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Paródia da Odisseia no Satyricon de Petrônio

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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE LETRAS
Licenciatura em HISTÓRIA
Ano Letivo 2018/2019
2º Semestre
História das Culturas da Antiguidade Clássica
Prof. Dr. Nuno Simões Rodrigues
Isabel Vaz e Gala – Nº153494
EM QUE SENTIDO É O SATYRICON DE PETRÓNIO UMA PARÓDIA DA ODISSEIA
- ENSAIO –
Lisboa
2019
INTRODUÇÃO 
Antes de qualquer tipo de comparação entre as obras Satyricon e Odisseia de, respetivamente, Petrónio e Homero é necessário proceder a uma breve introdução para, que através de uma contextualização, mais prontamente se compreenda a essência da reflexão que será desenvolvida ao longo do ensaio. [1: Quem o estuda calcula, sem qualquer data exata que o comprove, que Petrónio terá escrito Satyricon na década de 60 d.C. - dando-se relevância às incógnitas em torno da mesma obra pelo simples factos de esta não estar completa.]
	Não podendo ser enquadrado junto dos grandes textos clássicos, são muitos os autores que consideram a obra de Petrónio um romance. Porém, uma vez que o género fora inicialmente vinculado à literatura de línguas românicas, a relação não é, de facto, linear. Apresenta-se, ainda assim, uma obra que merece mais do que aquilo que tem tido. Contudo “torna-se difícil, sem dúvida, classificar um romance que à mutilação acrescenta, desde logo, problemas intricados como a definição de intenções e a natureza do destinatário” – problema que o leitor terá que enfrentar e que, entre outros aspetos, dificulta a compreensão e, consequentemente, a interpretação da obra (o que obriga, por sua vez, a uma atenção astuta por parte do leitor).[2: Vide P. Ferreira,10.]
Assim, “as perplexidades que envolvem o homem recobrem também o romance, tão dolorosamente mutilado que não resta sequer - para decifração de intenções - o princípio ou o fim, nem uma sequência longa, íntegra e ininterrupta dos livros sobreviventes”
	Todavia e citando Catherine Connors :” há mais poesia no Satyricon do que nos outros romances que sobrevivem. Ao evocar determinados gêneros ou poemas, o Satyricon explora e contesta o aparato da memória literária”, o que reflete bem o facto de a obra em questão se apresentar extraordinariamente sem semelhança. [3: Vide P. Ferreira,9.][4: Vide C. Connors.1]
	Interessante é que, querendo intitular-se de sátira- género literário caracterizado pela variedade de temas tratados- o Satyricon, começa in medias res, característica essencial de qualquer epopeia, ou seja, começa dentro da ação; todavia, ao contrário da Odisseia, não narra eventos anteriores. Como crítica aos costumes e à política da Roma de Nero, apresenta episódios repletos de uma retórica apreciável, o que faz com que a personagem principal se considere um tragicum heros.[5: Uma outra incógnita pelo facto de obra ter chegado até nós incompleta, o que de facto, nos impossibilita de afirmar que, efetivamente, a mesma não teria antecedentes. ][6: Encólpio. ][7: Herói Trágico.]
No que ao título se refere, apresenta-se como um género literário que utiliza para narrar a epopeia deprimente de Encólpio, e as suas relações sexuais com diversas personagens. Tendo em conta o que Tácito escreveu sobre o autor, a vida de Petrónio era apenas mais sedentária, passando dias consecutivos afogado nos prazeres da vida. [8: Historiador e senador romano, tem como principais obras “Histórias” e “Anais”. A referência a Petrónio pode ser consultada neste último.][9: Vide Petrónio,20.]
EM QUE SENTIDO É O SATYRICON DE PETRÓNIO UMA PARÓDIA DA ODISSEIA
Segundo Delfim F. Leão “o Satyricon constitui, de certo modo, um caso especial e único, quer pelo tema, quer pela estrutura, quer pelo estilo”. Neste sentido, o paralelo com a Odisseia começa logo na extensão da obra: a obra pretroniana, tal como a epopeia, seria composta por vinte e quatro livros. Para além disso, do mesmo modo que Ulisses, Encólpio erraria, por diferentes cidades, sendo para, além disso, perseguido por Priapo como Ulisses é, constantemente, perseguido por Posídon.[10: Vide Petrónio. 9.][11: Apenas chegaram até nós uma parte do décimo quarto, o décimo quinto e parte do décimo sexto.][12: Encólpio estaria a fugir da ira do deus Priapo, devido a uma profanação de um templo nalgum episódio presente na parte que se perdera.][13: Vide P. Ferreira. 61.]
Ainda assim, havendo uma ligação causa-efeito, para melhor compreender o sentido da obra e o tema em questão é necessário proceder a algumas relações com o próprio autor: pois, apesar do Satyricon ser bastante importante, não é exclusivamente através do mesmo que se pode ficar a saber relativamente à vida de Petrónio. 
Tendo desempenhado o cargo de conselheiro de Nero, nomeado arbiter elegantiae e, mais tarde, acusado de participar na conspiração contra o imperador, acabou com sua vida cometendo suicídio em 66 d.C. Todavia, não deixa de ser possível encontrar dados bibliográficos do autor na própria obra: quer a vida do autor, quer a história da obra se aproximam de um paradoxo- extravagantes ao ponto de suscitarem uma vontade de condenar e admirar moralmente a escolhas a que estão sujeitos. No que se refere ao seu papel, o narrador assume-se pela personagem principal-Encólpio-que toma as funções de narrador participante da obra.[14: Árbitro da elegância.]
 	Tendo já uma certa noção espácio-temporal que compõe a obra, é precisamente na comparação com a Odisseia de Homero onde podemos caminhar pela narrativa de Petrónio-que só conseguirá arrancar uma gargalhada por quem aceite o exercício de comparação da obra com os textos clássicos do autor. Sendo difícil denominar a obra em questão, não deixa de fazer sentido a ideia que a alguma coisa teria Petrónio de socorrer para dar ênfase à sátira que pretende desenvolver- neste caso a Odisseia.
 Satyricon é um total tributo à sátira e à paródia. Um conjunto de historias e peripécias disparatadas que nada mais tem que a função de satirizar os aspetos culturais e quotidianos contemporâneos a Petrónio. Desde de já, Walsh diz-nos que todo o Satyricon pode ser entendido como uma “enorme piada privada, interna a um círculo muito restrito de amigos”. Ora a paródia no Satyricon começa logo com a escolha, como tema de um amor homossexual.[15: Vide Walsh. 70.]
A sociedade explorada pelo narrador reflete temas que vão desde o valor da amizade à decadência das artes, ou até que ponto será o erotismo um fenómeno lícito. Por sua vez, a cultura e erudição presentes na obra não facilitam a sua análise, porém, permitem uma primeira consideração relativa à epopeia de Ulisses, construída em verso, com um destinatário explícito, ao contrário da epopeia de Encólpio que, tal como referido anteriormente, devido à fratura que sofreu, não se pode saber a que entidade se destinava. [16: A inovação pela escrita limitou a criatividade subjacente à função de recordar e entoar o passado, originando – e penso que muito provavelmente sem se aperceber disso – uma repetição excessiva dos temas, que Petrónio aproveita para dar à literatura e aos clássicos um novo ar.]
Em paralelo com a Odisseia, não são os deuses que auxiliam Encólpio e Gíton quando se aventuram pelo mar, mas sim pescadores, mortais-aspeto a salientar- do mais baixo escalão, o que só por si demonstra, sem dúvida, a paródia existente. Os episódios paródicos à epopeia de Ulisses assumem uma componente de ridículo. Pensar nos destinos de Encólpio é também pensar na sua origem, que segundo este provém dos deuses.
Na decadência da sociedade petrónio coloca Encólpio, narrador que vivência, entre outras coisas, o fim destinado às artes e, consequentemente, a decadência da sociedade romana-jamais presente na Odisseia que explica de que forma há na sociedade grandes heróis sem qualquer tipo de vícios, apresentando, neste sentido, uma moral de fazer inveja. Heróis que no contexto da Roma de Nero emergem sem qualquer carácter de valentia, criticados em tom de tal forma irónica que Agamémnon, outrora um rei é apresentado, agora, como um mestre da retórica sem qualquer discípulo que o siga.
Não podemosesquecer, e é importante referir, que o narrador tende a adquirir uma forma paralela àquela que salta a vista (e com a qual o introduzi), denominando-se nesta segunda personificação por “Encólpio, o scholasticus o qual ingenuamente exalta a si mesmo ao se identificar com papéis heróicos entre os de grandes personagens míticas e literárias do passado”. A ironia está, assim, presente na aproximação dos dois géneros. [17: Vide G. B. Conte.]
O paralelo com a Odisseia é ainda visível na personagem de Eumolpo, velho que passa o tempo a proferir poesia, de tal forma que chega a considerar-se a sua incapacidade de conter os versos como uma doença, passando, igualmente, Encólpio a compor versos. Este episódio, mais que reflexões sobre a amizade tem também lugar na literatura grega associadas a cenários de exílio, que, em parte, também podemos observar na obra de Homero.[18: Reflete cerca da fortuna e das amizades, que se mantêm apenas até a conjuntura deixar de ser propícia.]
Apesar da abundância e virtudes características de Priapo, ele é considerado, junto de outros, inferior devido à sua característica disforme. “O ridículo, o exagero e o obsceno constituem, em parte, seu ethos",como é o caso de Encólpio e dos seus companheiros. Priapo é, portanto, a divindade mais indicada para servir de patrono dos personagens que constituem o Satyricon[19: Vide R.S. Garraffoni.104.][20: Pois que se a sátira tem em conta as realidades gregas, jamais poderia deixar de dar relevância, por mais insignificante que seja, a um deus.]
Um outro termo de comparação passa pela ideia de que enquanto Encólpio, não o sendo, se considera um herói, Ulisses sendo-o, ao longo da obra, não dá sequer por isso- sendo, talvez a critica mais importante de Petrónio: a de que os romanos afirmam ser aquilo que na verdade não o são.
Trimalquião, alude, também, ao protagonista da Odisseia, através das mesmas palavras que Virgílio havia utilizado: “Sic notus Vlixes?”[21: “É assim que mostram conhecer Ulisses?”]
No que à Circe se refere, pode-se dizer que esta é a feiticeira da Odisseia da qual Ulisses consegue escapar antes do ato sexual, o que não acontece no Satyricon -Encólpio fica impossibilitado de terminar o ato e fica, assim, humilhado. Circe não pretende de Encólpio mais do que a satisfação do seu “apetite sexual”. Perante a impotência do escravo, demonstra o seu despeito, ordenando a punição do fracassado amante com açoites. Petrónio, neste episódio, já se não limita à ironia da análise das reações das pessoas presentes: recorre à própria dor física de modo a castigar o atrevimento de Encólpio, que se pretendia comparar a Ulisses. 
CONCLUSÃO
Uma aura de mistério envolve o autor do Satyricon: desde a sua estranha vida ao estado de mutilação do romance que criam dificuldades de interpretação que quaisquer afirmações críticas estão sujeitas a caução. Ainda assim, isso não faz com que o estudo do Satyricon seja, por isso, menos apaixonante, já que os fragmentos existentes constituem uma amostra do que seria uma paródia: “as paródias do romance sentimental, da épica, das cartas e dos tratados morais de Séneca, das tragédias de Eurípides e de Séneca, da poesia mitológica e galante de Ovídio (…) bem como uma crítica velada aos falsos moralistas, que afetavam a adesão aos valores estoicos, mas não viviam, de forma coerente, os princípios que apregoavam”[22: Cf. P. S. FERREIRA. ]
Apesar das suas incertezas, acredita-se, ainda assim, que possa existir realmente um paralelo e até mesmo uma sátira da obra de Petrónio à de Homero. Mesmo que a paródia presente na obra seja, na visão de certos leitores, inconfundível, pensa-se que esta vai muito além daquela. Não se trata de uma simples paródia no qual o autor satiriza o que fora dito numa outra obra- neste caso a Odisseia, pelo contrário mostra como a qualidade se perdera e coloca como padrão de beleza como Homero, desejando, ainda assim, que o que é dito no texto seja repensado num âmbito social e cultural da época em que se insere. 
BIBLIOGRAFIA
Fontes
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Jaime Bruna. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
HOMERO. Odisseia. Trad. Frederico Lourenço. Lisboa, Quetzal, 2018
PETRÓNIO, Satyricon, Trad. Delfim F. Leão, Lisboa, Cotovia, 2016
Bibliografia Especifica
CAVALLO, Guglielmo; FEDELI, Paolo; GIARDINA, Andrea. O espaço literário da Roma antiga. Vol. I. Trad. Daniel Carrara e Fernanda Moura. Belo Horizonte: Tessitura, 2010.
CONTE, G. B. The hidden author: an interpretation of Petronius’s “Satyricon”, Berkeley: University of California Press, 1996
CONNORS, C. Petronius the poet: verse and literary tradition in the “Satyricon” Cambridge: Cambridge University Press, 1998
FERREIRA, P. S. M., Os Elementos Paródicos no Satyricon de Petrónio e o seu Significado, Edições Colibri, Lisboa, 2000
FRANCO, Simone. ASPECTOS DIALÓGICOS E INTERTEXTUAIS NO SATYRICON, DE PETRÔNIO, Orientador: Profª. Drª. Ana Thereza Basílio Vieira, Rio de Janeiro Fevereiro de 2014.
GARRAFFONI, R. S., Bandidos e Salteadores na Roma Antiga, Annablume : Fapesp, São Paulo, 2002
GRIMAL, P., Dicionário da Mitologia Grega e Romana, Difel, 2009
LEÃO, D. F., As ironias da Fortuna. Sátira e moralidade no Satyricon de Petrónio, Coimbra: Colibri - Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1998
LEÃO, D. F. O “Satyricon” de Petrónio: malhas de acaso e descaso. A Antiguidade Clássica e nós: herança e identidade cultural. Braga: Universidade do Minho, 2006
ROCHA PEREIRA, M. H., Estudos de História da Cultura Clássica II – Cultura Romana, Lisboa, F. C. Gulbenkian, 2013
RODRIGUES, N. S., Subtilezas Orientais no Satyricon de Petrónio, CADMO – Revista do Instituto Oriental, nº14, Universidade de Lisboa

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