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Universidade do Vale do Itajaí ECJS – Escola de Ciências Jurídicas e Sociais Curso de Relações Internacionais DOIS ESTADOS, UMA NAÇÃO: A IDENTIDADE COREANA FRENTE A DIVISÃO DAS COREIAS Projeto apresentado como avaliação da Disciplina de Teoria Política II do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICO(A): ANA PAULA DE MARCO, NATÁLIA MACIEL DE SIQUEIRA, RAYSA LABES SOARES. Balneário Camboriú (SC), abril de 2019 espaçamento, tamanho letra, travessão, RECUO, PAGINaÇÃO, CAPA, TEORIA POLÍTICA II - PROF. DR. WALTER BARBIERI JUNIOR DOIS ESTADOS, UMA NAÇÃO: A IDENTIDADE COREANA FRENTE A DIVISÃO DAS COREIAS JUSTIFICATIVA Observando-se que há uma lacuna dos estudos acerca da cultura coreana e das relações sociais entre os povos norte e sul-coreano, surge a necessidade de buscar conhecer mais sobre o tema propriamente dito. Ressalta-se, ainda, que há uma certa deficiência acadêmica quando se trata da cultura e política oriental, fato que resulta na desvalorização de sua importância nas relações internacionais. Portanto, o presente artigo tem por finalidade estudar a divisão da península coreana, tendo como foco os impactos socioculturais e a identidade do povo coreano. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA DO TEMA A história da divisão da península coreana remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, com o rendimento dos japoneses que a ocupavam após a explosão das bombas atômicas nas cidades nipônicas de Hiroshima e Nagazaki e a divisão de seu território entre americanos e soviéticos. Ainda hoje, cerca de sete décadas depois, as relações diplomáticas entre ambos os países são complicadas, e apenas recentemente os dois iniciaram uma lenta reaproximação. Segundo propõe Benedict Anderson, em seu livro “Comunidades Imaginadas”, Nação é um exemplo de comunidade socialmente construída e imaginada por pessoas que se veem como parte de um grupo. Imaginada pois mesmo os membros da menor nação jamais conseguirão encontrar a maior parte de seus conterrâneos, e, apesar disso, há entre eles a consciência da existência um do outro e de que pertencem à mesma comunidade. Ainda, apesar da impossibilidade do encontro de todos os membros de uma nação, estes não deixam de compartilhar aspectos identitários e interesses em comum. Além disso, Anderson evita conceber o conceito de nação como um fenômeno puramente institucional, limitando-a ao conceito de Estado. Partindo desse contexto, o objetivo deste artigo é verificar se, apesar da separação política da península coreana entre Norte e Sul, o sentimento de nação permanece o mesmo entre ambos os países. Desse modo, é necessário, além de buscar compreender o conceito de identidade e as características que compõem uma nação, também buscar elementos característicos das culturas e do modo de vida de ambas as nações visando analisar a realidade da identidade coreana. Para isso, serão abordados temas como o conceito de nação e nacionalismo, além dos elementos que os compõem, como raízes culturais, modo de vida, a fala e a escrita, dentre outros. ESTRUTURA PROVISÓRIA DA PROPOSTA DE ARTIGO 1. Conceito de Nação e Identidade Nacional 2. História e Identidade Coreana 1. CONCEITO DE NAÇÃO E IDENTIDADE NACIONAL Segundo o historiador e cientista político Benedict Anderson, autor da obra Comunidades Imaginadas, a nação nada mais é do que uma comunidade limitada, soberana e, sobretudo, imaginada. Limitada devido ao fato de que sempre haverá fronteiras infinitas, por maior que a nação seja; soberana, porque o nacionalismo surge do declínio dos tradicionais sistemas de governo (monarquias e administrações coloniais), e o início da construção de nacionalidade tendo como fonte a identificação étnica, racial e cultural, tendo-se assim um “livramento” dos antigos modos de dominação; e, finalmente, imaginada, porque mesmo que todos os seus indivíduos-membros não se conheçam e seja praticamente impossível que todos venham a conhecer uns aos outros, compartilham signos e símbolos comuns e tem a consciência da existência de seus conterrâneos, tornando possível o seu reconhecimento como pertencentes de um mesmo espaço imaginário. Além disso, ele também aponta que esse sentimento de reconhecimento entre os indivíduos se deve menos a uma construção política e de coerção, e mais a uma construção cultural – não existindo comunidade mais ou menos real. Sua imaginação não significa dizer que são falsas, mas sim que são, de certa forma, uma rede de parentesco que atribui a seus membros uma certa particularidade, fazendo-os pertencer a um mesmo grupo. Essa afirmação também é o que permite que ela se defina como comunidade pois, apesar das desigualdades e de explorações que possam existir em seu interior, ainda há esse sentimento de, segundo Anderson, “camaradagem horizontal”, de fraternidade, que, inclusive, é o que promove a disposição das pessoas em matar ou morrer por sua nação. “Nações são imaginadas, mas não é fácil imaginar. Não se imagina no vazio e com base em nada. Os símbolos são eficientes quando se afirmam no interior de uma lógica comunitária afetiva de sentidos e quando fazem da língua e da história dados "naturais e essenciais"; pouco passíveis de dúvida e de questionamento. O uso do "nós", presente nos hinos nacionais, nos dísticos e nas falas oficiais, faz com que o sentimento de pertença se sobreponha à ideia de individualidade e apague o que existe de "eles" e de diferença em qualquer sociedade (ANDERSON, 2008, p. 16). Neste sentido, as línguas impressas são fundamentais para a consolidação da consciência nacional. Primeiro, pois conferem fixidez à língua, que a longo prazo ajuda a construir imagem de antiguidade tão essencial à ideia subjetiva de nação. “Se o conhecimento pelos manuscritos era um saber restrito e arcano, o conhecimento pela letra impressa vivia da reprodutibilidade e da disseminação” (ANDERSON, 2008, p. 71). Segundo Anderson, a ideia de nação se populariza com o setor editorial, um dos primeiros empreendimentos capitalistas que buscava lucro por meio de publicações que interessassem o maior número de pessoas possível. O autor destaca que o jornal – livro vendido em escala colossal e de popularidade efêmera, ajuda a criar um vínculo imaginário entre fontes indiretamente relacionadas. Desta forma, notícias de locais distintos são conectadas pela cronologia, e isto define o avanço constante do tempo, pois tem-se a ideia de que "[...] o mundo caminha inexoravelmente para frente” (ANDERSON, 2008, p. 67). Nesse sentido, a ideia de nação é imaginada como uma comunidade sólida percorrendo constantemente a história. Portanto, a imprensa é parte essencial que contribui para a formação da ideia de simultaneidade, pois mesmo sem os cidadãos deuma nação se conhecerem, cada um sabe da existência de seus compatriotas e confia na “[...] atividade constante, anônima e simultânea deles” (ANDERSON, 2008, p. 59). 2. HISTÓRIA E IDENTIDADE COREANA A península coreana é uma região montanhosa localizada no extremo oriente entre a China e o Japão. Por ter um solo arenoso e, portanto, pouco fértil, a agricultura na região sempre foi bastante frágil. No século IV depois de Cristo, três dos vários reinos que habitavam a região se destacaram e formaram o que é chamado hoje de “os três reinos da Coréia”. Em 676, o reino Silla, com o apoio da China, derrotou os outros dois reinos (Koguryo e Baekje) e unificou o território. Destaca-se que na época o budismo foi adotado como religião oficial do país (LEW, 2008). A sociedade e a cultura de Silla é considerada pelos historiadores sul-coreanos modernos como a transmissora legítima da tradição coreana (LEW, 2008, p.9, tradução livre). O período da Silla Unificada (668-935) foi um tempo de paz, estabilidade e prosperidade. É considerada a dinastia mais longa da história da Coreia. Não obstante, na metade do século IX entrou em declínio, fato que levou a uma guerra civil entre os três reinos da península (LEW, 2008). Wang Kon – general e primeiro ministro do Koguryo – combinando proeza militar e diplomacia, vence o conflito, e em 918 cria uma nova dinastia, Goryeo, cujo nome deu origem ao do país. O período pacífico que Coreia vivia teve fim quando, no século XIII, ocorre a invasão Mongol. Com isso, a península se torna vassala dos mongóis e passa a ser obrigada a pagar tributos e, quando requerido, assistência militar. Com o fim do Império Mongol, surge a dinastia Joseon – formada, em 1392, pelo General Yin, simpatizante da dinastia chinesa Ming – que cria o Estado Coreano, tendo Seul como capital. Ademais, devido à forte influência chinesa, a península adota o sistema confucionista de Estado. Posteriormente, em 1443, o desejo de preservar a cultura da Coreia leva o Rei Sejong a criar o Hangul, sistema de escrita fonético que representava a fala coreana nativa (LEW, 2008), mantido até os dias atuais tanto pela região Norte quanto pela região Sul da península. Os primeiros encontros com os Europeus ocorreram no início do século XVI. Em 1620, informações sobre vários aspectos da civilização Ocidental foram transmitidas para intelectuais coreanos. Destaca-se que em 1784, com a primeira igreja católica construída em Seul, surge o movimento católico no país, fruto de preocupação para o governo coreano, que somente um ano depois proíbe a religião e começa a perseguir seus seguidores (LEW, 2008). Esta dinastia permaneceu no poder do século XIII até o final século XIX, e, durante seu reinado, o país foi invadido por japoneses e por chineses. Mesmo tendo um solo estéril para a agricultura, a região coreana era muito rica em minérios. Desta forma, despertava o interesse de seus vizinhos e, por ser bem menor que Japão e China, era fácil dominá-la. No século XVI, os japoneses invadem a Coreia, mas esta, com ajuda chinesa, consegue expulsá-los de seu território. Entretanto, durante o século XVII, a Coreia foi invadida duas vezes pelo reino da Manchúria (que respondia à China). Por conta dessas constantes invasões, o país decidiu manter uma política isolacionista, fechando completamente suas fronteiras. Apenas 200 anos depois, voltou a se abrir por conta da diplomacia de canhoneiras. Entretanto, o Japão invade novamente a região, e a China intervém, iniciando a Primeira Guerra Sino-Japonesa (1894-1895) – na qual é derrotada. Em 1905, ocorre a Guerra Russo-Japonesa, na qual o objetivo do Japão era por fim ao domínio russo na península, e, assim como a Guerra Sino-Japonesa dez anos antes, o Japão é vitorioso. (LONGFORD,1911). Portanto, em 1910, a Coreia se torna uma colônia do Império Japonês . Durante este período, a maior parte da população coreana era pobre e analfabeta. Nos últimos anos de dominação, o Japão explorou os recursos e a mão de obra coreana para dar suporte nas guerras travadas contra a Manchúria (após 1932), China continental (após 1937), e o Pacífico (após 1941). O povo coreano foi forçado a deixar de usar seu próprio idioma, a adotar nomes de origem japonesa e a frequentar santuários xintoístas. Essa política, ao contrário do pensamento japonês, não diminuiu o nacionalismo coreano. Consequentemente, no dia primeiro de março de 1919 ocorre a manifestação nacionalista que inspirou a sociedade coreana a lutar por sua independência, chamada de Movimento Primeiro de Março (LEW, 2008). A subjugação japonesa na Coreia só termina em 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial, ao ser “libertada” pela União Soviética e Estados Unidos. Os russos, com apoio da China, ocupam a região norte, que faz fronteira com seus países. Já os EUA ocupam o sul, pois desejavam uma área no extremo oriente onde pudessem exercer sua influência e ao mesmo tempo ficar próximos de seus rivais. Estas dominações duraram apenas três anos, tempo suficiente para que as ideologias econômicas e políticas dos dois países (Rússia e EUA) impregnassem na nação coreana e provocassem rivalidade entre o sul e o norte. Ao longo do ano de 1950, houve diversas tentativas de unificação da Coreia por meio da guerra, e em 1953 ocorre o cessar fogo e o estabelecimento da Coreia do Norte e da Coreia do Sul como dois países distintos. Sem dúvidas, um dos pontos de maior importância é entender como a península coreana se desenvolveu durante esses 70 anos de divisão. Após a Guerra da Coreia, não ficou imediatamente claro qual das Coreias teria maior progresso. Segundo dados do site Gapminder, entre as décadas de 1960 e 1970, a Coreia do Norte ainda tinha um nível de renda semelhante ao vizinho do sul, grande parte disso pode ser explicado pela ajuda financeira dada pela União Soviética. Ainda assim, a partir de 1970, o Estado sul-coreano começa a intensificar sua economia e aos poucos a Coreia do Norte é deixada para trás. Na década de 1970, Pyongyang procurou importar tecnologia ocidental para tornar sua indústria de mineração mais sofisticada. Todavia, o choque do petróleo de 1973 fez com que os preços dos principais minérios norte-coreanos caíssem no mercado internacional. Kim II Sung mais uma vez se viu obrigado a recorrer à União soviética, que ampliou sua ajuda financeira em 1980, entretanto, o regime soviético tem fim 10 anos depois, fazendo com que as ajudas financeiras dadas ao país cessassem. A Coreia do Sul por outro lado, durante estes setenta anos passou de uma nação agrária para constituir um parque industrial tecnologicamente avançado. Nas últimas décadas, o país tem experimentado altas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto – PIB comintenso desenvolvimento econômico e social. Entre as razões apontadas para o sucesso desse país destacam-se: investimento maciço em educação, ciência e tecnologia e redistribuição de renda no início do processo, o que aumentou o mercado para bens de consumo de massa. (ALBUQUERQUE, 2017). As diferenças sociais entre esses países manifestam-se mais claramente quando olhamos para os “refugiados” norte coreanos que vivem no sul. Embora cheguem em Seul com status de cidadãos sul-coreanos, e recebam cursos educacionais que incluem: treinamento vocacional básico, palestras sobre história e democracia coreanas, conceito de economia de mercado (MOREIRA, 2017, p.190). O preconceito sofrido por essa parcela da sociedade é muito forte. Estima-se que a taxa de desemprego entre os norte-coreanos seja de 7%, quase o dobro da média nacional e que sua renda mensal seja a metade da média do país. Joo Seung-hyeon, ex soldado de elite da Coreia do Norte, fugiu para a Coreia do Sul em busca de uma vida melhor mas relatou em entrevista que teve grande dificuldade para encontrar um emprego, segundo ele, isso se deu por conta de seu sotaque norte-coreano. A existência das desigualdades fica clara diante das palavras de Seung-hyeon: “De cara caí neste mundo ultra competitivo, onde prevalece o princípio da sobrevivência do mais forte. Essa realidade era, para mim, mais fria do que a noite de inverno, em que cruzei a fronteira sozinho. Me dei conta de que, ta lvez, nunca vá ser capaz de me livrar do estigma de 'desertor norte-coreano” (O GLOBO, 2018). Em 2014, a então presidente da Coreia do Sul, Park Geun-Hye, em visita a Alemanha declarou: "Somos um só povo. O dia vai chegar em que essas poderosas palavras, que uniram os cidadãos do leste e oeste da Alemanha, vão ecoar na Península Coreana." Talvez seja difícil falar de uma possível reunificação das Coreias, sem pensar em outro país que por muito tempo teve seu território dividido entre comunista e capitalista. As semelhanças entre a península coreana e a Alemanha do período da guerra fria são inúmeras, e muitos políticos sul-coreanos usam o exemplo alemão para sustentar sua tese de que o regime de Pyongyang irá fatalmente desmoronar. Mas, para o especialista Han Un-suk, do Instituto Ásia-Oriente da Universidade de Tübingen, a comparação não é apropriada, segundo ele: "No futuro previsível, a Coreia do Norte não vai entrar em colapso. A China, a aliada de Pyongyang, não é a União Soviética de 1989-90". Outro ponto que vale ressaltar é que, no passado, as duas Coreias se enfrentaram em uma guerra civil, que deixou marcas profundas de ódios arraigados, e que um tratado de paz nunca foi assinado. Han afirma que a sociedade sul coreana “assimilou da mídia conservadora a imagem dominante de uma Coreia do Norte demonizada. São fracos os esforços para julgar o país de modo objetivo”. Não admira que a nova geração sul-coreana, se mostre reservada perante a ideia de pagar para acolher um vizinho que ela só conhece por meio de caricaturas. Segundo o Ministério da Unificação, em Seul, 53,9% dos candidatos aos reencontros têm mais de 80 anos e 11,7%, mais de 90. A opinião do diplomata Rolf Mafael, embaixador alemão em Seul, não é diferente de Han Un-Suk. Embora admita semelhanças nas histórias dos países ele afirma que "A Alemanha Oriental e a Ocidental nunca entraram em guerra entre si. Entre os dois povos era possível haver contato e intercâmbio, por isso esses laços eram muito mais fortes e se estabeleceram ao longo das décadas". Laços esses, que até o momento, são impossíveis de serem mantidos pelos cidadãos das Coreias. Por outro lado, o diplomata declara que a apreensão que muitos sul-coreanos possuem, de que a unificação venha causar grandes estragos a economia sul coreana, é infundada, segundo ele: "O padrão de vida cresceria, em especial no Norte. E o potencial econômico de uma Coreia reunificada, com um mercado de 75 milhões de pessoas, superaria francamente os custos iniciais.". Para o especialista Han Un-Suk a unificação apenas seria possível através de um colapso da Coreia do Norte, não vindo de sanções econômicas mas proveniente de uma abertura para fora e de uma intensificação do intercâmbio e do comércio doméstico. Apesar de um passado cheio de conflitos, em 1991 se inicia um lento processo de reaproximação entre os dois países e, em 2003, o que parecia improvável acontece: a Coreia do Norte libera a região de Kaesong para que as empresas sul-coreanas se instalassem e empregassem norte-coreanos. Entretanto, essa promissora aproximação foi frustrada por George Bush (presidente dos Estados Unidos na época), quando o mesmo incluiu a Coreia do Norte, junto com Irã e Iraque, no “eixo do mal” – uma lista de países que, segundo, o presidente norte-americano, apoiavam o terrorismo e possuíam armas de destruição em massa. Esse fato faz com que a Coreia do Norte volte a se fechar e a iniciar a proliferação de armas nucleares (mesmo sendo signatária do Tratado de Não Proliferação), realizando, em 2006, seu primeiro teste nuclear. Em 2007, os primeiros-ministros das duas Coreias se encontram pela primeira vez em 15 anos. Ademais, em 2008, a Coreia do Norte realiza testes com mísseis de curto alcance após acusar o presidente sul-coreano de enviar um navio de guerra para as águas do norte e de buscar uma política de confronto. Dois anos depois, as relações entre as Coreias ficam estremecidas quando a Coreia do Norte bombardeia a ilha Yeonpyeong (pertencente ao território Sul Coreano), e, por consequência, mata quatro pessoas. Anos mais tarde, no início de 2018, o líder norte-coreano anuncia, em seu discurso de ano novo, que está disposto a enviar uma delegação aos jogos olímpicos de Inverno na Coreia do Sul no mês seguinte. Assim, uma delegação liderada pela irmã de Kim Jong-un, desfila nos jogos junto à delegação sul-coreana, sob a mesma bandeira. No mesmo ano, é realizada uma cúpula entre os dois líderes em sua fronteira, e a Coreia do Norte anuncia seus planos de suspensão de instalações de testes nucleares. Atualmente, não há dúvidas de que as relações entre as Coreias ainda se mostram assombradas por seus passados. Enquanto na Coreia do Norte consumir certos tipos de entretenimento sul-coreanos constitui crime - dependendo do caso, até mesmo passíveis de pena de morte – na Coreia do Sul há a Lei de Segurança Nacional – um resquício de seu regime ditatorial, que durou quase duas décadas. A lei viola princípios e direitos básicos – sobrepondo-se, inclusive, à constituição nacional – como o direito de associação e liberdade de expressão e pensamento, e ainda cita expressamente a proibição de simpatizar, encorajar, disseminar e cooperar com“o inimigo”, e ainda conta com uma lei-anticomunista, em clara apologia à Coreia do Norte, cujo regime se baseia no stalinismo. Entretanto, a Lei vem sendo alvo de discussões nos últimos anos, e vêm, aos poucos, perdendo a sua eficácia com a lenta e complicada reaproximação dos dois países através do tempo. Segundo dados de 2013, foi feita uma pesquisa acerca da unificação, onde seus participantes responderam à pergunta “Qual a razão pela qual você acha que a Coreia devia se unificar?” e a resposta da maioria – cerca de 40% do total dos entrevistados – foi “Porque nós pertencemos a uma nação”. Ainda, segundo uma pesquisa realizada pela Universidade Nacional de Seul, 44% dos sul-coreanos não enxergam a Coreia do Norte como sua inimiga e 12% deles acreditam que a Coreia do Norte é um país que precisa da ajuda deles. É possível dizer que a identidade baseada numa linhagem comum e uma ascendência compartilhada, bem como a língua e a escrita, entre os norte e sul-coreanos intensificou o sentido de unidade e orgulho nacional, transformando a identidade coreana em uma condição inalienável dentre aqueles que compartilham dessa ascendência, e mantendo unida a comunidade imaginada da qual fazem parte – mesmo que a península coreana tenha sido politicamente dividida. Isso pode ser observado no compartilhamento de elementos folclóricos e culturais coreanos, como a culinária, a vestimenta e o alfabeto. Este último, o Hangul – criado em 1443, pelo rei Sejong – segundo Cummings (2005) apud Moreira (2017), é considerado a primeira grande política pública e diplomática para a união nacional da península coreana, já que, anteriormente, o alfabeto utilizado pelos coreanos para se expressar por escrito era o chinês, intensificando a relação de dependência da Coreia para com a China, considerando que apenas uma parte da elite educada no país fronteiriço tinha acesso ao conhecimento desses caracteres. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Alexandre Black de. Coreia do Sul e Taiwan: Uma história comparada do pós-guerra. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA ECONÔMICA, XII, 2017, Niterói. Niterói: Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, 2017, 1-23. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/uploads/ABPHE%202017/7%20Coreia%20do%20Sul%20e %20Taiwan.pdf>. 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