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Benjamin Button O desafio da narrativa filmica

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE CAMPO GRANDE
VALQUIRIA DE OLIVEIRA MENEZES
BENJAMIN BUTTON: 
O DESAFIO DA NARRATIVA FÍLMICA
Campo Grande/MS
2018
VALQUIRIA DE OLIVEIRA MENEZES
BENJAMIN BUTTON: 
O DESAFIO DA NARRATIVA FÍLMICA
Trabalho apresentado como parte da nota de conclusão da Literatura Norte-Americana do Curso de Licenciatura em Letras-Inglês e suas literaturas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. 
Orientador: Professor Dr. Fabio Dobashi
Campo Grande/MS
2018
BENJAMIN BUTTON: 
O DESAFIO DA NARRATIVA FÍLMICA
INTRODUÇÃO
O presente artigo irá perfazer a mensagem adaptada de O Estranho Caso de Benjamin Button, o conto de F. Scott Fitzgerald e a adaptação deste para o cinema. As linguagens absolutamente diferentes entre ambos foi a motivação para a escrita do que segue adiante, observando sempre que se trata de linguagens impares com peculiaridades exclusivas. 
Para nos auxiliar em tal missão, contaremos com autores como Maria do Rosário, que explora a diversificação da linguagem em imagens da literatura com a representação em imagens da própria adaptação.
Além dela, Bordwel, que trata o universo hollywoodiano em que a adaptação está mergulhada, em muitos momentos modificando totalmente o sentido e o efeito gerados pelo conto, levando ao romance entre os personagens, por exemplo.
Ainda contaremos com Freitas e Leite, que detalharão o que for necessário que se esclareça a respeito das diferentes linguagens estudadas aqui e quais as características relevantes de uma e de outra ao relacionarmos a obra com o contexto em que está inserido.
O objetivo, portanto, é que se inicie um estudo demonstrativo da valia da adaptação em linguagem independente de sua obra inspiradora, para não utilizarmos o termo original, uma vez que a originalidade iria nos levar a outros ramos que poderiam se explorados dentro deste estudo, porém não sendo o caso, o deixemos de lado.
Vamos ao que nos vale neste momento.
NARRATIVA FÍLMICA: ESTUDOS E CONCEITOS 
A discussão aqui é a relação estabelecida entre o conto de F. Scott Fitzgerald - O Estranho Caso de Benjamin Button, do ano de 1922, e sua moderna adaptação cinematográfica do ano de 2009. O Curioso Caso de Benjamin Button. São realmente evidentes as similitudes e as discrepâncias entre uma obra e outra, ninguém que as conheça poderia negar tão obviedade. Porém, como já estabelecemos nos primeiros momentos deste artigo, o que se pretende considerar é a valorosa contribuição de uma e outra desde que contextualizadas em suas próprias épocas e, principalmente, em detrimento de suas linguagens singulares.
Ambas as obras tratarão o fantástico fenômeno do nascimento de Benjamin Button, a criança que nasceu velha. Se o conto traz a construção da imagem literal sem prejuízo de entendimento ou estranhamento tal que o torne inconcebível, o filme, por sua vez, trata o mesmo fato com base num fantástico fenômeno que remete aos tempos de guerra, ao tempo voltar para trás para que não aconteçam as terríveis mortes de jovens e associa à construção de um relógio muito singular que gira ao contrário. 
A narrativa fílmica aqui é narrada por uma mulher cuja mãe, idosa e quase sem forças, está acamada e pede à filha que leia o diário de alguém. Ainda não há relação entre a mulher, o diário e senhora. Já nesse início, estabelece-se a relação entre o tempo e o fato fantástico da criança nascida no mesmo dia da inauguração do relógio que anda ao contrário, contada tanto pela senhora acamada quanto pelo diário.
A identificação do termo «narrativa» com a acepção aristotélica de «diegese», isto é, apresentação "indirecta" de uma história através de um narrador, por oposição a «mimese» enquanto directa imitação dos «homens em ação» sem o intermédio do narrador, pode introduzir grande confusão no tipo de abordagem que aqui procuramos fazer, já que restringe a narrativa a um âmbito que e o da definição de gêneros, colocando a discussão num contexto diferente daquele que aqui estabelecemos. (ROSÁRIO, 2005, p. 72)
Na narrativa fílmica de Benjamin também se estabelece a confusão, porém, como veremos adiante, parte disso é integrante do enredo hollywoodiano. O que queremos, portanto, é perceber a construção da adaptação cinematográfica de um conto de relevância, como O Estranho Caso de Benjamin Button o é, e verificar por que motivo o filme se torna, de determinado ponto de vista, tão romantizado e focalizador no relacionamento amoroso. Veja bem que, apesar de perceber tal aspecto da narrativa, o que se pretende aqui é desvendar outros parâmetros de valorização dessa narrativa e colocá-la como uma crítica social. Vejamos os teóricos relacionados por Rosário no parágrafo que segue:
Hegel estabeleceu a diferença entre o modo narrativo e o modo dramático através da conhecida oposição entre aquilo a que chamou, respectivamente, a «totalidade dos objectos» e o «movimento total da ação». Referindo-se precisamente a esta distinção, Aguiar e Silva esclarece: «A narrativa, com efeito, representa a interação do homem com o seu meio físico, histórico e social, correlacionando sempre uma ação particular com o "estado geral do mundo", com a "totalidade da sua época", com o "terreno substancial" em que ela se inscreve e se desenvolve. [...] O drama, por sua vez, procura representar também a totalidade da vida, mas através de ações humanas que se opõem, de forma que o fulcro daquela totalidade reside na colisão dramática», o que implica a condensação do tempo da ação, a rarefação do espaço, a eliminação das personagens supérfluas, etc. (ROSÁRIO, 2005, p. 77)
Sendo assim, como Rosário nos traz pela perspectiva dos autores mencionados, o drama cinematográfico se torna um lócus em que as personagens não podem fugir daquilo que a sociedade consegue aceitar, ainda que em detrimento do fantástico apresentado. Isso porque o cinema assume o papel de “uma máquina capaz de criar sonhos, de transformar em realidade visível, partilhável pelos demais espectadores, as mais mirabolantes fantasias da mente humana” (ARAÚJO, 1995, p. 11), o que, em outras palavras, podemos transportar para o aceitável apesar de impossível. A fantasia que se poderia tornar forma real se houvesse possibilidade que tal viesse a acontecer.
Outro aspecto interessante é a intertextualidade do filme, uma vez que esta é compatível com a época, citando as obras de Vagner (ópera) e peças de Edmund MOrdmant, Jhon Wiltbut (ator), Ivanhoé, mencionando Shakespeare, entre outros. A erudição do filme não o distanciará da realidade em que os personagens estão inseridos, ou seja, todos estão sujeitos ao trabalho, à discriminação, ao preconceito e racismo, além de ressaltar em grande parte a desvalorização do idoso. Aliás, muito maior que o caso de amor apresentado na obra fílmica, a aspereza da velhice e a discriminação se tornam o foco principal, tomando quase que a totalidade da obra. No início com o nascimento do velho bebê Benjamin. No final, com a velhice de Deise e o rejuvenescimento do velho bebê Benjamin,
Edgard Morin (1980) partiu da teoria de que o realismo suscitado pelo cinema era resultante de um processo de reprodução mecânica da realidade – isso em um primeiro momento – e também produto da subjetividade do olhar do espectador, da participação desse espectador no processo de significação do que é visto. (FREITAS, LEITE, 2015, p. 2) A autora ainda se baseia em Betton (1987) para afirmar que “tudo é relativo e transitório. Portanto, a história do sujeito e o contexto em que o filme é recebido interferem e podem transformar seu processo de significação” (FREITAS, LEITE, 2015, p. 2). Com ambas as acepções acerca da narrativa, a ficção cinematográfica de adaptação d’O Curioso Caso de Benjamin Button passa a tomar a proporção que se deseja exaltar com esta reflexão: a construção hollywoodiana não menospreza a amplitude do pensamento enaltecidopelos efeitos fílmicos, pelo contrário, os incluem de maneira contundente no telespectador, no espectador do enredo que se desenrola de maneira dramática bem diante de seus olhos.
A relação com a morte é tratada de forma naturalizada, e vamos entender isso no contexto do enredo. Observe-se que durante todo o drama a morte está presente. Desde Deise hospitalizada já à beira da morte, passando pelo relógio construído para homenagear os mortos da guerra, o nascimento de Benjamin com a morte da mãe, seu possível estado moribundo, as pessoas no asilo, o amigo capitão de rebocador e o beija-flor, um dos símbolos mais ternos utilizados e levados a efeito de comoção do espectador, uma vez que se vê este por ocasião da morte do amigo de Benjamin, capitão do rebocador, pessoa que falece com quem nosso protagonista tem uma relação de confiança e real amizade, e já nos últimos lances do enredo, quando Deise falece.
O filme abordará fortemente a relação preconceituosa entre os personagens que estão em ação e a sociedade. Aparece também tal relação no conto de Fitzgerald, quando o ver o velho Benjamin sentado no berço, seu pai proclama que preferia que seu filho fosse negro: “Antes tivesse nascido negro!”. No filme, adaptação de tal obra, o velho bebê Benjamin é deixado num asilo a uma mãe negra. Ao falar com o médico, esta afirma que a pobre criança, filha de sua irmã, teve a infelicidade de nascer branco. E além destes dois momentos, teremos partes inteiras que irão ligar o racismo a momentos decisivos da trajetória de Benjamin e outros personagens de relevância para que o desfecho aconteça. 
Vamos observar que vários tipos de preconceito são abordados e trabalhados com a linguagem fílmica da adaptação de O Curioso Caso de Benjamin Button, não reduzindo-se aos fatídicos momentos hollywoodianos a que já nos referimos e os quais iremos, agora mesmo, esmiuçar para que possamos expandir a compreensão, não apenas do que significa um filme hollywoodiano, como também o cumprimento e a fuga de Benjamin dos padrões estabelecidos. Vamos a eles.
BENJAMIN E OS PARADIGMAS DA LINGUAGEM FÍLMICA NA ADAPTAÇÃO CINEMATOGRÁFICA
A primeira minúcia que devemos observar com maior cuidado e um tanto de zelo, nos aproximando e tomando posse de seu sentido, é o significado de filme hollywoodiano. “Na verdade, os manuais de roteiro hollywoodianos há muito insiste em uma fórmula que é resgatada pela análise estrutural mais recente: a trama é composta por um estágio de equilíbrio, sua perturbação, a luta e a eliminação do elenco perturbador” (BORDWEL, 2005, p. 78). Na adaptação de Benjamin, o filme, o que temos é a eliminação de elementos perturbadores, que não seriam facilmente absorvidos pelos espectadores cinematográficos.
Vamos exemplificar: temos o conto de Fitzgerald com o Velho senhor sentado no berço com os pés balançando um de cada lado deste em seu primeiro encontro com o pai. O velho bebê Benjamin é um homem totalmente consciente de si e da sociedade ao seu redor, inclusive sobre seu próprio estado de velhice infantil. Já a adaptação elimina o estranhamento impactante que o conto fantástico eleva ao ponto máximo. A adaptação, por sua vez, torna o elemento fantástico aceitável, admitindo que o efeito deva ser o de empatia com o público, atingindo o emocional de maneira a gerar a identificação deste com a narrativa apresentada.
Também os motivos pelos quais o autor da adaptação faz a singular proeza de tornar em um filme de 3 horas o conto de menos de 100 páginas. Sim. Menos de 100 páginas em 3 horas de filme. Não por acaso, por certo. O conto possui uma temporalidade muito relativa com a passagem do próprio tempo, e este está diretamente relacionado com a vida de Benjamin Button, nada tendo a ver com contextos de guerra explicitados no texto ou algo que evidencie fatos de relevância histórica. Diferentemente com a adaptação.
A causalidade também motiva princípios temporais de organização: o syuzhet representa a ordem, a frequência e duração dos eventos da fábula de uma forma que revela as relações causais mais salientes. Esse processo é particularmente evidente em um procedimento bem característico da narração clássica - o prazo final ou "último momento" (deadline): O prazo final/último momento pode ser medido por calendários (A volta ao mundo em 80 dias ...), relógios (Matar ou morrer ...), estipulação ("Você tem uma semana e nem um minuto a mais"), ou simplesmente por indicações de que o tempo está passando (o resgate no último minuto). Que o clímax de um filme clássico seja frequentemente um prazo final demonstra a força da estrutura em definir a duração dramática como o tempo que se gasta para alcançar ou deixar de alcançar um objetivo. (BORDWEL, 2005, p. 280)
O relógio construído pouco tempo antes de Benjamin nascer, flash rememorado por narrativa de Deise que, acamada no hospital, introduz a filha no fantástico que está por vir, irá marcar a passagem do tempo ao contrário. E aqui, neste passar do tempo ao contrário, temos um significativo distanciamento da adaptação e do conto. Enquanto na adaptação o velho bebê Benjamin desenvolve sua consciência exatamente na cronologia correta, de menino para homem e senhor idoso, o Benjamin do conto é um velho senhor com consciência idosa e com a idade de bebê, apenas ela. Ele vive a vida ao contrário e a condição de criança, por outro lado, é imposta pelos pais, que o criam. 
O momento em que se estabelece o caso de amor que acontece passa a demonstrar as duas vidas, a que corre na contramão e no fantástico, e aquela que segue seu curso natural, na adaptação é um caso infantil entre o velho bebê Benjamin e a menina Deise. Nosso conto de Fitzgerald, por outro lado, traz uma linda moça paquerada por todos e que se encanta por Benjamin por gostar de homens mais velhos. Agora vamos observar na teoria de Bordwel que não por acaso Benjamin e Deise, na adaptação, encontram-se ainda crianças e tem uma relação interativa quase que todo o filme:
Cada cena apresenta etapas distintas. Inicialmente temos a exposição que especifica o tempo, o lugar e os personagens relevantes - suas posições espaciais e seus estados mentais atuais (geralmente resultado de cenas anteriores). No meio da cena, os personagens agem no sentido de alcançar seus objetivos: lutam, fazem escolhas, marcam encontros, determinam prazos, planejam eventos futuros. (BORDWEL, 2005, p. 282)
Sendo assim, o caso de amor e os desencontros, o nascimento da filha e etc., servem para organizar os espaços e estados mentais. Sendo um enredo com introdução do fantástico, esse artifício fílmico levarão, como foi dito, o hollywoodiano à empatia do público.
Importa, porém, referir ainda um outro aspecto de não menor importância e que permite aprofundar a compreensão da natureza da imagem cinematográfica. A imagem óptica de que e constituído o cinema não pode ser retirada do seu contexto, que é o do movimento e, consequentemente, o da temporalidade, razão pela qual pensamos que ao falar de cinema se torna essencial falar de "imagem temporalizada". (ROSÁRIO, 2005, p. 87)
A quebra desse paradigma da “imagem temporalizada” poderia ter sido quebrado facilmente utilizando-nos novamente do relógio inserido fisicamente no enredo de O Curioso Caso de Benjamin Button, porém a leitura e narrativa do diário, a complementação do conteúdo nas páginas com as memórias de Deise geram um outro efeito, o drama da imagem óptica com reforço de que há mensagens a serem transmitidas da cama de hospital pela percepção de uma moribunda.
Foi ao aprofundar esta questão que Barthes propôs a distinção de três níveis imagéticos: o nível da comunicação (que é meramente informativo), o nível da significação (que e simbólico e manifesta aquilo a que o autor chama o "sentido óbvio") e o nível da significância (que corresponde aquilo que Barthes denomina de "sentido obtuso", isto e, que não está na língua, não e passível de descrição linguística). Para Roland Barthes a imagem cinematográfica manifesta estes três diferentes níveis, mas aquilo que nela e especificamentefílmico corresponde a este terceiro sentido. «o fílmico e aquilo que no filme não pode ser descrito, a representação que não pode ser representada» (ROSÁRIO, 2005, p. 86).
Com essa última fala apresentada, de Roland Barthes, temos a relevância realmente exaltada da adaptação em relação ao conto que a ela deu origem e inspiração. Aquilo que o filme não consegue descrever, a imagem criada de maneira única pelas palavras selecionadas e lapidadas pelo autor literário não caberiam integralmente em uma adaptação. São tão distantes quanto a própria poesia o é da música. Em contra partida, a imagem, musicalidade, movimento, a vida cinematográfica, esta “a literatura não poderá representa”.
MINHAS CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ADAPTAÇÃO
A adaptação aqui analisada foi O Curioso Caso de Benjamin Button, inspirada no conto de F. Scott Fitzgerald, possui relevância ao retratar a sociedade em que estava inserida, tanto o contexto de guerra como o clima de preconceitos, racismos, discriminações sérias. 
A narrativa fílmica possui, com clareza, sérios problemas com o sentido e o efeito de sua mensagem, o que, porém, podemos agora compreender melhor devido à análise da linguagem fílmica e os pormenores explorados pela adaptação e não existentes ou sem necessidade na obra literária.
Com isso, o artigo aqui apresentado teve como objetivo principal comprovar que a adaptação de Benjamin, o conto, para linguagem fílmica, ainda que deveras diferente em sentido e efeitos, aborda muito além do romance vivido por Benjamin e Deise, sendo este quase que nem mesmo o aspecto de grande relevância do filme. Antes a percepção da sociedade e as nuances do desenvolvimento humano com beleza e narrativa coerentes.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Inácio. Cinema: o mundo em movimento. São Paulo: Scipione. 1995 
BORDWELL, David. O cinema clássico hollywoodiano: normas e princípios narrativos. In: Fernão Pessoa Ramos. Teoria Contemporânea do Cinema, Volume II. São Paulo: Senac, 2005.
FREITAS, Alessandra Demite Gonçalves de; LEITE, Nildes Raimunda Pitombo. Linguagem fílmica: uma metáfora de comunicação para a análise dos discursos nas organizações. São Paulo, v.50, n.1, p.89-104, jan./fev./mar. 2015.
ROSARIO. Maria Do [...] Leita.O Lupi Bello. Narrativa Literária E Narrativa Fílmica: O Caso De Amor De Perdição. Textos Universitários De Ciências Sociais E Humanas. 2005.
FITZGERALD. F. Scott. O Estranho Caso De Benjamin Button. Editorial Presença. 1922.

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