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Parecer juridico bioética

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DO PARÁ
ÁREA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO
Ananda do Valle Martins
Fernanda Freitas 
Natasha Veloso 
Valnise Reis 
PARECER JURÍDICO: 
ASSUNTO: Condutas antiéticas no caso Tuskegee
Trabalho de Avaliação Parcial e Complementar do Primeiro Bimestre da Disciplina de Bioética e Biodireito. 
Professor: Adilon Koury
Turma: DIN9B
Belém
DEZ 2018
PARECER Nº: 001/2019
ASSUNTO: Condutas antiéticas no caso Tuskegee 
INTERESSADO: PESQMED 
EMENTA: EXPERIMENTO EM SERES HUMANOS. CONDUTAS ANTIÉTICAS. SAÚDE. VIDA. DIGNIDADE. PERSONALIDADE. DOENÇAS VENÉREAS. VULNERABILIDADE. 
RELATÓRIO 
Trata-se de consulta solicitada pela empresa PESQMED acerca das condutas antiéticas verificadas no caso Tuskegee, ocorrido entre 1932 e 1972 no Condado de Macon, Alabama, Estados Unidos.
O caso Tustekegee foi uma pesquisa científica que utilizou seres humanos negros portadores de doenças venéreas, especificamente a sífilis, no qual essas pessoas aceitaram participar, durante décadas, da pesquisa para o “tratamento da sífilis”, em troca de acompanhamento médico, uma refeição quente no dia dos exames e o pagamento das despesas com funeral.
Entretanto, o tratamento não ocorria, e sequer recebiam o diagnóstico, além de que os indivíduos participantes da pesquisa foram impedidos de receber o tratamento adequado por outras instituições por decisão formal do grupo de pesquisadores. Nesse prisma, ao menos três condutas antiéticas podem ser observadas no presente caso, são elas:
A contrapartida pela participação no projeto, que era o fornecimento de uma refeição quente no dia dos exames e o pagamento das despesas com o funeral.
A omissão do diagnóstico para os participantes.
O não fornecimento do tratamento adequado.
É o relatório. Passo a opinar. 
FUNDAMENTAÇÃO 
O Brasil é um Estado Democrático de Direito, cuja Carta Magna tem como um de seus princípios basilares a dignidade da pessoa humana, conforme preceitua o artigo 1º, inciso III da CF/88. Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana subsidia a interpretação das garantias fundamentais previstas na Constituição Federal de 1988, como o direito à vida e à saúde. 
Os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal também são alicerces que constituem o direito de personalidade dos pacientes estabelecidos no artigo 15 do Código Civil. No caso em tela, o direito de personalidade dos pacientes foi negligenciado, haja vista que os pacientes não tiveram a oportunidade de escolher se receberiam ou não algum tipo de tratamento contra sífilis. No que se refere aos pacientes que estavam em estado mais grave, por ser de extrema necessidade (estado de necessidade) não foram submetidos a nenhuma intervenção médica para tentar evitá-la. A intervenção médica no caso dos pacientes em estágio terminal deveria ter ocorrido independente da vontade do paciente, sob pena de responsabilidade do profissional de saúde, nos termos do artigo 15 do Código Civil. 
A conduta omissiva constitui crime descrito no Código Penal brasileiro. No caso em comento, é possível configurar o tipo penal da omissão, especificamente o crime omissivo impróprio (art. 135 do Código Penal), haja vista que a Lei descreve que os profissionais de saúde têm o dever de agir para salvar vidas, realizando os procedimentos necessários para manter a saúde e a vida do paciente. 
Nesses termos, a conduta de não fazer de forma pré-ordenada pela equipe de pesquisa, isto é, de não submeter os pacientes ao tratamento para analisarem a reação da doença no organismo do paciente, principalmente quando a cura havia sido descoberta, corroborou para que seres humanos morressem como portadores de sífilis sem terem ao menos a oportunidade de receberem tratamento quando a penicilina já havia sido comprovadamente testada como um remédio eficaz contra a doença. 
Além dos princípios e garantias constitucionais, as pesquisas em seres humanos devem ser pautadas pelas diretrizes internacionais, assim como devem ser respeitados os princípios da bioética, como a autonomia, a beneficência, da não maleficência e da justiça, o que não ocorreu no presente caso. 
Desse modo, ficaram comprovadas as violações aos preceitos éticos dos experimentos científicos em seres humanos, no qual não foram respeitados os direitos à vida, à saúde e à dignidade dos doentes; pelo contrário, foram usadas técnicas que causaram males, ocasionando prejuízos maiores à saúde dos pacientes, além de terem retirado o direito de estarem vivos e lutarem pela vida. O caso tem agravante porque os pacientes eram pessoas consideradas em situação de vulnerabilidade econômica, social e racial e foram expostas ao abuso do poder por parte dos pesquisadores, conforme resolução nº 466 de 2012:
“II-vulnerabilidade- estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma esteja, impedidos de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”.
Outra quebra aos preceitos éticos nos experimentos com seres humanos foi observada no que diz respeito ao acesso à informação, tendo em vista que toda pessoa deve ser previamente alertada dos riscos e circunstâncias que ocorrem nos experimentos. As pesquisas científicas com seres humanos também não podem oferecer, nem exigir nenhuma contrapartida, seja mediante remuneração, seja mediante qualquer tipo de troca para que as pessoas aceitem participar do desenvolvimento dos experimentos. Tais pesquisas devem ter asseguradas as regras mínimas de proteção aos direitos fundamentais do indivíduo, portanto, não podem ser aprovados experimentos que possam expor os participantes a riscos desnecessários.
Nesse ínterim, ficou caracterizada a ausência de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes do projeto, haja vista que a sua anuência se deu mediante vícios e fraudes, pela ausência de informações em linguagem clara e acessível a respeito dos possíveis riscos decorrentes da sua participação. 
Desse modo, cabe ressaltar que a vulnerabilidade diante da condição socioeconômica do interessado, bem como a raça, cultura, faixa etária, entre outros, colaboraram para que o abuso se concretizasse.
Diante do exposto, observa-se que o caso contraria os seguintes itens previstos na Resolução nº 466 de 2012, assim transcritos: 
II.5 - consentimento livre e esclarecido - anuência do participante da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar;
“II.23 – Termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE-documento no qual é explicitado o consentimento livre e esclarecido do participante e/ou do seu responsável legal, de forma escrita, devendo conter todas as informações necessárias em linguagem clara e objetiva, de fácil entendimento, para o mais completo esclarecimento sobre a pesquisa a qual se propõe participar ” 
Ademais, a garantia de que o participante da pesquisa poderia interromper ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, não foi respeitado, pois os participantes foram mantidos sem tratamento, obrigados a continuar no experimento, e quando procuravam outras instituições de saúde não recebiam o tratamento que já havia disponível, por decisão do grupo de pesquisadores. Ou seja, o presente experimento violou por completo a sua eticidade e a destinação sócio-humanitária, conforme determina o item III da Resolução nº 466 de 2012:
“A eticidade da pesquisa implica em: 
d) relevância social da pesquisa, o que garante a igual consideração dos interesses envolvidos, não perdendo o sentido de sua destinação sócio-humanitária”
III-CONCLUSÃO
Face ao exposto, verificou-se no presente caso inúmeras violações das condutas éticas,abusos aos direitos de personalidade da pessoa natural e transgressão penal no experimento em seres humanos, ferindo direitos fundamentais da vida, saúde e da dignidade da pessoa humana, e todas as diretrizes internacionais. 
É o parecer.
Belém, 25 de março de 2019.
Ananda do Valle Martins
Fernanda Freitas 
Natasha Veloso 
Valnise Reis

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