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INSPEÇÃO ESCOLAR DIREITO EDUCACIONAL Sumário O Direito Educacional ............................................................ 11 Legislação educacional ........................................................................................................... 16 A legislação educacional em âmbito nacional .............. 29 A legislação educacional a serviço da conservação ou da transformação? ......... 29 Histórico das Leis sobre Educação ...................................................................................... 30 Da Constituição Federal à Lei 9.394/96 ............................................................................. 34 Ranços e avanços da Lei 9.394/96 ....................................................................................... 35 As alterações na LDB e suas repercussões ....................................................................... 36 Os diferentes âmbitos da legislação educacional ........ 45 Introdução ................................................................................................................................... 45 A Constituição Federal (1988), as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais ........................................ 49 Os princípios ............................................................................................................................... 50 O Estatuto da Criança e do Adolescente .......................... 57 Educação no Estatuto da Criança e do Adolescente .................................................... 57 O Estatuto do Idoso .................................................................................................................. 63 A Educação Básica na LDB .................................................... 71 Concepção, etapas e modalidades ..................................................................................... 71 Educação Infantil ....................................................................................................................... 72 O Ensino Fundamental para nove anos: ação afirmativa, exigências internacionais ou questão financeira? ........................ 75 A Educação Especial na Educação Infantil e no Ensino Fundamental ................... 80 A Educação de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental ......................................... 81 O Ensino Médio .......................................................................................................................... 82 A formação e a carreira docente na legislação .............. 91 Breve histórico ............................................................................................................................ 91 A valorização dos profissionais do ensino com o princípio constitucional ......... 92 Os profissionais da Educação e a LDB ................................................................................ 92 As exigências da formação .................................................................................................... 93 Os cursos regulares e a formação a distância para os docentes .............................. 94 As incumbências do profissional docente ....................................................................... 95 A Proposta Pedagógica na Educação Infantil e no Ensino Fundamental ................101 Breve histórico ..........................................................................................................................101 A elaboração da Proposta Pedagógica como expressão do princípio de gestão democrática ...............................................102 A participação dos professores como direito e dever ................................................103 O processo de elaboração e as orientações estaduais ..............................................103 O acompanhamento e a avaliação da Proposta Pedagógica ..................................105 A Proposta Pedagógica no Ensino Médio e na Educação Profissional .....................111 Introdução .................................................................................................................................111 Breve histórico ..........................................................................................................................111 A identidade do Ensino Médio ...........................................................................................112 Aspectos legais e currículo ..................................................................................................114 O Ensino Médio e a Educação Profissional .....................................................................116 Avaliação na escola e da escola.........................................125 A avaliação formativa a serviço da permanência e da qualidade do ensino .....125 Os aspectos legais da avaliação na LDB ..........................................................................126 O caráter obrigatório da recuperação no Ensino Fundamental .............................128 Avaliação institucional – o Saeb/Aneb ............................................................................128 O Regimento Escolar .............................................................137 Breve histórico ..........................................................................................................................137 O Regimento Escolar como a Constituição da escola ................................................137 Aspectos legais do Regimento Escolar ............................................................................138 As dimensões pedagógica, administrativa e disciplinar do Regimento Escolar .....................................................139 As normas internas .................................................................................................................140 Políticas de currículo na legislação ..................................149 As Políticas Nacionais de Currículo ...................................................................................149 Os Referenciais Curriculares Nacionais de Educação Infantil ..................................150 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental .....................151 As adaptações curriculares para a Educação Especial ...............................................152 As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos .........153 Ensino Médio ............................................................................................................................154 O Plano Nacional de Educação (PNE) ..............................167 Breve histórico ..........................................................................................................................167 Aspectos legais.........................................................................................................................168 Diagnóstico, diretrizes, objetivos e metas: estrutura do Plano ...............................169 A Educação Infantil no PNE..................................................................................................169 O Ensino Fundamental no PNE ..........................................................................................170 A Educação de Jovens e Adultos no PNE ........................................................................172 A Educação Especial no PNE ...............................................................................................173 A Conferência Nacional de Educação (CONAE 2010) .................................................175 Gabarito .....................................................................................183 Referências ................................................................................193Apresentação Esta é a proposta de trabalho para os nossos encontros sobre Direito Aplicado à Educação, que pertence à área temática de Formação Educa- cional e faz parte da Matriz Curricular de nosso curso. Fazemos, na condição de responsáveis pela produção escrita, um cha- mamento inicial a todos vocês para que sejam receptivos a essa área de conhecimento, dada a sua importância na formação do educador, e assim possam usufruir suas contribuições. O material foi estruturado de modo a possibilitar uma caminhada pela realidade brasileira abrangendo as esferas municipal, estadual e federal. Objetiva-se a inserção gradativa no contexto das políticas públicas brasi- leiras que têm na legislação educacional seu principal suporte. Toda a legislação aplicada à educação será um “diferencial” na sua for- mação. Portanto, venha conosco descobrir e refletir sobre o conjunto dos aspectos legais que orientam a estrutura e o funcionamento do nosso sis- tema de ensino e o papel do professor na escola básica brasileira. Paulo Afonso da Cunha Alves Para entendermos melhor o estudo do Direito Educacional, inicialmen- te faremos uma breve introdução. O que é o Direito? Direito provém da palavra latina directum, que signi- fica reto, no sentido retidão, o certo, o correto, o mais adequado. Confor- me nos ensina Kant1, “direito é o conjunto de condições, segundo as quais o arbítrio de cada um pode coexistir com o arbítrio dos outros de acordo com uma lei geral de liberdade”. O Direito busca o que é mais adequado para o indivíduo, pois vivemos em sociedade e este deve compreender fundamentalmente o interesse da coletividade, ou seja, se não tivermos regras, seria impossível vivermos em sociedade, e o coletivo é sempre mais importante que o individual. Podemos então conceituar o Direito como o conjunto de normas sis- tematizadas e organizadas, de caráter geral e obrigatório, que regem as instituições sociais e o comportamento dos membros da sociedade. Dessa forma, o estudo do Direito pode ser dividido em público e priva- do. O direito público se refere a todas as relações do estado com o particu- lar enquanto o privado se refere às relações entre os entes particulares. A República Federativa do Brasil é dividida em três poderes: Poder Exe- cutivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. O primeiro executa as leis e ad- ministra o país, o segundo é aquele encarregado de criar as leis que irão reger a sociedade e o terceiro é o Poder que dirime as dúvidas das relações jurídicas, através dos julgamentos, quando existir um litígio entre as partes. Por sermos uma República Federativa, é o Estado (União) quem deter- mina quais leis serão aplicadas em todo território nacional, porém con- cede aos Estados-membros e aos municípios o direito de legislar sobre assuntos de seus interesses. Essa concessão pode ser autônoma ou con- comitante (por colaboração). 1 LEITE, Flamarion Tavares. O Conceito de Direito em Kant. São Paulo: Cone, s/d. p. 70. O Direito Educacional 12 O Direito Educacional Quanto à aplicação do Direito, podemos dizer que provém de fontes com as quais se buscam soluções para as questões jurídicas. Essas fontes obedecem a uma hierarquia e são: a lei (lato sensu), a analogia, o contrato, o costume e os princípios gerais do Direito. A lei lato sensu é a fonte primária do Direito, sendo aplicada em primeiro lugar, antes de qualquer outra fonte; é o conjunto de normas jurídicas escritas e formalizadas pelo Estado. Quando emanada pelo Poder Legislativo, dizemos que é lei stricto sensu, quando expedida pelo Poder Executivo chamamos de ato normativo. Por ser a lei a fonte de maior nível hierárquico, tem superioridade sobre o ato normativo, sendo que estes são editados com fundamento em lei, determinando ou autorizando a regulamentação de alguma situação jurídica. Somente a lei pode impor obrigações ou proibições, ou restringir direitos, e tal preceito é tão importante que consta em nossa lei maior, que é a Constituição Federal de 1988: Art. 5.º Todos são iguais perante a lei [...], nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; Agora passaremos a falar sobre a hierarquia das leis: em primeiro lugar temos a Constituição Federal, superior a qualquer outra legislação existente, tanto que nenhuma outra norma pode existir se contrariá-la. Define as principais institui- ções sociais, a estrutura de governo, a divisão dos Poderes, os direitos e garantias do cidadão e muitas outras regras de caráter fundamental, formando a base do Estado nacional. Porém, encontramos na própria Constituição Federal dispositivo que permite alterá-la, levando-se em conta certas condições, solenidades e restrições. A esse permissivo constitucional2 damos o nome de emendas constitucionais, que a princípio são hierarquicamente inferiores à Constituição Federal, contudo, uma vez vigente, seu texto incorpora-se ao próprio texto constitucional, alterando-o, e torna-se parte integrante dele, com um só nível hierárquico. Em sequência temos a lei complementar, quando certos assuntos exigem um detalhamento mais profundo, saindo do texto constitucional para formar uma legislação infraconstitucional3. É uma lei especial que complementa o texto constitucional. 2 Permissivo constitucional – termo jurídico utilizado para dizer que a constituição permite que se faça alguma coisa. 3 Legislação infraconstitucional – é a legislação que está hierarquicamente abaixo da constituição, complementando-a, sem alterá-la. O Direito Educacional 13 A seguir temos a lei ordinária, que é a lei propriamente dita, como comumen- te se conhece. Exemplos: o Código Civil, o Código Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Inquilinato, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, entre outras. Nessa hierarquia, temos duas exceções, que podemos chamar de instru- mentos legais de caráter excepcional, que se equiparam à lei ordinária, tendo a mesma força obrigatória e o mesmo nível hierárquico, só que não emanam do Poder Legislativo. A primeira é a lei delegada, que é editada por ato individual do presidente da República, por delegação do Poder Legislativo. Só ocorre em situação de relevân- cia e urgência, cuja solução depende de lei, não podendo esperar por todo o pro- cesso de aprovação do Poder Legislativo. Assim, o presidente da República solicita ao Congresso Nacional a delegação de poder legislativo, para poder legislar sobre a referida matéria relevante e urgente. Delegado o poder legislativo ao presidente da República, é este que edita a lei, sem que ocorra o debate ou votação, e sob a forma de lei delegada, passa a vigorar em definitivo, tal como uma lei ordinária. Atualmente esse procedimento é raro, principalmente pela existência da se- gunda exceção: a medida provisória – lei editada por ato individual do presidente da República, com força de lei ordinária, ad referendum do Poder Legislativo. A diferença é que nesse caso, a medida provisória é uma norma não definitiva, devendo ser referendada ou revogada pelo Poder Legislativo, em certo prazo. Assim como a lei delegada, a medida provisória também só deve ser editada em casos de relevância e urgência. Porém, no caso da medida provisória, o presiden- te da República não depende da delegação prévia do Poder Legislativo. Antes da Constituição Federal de 1988, tínhamos outro instrumento com força de lei ordinária, que somente os que não foram revogados permanecem vigendo como lei ordinária; trata-se do decreto-lei. Foi criado durante o regime ditatorial vivido pelo Brasil, no qual, por ato monocrático4, o presidente da Repú- blica editava leis sem consulta ao Poder Legislativo. Seguindo a hierarquia, passamos aos atos normativos, sendo o decreto o pri- meiro. O decreto é uma normajurídica editada por ato monocrático do chefe do Poder Executivo. Esses atos são de competência privativa do presidente da República, e são utilizados para concretizar uma desapropriação, declarar luto oficial, conceder canais de rádio e televisão, declarar calamidade pública, enfim, para concretizar qualquer ato privativo do presidente da República. 4 Ato monocrático – só dependia de uma única pessoa, no caso o presidente da República. 14 O Direito Educacional Porém, o decreto também pode ser utilizado para a regulamentação ou de- talhamento de situações jurídicas estabelecidas em lei e, por ser subordinado hierarquicamente à lei que o fundamenta, não pode alterar as determinações previstas pela lei que o originou. Em seguida, temos a portaria, que é um instrumento utilizado na edição de atos normativos que não sejam de competência privativa do presidente da República, mas de ministro de Estado, diretor de Autarquia, chefes de departamento ou de outros chefes de órgão do Poder Executivo. É a regulamentação ou detalhamento de situações jurídicas estabelecidas em lei ou decreto. Equiparam-se à portaria as instruções normativas, as ordens de serviço, as circulares normativas, entre outras. Continuando, temos a resolução, que é editada por ato conjunto dos mem- bros de órgão colegiado do Poder Executivo. É instrumento utilizado na edição de atos normativos que não sejam de competência de um órgão monocrático e sim de um órgão colegiado, como: Conselho Nacional de Educação, Conselho Monetário Nacional, conselhos das agências reguladoras (Anatel, Aneel, Anvisa, ANS etc.), entre outros. Equiparam-se à resolução as deliberações, as orientações normativas, os pareceres normativos etc. Em sequência, temos o parecer, que na verdade não é uma norma jurídica propriamente dita e sim uma mera opinião de um órgão colegiado consultivo, como, por exemplo, nos pareceres do Conselho Nacional de Educação. Necessário se faz dizer que o texto acima está ligado à esfera federal, porém também se aplica às esferas estaduais e municipais, resguardadas as competên- cias, abrangências territoriais e o texto constitucional. Hierarquicamente temos as leis federais, as leis estaduais e as leis municipais. Em termos da lei maior podemos apresentar: Constituição Federal, Constituição Estadual e Lei Orgânica Municipal. Exemplificando a hierarquia das leis: CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 CAPÍTULO III DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO Seção I DA EDUCAÇÃO Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno O Direito Educacional 15 desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso públi- co de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional 53/2006) EMENDA CONSTITUCIONAL DE 19 DE DEZEMBRO DE 2006 Art. 1.º A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 206. [...] V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; Lei Ordinária 9.394/96 LEI DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional TÍTULO II Dos Princípios e Fins da Educação Nacional Art. 2.º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princí- pios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da ci- dadania e sua qualificação para o trabalho. Portaria 483/2009 Portaria MEC/SESu* de 2 de abril de 2009. Altera o período para formalização do contrato de financiamento dos can- didatos aprovados no processo seletivo do Fundo de Financiamento ao Estu- dante do Ensino Superior – FIES referente ao primeiro semestre de 2009. 16 O Direito Educacional *(MEC – Ministério da Educação e Cultura / SESu – Secretaria de Ensino Superior) Resolução CNE/CEB1* RESOLUÇÃO DE 21 DE JANEIRO DE 2004. Estabelece Diretrizes Nacionais para a organização e a realização de es- tágio de alunos da Educação Profissional e do Ensino Médio, inclusive nas modalidades de Educação Especial e de Educação de Jovens e Adultos. *(CNE – Conselho Nacional de Educação / CEB – Câmara de Educação Básica) Parecer PARECER CNE/CEB 11/2008 Apresenta proposta de instituição do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio. Por fim, o Direito se divide em ramos, que atuam em todas as relações da sociedade, como, por exemplo, o Direito do Consumidor, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros. O Direito Educacional é o ramo das Ciências Jurídicas e Sociais que tem por objetivo compreender os princípios do Direito aplicados à educação. No Brasil, o Direito Educacional é considerado um ramo novo que pode subs- tituir a disciplina Legislação Educacional. Engloba o estudo tanto da estrutu- ra, organização e funcionamento da educação nacional, quanto da história da educação. Legislação educacional Legislar é o ato de estabelecer leis (legiferar), assim, legislação é o ato de fazer leis através do Poder Legislativo ou o complexo de leis do sistema jurídico de um país ou de determinado campo de suas atividades. A palavra educação é derivada do latim, vem de educare, e, com essa raiz, quer dizer ato de amamentar. Alguns estudiosos afirmam que a palavra educa- O Direito Educacional 17 ção teria origem, também, na raiz latina educere, que pode ser traduzida como ato de conduzir, de levar adiante o educando. Em nossos dias, as tendências pe- dagógicas acolhem esta segunda etimologia. Quando falamos em legislação da educação ou legislação educacional, po- demos estar nos referindo à instrução ou aos processos de formação que se dão não apenas nos estabelecimentos de ensino como também em outras ambiên- cias culturais, como a família, a igreja, o sindicato, entre outros. A Lei de Diretrizes e Bases nos diz que a educação é um processo de forma- ção abrangente, pois inclui a formação para a cidadania e o trabalho como um princípio educativo. Diante disso, podemos afirmar que a legislação educacional é uma legislação que abrange todos os atos e fatos jurídicos que tratam a educação como direito social do cidadão, e direito público subjetivo dos educandos quanto ao ensino fundamental. Temos então o Direito Educacional como um conjunto de normas, princípios e doutrinas disciplinadoras da proteção da relação entre alunos, professores, es- colas e os poderes públicos, sempre numa situação formal de aprendizagem. Conclui-se que o Direito Educacional abrange as relações jurídico-pedagógicas, envolvendo, ainda, a matrícula escolar, o contrato de prestação de serviços edu- cacionais, o regimento interno, o Programa de Desenvolvimento Institucional (PDI), a emissão de histórico escolar e diploma, entre outras. Embora já tivéssemos a existência do Direito Educacional, ele na realidade teve seu início com o 1.º Seminário de Direito Educacional, em outubro de 1977, realizado pelo Centro de Estudos em Administração Universitária da Universida- de de Campinas. O novo ramo do Direito surge da necessidade de sistematizar a legislação de ensino pelos Poderes Públicos. As origens do Direito Educacional no Brasil Podemos considerar que a educação formal no Brasil teve início em 1549, com a chegada dos padres da Companhia de Jesus, tendo sido criados dezes- sete colégios, seminários e internatos, surgindo assimos direitos e obrigações na área educacional. Aos jesuítas pertencia a educação do país, perdurando até 1759, quando foram expulsos, ficando a educação prejudicada, mesmo sabendo que ela só atendia a uma determinada classe. 18 O Direito Educacional Em 1808, ocorreu a chegada da família real ao Brasil, e se esperavam novas soluções para a nossa educação. Acontece que só com a Proclamação da Indepen- dência e a fundação do Império é que se começou a falar em educação popular. Assim, podemos considerar que a alma mater ou o pilar básico do Direito Edu- cacional brasileiro foi, portanto, a Carta Constitucional de 1824, que estabelecia os primeiros direitos e deveres em relação à educação, tendo sido outorgada por D. Pedro I. Seu artigo 179, §32 determinava que “a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos”, embora nela nada constasse no sentido de estabelecer a educação como um dever ou atribuição do Estado. Enquanto a Constituição falava sobre “ensino primário”, foi criada uma lei que nos livrou das antigas leis e alvarás de Portugal – foi a Lei de 15 de outubro de 18275, primeira lei nacional sobre a instrução pública, e única sobre o ensino primário até 1846. Essa lei propunha a criação de escolas de primeiras letras nas cidades, vilas e povoados mais populosos do Império. O Ato Adicional de 1834, uma emenda à Constituição de 1824, descentrali- zou a educação e o fracionamento do ensino; a escola elementar e a secundária ficariam sob a responsabilidade das províncias e o ensino superior permanecia sob a jurisdição da Coroa. No ano de 1837, foi fundado o Colégio Pedro II, sendo ele o único autoriza- do a conferir grau de bacharel, e passou a ser o padrão de ensino a ser seguido pelas demais escolas secundárias no Brasil, ditando os rumos das instituições de Ensino Médio, o qual na época se configurava cada vez mais propedêutico. Os positivistas6 atuaram de forma marcante no ideário das escolas estatais, sobretudo na luta a favor de uma escola pública e laica. Eles chegaram a criar alguns colégios leigos no Rio de Janeiro e na Bahia, aliando, na sua visão de mundo, a modernidade com a instrução pública como pilares da unidade nacio- nal. Os positivistas obtiveram, em 1879, uma relativa vitória com a “Lei Leôncio de Carvalho”, que permitia a liberdade de ensino e de credo religioso, mas que não chegou sequer a vigorar. As instituições de ensino eram, na realidade, um privilégio dos mais abasta- dos (em 1867, apenas um décimo da população em idade de frequentar o ensino primário obtinha aquele grau de instrução). 5 Essa data, 15 de outubro, ficou consagrada como o Dia do Professor no Brasil. 6 Positivista – relativo ou pertencente ao positivismo. Positivismo – sistema criado por Auguste Comte (1798-1857) e desenvolvido por inúmeros epígonos (discípulo ou continuador de uma escola ou artista, escritor, músico, filósofo notável etc., especialmente de geração anterior), que se propõe a ordenar as ciências experimentais, considerando-as o modelo por excelência do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas; filosofia positiva, comtismo. O Direito Educacional 19 Constituição de 1891 – 1.ª Constituição Republicana Com a Proclamação da República veio a Constituição de 1891, tendo sido bem omissa com relação à questão educacional, prevendo apenas dois de seus artigos: Art. 35. Incumbe, outrossim, ao Congresso, mas não privativamente: privativamente: [...] 3) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4) promover a instrução secundária no Distrito Federal. Art. 72. [...] §6.º Será leigo7 o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos. No ano de 1892, estabeleceram-se novas regras incidentes sobre a estrutura e o funcionamento das poucas faculdades existentes no Brasil. Através do Decreto de 1.º de janeiro de 1892 (Decreto 3.890/1982) – Código dos Institutos Officiaes de Ensino Superior e Secundário, centrado no Ensino Secundário. Nesse mesmo perí- odo, temos a afirmação do ensino seriado, a supressão dos preparatórios e a im- plantação de um sistema de fiscalização para controlar os colégios particulares. Já no início do século XX, encontramos duas mudanças importantes na legisla- ção educacional: a Reforma Rivadávia, em 1911, e a Reforma Maximiliano, em 1915. A primeira era constituída por vários decretos, assinados em 5 de abril de 1911, quando era presidente do Brasil Hermes da Fonseca: Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental da República; � Regulamento do Colégio Pedro II; � Regulamentos das Faculdades de Medicina e das Faculdades de Direito; � Regulamento da Escola Politécnica. � A Reforma Rivadávia reduziu o papel do Estado na educação e implantou uma política liberal em relação ao ensino privado, fortalecendo-o e beneficiando 7 Que ou aquele que não recebeu ordens sacras; laico. 20 O Direito Educacional o ensino confessional, além de ter dado total autonomia aos sistemas estaduais de ensino e ter eliminado a fiscalização e o controle federal sobre as escolas. A segunda, já no governo de Wenceslau Braz, é o Decreto de 18 de março de 1915 (Decreto 11.530/15), que: tratava da total reorganização do Ensino Secundário e Superior (foi uma � reação à reforma anterior e buscou a moralização do ensino); impôs um grande rigor nos exames vestibulares; � reimplantou o ensino seriado e aumentou sua duração; � proibiu o reconhecimento de novas escolas particulares; � criou restrições para a equiparação de estudos. � É de se notar que essa reforma não perdurou por muito tempo, haja vista o problema ocasionado pela “gripe espanhola” (1918–1919), que motivou o acesso às faculdades sem exames e as promoções por decreto. Em 11 de abril de 1931, cria-se o Conselho Nacional de Educação (CNE), atra- vés do Decreto 19.850/31, sendo ele um órgão consultivo máximo destinado a assessorar o ministro na administração e direção da educação nacional. Constituição de 1934 A Constituição de 1934 foi consequência da Revolução Constitucionalista de 1932, devido à luta da Força Pública de São Paulo contra as forças do Exército Brasileiro, que ao seu final provocou novas eleições para a Assembleia Consti- tuinte em maio de 1933, aprovando uma nova Constituição, que substituiu a já obsoleta Constituição de 1891. Era então presidente do Brasil Getúlio Vargas. Ela foi inovadora, mas durou pouco tempo, pois em 1937 já foi substituída. Foi a terceira carta política pátria e manteve a divisão clássica dos três poderes independentes e coordenados entre si, na sistemática republicana e no federalis- mo, consagrando as técnicas avançadas do municipalismo. Sob a influência da Carta Alemã de Weimar de 1919, incorporou ao seu texto matérias alusivas à ordem eco- nômica e social, à família, à educação e à cultura, com normas concernentes ao fun- cionalismo público, às Forças Armadas, à cultura, ao trabalho e à previdência social. Nessa Constituição, em seu artigo 5.º, inciso XIV, encontramos pela primei- ra vez a citação das diretrizes da educação: “traçar as diretrizes da educação nacional”. O Direito Educacional 21 Constituição de 1937 Foi a quarta Constituição brasileira e foi outorgada por Getúlio Vargas, que, violando a ordem democrática em vigor, instalou uma ditadura com o Golpe de Estado. Devido à forma com que foi imposta e às suas determinações, e tendo em vista que a maioria de seus artigos seguiam a Constituição autoritária da Polônia, foi apelidada de “Polaca”. Era a ditadura do Estado Novo. Da mesma forma que a Constituição de 1934, essa Constituição reservou um artigo falando sobre as diretrizes da educação nacional. Art. 15. Compete privativamente à União: [...] IX - fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que deve obedecera formação física, intelectual e moral da infância e da juventude. Constituição de 1946 Getúlio Vargas foi deposto em 29 de outubro de 1945, assumindo José Linha- res, que exerceu a presidência por convocação das Forças Armadas, na qualida- de de presidente do Supremo Tribunal Federal, até 31 de janeiro de 1946. Em janeiro de 1946, Eurico Dutra assumiu a presidência, e, durante seu governo, ti- vemos a promulgação da quinta Constituição, que significou o retorno do Brasil à democracia. Essa constituição manteve a competência da União para legislar sobre as di- retrizes e bases da educação nacional (art. 5.º, inciso XV, d), e em 1961 tivemos a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 20 de dezembro de 1961 (Lei 4024/61). Constituição de 1967 Durante a vigência da Constituição de 1946, tivemos vários presidentes. Em se- tembro de 1961, João Goulart ocupava a presidência, e permaneceu até 1.º de abril de 1964, quando foi deposto pelo Golpe Militar. Como pudemos ver, a Constitui- ção de 1946 teve uma duração bem significativa, só sendo substituída em 1967. A Constituição Brasileira de 1967 foi votada em 24 de janeiro, e entrou em vigor no dia 15 de março. Essa constituição não teve grandes alterações, e incorporava as medidas já estabelecidas pelos Atos Institucionais e Complementares. 22 O Direito Educacional Foi a sexta Constituição do Brasil. Buscou institucionalizar e legalizar o regime militar e aumentar a influência do Poder Executivo sobre os demais. A Constituição de 1967 manteve a prerrogativa da União para legislar sobre educação, e continuava a viger a Lei 4.024/61. Constituição de 1969 No ano de 1969, a Constituição de 1967 recebeu uma nova redação, conforme a Emenda Constitucional n.° 1, que foi decretada pelos então ministros militares no exercício da Presidência da República. Para muitos, é considerada uma nova Constituição de caráter outorgado, embora seja uma emenda à Constituição de 1967. O governo também decretou a Lei de Segurança Nacional, que restringia as liberdades civis, e a Lei de Imprensa, que estabelecia a Censura Federal. Manteve a prerrogativa da União quanto à educação, e em 1971 foi editada a nova Lei de Diretrizes e Bases, publicada em 11 de agosto de 1971 pelo então presidente Emílio Garrastazu Médici. Constituição de 1988 Desde 1964, o Brasil estava vivendo sob o regime da ditadura militar, e a partir de 1967 passou a ser regido por uma Constituição imposta pelo governo e sub- julgada pelos Atos Institucionais. Era um regime de exceção, em que as garantias individuais e sociais eram di- minuídas ou ignoradas, e cuja finalidade era única e exclusivamente garantir os interesses da ditadura. A partir do processo de abertura política, ansiava-se por uma nova Constituição, que defendesse os valores democráticos. Assim, a partir de 1985, com o fim da ditadura militar e a redemocratização do Brasil, já se fazia necessária uma nova Constituição. Inicia-se no governo de José Sarney uma nova era, e nas discussões quanto à votação para uma Assembleia Constituinte, prevaleceu a tese do Congresso Constituinte, em que os deputados federais e senadores eleitos em novembro de 1986 acumulariam as funções de congressistas e de constituintes. A Constituinte foi instalada em 1.º de fevereiro de 1987, sendo presidida pelo deputado Ulysses Guimarães, do PMDB. Os trabalhos dos constituintes se es- tenderam por dezoito meses. Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a nova Constituição brasileira. O Direito Educacional 23 Conhecida por uma maioria como a oitava Lei Maior brasileira, ela foi consi- derada uma das melhores constituições de nosso país, dando total importância para o regime democrático. Nessa Constituição, tivemos uma ampliação dos artigos inerentes à educa- ção, e pela primeira vez, entre outros assuntos, se falou sobre a gestão democrá- tica da educação. Em 1996, no governo de Fernando Henrique, foi promulgada a Lei de Dire- trizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, muito mais abrangente que as anteriores, e tratando de todos os níveis da educação nacional. Texto complementar Educação e Direito (CURY, 1999) O termo direito deriva do verbo latino dirigere e significa dirigir, ordenar. Essa expressão foi assumida pelo campo da área jurídica, passando a recobrir vários sentidos. Um deles é a de norma no sentido de uma rota que dirige uma ação individual ou social. Quando essa norma se transforma em lei, o direito implica ao mesmo tempo o reconhecimento de uma prerrogativa e a possibilidade de uma sanção no caso de desvio. Ao mesmo tempo, o termo direito se viu enriquecido com outras significações entre as quais a de um acesso a uma proteção contra uma ameaça ou a de um usufruto de uma prerrogativa que seja indispensável para um indivíduo ou uma coletividade. Entre os modos de se declarar um direito, o mais comum é pela via escrita, mas há também aquela maneira ligada ao costume. Em todo caso, é necessá- rio uma expressão declarativa para que todos possam tomar conhecimento do direito. Declarações concernentes aos direitos do ser humano têm algumas re- ferências históricas. É o caso da Declaração do Estado de Massachussets de 1780 nos Estados Unidos. É também o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 da Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU). 24 O Direito Educacional Uma análise que invoca a trajetória dos direitos, seja para classificá-los, seja para mostrar sua progressiva evolução é aquela oferecida por um céle- bre texto de T. Marshall (1967). Ele se debruça sobre a experiência da Ingla- terra e a partir daí ele diferencia os direitos e os periodiza. Desse modo, os direitos civis se estabeleceriam no século 18, os políticos no século 19 e os sociais no século 20. Muito instigante também são as reflexões de Bobbio (1992) que, de certa maneira, retoma a análise histórica dos direitos na busca de uma perspectiva histórica de longo alcance. Certamente, cada país, dentro de sua situação histórica, conhecerá pecu- liaridades próprias que não o reduzem ao caminho de outro. Mas, de todo modo, a divisão proposta por Marshall e as reflexões de Bobbio, são muito úteis para classificar no campo dos direitos e diferenciá-los entre si. No caso, é importante destacar que ambos se referem à educação como um direito imprescindível para a cidadania e para o exercício profissional. O direito à educação enquanto direito declarado em lei é recente e remonta ao final do século 19 e início do século 20. Ele é um produto dos processos sociais levados adiante pelos segmentos de trabalhadores que viram nele um meio de participação na vida econômica, social e política. Seja por razões políticas, seja por razões ligadas ao indivíduo, a educação era vista como um canal de acesso aos bens sociais e á luta política e como tal um caminho também de emancipação do indivíduo frente à ignorância. Dado esse leque de campos atingidos pela educação, ela foi considerada, segundo o ponto de vista dos diferentes grupos sociais, ora como síntese dos 3 direitos, ora como fazendo parte de cada qual dos três. Em muitos casos, como nas Constituições da Alemanha (Constituição de Weimar), do México e da Espanha Republicana, esse direito declarado do ci- dadão é também reconhecido como dever dos poderes públicos e inscrito em lei. A garantia do Estado visava diminuir o risco de que as desigualdades já existentes viessem a se transformar em novas modalidades de privilégios. Do mesmo modo como se invocou o poder do Estado para regular as rela- ções de trabalho, esse poder se fez presente na educação escolar, sobretudo pela imposição da obrigatoriedade e consequente gratuidade. Muitos dos países, como o caso da França, reconheceram a educação como serviço pú- blico e dentrodo princípio da laicidade. O Direito Educacional 25 Declarar um direito é muito significativo. Declará-lo é colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto prioritá- rio das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse direito quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do Estado no sentido de assegurá-lo e implementá-lo. A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privile- giadas o acesso a esse bem social. Por isso declarar e assegurar é mais do que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem ou se esqueceram que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança de quem de direito quando esse princípio não é respeitado. O direito à educação parte do reconhecimento de que o saber sistemáti- co é mais do que uma importante herança cultural. Como parte da herança cultural, o cidadão torna-se capaz de se apossar de padrões cognitivos e for- mativos pelos quais tem maiores possibilidades de participar dos destinos de sua sociedade e colaborar na sua transformação. Ter o domínio de co- nhecimentos é também um patamar sine qua non a fim de poder alargar o campo e o horizonte destes e de novos conhecimentos. O acesso à educação é também um meio de abertura que dá ao indivíduo uma chave de auto- construção e de se reconhecer como capaz de opções. O direito à educação, nessa medida, é uma oportunidade de crescimento cidadão, um caminho de opções diferenciadas e uma chave de crescente estima de si. Pode-se afirmar, com Bobbio (1987), que a possibilidade de escolha au- menta à medida que o sujeito de uma opção se torna mais livre. Mas a liber- dade tem como pré-condição o eliminar discriminações capazes de impedir o caráter igual de todos enquanto seres humanos e a igualdade de oportuni- dades também para todos. A eliminação de uma discriminação libera. E essa liberação é condição dessa forma de igualdade. E é esse jogo entre eliminar, liberar e igualizar que compatibiliza a liberdade com a igualdade. A liberda- de enquanto um direito civil, expurgada das discriminações, não se opõe à igualdade como direito social. Por isso o direito à educação, quando legalmente reconhecido, é um apa- nágio da cidadania. Faz parte dessa cidadania fazer desse direito uma reali- dade universal e efetiva, protegida e assegurada. Cria-se, pois, uma dialética entre Estado e cidadania. Ao Estado não se permite a omissão frente a um 26 O Direito Educacional dever clássico que busca a igualdade de oportunidades a todos. À sociedade cabe cooperar com esse dever pela cobrança de um direito e pela participa- ção consciente no alargamento do mesmo. As constituições da maior parte dos países contemporâneos declara e re- conhece esse direito. Nem todas o asseguram no corpo constitucional, mas podem garanti-lo em leis infraconstitucionais. E há países, como o Brasil da Constituição de 1988, que o reconhece, no seu nível fundamental, como um direito público subjetivo. Hoje, mais do que nunca, a educação se impõe também como um elemen- to estratégico de emancipação. Pode-se mesmo afirmá-la como mais-valia in- telectual imprescindível para um mundo de distâncias menores e velocidades maiores, para um mundo em que a microtecnologia no mundo do trabalho, na vida privada e na vida social se impõe a partir de uma incorporação avassa- ladora dos conhecimentos sistemáticos. Isso torna mais premente a busca de saídas democráticas para países que não chegaram a oferecer oportunidades reais para todos. É certo que sem um mínimo de equidade social não será possível retirar todos os efeitos positivos do direito à educação. No momento em que países se associam em comunidades e passam a pensar a vida cole- tiva em termos federativos mais amplos, é necessário tanto reinventar o di- reito à educação para esses novos tempos quanto superar situações em que esse direito ainda não se efetivou. Tal reinvenção implica tanto um repensar da própria escola quanto uma renovação inclusive do direito internacional. Assim o direito à educação é um direito ao saber polivalente imprescindível ao enfrentamento da pluralidade, da diversidade e da própria subjetividade, face aos contínuos desafios que o novo milênio nos anuncia. Dicas de estudo <http://recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/13163>. Nesse site você encontrará um artigo sobre a Introdução ao Estudo do Direi- to, que poderá auxiliá-lo num melhor entendimento do Direito. <www.pedagogia.com.br/historia.php>. Esse site contém textos sobre a história da educação, podendo trazer uma ideia de como a educação foi trabalhada ano a ano no Brasil. O Direito Educacional 27 Atividades 1. Qual a importância do Direito Educacional em sua opinião? 2. A Carta Magna Brasileira, outorgada por D. Pedro I é considerada a alma ma- ter do Direito Educacional brasileiro. A partir dessa frase, responda: a) Qual a lei sobre instrução pública que definiu a organização e padroniza- ção da educação nacional? b) O que ela propunha? 3. Após a Proclamação da República em 1889, foi promulgada a 1.ª Constitui- ção Republicana, em 1891. O que previa essa constituição em relação à ques- tão educacional? Leila de Almeida de Locco A legislação educacional a serviço da conservação ou da transformação? Quando os educadores são questionados se gostam da área de legis- lação, a resposta invariavelmente é não! E você, está nesse grupo? Muitos justificam sua rejeição dizendo que é difícil de entender, em razão do pa- lavreado técnico-jurídico, que é para especialistas, que está fora da reali- dade, que não é cumprida, que está sempre sendo alterada, que é difícil de ter acesso, entre outras. Porém, há necessidade de superar essa postura negativa diante da legislação e buscar seu entendimento, considerando que ela é um ins- trumental de luta de trabalho e o seu domínio amplia os espaços do professor, possibilitando uma melhor leitura da re- alidade. A legislação não é dada, é construída, preci- sa ser entendida como uma expressão do contexto sociopolítico. Nós podemos participar dessa construção seja no interior da escola (Re- gimento Escolar), seja em outras esferas (municipal/estadual/federal), seja participando no acompanhamento dos Conselhos Escolares. É também preciso entender a letra da lei, a redação dos dispositivos, que podem nos trazer armadilhas e sutilezas que precisam ser observadas com cui- dado. Um exemplo disso é a expressão no mínimo, que consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), logo após o título Ensino Fundamental, ou logo após o percentual de recursos que os municípios destinam à educação (25%, no mínimo). É possível participar da construção da legislação ou é tarefa para especialistas? A legislação educacional em âmbito nacional 30 A legislação educacional em âmbito nacional Na Lei 5.692/71, utilizava-se o termo até. Ora, esse termo permite uma larga possibilidade e pode justificar o não cumprimento dos percentuais, daí a razão de ter sido escolhido no mínimo. Diz-se também que a forma de escrever a legis- lação deve manter um nível equilibrado, nem tão abrangente (que não oriente), nem tão detalhada (que cerceie). Não se usa sinônimo na legislação, então, pala- vras diferentes querem dizer coisas distintas. A legislação ainda deve ter uma redação que ultrapasse os limites temporais, pois senão teria que estar em constante reformulação. Ela é passível de altera- ções que podem ocorrer pelo acréscimo, supressão ou troca. É certo que o conhecimento da legislação pode implementar mudanças ou empecilhos. Instrumentaliza-nos para defender nossos alunos e suasfamílias, nossa carreira, nossa educação e para elaborar propostas. A proposta aqui é o entendimento da legislação, sua interpretação, explica- ção e não a simples memorização. Que tal mudarmos nossa atitude de rejeição, de afastamento, de não enfrentamento e assumir a legislação educacional como nosso instrumental de trabalho? Histórico das Leis sobre Educação Após a Proclamação da Independência do Brasil, D. Pedro I previu a necessi- dade de uma legislação própria e específica para a educação, haja vista a criação de projetos tendo como foco principal a “Educação Popular”. A Constituição de 1824, outorgada pelo Imperador, normatizava a educação, determinando que a instrução primária fosse gratuita e com acesso a todos os cidadãos. Em 1827, foi criada a primeira lei nacional sobre a instrução pública, nos li- vrando das antigas leis e alvarás de Portugal. Essa lei foi a única a tratar do ensino primário até o ano de 1846, e propunha a criação de escolas de primeiras letras nas cidades, vilas e povoados mais populosos do Império. Por força do Ato Adicional de 1834, que emendou a Constituição de 1824, houve a descentralização da educação e o fracionamento do ensino; a escola elementar e a secundária ficaram sob a responsabilidade das províncias e o ensino superior permaneceu sob a jurisdição da Coroa. Verificamos na história que até o ano de 1889 ainda não tínhamos no Brasil uma educação organizada. Assim, qualquer pessoa poderia ensinar, porém a vali- dade desse ensino seria examinada por bancas nomeadas pelo Governo Central. A legislação educacional em âmbito nacional 31 Proclamada a República, veio a Constituição de 1891, que foi bem omissa quanto às questões educacionais. Em 11 de abril de 1931, cria-se o Conselho Nacional de Educação (CNE) atra- vés do Decreto 19.850, sendo o órgão consultivo máximo destinado a assessorar o ministro na administração e direção da educação nacional. A Constituição de 1934 foi considerada uma das mais avançadas da época e nela constou um capítulo inteiro dedicado à educação. Teve uma grande influ- ência do movimento da “Escola Nova”. Getúlio Vargas, em 1937, implantou o “Estado Novo”, e no que tange à educa- ção tivemos um retrocesso. Já em 1942, ocorreu a Reforma Capanema, obra do então ministro da Edu- cação do Estado Novo, Gustavo Capanema, que criou uma série de decretos. A reforma foi denominada Lei Orgânica do Ensino Secundário. Entre os decre- tos estava a Lei Orgânica do Ensino Industrial, a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, a regulamentação dos aspectos do ensino in- dustrial “de emergência”, o ensino militar, e a revisão da estrutura do sistema de ensino, especialmente o ensino secundário. Embora a Constituição de 1946 fosse muito parecida com a de 1934, foi muito mais enxuta na área educacional. Quanto à Constituição de 1946, podemos destacar que em seu texto ficou ex- pressa a obrigatoriedade do ensino primário, sendo ele gratuito e que o ensino oficial ulterior ao primário também seria gratuito “para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Breve histórico das Leis de Diretrizes e Bases (1960-2000): Lei 4.024/61 e Lei 5.692/71 Até a década de 1960 vigoravam as Leis Orgânicas distintas e voltadas para cada uma das ofertas, assim é que tivemos Leis Orgânicas para o Ensino Primário, para o Ensino Secundário, para o Ensino Normal, entre outras. Não havia, ainda, uma lei que estabelecesse as Diretrizes (grandes linhas de orientação) e Bases (as referências para a estrutura e o funcionamento). Para garantir unidade, era preciso uma LDB que abrangesse todas as ofertas educacionais. O período que antecedeu a aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases 4.024/61 caracteri- zou-se pelo confronto entre escola pública e privada, entre educadores católicos e laicos. As discussões e tramitação se prolongaram por longos 13 anos, de 1948 a 1961, com a aprovação da Constituição Federal da época. Ou seja, seu percur- so, por mais de uma década, fez com que essa lei já nascesse “velha”. 32 A legislação educacional em âmbito nacional O primeiro Plano Nacional de Educação surgiu em 1962, na vigência da Lei 4.024/61, e determinava um conjunto de metas quantitativas e qualitati- vas a serem alcançadas em oito anos. Essa lei trouxe como avanços a flexibilização dos currículos, a garantia de equi- valência de estudos e, principalmente, a descentralização. Foi essa lei que insti- tuiu os sistemas estaduais de ensino, criando os Conselhos Estaduais de Educa- ção e Secretarias Estaduais de Educação. A exemplo da organização dos estados, os municípios também foram instituindo as suas Secretarias Municipais, porém, algumas dificuldades foram encontradas. A Educação Pré-Escolar e a Educação Especial eram apenas incentivadas, e ainda existiam barreiras entre o Primário e o Ginásio, o exame de admissão, os testes seletivos para ingressar no Ensino Profissionalizante e, finalmente, o vestibular eliminatório. Havia uma crítica muito contundente a essa lei, que reproduzia a organização da sociedade em classes. O Ensino Primário, o Ensino Médio e o Ensino Superior eram divididos, sendo o primário para a classe pobre, o Ensino Médio para a classe média e o Ensino Su- perior para a classe alta. Essa situação era ilustrada por uma pirâmide que tinha em sua base muito alunos que iam sendo eliminados pelas barreiras de modo que poucos chegavam até o Ensino Superior. A Pós-Graduação não constava na estrutura, havendo também uma distinção no Ensino Médio. Existia o curso cien- tífico e o clássico para quem seria doutor e outros cursos para os que deveriam (por sua origem de classe) permanecer no patamar de técnicos. Tanto no cenário internacional como no nacional, mudanças mais aceleradas foram ocorrendo. Internamente, passamos por um período democrático com a LDB e com a organização de movimentos populares. Paulo Freire, um dos nossos maio- res educadores, construiu um método para alfabetizar os adultos em pouco tempo, visando à libertação e emancipação, e escreveu o livro Pedagogia do Oprimido. Pa- ralelamente, os estudantes e trabalhadores organizavam-se, mas o movimento de democratização foi interrompido com o Golpe Militar, em 31 de março de 1964. A Lei 4.024/61 começa a ser questionada, não servindo mais para os objetivos dessa sociedade que vive um momento de exceção: a ditadura. Alguns dizem que a lei envelheceu precocemente, outros dizem que enfraqueceu diante da fase pela qual passava o país. Assim, em 1968 foi aprovada a Lei 5.540, apenas para o Ensino Superior. Quebrava-se, portanto, a primeira Lei de Diretrizes Básica Única. Tem-se agora duas leis para o sistema educacional brasileiro: a lei nova e o que restou da LDB (Ensino Primário e Médio). Mas outras e grandes alterações estavam por vir e uma nova Lei de Diretrizes e Bases, a Lei 5.692/71, foi aprovada, A legislação educacional em âmbito nacional 33 abrangendo o Ensino de 1.º e 2.º graus. Em cada grau (a nova nomenclatura) uma grande mudança: no 1.º grau houve a junção do Ensino Primário (4 anos) com o primeiro ciclo do Ensino Secundário, o Ginasial (4 anos). O 1.º grau foi am- pliado para 8 anos de duração, atendida a faixa etária de 7 a 14 anos. No 2.º grau o ensino tornou-se compulsoriamente profissionalizante, não havendo mais a distinção de cursos. Temos agora só um tipo de 2.º grau, o profissionalizante. Superaram-se os quatro anos e ampliaram-se as ofertas. Nessa lei, as esco- las tiveram que se reorganizar para fazer frente às novas tarefas. Extinguiu-se o exame de admissão e os testes seletivos permaneceram somente para os colé- gios com alta demanda e em determinados cursos. O vestibular agora é “unifica- do” e baseado no núcleo comum do currículo. Os professores e técnicos foram chamados para um processo de reciclagem. Em algunsestados foram implantados os centros de treinamento. As metodo- logias adotadas, pelo menos em alguns centros, foram a instrução programada, dinâmicas de grupos e o método de projetos. A Educação Pré-Escolar deveria ser zelada e a Educação Especial começa a ser organizada. A lei estabelece os requisitos mínimos de qualificação para atuar em cada um dos graus. Institui-se a carreira do professor, articulada à sua qualificação, porém inde- pendente do nível de atuação. A orientação era municipalizar o Ensino de 1.º grau; a esfera estadual atenderia o Ensino de 2.º grau; e a União, o Ensino Supe- rior. Após uma década de implantação, os problemas com a profissionalização compulsória começaram a surgir: os excedentes no mercado de trabalho, a falta de recursos materiais, de recursos financeiros e de professores qualificados para a parte profissionalizante. Dizia-se na época que não era a escola que deveria ser profissionalizante, mas o ensino. Já estava em curso, depois de uma década, uma nova alteração na legislação com repercussões no ensino de 2.º grau. Tratava-se da Lei 7.044/82 que acabava com a obrigatoriedade da profissionalização, possi- bilitando a retomada dos cursos de educação geral. As críticas ao modelo profissionalizante vinham, principalmente, das escolas particulares que não tinham interesse nesse tipo de ensino, pois sua clientela tinha aspirações de continuidade. Para tanto, era preciso uma sólida formação geral para fazer frente ao vestibular unificado. Os alunos da escola pública, embora com outro modelo, o de “habilitações básicas”, continuariam sua forma- ção integrada no 2.º grau e a demanda ao Ensino Superior, provinda da escola pública, continuaria reprimida. 34 A legislação educacional em âmbito nacional Da Constituição Federal à Lei 9.394/96 Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional 53/2006) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional 53/2006) Viveu-se em meados da década de 1980 uma situação política de abertura gra- dual. Iniciaram-se as discussões para a elaboração de uma nova Constituição, e a partir dela a sociedade se organizou para que o processo fosse o de Constituinte, com a participação de toda a sociedade. Porém, a Constituinte só foi possível com representantes do Poder Legislativo – senadores e deputados federais. Os educado- res, organizados em comitês, fóruns e associações, passaram a se reunir e fazer pro- postas para a área de Educação. Um evento de destaque foi a Conferência Brasileira de Educação (CBE), realizada em Goiânia, em setembro de 1986, de onde saiu a Carta de Goiânia, com diretrizes e propostas para o capítulo da Educação na Constituição. A Constituição Federal aprovada em 1988 foi considerada a “Constituição Ci- dadã”, e na área educacional colocou a educação na condição de direito de todos: das crianças em idade pré-escolar, de 0 a 6 anos, dos portadores de deficiências, dos jovens e adultos. Tornou o Ensino Fundamental um direito subjetivo do ci- dadão. Estabeleceu deveres para o Estado, para a família e para a sociedade. O Ensino Médio deveria ser progressivamente obrigatório e gratuito. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) deveria ser ofertada preferencialmente no ensino regular. Essa mesma orientação vale para a Educação Especial, que devia atender desde a Educação Infantil (0 a 6 anos)1. Os recursos para a educação foram aumentados e houve a restrição deles para as escolas privadas que foram caracterizadas. Impor- tantes conquistas foram os princípios de acesso e permanência, a gestão demo- crática e a valorização dos profissionais da Educação. O Plano Nacional de Educa- ção (PNE), plurianual e abrangendo todos os níveis, foi um importante avanço. Sabe-se que, apesar de alguns dispositivos serem autoaplicáveis à seção da Educação, na Constituição Federal, deveria haver uma regulamentação sob a 1 Com essa determinação constitucional, fica instituída a inclusão dos alunos. A legislação educacional em âmbito nacional 35 forma de lei. Assim que ocorreu a promulgação da Constituição Federal, também se iniciaram os trabalhos no âmbito dos estados com a mesma estratégia da Constituinte. Essa elaboração se encerrou um ano após, em 1989. Igual sistemática foi realizada nos municípios durante o ano de 1990, sendo aprovadas as Leis Orgânicas Municipais. Constatou-se uma tendência à reprodu- ção nos textos estaduais e municipais, o que representou uma estratégia para fortalecer os avanços conquistados pela sociedade brasileira. Nesse mesmo ano foi aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais um estágio de organização da sociedade brasileira. Estava montado o cenário para o reinício das discussões para a nova LDB. Havia um ponto de consenso: deveria haver novamente uma única lei para todo o sistema de ensino. A sociedade civil organizada conseguiu com lutas e sacri- fícios chegar com um projeto à Câmara dos Deputados Federais. O primeiro foi encampado pela deputada Ângela Amim, o segundo pelo deputado Jorge Hage. Em razão das mudanças na correlação de forças na sociedade brasileira, pois nesse período houve alterações no Congresso Nacional e vários obstáculos para a aprovação dos projetos em tramitação, esses entraves favoreceram o Mi- nistério da Educação (MEC), que conseguiu encaminhar um projeto com carac- terísticas mais conservadoras com o nome e o legado do senador Darcy Ribeiro. No confronto dos dois projetos de lei, muitas conquistas se perderam e, em 24 de dezembro de 1996, oito anos depois da aprovação da Constituição Federal, tivemos a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9.394/96. Ranços e avanços da Lei 9.394/96 Foi o autor Pedro Demo (1996) quem expressou de forma clara a condição da nova LDB, que chegou com ranços e avanços. Um dos avanços foi o alargamento da Educação Básica com a inserção da Educação Infantil, como a primeira etapa da Educação Básica e o Ensino Médio como a etapa final. A Educação Especial e a Educação de Jovens e Adultos foram fortalecidas e devem ser ofertadas, preferencialmente, na rede regular de ensino. Novas exigências foram apresentadas quanto à qualificação dos professores para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. Já os recursos financeiros não ficaram restritos apenas às escolas públicas e podem, com res- salvas, ser aplicados nas instituições privadas. 36 A legislação educacional em âmbito nacional Na colocação da Educação como direito de todos, chamou a atenção a nova ordem com relação aos deveres: a família aparece em primeiro lugar, enquanto o Estado está em segundo. Muitos acreditam que seja um enfraquecimento, uma retirada das obrigações do Estado, colocando ênfase na responsabilidade da fa- mília e da sociedade. O princípio da gestão democrática foi aprovado apenas para as instituições públicas. As alterações na LDB e suas repercussões As leis não são eternas, imutáveis. Devem acompanhar as mudanças ou ainda podem ser alteradas, visando ao seu aperfeiçoamento. A nova LDB já passou por algumas alterações, vejamos:O artigo 6.º determinava a matrícula dos menores no ensino fundamental � aos 7 anos e em 2005; a idade foi alterada para 6 anos. Incluiu o inciso VII ao artigo 10, determinando ao estado assumir o trans- � porte escolar para os alunos da rede estadual de ensino. Da mesma forma para o artigo 11, incluiu o inciso VI, determinando ao município assumir o transporte dos alunos da rede municipal de ensino, em 2003. No artigo 12, incluiu o inciso VIII, no qual os estabelecimentos de ensi- � no, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de notificar ao Conselho Tutelar do município, ao juiz com- petente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cin- quenta por cento do percentual permitido em lei. Em seu artigo 20 “As instituições privadas de ensino se enquadrarão nas � seguintes categorias”, dizia no inciso II - comunitárias, assim entendidas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pes- soas jurídicas, inclusive cooperativa de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade. Por força da Lei 11.183/2005 passou a ter a seguinte redação: “II - comunitárias, assim enten- didas as que são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas de pais, professores e alunos, que incluam em sua entidade mantenedora representantes da comunidade”, ou seja, incluiu a possibilidade de os pais fazerem parte das cooperativas. A legislação educacional em âmbito nacional 37 Quanto à Educação Física, o artigo 26, parágrafo 3.º no original, não conti- � nha a palavra obrigatória e alguns estados a retiraram da matriz curricular, alegando que era facultativa. Era facultativa sim, mas para os alunos do curso noturno. Em 2001, foi modificado o referido parágrafo acrescentan- do a palavra obrigatória para não causar dúvidas. Porém, para não restar mais dúvidas, em 2003 o parágrafo passou a vigorar da seguinte maneira: §3.º A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da Educação Básica, sendo sua prática facultativa ao aluno. Para evitar dúvidas quanto à prática facultativa do aluno, acresceu os seguin- tes incisos: I - que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; II - maior de trinta anos de idade; III - que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; IV - amparado pelo Decreto-Lei 1.044, de 21 de outubro de 1969; [...] VI - que tenha prole. O artigo 26, que fala sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, criado em � 2003, foi totalmente reescrito. As principais mudanças no artigo foram a troca da palavra ensino por estudo e a inclusão da história e cultura indí- gena. Nos parágrafos, também tivemos mudanças de palavras e acrésci- mo da cultura indígena. O artigo 32, por força da Lei 11.274/2006, passou a determinar a duração do � Ensino Fundamental em 9 (nove) anos, continuando a iniciar aos 6 anos de idade, e acrescentou por força da Lei 11.525/2007, o parágrafo 5.º, que diz: O currículo do Ensino Fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado. Outra alteração foi com relação ao Ensino Religioso, contida no artigo 33. � A proposta inicial foi a de retirar o ônus, os custos do Ensino Religioso do Estado, mas a mobilização dos que ainda defendem o Ensino Religioso no currículo das escolas públicas teve forças para recolocá-la como parte integrante da Educação Básica, e assim voltou a ser mantido pelo Estado. No artigo 36, que trata das diretrizes curriculares do Ensino Médio, foi � inserido o inciso IV, que inclui a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do Ensino Médio. Nesse mesmo artigo, ain- 38 A legislação educacional em âmbito nacional da tivemos duas alterações, por determinação da Lei 11.741/2008, revo- gando os parágrafos 2.º e 4.º, que tratavam do Ensino Profissionalizante. A mesma lei incluiu na LDB a Seção IV-A para tratar da Educação Profissio- � nal Técnica de nível médio, acrescentando os artigos 36-A e seu parágrafo único; 36-B e incisos; 36-C e incisos; 36-D e seus incisos; e o parágrafo 3.º do artigo 37. O Capítulo III, que tratava da Educação Profissional, passou a se denomi- � nar “Da Educação Profissional e Tecnológica”, Quanto à Educação Superior, tivemos alterações no artigo 44, sendo dada � nova redação ao inciso I, que trata dos cursos sequenciais, Lei 11.632/2007, e a inclusão do parágrafo único, que trata do resultado dos processos sele- tivos, Lei 11.331/2006. A Lei 11.301/2006 renumerou o parágrafo 1.º, do artigo 67, que trata da � valorização dos profissionais da educação, e acrescentou o parágrafo 2.º, que diz quais são consideradas as funções de magistério exercidas por professores e especialistas de Educação Básica. O artigo 82 recebeu nova redação, sobre os estágios. � Texto complementar Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Nova LDB): um pouco da história (APEOESP, 1997) [...] Dessa forma, abordaremos alguns pontos mais importantes da Lei, ini- ciando pelos seguintes artigos, recuperados da lei anteriormente aprovada na Câmara dos Deputados: Por pressão do Fórum Nacional e dos partidos comprometidos com os interesses populares, o artigo 4.º, que trata do direito à Educação e do dever de educar, acabou recebendo uma redação que garante, embora não tão plenamente como seria desejável, itens importantes como: a oferta de A legislação educacional em âmbito nacional 39 educação escolar para jovens e adultos adequada às necessidades e dispo- nibilidades; programas de atendimento ao educando; e padrões mínimos de qualidade do ensino, definidos como variedade e quantidade mínimas, por alunos, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino–aprendizagem. O artigo 11, que trata da organização da Educação Nacional, prevê a pos- sibilidade de os municípios optarem por se integrar ao sistema estadual de ensino ou de compor com ele um sistema único de ensino ou de compor com ele um sistema único de Educação Básica. No atual contexto, em que a municipalização do Ensino Fundamental está em discussão, a possibilidade de lutarmos pela constituição de um sistema único de Educação Básica pode se tornar um forte eixo de mobilização da sociedade na perspectiva da ga- rantia de escola pública para todos. Outro ponto recuperado é o artigo 23 do capítulo que trata da organi- zação da Educação Básica. O projeto inicial do senador Darcy Ribeiro previa a organização da Educação Básica dividida em ciclos com terminalidade. O texto atual deixa livre essa organização. Estabelece as formas possíveis de organização da Educação Básica: séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudo, grupos não seriados e outras. [...] O artigo 67, no ponto que trata da formação dos professores, assegura o aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com “licenciamento periódico remunerado para esse fim”. Observa-se a incorporação do proje- to da Câmara. O artigo 69 assume capital importância para a garantia da manutenção e desenvolvimento do ensino público, pois estabelece os percentuais mínimos para aplicação (União: 18%, estados, DF e municípios: 25% ou o que constar nas constituições estaduais ou leis orgânicas). Além disso, prevê o repasse, a cada 10 dias, dos recursos vinculados à Educação. Ou seja, a cada dez dias o Poder Executivo, em todas as esferas,sob pena de responsabilidade civil e cri- minal, deverá repassar no mínimo 25% da arrecadação efetuada e das transfe- rências recebidas às respectivas Secretarias de Educação. O artigo 70 especifi- ca as despesas consideradas como manutenção e desenvolvimento do ensino e o artigo 71 relaciona as despesas que não devem ser incluídas como tal. 40 A legislação educacional em âmbito nacional Outras questões também foram recuperadas, mas sabemos da limitação de sua implantação. É o caso da composição da Educação Básica, assim de- finida no artigo 21: Art. 21 A educação escolar compõe-se de: I - Educação Básica formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio; Verifica-se nesse dispositivo a incorporação da concepção de Educação Básica requerida pelas entidades da Educação. No entanto, no momento de destinar recursos para a manutenção da Educação Básica, na verdade, não se verifica a ampliação destes e o Ensino Fundamental passa a ser prioritário, em detrimento da Educação Infantil e do Ensino Médio. A Lei 9.424/96, que regulamentou o “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fun- damental e Valorização do Magistério” confirma nosso destaque anterior. Ela está em contradição com o espírito da LDB, nesse ponto, pois trabalha com a ideia de desmembramento da Educação Básica e exclusivisa a atenção do governo e da sociedade para com o Ensino Fundamental. Essa questão pode ser evidenciada também no artigo 67, nos pontos que tratam da valorização dos profissionais da Educação, assegurada nos termos dos estatutos e planos de carreira do magistério público. Novamente, esbar- ramos na questão dos recursos. O piso salarial profissional, ainda que lembrado, apresenta-se generica- mente no texto da Lei. No nosso projeto, tínhamos uma proposta clara de como poderíamos conquistar a melhoria da qualidade da Escola Pública, considerando: as condições de trabalho, formação e a remuneração dos pro- fissionais da Educação. Obstáculos a enfrentar A nova LDB não explicita a necessidade de construção de um Sistema Nacional de Educação, organicamente estruturado e definido pelo encade- amento articulado entre os sistemas federal, estaduais e municipais e entre os diferentes níveis de ensino. Prevê apenas que as três esferas atuem em “regime de colaboração”, cabendo à União coordenar a política nacional de educação e exercer funções normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias. Sobre as incumbências educacionais das diversas esferas administrativas, enquanto a União não se incumbe explicitamente de assegurar com priori- A legislação educacional em âmbito nacional 41 dade qualquer nível de educação, os estados devem “assegurar o ensino fun- damental e oferecer, com prioridade, o Ensino Médio” e os municípios devem “oferecer a Educação Infantil e, com prioridade, o Ensino Fundamental”. O Conselho Nacional de Educação (CNE) é definido como órgão com “fun- ções normativas e de supervisão e atividade permanente”, sendo fragmen- tado em duas Câmaras: “de Educação Básica” e de “Educação Superior”. Foi abandonada a proposta de constituição do “Fórum Nacional de Educação” como órgão de ampla representação dos setores envolvidos com a Educa- ção, que deliberaria sobre a política nacional de educação, sobre a execução orçamentária para a área e sobre o Plano Nacional de Educação. Estamos diante de uma centralização ímpar na área educacional. Quanto à gestão dos sistemas e instituições educacionais prevaleceu a visão de reforçar as prerrogativas centralizadoras e impositivas das chama- das “autoridades educacionais’, derrotando a concepção de que deve haver a participação da comunidade em todas as instâncias deliberativas e órgãos colegiados, na escolha dos dirigentes, no financiamento com gestão trans- parente dos recursos. No ponto referente à organização da Educação Nacional, o artigo 21 amplia o conceito de escolas comunitárias, abrindo “a possibilidade de coo- perativas de professores e alunos que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade”. Algumas omissões No que diz respeito à relação do número de alunos/classe, por exemplo, o texto é omisso, transferindo aos sistemas de ensino, a partir das caracterís- ticas regionais e locais, a tarefa de estabelecer essa proporção. A lei também não explicita que o pagamento de aposentados e pensionis- tas não deve estar incluído nos recursos da Educação, mas sim nos recursos para o pagamento de todas as aposentadorias e pensões do funcionalismo. Ou seja, alguns governantes poderão continuar utilizando os aposentados e pensionistas para justificar os baixos investimentos na Escola Pública. O embate político e a luta social poderão resultar na superação de alguns dis- positivos omissos ou negativos da LDB. Na perspectiva da construção de uma Educação Básica mais democrática, o artigo 11 possibilita o estabelecimento de um Sistema Único de Educação 42 A legislação educacional em âmbito nacional Básica, o que exigirá não só a articulação dos setores envolvidos, bem como sua ampliação para outros setores da sociedade civil organizada. A efetiva- ção dos artigos 69 e 70 deverá nortear a luta efetiva das entidades de Educa- ção em todos os estados. Vale lembrar que o governo federal e alguns governos estaduais sequer esperam a aprovação da nova LDB para implantar alguns dispositivos, sem qualquer discussão com os educadores e a sociedade, como por exem- plo, a recuperação nas férias, classes de aceleração, Sistema Nacional de Avaliação. [...] Dicas de estudo <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4024.htm>. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm>. <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Nesses três links você encontrará as três principais leis sobre educação, poden- do fazer uma comparação entre elas e a evolução ocorrida através dos anos. <www.educonsult.com.br/legeducacional/leged.htm>. Esse é um site muito interessante, pois ele coleciona toda a legislação educa- cional brasileira. Vale a pena consultá-lo! Atividades 1. Qual foi o órgão criado em 1931 e qual a sua função no sistema educacional? A legislação educacional em âmbito nacional 43 2. Entreviste pelo menos uma pessoa que estudou durante a vigência da Lei 4.024/61 e outra durante a Lei 5.692/71 e estabeleça as diferenças. Leila de Almeida de Locco Introdução O Estado brasileiro republicano é organizado como uma federação, ou seja, um conjunto de estados, enquanto unidades federativas, que, por sua vez, dividem-se em municípios. Em razão dessa organização político- administrativa, a legislação também acompanha essas esferas. Assim é que temos uma legislação em nível nacional, sendo a maior delas a Consti- tuição Federal de 1988. Na estrutura do Sistema Nacional de Ensino faz-se presente órgãos de caráter legislativo, consultivo e deliberativo – o Con- selho Nacional de Educação e o MEC com natureza de órgão executivo. Tanto um como outro legislam nesse âmbito. Essa organização se repro- duz nos estados com os Conselhos Estaduais de Educação e as Secretarias Estaduais de Educação. Na esfera municipal, a organização deveria ser a mesma, mas não há tradição de os municípios se constitu- írem em sistemas e, em razão disso, alguns não possuem Conselhos Municipais de Educação. No que se refere ao órgão executivo, os municípios se assemelham aos esta- dos e possuem suas Secretarias Municipais de Educação. Para entender melhor, podemos definir sistema de ensino como a apli- cação na organização de uma estrutura coerente e coesa que subsidie a educação, no caso, em seu âmbito municipal. Na realidade não podemos confundir ou equiparar com Conselho de Educação. O primeiro refere-se à organização do ensino com suas competências educacionais, na esfera administrativa, enquanto o segundo é parte da
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