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Introdução aos estudos históricos Estudos_historicos.indb 1 20/06/14 11:36 Estudos_historicos.indb 2 20/06/14 11:36 Cyntia Simioni França Evandro André de Souza Jó Klanovicz Paulo César dos Santos Julho Zamariam Introdução aos estudos históricos Estudos_historicos.indb 3 20/06/14 11:36 © 2014 by Editora e Distribuidora Educacional S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A. Diretor editorial e de conteúdo: Roger Trimer Gerente de produção editorial: Kelly Tavares Supervisora de produção editorial: Silvana Afonso Coordenador de produção editorial: Sérgio Nascimento Editor: Casa de Ideias Editor assistente: Marcos Guimarães Revisão: Mônica Rodrigues dos Santos Diagramação: Casa de Ideias Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) França, Cyntia Simioni F837i Introdução aos estudos históricos / Cyntia Simioni França, Evandro André de Souza, Julho Zamariam, Jó Klanovicz, Paulo César dos Santos. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014. 176 p. ISBN 978-85-68075-25-8 1. Conceitos. 2. História. I. Souza, Evandro André de. II. Zamariam, Julho. III. Klanovicz, Jó. IV. Santos, Paulo César dos. V. Título. CDD-930.1 Estudos_historicos.indb 4 20/06/14 11:36 Unidade 1 — Conceitos da história ...............................1 Seção 1 Conceituando a história ........................................................2 1.1 O que é história ...................................................................................2 1.2 A história e as ciências .........................................................................5 1.3 A história em suas diferentes épocas ....................................................7 Seção 2 Conceitos históricos: historiografia .....................................13 2.1 Historiografia tradicional....................................................................13 2.2 Escola dos Annales e o papel do historiador .......................................16 2.3 Escola marxista ..................................................................................18 Seção 3 A história e seu campo de renovação .................................22 3.1 Renovação historiográfica ..................................................................22 3.2 Uma nova história? ............................................................................25 Unidade 2 — As fontes históricas ................................35 Seção 1 Definição das fontes históricas ...........................................38 1.1 Introdução .........................................................................................38 1.2 A problemática das fontes históricas ..................................................38 Seção 2 As fontes históricas .............................................................44 2.1 Introdução .........................................................................................44 2.2 As fontes históricas como relatos .......................................................44 Seção 3 Tipos de relatos ou documentos .........................................53 3.1 Introdução .........................................................................................53 3.2 Documentos escritos publicados e não publicados ............................53 3.3 Documentos visuais ...........................................................................55 3.4 Documentos orais ..............................................................................57 3.5 Documentos multimidiáticos .............................................................59 Sumário Estudos_historicos.indb 5 20/06/14 11:36 vi I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Seção 4 A metodologia da pesquisa e a análise de fontes históricas ...........................................62 4.1 Introdução .........................................................................................62 4.2 A pesquisa e o uso das fontes históricas .............................................62 Unidade 3 — O fazer histórico: os sujeitos e o espaço do historiador ......................79 Seção 1 O fazer histórico ................................................................81 1.1 O conhecimento histórico ................................................................82 Seção 2 O fato histórico ..................................................................89 2.1 O fato histórico no fazer do historiador ..............................................89 Seção 3 Funções sociais de historiadores e historiadoras ...............100 3.1 Funções da história e o ensino .........................................................100 Seção 4 Outras histórias ................................................................107 4.1 História fragmentada ........................................................................107 Unidade 4 — O tempo e a história ............................121 Seção 1 Definições de tempo para a história .................................123 1.1 Definições de tempo para a história .................................................123 Seção 2 As principais concepções de tempo na atualidade ............134 2.1 As principais concepções de tempo na atualidade ...........................134 Seção 3 Temporalidade e duração ..................................................141 3.1 Temporalidade e duração .................................................................141 Seção 4 A temporalidade no ensino de história .............................153 4.1 A temporalidade no ensino de história .............................................153 Estudos_historicos.indb 6 20/06/14 11:36 “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história.” (Walter Benjamin) Caros alunos, convidamos vocês para uma viagem! Nesta obra dirigida especialmente aos alunos de graduação de História, fundamentam os con- teúdos abordados na disciplina Introdução aos estudos históricos, sendo assim, reúne questões teóricas e práticas acerca da História. A abordagem embasa-se na importância do entendimento do sentido da História no âmbito da produção historiográfica, bem como as possibilidades de produção do conhecimento histórico. O que nos interessa compreender como os historiadores concebem seu trabalho? O que pretendem com o seu ofício? Quais as suas fontes de análises? Nesse sentido, considera-se impor- tante analisar o papel do historiador e suas diferentes abordagens e procedi- mentos históricos às fontes históricas durante a realização de uma pesquisa. Serão também realizadas discussões que contemplem o espaço, o tempo, o fato e os sujeitos históricos. Conceitos fundamentais para a compreensão das diferentes concepções de História. Espero que aproveitem os debates propostos nas diferentes unidades de estudo e tenham um bom semestre. Cyntia Simioni França Apresentação Estudos_historicos.indb 7 20/06/14 11:36 Estudos_historicos.indb 8 20/06/14 11:36 Seção 1: Conceituando a história Nesta seção você será levado a compreender o que é história, a função social do conhecimento histórico e a história no contexto das ciências humanas. Seção 2: Conceitos históricos: historiografia Nesta seção você estudará os modos que se produz a história e as diferentes concepções historiográficas. Seção 3: A história e seu campode renovação Nesta seção você irá estudar os campos de renovação historiográfica da história e perceber o que a distin- gue dos modos de conceber a história em épocas anteriores. Ao final desta unidade poderá perceber que a história passou por muitas transformações e por isso também a consideramos um conhecimento que está sempre em construção. Objetivos de aprendizagem: Esta unidade tem o objetivo de levar você, aluno, a compreender o que é “história” e a sua função so- cial. Para alcançar esse propósito, vamos refletir sobre as diferentes concepções de história, desde o século XIX até a atualidade, bem como compreender o papel do historiador. Conceitos da história Unidade 1 Cyntia Simioni França Estudos_historicos.indb 1 20/06/14 11:36 2 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Introdução ao estudo Nesta unidade não apresentaremos respostas acabadas às questões levan- tadas sobre o que é história, nem indicaremos qual a concepção que deve ser seguida, mas propomos apresentar as diferentes maneiras de se escrever e refletir a história, levando também em conta que o historiador é um sujeito da sua história e que escreve a partir do seu olhar do presente e, por isso, pode determinar a forma como analisa o seu objeto de estudo. O velho provérbio árabe já dizia que os homens se parecem mais com sua época do que com seus pais. Nesse sentido, o homem diante das inquietações do seu presente debruça seu olhar sobre o passado. Iniciamos o debate indagando: afinal, o que é história? Recorremos a al- guns historiadores de diferentes épocas e concepções. Para Leopold von Ranke (1790-1880), a história era para mostrar o que realmente ocorreu no passado. Enquanto para Marc Bloch (2001), a história é a ciência dos homens no tempo. O historiador Edward Thompson (1981) entende que a história é a compreensão das várias faces do fazer humano que faz parte das experiências vividas. Ainda para Walter Benjamin (1985) a história é objeto de uma construção, e seu lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo “saturado de agoras”. As diferentes explicações são necessárias para entendermos que os modos de compreender a história são diferentes pelos historiadores e nesse sentido o campo de investigação fica aberto ao debate. Vamos iniciar as reflexões? Seção 1 Conceituando a história Nesta seção você será levado a compreender sobre conceito de história, a função social do conhecimento histórico e a história e sua relação com as ciências. E iremos estudar: O que é história. A história e as ciências. A história em suas diferentes épocas. 1.1 O que é história No início do ano letivo, a primeira pergunta a ser feita para o professor de história pelos seus alunos tanto no curso de graduação de história como também Estudos_historicos.indb 2 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 3 na educação básica é: afinal, o que é história? Para quê serve estudar a história? E com grande empenho o professor explica para seus alunos que a história é o estudo das ações e práticas dos homens no tempo e no espaço. A história é construída a partir das vivências e ações cotidianas. Assim, o objeto de estudo da história é o homem em sociedade, parafraseando Bloch (2001), onde encontramos carne humana é digno de investigação histórica. Nesse sentido, ao estudar a história busca-se entender as condições de nossa realidade. Ao pensar em história necessariamente podemos relacioná-la à história vivida, já que se constrói a história todos os dias. Fazemos parte da história e desempenhamos um papel importante enquanto sujeitos históricos, na sociedade. Sendo assim, a história é tudo que conseguimos perceber e narrar sobre a vida dos homens. Segundo Benjamin (1985, p. 223), “[...] o cronista que narra os acontecimentos sem distinguir entre os grandes e os pequenos leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”. Assim, com a história podemos compreender as ideias, as culturas, os sen- timentos, os comportamentos, as atitudes e as práticas culturais dos agentes históricos, e construir narrativas históricas, a partir de múltiplas formas. Benja- min (1985) compartilha desse pensamento ao chamar a atenção para perceber as mudanças menos perceptíveis, uma vez que as experiências dos homens se manifestam não apenas através de lutas políticas, mas também por meio dos valores, imagens e sentimentos. Dessa maneira, entendemos que por meio das experiências os sujeitos são reinseridos na história, abrindo um campo de potencialidades, e um elo com a sua “cultura”, que, segundo Thompson (1981, p. 182), os “[...] homens e mulheres experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades”. A história discute a temporalidade das experiências humanas, que são mediatizadas pelas relações sociais. Esse discutir estabelece um diálogo entre presente e o passado e organiza as memórias, definidas a partir de múltiplas construções históricas. Assim, a história nos possibilita compreender as expe- riências dos homens, visando entender as práticas coletivas em sua dinâmica de mudanças e permanências. Com a história não devemos recuperar a experiência dos agentes históricos em outras épocas, pois sabemos que “[...] irrecuperável é cada imagem do Estudos_historicos.indb 3 20/06/14 11:36 4 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S passado que se dirige ao presente, sem que esse presente se sinta visado por ela” (BENJAMIN, 1985, p. 224). Porém, podemos recuperar as suas diversas representações, visto que ao articular o passado não significa conhecê-lo como de fato foi, mas significa “[...] apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo” para fazer emergir o que não foi reali- zado no passado, inscrevendo no presente seu apelo para um futuro diferente (BENJAMIN, 1985, p. 224). Assim, não é o passado que coloca suas perguntas, mas o olhar do historia- dor, a partir do seu presente frente ao passado e levanta os questionamentos. Porém, o presente não é apenas o ponto de passagem entre o progresso e o futuro como define a concepção historicista. Mas o presente é o tempo da ação dos homens (tempo de construção), já o passado é o tempo da experiência única. Então, quando Benjamin (1985) ressalta que a história é o tempo do presente, entendemos como o de possibilidades de mudanças, aberto em todos os mo- mentos à invasão imprevisível do novo. Portanto, a relação entre passado e presente estabelece-se de modo dinâ- mico, de tal forma que a memória histórica é constantemente reconstituída. Mas a memória não é apenas um instrumento para a exploração do passado. É o meio em que se deu a vivência, assim como o solo é o meio onde antigas cidades estão soterradas. Quem pretende se aproximar do próprio passado deve agir como um homem que escava. Antes de tudo, não deve temer voltar sempre ao mesmo fato, espalhá-lo como se espalha a terra, revolvê-lo como se revolve o solo. Pois fatos nada são além de camadas que apenas a exploração mais cuidadosa entrega àquilo que recompensa a escavação (BENJAMIN, 1995, p. 239). Mas como o historiador pode avançar no campo da memória para encon- trar os achados (os cacos da história)? Por um corte cuidadoso transversal, mas também investigando o desconhecido, o obscuro. E se engana o historiador que só faz o inventariado dos achados e não sabe qual o lugar desse achado nos dias de hoje. A verdadeira lembrança para Benjamin (1995) não deve apenas indicar as camadas das quais se originam seus achados, mas explicar as “outras” camadas que foram atravessadas. Assim, a rememoração em Benjamin (1985) no ato de produzir históriastem por tarefa a construção de constelações de ideias que ligam camadas diferentes que são perpassadas umas às outras (como o passado contido no presente). Tais Estudos_historicos.indb 4 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 5 constelações possibilitam explodir o “continuum da história”*. Dessa forma, as relações do passado e presente são redimensionadas numa relação dialética. O passado ressurge no presente num movimento dinâmico de reconstrução, não de repetição (do sempre igual), nem mesmo de mera sucessão de fatos ou evolução dos acontecimentos históricos. Enfim, fica o convite para nós enquanto sujeitos históricos interromper o percurso do continuum da história e salvá-la dos esquemas simplificadores e reducionistas que conduzem às interpretações vazias de sentidos e significados. Benjamin (1985) convida também a escovar a história a contrapelo, ou seja, de inventar práticas culturais “outras”, trazer à tona novos sujeitos, objetos e temáticas para o campo da investigação histórica, buscar as vozes que foram esquecidas na história oficial. O que implica pensar em uma reconstrução da história na sua plenitude, sem dissociar o sentir, o pensar e o agir no tempo. Benjamin (2007, p. 241) direciona esse trabalho pelos caminhos das ruínas, recolhendo os cacos no presente: “O colecionador/historiador quer salvar na sua arca” o máximo possível de ruínas da tempestade, do seu destino desprezível, ocultado pela história oficial. Portanto, para os historiadores da ruína, ainda há história para ser escrita, uma história silenciada que está à espera do presente e de todos nós para ser revelada. Discuta essa questão com os colegas, com base no que foi apresentado: qual a função social da história? Questões para reflexão 1.2 A história e as ciências Iremos discutir algumas problemáticas relacionadas à história. Será que a história pode ser enquadrada como outras áreas do conhecimento? É possível um conhecimento histórico verdadeiro? Cabe ao historiador apresentar res- postas ao passado? Thompson (1981) defende uma lógica para a história que se distancia de uma lógica de laboratório que pode ser comprovada a partir de experimentos * A continuidade da história, a partir da ideologia dominante, pautada no tempo homogêneo, cronoló- gico e vazio. Estudos_historicos.indb 5 20/06/14 11:36 6 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S científicos, e propõe algo que não seja mensurável nem generalizado, mas pertinente aos seres humanos. Isso porque a história nunca oferece as condi- ções para experimentos idênticos e muito menos passíveis de serem repetidos. Nesse sentido, o passado histórico é o objeto de investigação e seu próprio laboratório experimental. Assim, o autor entende que a história é diferente das ciências exatas (como a física) porque não oferece causas suficientes para impor regras pré-estabele- cidas, e, por isso, a lógica histórica está estritamente adequada ao que deno- minamos materiais históricos, pois as lógicas do processo social e econômico estão sendo continuamente infringidas pelas contingências (movimentos), de modo que invalidaria qualquer regra nas ciências experimentais. Nesse sentido, entende-se a história como uma desordem racional. Thomp- son (1981) explica que a história é desordem no sentido de que ela é uma pesquisa empírica do objeto e para que ocorram suas análises devem-se con- siderar as particularidades, as contradições, as ambiguidades e as rupturas. Essa concepção perturba qualquer procedimento de lógica analítica, pois as ciências experimentais ocupam-se de termos sem ambiguidades. Além disso, Thompson (1981) argumenta que o objeto de investigação da história é o real, ou seja, os indivíduos que estiveram ou estão em sociedade e que são sujeitos incompletos e imperfeitos, por isso que a “verdade histórica” é relativa, haja vista que cada sujeito fala do seu local de pertencimento na sociedade. Assim o autor complementa que a história é provisória, algo pró- prio do seu campo, e está distante de se equipar com outros paradigmas do conhecimento, pois uma nova fonte ou diferente interpretação pode alterá-la, ou trazer uma pluralidade de interpretações sobre um mesmo evento histórico. A história nesse sentido não produz a “verdade”, mas “verdades históricas”, assim, entendemos que tal conceito é amplo, pois não existe uma história absoluta; ela está sempre em construção. Porém, não significa afirmarmos que o status ontológico do passado se modifica, o que aconteceu com os indivíduos não se altera, pois o passado se foi. É o conhecimento histórico que se modifica de acordo com as preocupações de cada época. A cada nova geração podem surgir perguntas diferentes, inquietações ligadas a seu próprio tempo e que podem trazer à tona outros pontos de vista, ou seja, interpretações múltiplas sobre o mesmo evento histórico e é nesse sentido que os produtos da investi- gação histórica estarão sempre sujeitos à modificação. Então, ao construir a história discutimos as várias faces de um acontecimento e o historiador por Estudos_historicos.indb 6 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 7 meio das evidências (fontes) apresenta um conhecimento em desenvolvimento que indica apenas aproximações e provisoriedades. 1.3 A história em suas diferentes épocas Ao longo dos anos, a história teve diferen- tes preocupações bem como maneiras dife- renciadas de ser escrita. Retomando a palavra história, logo encontraremos na Grécia He- ródoto (pai da história) empregando o termo História, no século V a.C, advertindo que pretendia escrever a presente história a fim de que as ações dos homens não se deixassem apagar no tempo. Assim, predominavam as narrativas mitológicas. Já os romanos acentua- ram o caráter utilitário da história, apresentando uma história com intenções morais e patrióticas. Com a chegada da Idade Média houve uma atribuição filosófica à história, com livros sagrados, baseados na sucessão cronológica dos acontecimentos, marcados por espaços bem determinados. No Renascimento, a história se fazia presente em duas atividades intelec- tuais: na erudição, laica e eclesiástica, e na filosofia. Os antiquários, conhe- cedores de línguas desaparecidas e especialistas no Antigo, ocupavam-se da erudição laica, limitando-se a comentar a história fixada pelos greco-romanos. No campo da erudição eclesiástica, a história desenvolveu-se levada pela ne- cessidade da Igreja de inventariar e exaltar o conjunto das tradições cristãs, em confronto com a corrente protestante. No século XVI, a velha tradição que remonta ao Renascimento instala a repartição entre história sagrada e profana buscando uma nova identidade. Os eruditos modernos comentavam sobre historiadores antigos e consagra- vam as belas-letras, já os antiquários caminhavam em busca de fontes não literárias, desenterravam monumentos, moedas, pedras, cavernas, inscrições rupestres, vestígios históricos. Sustentavam discussões e pesquisas sobre os costumes, instituições, arte e, também, a análise cronológica dos regimes bem como dos governos. Na segunda metade do século XVII nasce a ideia de que existe uma histó- ria universal. O antiquário transforma-se em um crítico da história e também Thompson, por conta do seu pen- samento divergente dos colegas historiadores da Nova Esquerda Inglesa, rompe com a sua escola histórica e também com o Partido Comunista e faz escolhas diferen- tes, ao optar escrever de forma divergente e independente dos historiadores da época (1956). Para saber mais Estudos_historicos.indb 7 20/06/14 11:36 8 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S um escritor da mesma. Período em que os materiais de pesquisa passam a ser diversificados por meio de publicaçõesde anais, memórias e compilações. A história dessa forma é apenas uma narrativa não rígida no que diz respeito aos conteúdos, mas mantém os padrões estéticos e morais, como se fosse um trabalho de um escritor (FURET, 1967). O Renascimento provocou uma série de mudanças no seu percurso. A cul- tura clássica deixa de ser passado, é vista como presente e a história não mais como um recomeço, mas um progresso. Sendo assim, a história da civilização acaba sendo escrita com o objetivo de levar à compreensão do seu próprio tempo, pois “reúne tudo aquilo que se relaciona com o saber das sociedades humanas” (FURET, 1980, p. 114). Devido ao monopólio jesuítico no período renascentista, a história estava restrita à erudição e à filosofia, assim, o conhecimento disseminado na época voltava-se para a História Sagrada e para as leituras de Cícero. Identifica-se que do século XI ao XVII os acirramentos teológico-políticos consequentes da Reforma Protestante contribuíram para a “[...] tendência presente nas histórias oficiais: produzir por intermédio da história política ou religiosa os elementos históricos favoráveis à causa defendida pelo historiador. Caberia então à história proporcionar provas e argumentos às partes em litígio” (FALCON, 1997, p. 63). Nota-se um fato interessante, pois desde aquela época histórica, a história desenvolveu-se por necessidade da Igreja construir e exaltar os valores das tradições cristãs, em confronto naquele momento com os protestantes, por isso ficou conhecida como área de erudição eclesiástica. É colocada em xeque no século XVIII a questão de que a tradição clássica sobre a história não passa de um anexo das belas-artes. Sendo assim, os deuses gregos bem como os santos românicos começam a desmoronar. Quanto às fábu- las do Olimpo e aos mártires cristãos, esses são modificados em um acervo de utopias e absurdos. Essa derrota histórica mistura-se à obsessão pelo moderno. As elites europeias desde o Renascimento viviam com uma identidade retirada da Antiguidade, mas a partir daí são obrigadas a se debater com a discussão aca- demicista dos antigos e dos modernos (HEGEL, 1990). Nesse período surge a necessidade da investigação histórica moderna, com o propósito de colocar em prática os processos da razão crítica à exploração da antiguidade cristã. Isso porque os protestantes e os polêmicos católicos aplicados em comprovar suas teses propiciaram uma investigação e crítica rígida frente aos documentos Estudos_historicos.indb 8 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 9 cristãos, como exemplo, a própria Bíblia passa a ser alvo de discussões e vai de encontro à corrente erudita. Aliada a essas mudanças pode-se ressaltar que na Idade Moderna a história política apresenta três qualidades: primeiramente mantém a função de “mestra da vida”, no entanto, os humanistas fazem uso também no ensino da retórica; segundo porque a partir das influências de Maquiavel destacava-se que a história apenas dava conta de ensinar a política e distanciava-se da ética e da moral; e por último, intensificavam as histórias ligadas aos Estados territoriais ou dinásticos, precursora das histórias nacionais voltadas para o conceito de Estado-nação. Assim, os pensadores iluministas como Montesquieu, Voltaire e Rousseau buscam na história dos povos, não apenas o espetáculo das diferentes religiões e dos costumes, mas o significado de um mundo liberto da sagrada escritura e livre ao progresso. Entretanto, a historiografia da Ilustração demonstra que o estudo do passado está longe de ser uma disciplina escolar, simplesmente pela justificativa: “[...] se a história não é ensinada, é porque não está constituída em matéria ensinável” (FURET, 1980, p. 115). Somente em meados do século XVIII acontece um grande descontentamento em relação aos Colégios Jesuítas por parte do ministro de Portugal, Marquês de Pombal, sendo estes substituídos por professores escolhidos pelo Estado para assumir a direção das escolas. Portanto, a partir de 1768, também a nobreza francesa expulsa a Companhia de Jesus e busca uma educação nacional controlada pelo Estado. A partir de então, a história ganha uma nova perspectiva e sentimento de nacionalidade, os indivíduos buscam saber sobre o seu passado e, assim, a burguesia mantém a aliança entre a nação e o rei. Nesse contexto, novas ideias políticas chegaram ao plano educacional, entre elas, a exigência da inclusão nos programas escolares de uma história que despertasse o sentimento nacional e garantisse o vínculo entre o impe- rador e a nação. Contudo, o ensino de história passava a ser ampliado, mas ainda não se apresentava como disciplina regular, visto que o progresso era gra- dativo e lento. E ainda constituía-se como História Moral atrelada à História Filosófica, o único avanço perceptível está na sua emancipação das línguas antigas. A demora em tornar-se uma disciplina ensinável é por conta da falta de interesses das autoridades. Estudos_historicos.indb 9 20/06/14 11:36 10 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Somente com a Revolução Francesa, em 1789, que acontece um acele- ramento das mudanças na área da história, estabelecendo sobre a educação nacional. É com a Constituição de 1791 que ocorre a implantação da disciplina de história (FURET, 1967). Somente foi inserida no currículo a partir do século XVIII, período de consolidação dos Estados-Nacionais europeus e da burguesia. Por sua dimensão política, passa a ser um ensino vigiado e controlado, pois representava um perigo ao Estado. Assim, é nos currículos franceses que a história primeiro torna-se disciplina escolar e adquire um novo status escolar, independente da relação com a An- tiguidade, mas mantém a marginalidade frente ao programa regular. Enquanto disciplina escolar é sempre clandestina diante dos programas oficiais. Contudo, uma das propostas da história nesse momento histórico seria a busca da forma- ção da memória nacional e a construção de uma identidade nacional, por isso foi considerada por Furet (1967, p. 137) “[...] genealogia da nação e o estado da mudança, daquilo que é subvertido, transformado, campo privilegiado em relação àquilo que permanece estável”. Na época pós-revolução, para o governo de Napoleão, a história (disciplina) torna-se desinteressante para atender os interesses políticos da ordem vigente e passa a ser circunscrita ao ensino de latim. Percebe-se que o Estado manipulava a disciplina da história a partir dos seus interesses ideológicos e isso é identificado no momento em que Napo- leão objetivava retirar dos franceses o direito de compreender o seu passado, ou seja, segundo suas ideias “porque narrar a sua parte maldita, que pertence aos inimigos? [...] e a outra parte é curta para formar um passado; é apenas a celebração de uma origem” (FURET, 1980, p. 122). Nesse contexto, identifica-se a grande manipulação política do ensino, tendo a história que atender apenas o interesse do Estado, então é óbvio que ela se torna um problema enquanto área do saber e como disciplina. Para resolver tal situação restringe-se a história simplesmente a uma genealogia da nação. Entretanto, posterior a esse período, na época da Restauração, a História foi definitivamente instituída nas escolas e apareceu caracterizada como um ensino cronológico, livre dos conceitos progressistas, democráticos e nacio- nalistas, na proposta de retornar o direito divino embutido do tradicionalismo das dinastias francesas e católicas. Estudos_historicos.indb 10 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 11 Inicia-se assim um período no qual se torna uma disciplina que passa a ser “[...] suspeita e deve ser mantida sob a estreita vigilância dos poderes públicos não só nos estabelecimentos de ensino secundário,como também nas facul- dades de letras, cujas conferências são nessa altura acontecimentos políticos e mundanos” (FURET, 1980, p. 124). Somente em 1830 a história como disciplina curricular sofre alterações decisivas no que diz respeito, principalmente, à junção do passado com o futuro, sendo enriquecida com os estudos econômicos e sociais e revestida de cientificidade. Assim, discernida como conhecimento da nação, funciona com o objetivo de formar o juízo e o patriotismo, influenciados pela historiografia do romantismo que defendia: [...] o Estado-nação como tema central tanto da inves- tigação quanto da narrativa históricas; a crítica erudita das fontes elemento essencial para desenvolver o método histórico, garantia da cientificidade do conhecimento; introdução dos conceitos de história como singular co- letivo em conexão com o novo conceito de revolução; a perspectiva historicista aplicada quer à história-matéria quer à disciplina [...] (FALCON, 1997, p. 65). Para Furet (1980, p. 127), se a história nesse momento assume o caráter de ciência, por outro lado continua “[...] do lado da exigência social, não aquilo que a sociedade sabe sobre si própria, mas aquilo que a nação conhece do seu passado”. Mesmo assim, atinge uma amplitude maior ainda, principalmente quando ensinada com objetivos bem definidos, como o de inculcar na mente das crianças ideias políticas como o conceito de nação e patriotismo. E para complementar a finalidade do ensino de história daquele momento, basta verificar que a escola se tornou laica, gratuita e obrigatória, para assim formar cidadãos convencidos intimamente dos seus deveres políticos. Diante disso, compreende-se que a elevação do Estado ao posto de objeto da produção histórica representou o domínio da história política. Por isso que o “[...] poder é sempre poder do Estado — instituições, aparelhos, dirigentes: os ‘aconteci- mentos’ são sempre eventos políticos, pois são estes os temas nobres e dignos da atenção dos historiadores” (FALCON, 1997, p. 65). Assim, o surgimento dessa disciplina acontece no seio do interesse de gru- pos dominantes, que tinham o Estado como o exclusivo detentor do processo histórico e, consequentemente, direcionavam o uso de fontes históricas que a ele estivessem ligadas. Ou seja, ficaram evidentes na França: Estudos_historicos.indb 11 20/06/14 11:36 12 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S [...] as vinculações entre o fortalecimento do Estado- -nação, a construção e a consolidação de uma identidade nacional coletiva, a afirmação nacional perante outras nações, a legitimação de poderes constituídos e a história enquanto conhecimento social e culturalmente produzido e seu ensino nas escolas (FONSECA, 2006, p. 26). Portanto, a história enquanto disciplina curricular fundamentava-se em uma concepção conhecida como história tradicional, contendo traços que re- montam ao positivismo e ao idealismo alemão (historicismo). É nesse período histórico que se tem o surgimento das escolas históricas nacionais europeias com nomes como Leopold von Ranke, Auguste Comte e outros que gozavam de prestígios acadêmicos. As escolas históricas podem ser chamadas de correntes historiográficas. A historiografia é o registro da história, ou seja, é o modo de escrever e registrar os eventos históricos. Para saber mais Iremos apresentar na próxima seção as características da historiografia tradicional e as fortes influências recebidas das correntes do positivismo e do chamado historicismo ou idealismo alemão, tanto para a disciplina da história como para a história acadêmica. 1. Explique com suas palavras os motivos pelos quais a história não pode ser comparada às ciências exatas (experimentais). 2. Por que a história durante algum tempo foi mantida sob vigilância? Atividades de aprendizagem Estudos_historicos.indb 12 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 13 Seção 2 Conceitos históricos: historiografia Nesta seção você estudará os modos pelos quais se escreve a história e as diferentes concepções historiográficas desde o século XIX até a atualidade. Iremos estudar nesta seção: Historiografia tradicional. Escola dos Annales e o papel do historiador. Escola marxista. 2.1 Historiografia tradicional A historiografia tradicional foi fundada no século XIX, a partir de um con- junto de padrões metodológicos marcado pela influência do positivismo e do historicismo (metódica). A junção das duas correntes deu início à historiografia tradicional, já que do idealismo alemão (metódica) recebeu a tendência de dar primazia ao particular, às estruturas, aos acontecimentos individualizados, e do positivismo foi influenciado pelo caráter científico, pela busca de fatos e pelo estabelecimento de relações precisas entre o documento e a narração — a ciência aplicada. Ainda do idealismo alemão (metódica), que muitos confundem como positi- vista, recebeu a base do desenvolvimento da ideologia nacionalista para justificar a missão de outros povos em realizar a colonização e ofereceu um caráter acadê- mico à historiografia tradicional, influenciando por meio de algumas regras que consideravam extremamente importantes para a prática historiográfica. Tal escola histórica ganhou impulso na Alemanha, com o precursor Leopold von Ranke. O método científico encontrou-se bem especificado pelos pensadores Charles Seignobos e Langlois (1946) que escreveu um manual de Introdução aos estudos históricos em que enfatizavam que a História é a disciplina em que com maior império se faz sentir a necessidade de bem conhecerem os autores os métodos próprios, que lhes devem presidir à feitura das obras. [...] os processos racionais, que nos levam a atingir o conhecimento histórico, são tão diferentes dos das demais ciências que devemos conhecer-lhes as peculiaridades, para fugirmos à tentação de aplicar à his- tória os métodos das ciências já constituídas (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 10). Estudos_historicos.indb 13 20/06/14 11:36 14 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Segundo Bourdé e Martin (1983), a história metódica (idealismo alemão) marcada pelo cientificismo faz do historiador um observador passivo da his- tória, utilizando análises objetivas, caracterizadas em eleger os grandes heróis e seus principais feitos. Portanto, o papel do historiador consiste em apenas narrar um assunto e a única habilidade restringe-se a retirar do documento todas as informações que apresentavam e não acrescentar nada, como se o documento falasse por si só. Na perspectiva metódica, a história não passa da aplicação de documentos escritos, principalmente o oficial, porque nada substitui os documentos, e assim onde não há documentos escritos não há história (LANGLOIS; SEIGNOBOS, 1946, p. 275). Da escola positivista, na França, representada por Auguste Comte, o positi- vismo assentava-se em três leis: “[...] a lei dos três estágios de desenvolvimento do pensamento humano: as fases do pensamento teológico, metafísico e po- sitivo; a lei da subordinação da imaginação à observação; a lei enciclopédica (classificação das ciências)” (CARDOSO, 1981, p. 30). A história tradicional recebe a influência do positivismo acerca do conceito de tempo como evolutivo, linear, evolucionista, e progressista. Aproximando-se das ideias da escola metódica, no sentido de também compreender que o fato histórico era um dado objetivo, que poderia ser verificado por meio da união dos documentos pelos historiadores e que atuavam de forma passiva diante da documentação, limitando-se apenas à narração dos mesmos. Desde o início da implantação da história como disciplina, as escolas no Brasil ensinavam a partir da visão tradicional, ou seja, contendo traços que remontam ao positivismo e ao idealismoalemão. Nesse sentido, a prática do professor na vertente historiográfica tradicional enfocava-se em aulas expositivas, a partir das quais cabia aos alunos a memorização de datas e repetição dos fatos apresentados como verdade pronta e vinculada a uma determinada vertente do pensamento humano, sem diálogo com outras, “[...] resultando num ensino como abrigo da ideologia dominante” (SILVA, 1980, p. 21). Para saber mais Pode-se sintetizar que a historiografia tradicional caracteriza-se principal- mente por uma história factual, linear, elegendo os grandes heróis e batalhas militares, os únicos vistos como objeto de estudo, prevalecendo a ideia de que o Estudos_historicos.indb 14 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 15 fazer história estava ligado aos eventos políticos, seguindo uma linearidade dos fatos. Portanto, a historiografia tradicional resultante de concepções diferentes conseguiu estabelecer uma série de proposições, objetivando o conhecimento dos fatos em si mesmo: preocupação com o documento submetido a um rigo- roso tratamento científico, dissociado da relação com o presente, apresentando uma narração simplesmente objetiva dos acontecimentos. Assim, essas proposições enunciadas contribuíram para apresentar a his- tória como fatos isolados, irrepetíveis, interpretados pelos historiadores com a máxima neutralidade, valorizando-a como processo científico, seja pelos métodos de pesquisa, seja pela investigação das fontes, pois, para tal, foram desenvolvidos processos críticos muito apurados. Nessa concepção apresenta- -se uma excessiva valorização do documento e a neutralidade do historiador, assim como a ausência da síntese histórica. Embora as concepções positivistas e historicistas tenham predominado entre os historiadores profissionais até meados do século XX, porém, encontramos muitas críticas e manifestações contra elas. Vários historiadores que, para além dos simples acontecimentos históricos isolados, buscavam estabelecer [...] regularidades, com frequência através do manejo do método comparativo: tais historiadores (Fustel de Coulanges, Henri Pirenne, Henri Seé, Marc Bloch) acre- ditavam, de fato, que a comparação histórica constitui o único caminho possível para a construção de uma história científica, ao permitir-lhe eivar-se da narração descritiva à explicação. Outros pensadores — Pul Lacombe, Henri Berr, Paul Mantoux — dedicavam-se à crítica que cha- mavam “História Historizante” ou episódica, e à defesa de uma síntese histórica efetivamente global (CARDOSO, 1981, p. 34). Além disso, no século XIX a ciência provoca inúmeras transformações na vida econômica e social dos indivíduos. Doutrinas como positivistas, mecanicis- tas e evolucionistas organizaram a sociedade em sistemas de ideias inteligíveis, a princípio era o que acreditavam naquele momento histórico. Nesse contexto histórico, quer também a história encontrar seu lugar. Então, é durante o sé- culo XIX que a história começa a procurar constituir-se como ciência, voltada para a investigação e transmissão de um método rigoroso, como nas ciências experimentais. Portanto, o marxismo e a Escola dos Annales, além de se contraporem à historiografia tradicional, passaram a caminhar em busca de a história alcançar o campo da ciência. É o que veremos a seguir. Estudos_historicos.indb 15 20/06/14 11:36 16 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S 2.2 Escola dos Annales e o papel do historiador O grupo dos Annales ou Escola dos Annales era formado pelos líderes da historiografia francesa Lucien Fevbre e Marc Bloch, teve início em 1929, perten- cente às primeiras gerações e objetivava derrubar a concepção dos historiadores ditos metódicos (positivistas). Os Annales demonstravam a necessidade de uma nova história em oposição às abordagens tradicionais, que eram centradas nas ideias e decisões de grandes homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas. Contra essa história histori- zante propunham uma história problematizadora, a partir da formulação de hipó- teses, pois sem esses elementos o saber histórico pouco atenderia aos anseios, na prática social, no que diz respeito à existência e experiência humana no tempo. Assim, a historiografia francesa pretendia fazer uma história analítica, estrutural e macroestrutural, explicativa, abordando os aspectos coletivos e os diversos níveis de temporalidade. Ainda enfatizavam em suas pesquisas os processos de diferenciação e individualização dos comportamentos humanos e identidades coletivas (sociais) para a explicação histórica. Sempre preocupados nesse sentido com as massas anônimas em seu modo de viver e pensar. Faziam críticas à história tradicional, principalmente nas suas análises centradas em narrativas dos acontecimentos políticos e militares, reconstruídas “tal como aconteceram”, que não apresentavam pressupostos teóricos. Os Annales alegam que na concepção tradicional o historiador apresenta os fatos cronológicos, sem que haja qualquer interpretação e questionamentos sobre eles, não identificando nenhuma problematização na pesquisa histórica. O ofício do historiador “[...] consistiria em estabelecer — a partir de documentos — os fa- tos históricos, coordená-los e, finalmente, expô-los coerentemente” (CARDOSO; BRIGNOLI, 1979, p. 21). Esses deveriam ser tratados com o máximo rigor crítico no sentido da autenticidade, credibilidade, imparcialidade e objetividade. Segundo a Escola dos Annales, para a vertente historiográfica tradicional, o passado aparecia como algo endurecido e unidimensional dos “grandes feitos”, em que somente se pensava em mudanças, nunca em permanência, reduzindo assim a finalidade da história, pois se concebia a explicação do todo, por meio da determinação da verdade das partes. Nesse sentido, o passado é visto pelo próprio passado, levando a história a apresentar-se como encadeamentos de fatos isolados, irrepetíveis, interpretados pelo historiador com neutralidade. É por isso que a concepção tradicional torna-se alvo de críticas e, a partir do contexto apresentado a Escola dos Annales, colocou a necessidade de explorar Estudos_historicos.indb 16 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 17 novos métodos de produção do conhecimento e ampliar as possibilidades de recortes temporais, o conceito de documento e sujeitos históricos. A concepção de documento apresentada na visão dos historiadores metódi- cos (positivistas) era alvo de críticas por Bloch (2001), pois sua visão de fontes históricas diferenciava-se totalmente. Para o autor mencionado, o documento histórico é um caminho para o historiador, haja vista a necessidade de fazer perguntas a ele e reunir todos aqueles que são necessários à pesquisa, sendo procedimentos relevantes que contribuiriam para diminuir ou elevar a escrita da história. Já que o documento é portador de um discurso, que, assim con- siderado, não pode ser visto como algo transparente; por isso, o historiador deve atentar-se para o modo com que se apresenta o conteúdo histórico e questioná-lo, então a importância de utilizar-se de um método crítico, para ja- mais aceitar cegamente os testemunhos escritos, visto que nem todos os relatos são verídicos e os materiais podem ser falsificados; assim somente através da crítica se consegue distinguir o verdadeiro do falso (BLOCH, 2001). Nota-se a grande diferença a respeito dos Annales e da história positivista no que se refere a Langlois e Seignobos* (1946), quando apresentam a sua concepção de documento como algo acabado a que jamais era admissível fa- zer perguntas. Justificando seu posicionamento da seguinte maneira: a história não poderia ser julgada nem interpretada, os fatos históricos já estavam dados e prontos no documento, cabendo ao historiador apenas descrevê-los. Na teoria positivista,a história só aparece quando há documentos escritos e eles são vistos como irredutíveis do fato, o espelho da realidade, prova irrefutável de uma investigação, e os testemunhos são abstratos e empíricos (SILVA, 1984). O que se questiona nesse sentido é como pode ser possível produzir história, seguindo a corrente tradicional, se a história é o estudo da experiência humana no tempo e todos os vestígios do passado são considerados matérias para o historiador? Reforçando ainda a ideia de que todo acontecimento é histórico; segundo os Annales, o historiador pode escolher o seu objeto de estudo bem como as inúmeras fontes históricas, desde orais, iconográficas, audiovisuais, musicais, à literatura e outros. Nesse sentido, a Escola dos Annales contribuiu significa- tivamente para a história, pois alargou a visão de documento considerando a possibilidade de se construir o conhecimento histórico com todas as coisas que pertencem ao homem, pois são fontes dignas de pesquisa e possíveis de leitura por parte do historiador. * Precursores da história metódica. Estudos_historicos.indb 17 20/06/14 11:36 18 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Entretanto, Bloch (2001) explica que, embora considere a diversidade das fontes, o problema maior consiste em como o historiador as utiliza, sendo primordial para qualquer explicação histórica elaborar perguntas pertinentes ao documento, ou seja, “[...] as fontes só falam utilmente se soubermos fazer- -lhes as perguntas adequadas” (VIEIRA; PEIXOTO; KHOURY 2007, p. 41), e que estas não decorrem do documento, mas da cultura do historiador, da sua concepção de história e de conhecimentos externos. Para os historiadores dos Annales, a história não era vista no passado pelo passado, como os metódicos pensavam, mas a partir do presente para entender o passado, e a incompreensão do presente não nasce da ignorância pelo passado, mas é difícil entender este, se não soubermos nada do presente. “Visto que o conhecimento do presente interessa à inteligência do passado” (BLOCH, 1965, p. 44). Contudo, os historiadores da Escola dos Annales propuseram aos historia- dores uma história globalizante e totalizante no sentido de abarcar todos os elementos, ou seja, considerar os aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais para escrever a história. A Escola dos Annales influenciou o ensino de história, a partir de abordagens referentes a temas do cotidiano, em contraponto com a história dos heróis, distante e abstrata dos alunos. Ao aderir a essa corrente historiográfica na prática pedagógica, o professor pode articular o coti- diano do aluno com o conteúdo a ser ensinado, construindo um diálogo entre passado e presente e levando-o a problematizar o conhecimento histórico. Entende-se que o ensino deve ser concebido como criação do conhecimento a partir da realidade vivenciada pelo aluno, reconhecendo múltiplos sujeitos e suas diversas experiências. Para saber mais 2.3 Escola marxista Em relação à tendência historiográfica marxista, esta surgiu no século XIX na França, a partir das ideias de Karl Marx (1818-1883). Os frequentes conflitos de classes que ocorriam nos países capitalistas mais avançados da época levaram Karl Marx e Friedrich Engels a fazerem vários trabalhos juntos, destacando que as sociedades humanas também se encontram em contínua transformação, e que o “fio condutor” da história eram os conflitos e as oposições entre as classes so- ciais. Com isso incentivou-se a publicação de revistas sobre o assunto, gerando Estudos_historicos.indb 18 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 19 debates dos principais conceitos marxistas, atingindo grande parte do público interessado em tais discussões com a obra O Capital. Existem outras publicações consideradas alvo de discussões e de suma importância para a história, como a Ideologia Alemã, o Manifesto Comunista e o Prefácio à Contribuição para a Crítica de Economia Política. A concepção marxista da história defende alguns princípios: [...] realidade social é mutável, dinâmica, em todos os seus níveis e aspectos; as mudanças do social são regidas por leis cognoscíveis que, num mesmo movimento de análise, permitem explicar tanto a gênese ou surgimento de um determinado sistema social quanto suas posteriores transformações e por fim a transição a um novo sistema qualitativamente distinto; o anterior implica afirmar que as mudanças do social conduzem a equilíbrios relativos ou instáveis, ou seja, a sistemas histórico-sociais cujas formas e relações internas (a estrutura de cada sistema) se dão segundo leis cognoscíveis (CARDOSO, 1981, p. 35). Pode-se dizer que a história para Marx é como um movimento dinâmico, progressivo, semelhante ao desenvolvimento histórico e que caminha a partir das leis dialéticas. Portanto, o marxismo abarca tanto análises dinâmicas como estruturais, vinculadas ao movimento cognoscitivo. O modelo de explicação para a história humana une abordagem genética e estrutural atreladas ao de- senvolvimento histórico-social. Porém, sabemos que dar conta desse método de análise unindo as duas abordagens não foi fácil para aquele momento histórico. Desde as suas origens, o marxismo caracterizou-se pela busca de “[...] leis do desenvolvimento histórico-social (leis dinâmicas) e que determinam para cada organização sócio-histórica específica, os seus fatores invariantes e os seus processos reiterativos ou repetitivos (leis estruturais, ou de organização)” (CARDOSO, 1981, p. 35). Como o marxismo buscava a construção de uma história científica, por conta disso, expulsava explicações metafísicas, darwinistas ou externas ao processo histórico. Dentre os seus principais conceitos destacam-se a economia como base de toda a estrutura da sociedade e que tal sociedade está dividida em infraestrutura (economia) e superestrutura (política e ideológica). Assim, o desenvolvimento das forças produtivas, as contradições entre as forças produtivas e as relações de produção geram a luta de classes, conside- radas para Marx o motor da história, visto que a partir desses conflitos que a Estudos_historicos.indb 19 20/06/14 11:36 20 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S humanidade alcança as mudanças sociais, políticas e econômicas. Pelo exposto, nota-se que a luta de classes é o que constitui a história de toda sociedade. A historiografia marxista, no que diz respeito à construção do conhecimento histórico, propôs uma nova análise, partindo do modo de produção da socie- dade, pois esse determina a forma que assumirá o crescimento das forças produtivas e a distribuição do excedente. Segundo Hobsbawm (1998), o mar- xismo se propôs a mostrar que o progresso do homem no controle sobre a natureza não se deve somente às formas de produção e suas mudanças, mas também das relações sociais que envolviam a produção. A principal contradição dialética para Marx é aquela que existe entre as sociedades humanas historicamente dadas e a natureza, e que fixa a determinação “[...] em última instância da base econômica sobre os níveis de superestruturas” (CARDOSO, 1981, p. 36). O resultado dessas contradições é o surgi- mento dos conceitos fundamentais de modo de produção, classes sociais e formação eco- nômico-social. Para Marx, a oposição das forças produtivas e as relações de produção resultam na luta de classes, impulso da his- tória, levando às mudanças históricas. Nesse sentido, o autor mencionado explica que os homens fazem a sua história, não por sua vontade própria e com um plano coletivo, isso significa dizer que os “[...] homens não escolhem as suas formas sociais já que não são livres arbitrários das suas forças produtivas é uma força adquirida, produto de uma atividade anterior” (CARDOSO, 1981, p. 37).Assim, as lutas de classes levam a transformações das estruturas sociais que acontecem em situações bem definidas e que determinam os limites do que é possível ou não para aquele momento histórico. Como dito, a luta de classes constitui a história de toda sociedade, vistas como egoístas e antagônicas, com interesses diversos. Assim, existem os que possuem o capital produtivo, cons- tituindo a classe exploradora, e de outro lado, os assalariados, os quais não possuíam a propriedade, constituindo assim o proletariado que vendia a sua força de trabalho (GARDINER, 1995). Modos de produção — conceito marxista que designa uma articula- ção historicamente dada entre um determinado nível de desenvolvi- mento das forças produtivas e as relações de produção. Relações de produção — con- ceito marxista que designa uma articulação historicamente dada entre um determinado nível de de- senvolvimento das forças produti- vas e as relações de produção. Para saber mais Estudos_historicos.indb 20 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 21 Contra essa espoliação e alienação do trabalho que Marx conclama para que os trabalhadores se unam e façam a revolução, derrubando a classe burguesa e implantando a ditadura do proletariado. Trata-se de uma concepção de história crítica, em que a história é algo construído socialmente e passível de mudanças. Na tendência historiográfica marxista, a histó- ria passa por uma sequência de etapas pré- -estabelecidas: a evolução dos modos de produção; e utiliza um instrumental teórico de análise do social, como: lutas de classes, ideologia, alienação. Quais são as críticas realizadas por Marx? Será que a sua teoria pode ser pensada para os dias de hoje? Questões para reflexão 1. Nas palavras do historiador medievalista Bloch (2001, p. 7), em seu livro Apologia da história ou o ofício de historiador, a “história é entendida como uma ciência em construção”. Justifique a concepção do autor. 2. Não se deve identificar a história como uma “[...] ciência do passado, pois o passado não é objeto de ciência” (BLOCH, 2001, p. 7). Por que o autor ressalta que a história não é a ciência do passado? Atividades de aprendizagem Você já assistiu ao filme Tempos Modernos? Se não viu, sugiro que assista para compreender a pro- posta de Marx no combate à alie- nação do homem pela máquina no sistema capitalista, alvo de grandes críticas para Marx. Para saber mais Estudos_historicos.indb 21 20/06/14 11:36 22 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Seção 3 A história e seu campo de renovação Nesta seção você irá estudar os campos de renovação historiográfica da história e perceber o que distingue os modos de conceber a história em épo- cas anteriores. Ao final desta unidade poderá perceber que a história passou por muitas transformações e por isso, ainda hoje é um conhecimento que está sempre em construção. Iremos estudar: Renovação historiográfica. Uma nova história. 3.1 Renovação historiográfica A história passou por críticas e propostas de mudanças. E em meados do século XX seu campo apresenta-se com propostas de renovações no modo de conceber a história bem como na maneira de escrevê-la. É nesse momento que a renovação historiográfica aparece com o surgimento da Nova Esquerda Inglesa (1956). Essa escola histórica foi formada por historiadores que romperam com o Partido Comunista Inglês devido ao descontentamento com o governo de Stalin, na URSS, e passaram a influenciar a corrente historiográfica inglesa. Entre os historiadores que fizeram parte desse movimento, Eric Hobsbawm, Raymond Williams, Cristopher Hill, Edward Thompson e outros passaram a fazer uma revisão de alguns conceitos do marxismo. No século XIX, a escrita da História era vista através do âmbito político e religioso, utilizando as ideias para a compreensão dessa disciplina, “[...] já se notava que [...] havia se tentado sistematicamente introduzir um referencial ma- terialista no lugar do idealista, levando assim a um declínio da história política e à ascensão da história econômica ou sociológica” (HOBSBAWM, 1998, p. 157). As análises de Marx consistiam em contextualizações, recortes temporais- -espaciais e uma das suas contribuições foi o conceito utilizado na separação da infraestrutura (base) e da superestrutura, mostrando que a sociedade é per- meada por diferentes níveis e por fenômenos sociais opostos, isto é, o conjunto das relações de produção constitui a base concreta da sociedade, enquanto a su- perestrutura corresponde às formas de consciência social (HOBSBAWM, 1998). Uma vez que nas sociedades existiam e existem tensões internas que se contradizem, pois apresentam interesses opostos, essas relações de poder (lutas de classes, identidades de grupos) mostram muito a realidade e os conflitos existentes. Estudos_historicos.indb 22 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 23 Portanto, não basta verificar somente os opressores, mas também os oprimi- dos. “A importância dessas peculiaridades do marxismo se encontra no campo da história, pois são elas que lhe permite explicar [...] por que e como as so- ciedades mudam e se transformam: em outras palavras, os fatos da evolução social” (HOBSBAWM, 1998, p. 162). Trata-se de obter uma visão ao mesmo tempo holística (estrutural) e dinâmica (relativa ao movimento, à transformação) das sociedades humanas. A construção do conhecimento histórico, para os marxistas, ocorre a partir da análise do modo de produção da sociedade, pois esse determina a forma que assumirá o crescimento das forças produtivas e a distribuição do excedente. Segundo Hobsbawm (1998), o marxismo se propôs a mostrar que o progresso do homem no controle sobre a natureza não se deve somente às formas de produção e suas mudanças, mas também das relações sociais que envolviam a produção. Assim, a teoria do conhecimento para os marxistas é um realismo. O objeto de conhecimento histórico não é constituído pelo sujeito: a práxis atual inter- vém na apropriação cognitiva de algo que existe por ele mesmo e que implica uma vinculação dialética entre presente e passado. Além de Hobsbawm (1998), Thompson (1981) também faz uma crítica ao método dialético marxista, no sentido de enfatizar a existência de vários mo- dos de conceber a história e a existência de diferentes linhas de interpretação no processo de construção do conhecimento histórico pelo historiador. Para o autor, a história possui uma análise diferenciada de outras disciplinas, por- que o historiador precisa de um “[...] tipo diferente de lógica, adequado aos fenômenos que estão sempre em movimento, que evidenciam — mesmo num único momento — manifestações contraditórias (THOMPSON, 1981, p. 47). Defende o método da dialética do conhecimento em que apresenta um método lógico de investigação que consiste num diálogo entre conceito e evidência. “O interrogador é a lógica histórica, o conteúdo da interrogação é uma hipótese” (THOMPSON, 1981, p. 49). Assim, o historiador parte de uma hipótese, procura uma evidência (fonte), fazendo perguntas, as quais algumas serão adequadas, e do diálogo resulta uma síntese histórica. Ou seja, para Thompson (1981) é o chamado processo de dialética do conhecimento histórico, pois apresenta uma tese (hipótese), posta em relação (diálogo) com suas antíteses (objeto), resultando numa síntese (conhecimento histórico). Estudos_historicos.indb 23 20/06/14 11:36 24 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S Nesse sentido, Thompson (1981) faz uma revisão de alguns conceitos usados pelos marxistas, como a questão do materialismo histórico, que só podem ser empregados como categorias analíticas, conceitos próprios para investigar o processo histórico e, além disso, propõeuma releitura do conceito de luta de classes, que não deve ser reduzido apenas às explicações econômicas, como os marxistas fazem, mas articuladas com as questões sociais e culturais; isto porque a consciência de classe constrói-se nas experiências cotidianas. Ainda para a Nova Esquerda Inglesa, o autor Christopher Hill (1985) dei- xou sua contribuição com as análises que propõem também romper com a historiografia tradicional por utilizar-se do conceito de luta de classes como categoria analítica. Ao encontro dessas ideias o historiador Hill (1985) também defende a construção da história em uma perspectiva totalizante e prioriza como objeto de estudo em suas pesquisas a história vista de baixo, unindo aspectos econô- micos e sociais. Vale a pena ressaltar que o marxismo, mesmo após o revisionismo apresen- tado, deixou várias contribuições à história: conceitos como feudalismo, luta de classes, comunismo, ainda muito utilizados pelos historiadores, bem como suas propostas de análise econômica e social são de extrema importância. As contribuições da Nova Esquerda Inglesa também no ensino de história foram significativas, no sentido de superar a visão de tempo linear e evolucio- nista, pois Marx pensava em um tempo determinado e mecanicista, em que a humanidade evolui a partir do desenvolvimento das forças produtivas e dos modos de produção. Para melhor entendimento, a citação de Fonseca (2003, p. 45) deixa claro que o processo evolucionista ocorria da seguinte maneira: “[...] regime de comunidades primitivas, o modo de produção escravista, ou o modo de produção asiático, o feudalismo, a transição, o capitalismo, suas crises [...] e finalmente nosso destino se completa com o modo de produção socialista”. O revisionismo construído pela Nova Esquerda ampliou o conceito de mo- dos de produção, passando a enfocar as ações de diversos sujeitos no processo de construções sócio-históricas, ou seja, o mundo do trabalho é uma condição em que o sujeito histórico está inserido ao construir suas relações de produção. Para Hobsbawm (1998), o modelo de modo de produção não pode direcionar- -se para uma visão linear, uma vez que um sistema predominante pode existir ao mesmo tempo que interage com outras formas de relações de produção em um mesmo contexto histórico. Outra influência no ensino é que essa corrente Estudos_historicos.indb 24 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 25 propicia um novo olhar sobre as relações de trabalho, analisadas a partir das experiências dos homens, mulheres, crianças e outros sujeitos, dando vozes a esses excluídos para contarem suas histórias em detrimento da visão oficial. A Nova Esquerda Inglesa contribui com o ensino de história, na medida em que defende um ensino em busca da transformação social, valorizando as possibilidades de luta, não apenas entre classes antagônicas, mas no interior da mesma classe, tornando-se um dos caminhos para os alunos compreenderem suas experiências e as dos diversos sujeitos envolvidos no processo histórico. O conhecimento histórico é, pela sua natureza, provisório, descontínuo e seletivo. Levando em consideração a paráfrase do autor Thompson, como podemos explicar a questão da provisoriedade da história? Questões para reflexão 3.2 Uma nova história? A Nova História também faz parte da renovação historiográfica, surgida a partir dos anos 1960, ganhando novos contornos com Le Goff, principalmente com sua obra Fazer a história, da década de 1970, dividida em três volumes: as novas abordagens, os novos problemas e os novos objetos. Ressaltando a existência de uma história “nova”, a partir de novos problemas que colocam em questão a própria história; novas abordagens porque enriquecem e modificam os setores tradicionais da história; e por fim novos objetos que se estabelecem no campo epistemológico da história. Entre os objetos de estudo, podemos mencionar: família, profissões, fenô- menos como a morte, os sentimentos, os imaginários etc. A Nova História reuniu muitos partidários, até porque já se encontravam estruturados pela geração anterior dos Annales, surgindo três vertentes da his- tória das mentalidades, a saber: a) Ligada à tradição dos Annales, tanto no que Febvre traz sobre a questão das mentalidades, como o do comportamento coletivo articulado a totalidades explicativas, como faz Le Goff (1924-2014), Duby (1919- 1996) e Le Roy Ladurie (1929); os dois últimos também percorriam pela corrente do materialismo histórico dialético. Estudos_historicos.indb 25 20/06/14 11:36 26 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S b) Materialista histórico dialético que articulava os conceitos de mentali- dade e de ideologia de maneira a valorizar a ruptura e a dialética entre o tempo longo e o acontecimento “revolucionário”, como na perspectiva de Vovelle. c) Desvinculada das reflexões teórico-metodológicas dos objetos e enfo- cando a narração de acontecimentos. Contudo, a terceira vertente logo foi alvo de críticas por outras escolas his- tóricas, pois alegavam que ao alargar o objeto de estudo, para aproximar-se de outras áreas do conhecimento, passou-se a fragmentar os objetos, métodos e abordagens do conhecimento histórico a fim de tornar-se como uma “história em migalhas”, como foi denominada por François Dosse (1992). Sobre as contribuições da Nova História para o pensamento histórico mo- derno — além das deixadas pela geração anterior — pode-se dizer que, ao construir grandes contextos espaçotemporais, consequentemente intensificaram a divisão quadripartite europeia, a desvalorização das investigações das ações dos sujeitos e suas significações históricas e o abandono da análise das estru- turas políticas. Limitou-se também ao minimizar a articulação entre a história local e a história global. Por esses motivos, parte dos historiadores mudou para a Nova História Cultural, área de estudo de Carlo Ginzburg e Roger Chartier. Na década de 1980 a Nova História Cultural surgiu com publicações da historiadora Lynn Hunt. A Nova História Cultural como a Nova História da década de 1970 utilizam a expressão “nova” para diferenciar as pesquisas historiográficas das formas anteriores (BURKE, 1992), enquanto o emprego da palavra “cultura” é para demonstrar a diferença de História intelectual, área que abrange as formas de pensamento, antiga história das ideias, da História social. A cultura é entendida como um conjunto de significados partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo. Os historiadores não mais pensavam na [...] posse dos documentos ou a busca de verdades defini- tivas. Não mais uma era de certezas normativas, de leis e modelos a regerem o social. Uma era de dúvida, talvez, da suspeita, por certo, na qual tudo é posto em interrogação, pondo em causa a coerência do mundo. Tudo o que foi, um dia, contado de uma forma, pode vir a ser contado de outra. Tudo o que hoje acontece terá, no futuro, várias versões narrativas. Trata-se de uma reescrita da história, pois a cada geração se revisam interpretações. Afinal, a Estudos_historicos.indb 26 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 27 história trabalha com a mudança no tempo, e pensar que isso não se dê no plano da escrita sobre o passado implicaria negar pressupostos (PESAVENTO, 2008, p. 16). As maiores contribuições ocorreram por Mikhail Bakhtin (1895-1975), Norbert Elias (1897-1990), Michel Foucault (1926-1984); Pierre Bourdieu (1930-2002), Wal- ter Benjamin (1892-1940), através do trabalho com conceitos como: dialogismo, representações, práticas culturais, descontinuidades culturais, rupturas e habitus. Chartier (1987) critica a dicotomia entre cultura popular e cultura erudita, em favor de uma noção de cultura entendida como prática cultural que não é situada nem acimanem abaixo das relações econômicas e sociais, bem como leva em conta as categorias de representação e apropriação para produzir o conhecimento histórico. A representação para Chartier é entendida como as diferentes formas pelas quais as comunidades, a partir de suas diferenças sociais e culturais, percebem e compreendem sua sociedade e a própria his- tória. Enquanto a apropriação “[...] tem por objetivo uma História social das interpretações remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais e culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem” (CHARTIER, 1987, p. 26). Enquanto Ginzburg utiliza-se de conceitos de filtro cultural e de cultura po- pular, em que a cultura oficial nessa concepção é filtrada pela cultura popular, Benjamin (1985) apresenta uma arqueologia da cultura, ao analisar a sociedade do século XIX e decifrar as imagens que os homens tinham acerca da sua rea- lidade. Um de seus estudos voltou-se para a Paris do século XIX para discutir conceitos como de fetichismo da mercadoria, fantasmagorias, racionalidade instrumental, bem como refutou o historicismo, em que a história ficava presa a cronologias, seguindo uma lógica linear, homogênea e vazia. A História Cultural preocupou-se em analisar novos direcionamentos para a escrita da história no que diz respeito às relações de saber e poder que con- sequentemente têm possibilitado reflexões sobre a história, a partir de áreas temáticas específicas como as abordadas anteriormente e também sobre a história das práticas de leitura; De Certeau, com a análise do discurso histo- riográfico e a invenção do cotidiano; Foucault e White sobre a linguagem e as relações entre o saber e o poder. Portanto, sua contribuição para o pensamento histórico é a valorização das ações e concepções de mundo dos sujeitos das classes populares a partir do seu Estudos_historicos.indb 27 20/06/14 11:36 28 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S próprio espaço e tempo e ainda o trabalho com novas temporalidades, quando novos e múltiplos sujeitos foram incorporados nas reflexões historiográficas. Leia atenciosamente o poema “Perguntas de um trabalhador que lê” e relacione com o texto abaixo: Quem construiu a Tebas de sete portas? Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedras? E a Babilônia várias vezes destruída, quem a construiu tantas vezes? Em que casas de Lima radiante dourada moravam os construtores? Para onde foram os pedreiros na noite em que Muralha da China ficou pronta? A Grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu? Sobre quem? Triunfaram os césares? A decan- tada Bizâncio tinha somente palácios para seus habitantes? [...] O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho? [...] Não levara sequer um co- zinheiro? (BRECHT, 1990, p. 167). A partir dos questionamentos apresentados no poema, faça uma relação com a proposta da Nova História Cultural. Questões para reflexão Leia o livro A invenção do cotidiano: artes de fazer, de Michel de Certeau (1999) ou, ainda, artigos na Internet do autor que trazem possibilidades “outras” de pensar o cotidiano. Para saber mais 1. Explique a denominação da Nova História Cultural. 2. Quais são os autores que fazem uma releitura da teoria marxista? Atividades de aprendizagem Estudos_historicos.indb 28 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 29 Nesta unidade, você aprendeu que: A história possui um campo vasto para explicar o objeto de investigação, estando relativo às experiências dos sujeitos e do contexto em que os mesmos estejam inseridos. Os modos de escrever a história são tão diversos e os métodos são tão variados, os temas são díspares e, além disso, as conclusões são divergentes no campo da história. A história possui um método de investigação adequado aos materiais históricos, porém, longe de parecer com as ciências exatas. Não existe a verdade absoluta em história, mas “verdades históricas”, pois um acontecimento histórico pode ser analisado a partir de dife- rentes pontos de vista. Desde o surgimento da historiografia, identificamos diferentes maneiras de compreender o objeto da história (o homem em sociedade). Apresentamos as formas de se escrever a história, a partir das correntes historiográficas. Fique ligado! Espero que esta unidade tenha contribuído para você compreender noções do que é história bem como os modos de escrevê-la, a partir das diferentes escolas históricas. Procure também aprofundar mais sobre esse assunto realizando leituras complementares por meio de pesquisas pela Internet. Para concluir o estudo da unidade Estudos_historicos.indb 29 20/06/14 11:36 30 I N T R O D U ç Ã O A O S E S T U D O S H I S T Ó R I C O S 1. Analise o texto que segue e responda às questões apresentadas a seguir: É que formular um problema é precisamente o começo e o fim de toda a história. Se não há problemas, não há história. Apenas narrações, compilações. Lembrem-se: se não falei de “ciência da história, falei de “estudo cientificamente conduzido”. Estas duas palavras não estavam lá para compor a frase. A fórmula cientifica- mente conduzida implica duas operações, as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico moderno: indicar problemas e formular hipóteses. Duas operações que já os homens do meu tempo se revela- vam especialmente perigosas. Porque pôr problemas, ou formular hipóteses, era muito simplesmente trair. Nesse tempo, os historiadores viviam num respeito pueril e devoto pelos “fatos”. Habitava-os a convicção ingênua e tocante de que o sábio era um homem que, ao olhar pelo seu microscópio, aprendia logo uma braçada de fatos (FEBVRE, 1989, p. 31-32). a) A qual corrente historiográfica o texto pertence? b) Segundo Febvre, o que deve ser fundamental para a construção do conhecimento histórico? c) O texto faz uma crítica em qual corrente historiográfica? Justifique retirando a frase que apresenta tais críticas. 2. Após a leitura dos dois fragmentos, responda a seguinte questão: Texto a — D. Pedro II foi o segundo imperador do Brasil. Sábio e dinâmico, nasceu em 1825, no Rio de Janeiro e faleceu em 1891 em Paris. Texto b — O desenvolvimento da produção produz a desigualdade no meio da tribo: formam-se na tribo grupos que possuem direitos diferentes. Aí está um efeito da divisão do trabalho. Analisando os textos acima, podemos identificar que estão sendo escritos a partir da história tradicional? Justifique sua resposta, argu- mentando e diferenciando ambos. Atividades de aprendizagem da unidade Estudos_historicos.indb 30 20/06/14 11:36 C o n c e i t o s d a h i s t ó r i a 31 3. Leia atenciosamente o texto: A História é a história do homem, não de um só homem, mas da humanidade e é construída a partir de nossa vivência, fruto das nossas ações diárias e não de algo sonhado. Portanto, fazemos parte dela e nela desempenhamos um papel. Ao pensar em História podemos dizer que ela tem dois sentidos: a his- tória vivida e a compreensão desta história vivida. Pois, construímos a História todos os dias através dos nossos atos e ações, bem como temos a necessidade de entendê-los, isto é, compreender como eles refletem em nossa vida e entender as condições de nossa realidade. Quando pedi para os alunos explicarem o que compreendem sobre história, fiquei surpresa com algumas respostas, entre elas: Aluno 1 — A história é fundamental apenas para conhecer as festas cívicas, a bandeira e o hino nacional. Aluno 2 — Pode-se dizer que a história é apenas a ciência do passado, cabe apenas compreender a história dos reis, imperadores. Aluno 3 — Nem todos podem ser considerados sujeitos históricos, porque senão impossibilita compreender
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