
O imaginário, o sujeito e a sociedade
Esse outro olhar levou ao surgimento de um terceiro elemento condicionado à imaginação e à fantasia: o imaginário. Desloca-se o pensamento do nível do indivíduo para o coletivo – o das comunidades, dos grupos sociais. A noção de imaginário surge em relação a tudo que se apreende visualmente do mundo e é elaborado coletivamente. Desse modo o imaginário diz respeito às expressões culturais e se modifica na configuração da identidade que cada cultura produz e sustenta como sua. 
Compreendido no coletivo, imaginário, no entanto, está condicionado ao olhar do sujeito, um olhar “interessado” no objeto e alimentado pelo desejo. Isto significa que, ao introduzir o desejo na “realidade objetiva”, o sujeito participa de um processo de construção desse imaginário. A imagem como representação do objeto se estabelece aqui como forma pelo modo de olhar do sujeito (MAFFESOLI, 2003).
O desejo que direciona o olhar é um processo cultural (não é uma criação individual) assimilado pelo sujeito em contato com o meio, ou seja, o sujeito apreende o “real” e a subjetividade permeia a percepção o tempo todo. Essa percepção pode ser de objetos concretos, objetos ideais, ou, sobretudo, relações, e é um conhecimento que promove formas de conduta. O mundo apreendido é predominantemente imagético e é neste sentido que o imaginário e o simbólico estão intrinsecamente ligados.
Dentre as diversas contribuições sobre esse conceito, neste estudo será privilegiado o pensamento do filósofo grego Cornelius Castoriadis, por sua valoração do pensamento aristotélico. Ele afirma que o imaginário é “criação incessante e essencialmente indeterminada (social-histórica e psíquica) de figuras/formas/imagens, a partir das quais somente é possível falar-se de ‘alguma coisa’. Aquilo que denominamos realidade e racionalidades são seus produtos” (1995, p. 36).
(...)
É fato que a imagem é um forte valor nas sociedades contemporâneas. Como discursava um comercial de refrigerante dos anos 1990: “imagem é tudo”. Aos poucos a difusão de imagens foi sendo consumida pelos grupos sociais em um processo, como afirma Adauto Novaes, em que instantaneidade e simultaneidade adquiriram novas dimensões: o mundo na ponta dos dedos (NOVAES, 2009). Imagens passam a mediar intercâmbios, encontros culturais, identidades. Essa realidade pôs o próprio pensamento sobre imagem-imaginação-imaginário em crise. Imagem é, hoje, mercadoria por excelência, objeto de produção, circulação e consumo: cria-se não apenas uma mercadoria para o sujeito, mas sujeitos para a mercadoria. Esse é o caráter da imagem na modernidade tardia. 
Os processos comunicacionais, em especial os midiáticos, são parte dessa dinâmica social e contribuem na construção imaginativa e imaginária social. Ou seja, são parte do “movimento perpétuo”, do processo de criação social incessante. Essa constatação indica que os caminhos para a pesquisa são férteis e precisam focalizar os componentes instituintes e constituintes da cultura das mídias com seus discursos imagéticos, verbais e não-verbais, considerando-se produção, circulação e recepção e o imaginário social que alimenta os sujeitos que nelas estão “inter-agindo” e é alimentado pelas próprias mídias nessa “inter-ação”.
Referências 
ARISTÓTELES. De anima. São Paulo: Editora 34, 2006.
ARISTÓTELES. Poética. In: Aristóteles. Coleção Os Pensadores. v. IV. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade, 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
CASTORIADIS. C. As encruzilhadas do labirinto. O mundo fragmentado. v.III. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 
CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto. Os domínios do homem. v.II. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Estética: o belo artístico ou o ideal. 5ª. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
KANT, Immanuel. Antropologia de um ponto de vista pragmático. São Paulo: Iluminuras,
2006.
MAFFESOLI, Michel. “Mediações simbólicas: a imagem como vínculo social.” 
In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir Machado da. Para navegar no século XXI, 21: tecnologias do imaginário e cibercultura. 3ª ed. Porto Alegre: Ed. PUC-RS/Sulina, 2003. p. 43-54.
MENESES, Adélia Bezerra. Do poder da palavra. Ensaios de Literatura e Psicanálise. São
Paulo: Duas Cidades, 1995.
NOVAES, Adauto. Muito além do espetáculo (Org.). São Paulo: SENAC, 2004.
PLATÃO. A República. Diálogos. v. III. Rio de Janeiro: Ediouro-Paradidatic, s.d. 
PLATÃO. O Sofista. Diálogos. v. II. Rio de Janeiro: Ediouro-Paradidatic, 1989. 
� Extrato do capítulo Da imagem, à imaginação e ao imaginário. O lugar do imaginário nos estudos em comunicação e cultura. In: BARROS, Laan Mendes de. Discursos Midiáticos: representações e apropriações culturais.São Bernardo do Campo: Editora Metodista, 2012, p. 33-48.

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