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APOSTILA DE FILOSOFIA GERAL E DO DIREITO 
 
Prof. Will Goya 
 
Apresentação 
 
Aqui estão apresentadas algumas sínteses, bem como interpretações, sobre algumas das 
principais abordagens de nossa disciplina Filosofia Geral e do Direito. Para tanto, alguns conceitos 
necessitam de maior explicitação, tais como o que melhor se pode entender por conceitos como 
Filosofia Jurídica, Positivismo Jurídico, Jusnaturalismo, Direito Alternativo, questões éticas, entre 
outros. 
Saliento que todos os temas aqui abordados foram resultado de todas as leituras apontadas 
na bibliografia que se encontra na parte final desta apostila. Este trabalho de síntese e organização 
diz respeito a recortes e fragmentos de algumas das obras citadas, bem como de sua interpretação a 
partir de uma leitura crítica das mesmas. Objetivou-se, com isso, simplificar o trabalho do alunado, 
para o qual ainda é indispensável a leitura destas obras originais, resumindo e apontando o que há 
de essencial e melhor nos pensamentos dos autores. 
 
1. A Filosofia 
 
 A Filosofia pode ser resumidamente definida como método de reflexão pelo qual o homem 
se empenha em interpretar a universalidade das coisas. Contrariamente aos demais saberes, nos 
quais cada qual tem o seu objeto de investigação, a filosofia tem por objeto o todo. Tal condição 
representa o seu diferencial no campo do saber humano. A Filosofia caracteriza-se como indagação 
ou busca permanente do conhecimento. O conhecimento filosófico tem por fim descobrir as causas 
mais universais, i.é., as causas primeiras de todas as coisas. Busca, com todo o rigor, a origem dos 
problemas, relacionando-os a outros aspectos da vida humana, numa abordagem globalizante. 
A Filosofia não faz juízos da realidade, como a ciência, mas juízos de valor. Não só vê como 
é, mas como deveria ser; julga o valor da ação, sai em busca do significado dela. A filosofia quer 
superar a fragmentação do real, própria das especializações das ciências, para que o homem seja 
resgatado na sua integridade e não sucumba à alienação do saber parcelado. 
Dizemos que uma reflexão é filosófica quando é radical, rigorosa e de conjunto. Radical 
porque é preciso que se vá até as raízes da questão refletida, até seus fundamentos, reflexão em 
profundidade; rigorosa, pois se deve proceder criticamente, segundo métodos determinados; e de 
conjunto, pois o problema não pode ser examinado de modo parcial, é preciso relacionar o aspecto 
em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. 
Neste sentido, a grande utilidade da Filosofia, está no fato de que ela permite o 
distanciamento para a avaliação dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam. É ela que reúne 
o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade - Ela é a possibilidade da 
transcendência humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar a sua imanência (que 
significa a situação dada e não escolhida). Pela transcendência, o homem surge como um ser de 
projeto, capaz de construir o seu destino, capaz de liberdade. 
 
1.1 A Filosofia Jurídica 
 
A Filosofia Jurídica é espécie do gênero Filosofia Geral. É ramo das chamadas filosofias 
aplicadas, uma ferramenta para os juristas elaborarem as leis pelo livre pensar do filósofo. 
Jurisfilósofo é o jurista que exercita, como hábito, a atitude filosófica. O acervo de conhecimentos 
que a Filosofia Jurídica proporciona provém de três classes de pensadores: Filósofos, Juristas e 
Jurisfilósofos. Estes últimos associam o conhecimento das correntes filosóficas à noção das 
 2 
categorias lógicas do Direito, objetivando o rigor lógico dos conceitos jurídicos e a adequação do 
Direito positivo aos valores humanos fundamentais. 
 Na Jurisprudência o conhecimento filosófico tem por objeto de reflexão o conceito do 
Direito, os elementos constitutivos deste, seus postulados básicos, métodos de cognição teleologia e 
o estudo crítico-valorativo de suas leis e institutos fundamentais. 
 Ao criar modelos de comportamento social, à luz dos valores de conservação e 
desenvolvimento do homem, o Direito torna possível a convivência e participa, por sua importância 
e como área definida do saber, na ordem geral das coisas. Como objeto do conhecimento, o direito 
não pode ser considerado parte destacada da realidade e cultivado isoladamente. Como ciência o 
Direito pode adotar diferentes ideologias e assumir variados modelos de interpretação da realidade. 
 Como objeto cultural dotado de complexidade, o Direito comporta diferentes planos de 
estudo: legal (Ciência do Direito), factual (sociologia jurídica), evolutivo (história do Direito), 
axiológico (filosofia Jurídica), entre outros. Quando a atitude filosófica se projeta nos domínios da 
Jurisprudência, tomando o fenômeno jurídico por objeto de indagação, a análise se processa em um 
riquíssimo plano, onde se questiona problemas da maior relevância para a organização social. O 
estudo ontológico do Direito, a pesquisa de seus elementos universais e necessários, o exame 
axiológico das formas de expressão constitui matéria de reflexão da filosofia jurídica. Lembrando a 
teoria tridimensional de Reale, enquanto a Sociologia Jurídica irá analisar o Direito enquanto Fato e 
a Ciência Jurídica o Direito enquanto norma, à Filosofia Jurídica cabe estudá-lo como um Valor, 
isto é, se perguntar pelos seus fundamentos e fins a que se destina. 
 Em suma a Filosofia Jurídica consiste na pesquisa conceitual do Direito e implicações 
lógicas, por seus princípios e razões mais elevados, e na reflexão crítico-valorativa das 
instituições jurídicas. 
 Tem como objetos de estudo um epistemológico, onde se pesquisa o conceito do Direito e 
assuntos afins e um de caráter axiológico, no qual se submetem as instituições jurídicas a um exame 
crítico-valorativo. 
 Segundo Kant, enquanto a ciência jurídica questiona “o que é de direito?”, a filosofia 
Jurídica pergunta “o que é o Direito?”. Dessa postura emergem questões fundamentais, como a 
relativa aos elementos constitutivos do Direito; a indagação se este se compõe de norma e é a 
expressão da vontade do Estado, se a coação faz parte da essência do Direito; se a lei injusta pode 
constituir Direito e, como tal, obrigatória; se a efetividade é essencial à validade do Direito, etc. 
De natureza axiológica e de alcance mais prático, a filosofia jurídica consiste na apreciação 
valorativa das leis, institutos ou do sistema jurídico. Está mais ligada aos imperativos da vida social 
e visa ao enriquecimento da ciência do Direito, pois julga os critérios da lei em função dos valores 
humanos e sociais. Neste sentido ela busca iluminar o universo jurídico na perspectiva de uma 
elaboração de uma sociedade mais consensual, compromissada com a verdade dos fenômenos 
sociais e fundamentada na racionalidade do direito e das leis, em consonância direta com as 
transformações históricas e as novas aspirações da cultura em que se inserem. 
 
1.2 O conceito de Direito sob a ótica filosófica 
 
Ligado à figura do Estado e da política, o direito se manifesta como ordenamento normativo. 
Um conjunto de normas de conduta e de organização. É um aparato que se destina a regular as 
relações fundamentais da existência social humana, em todos os seus sentidos. 
Em conformidade com a tendência principal da teoria geral do direito, especifico do 
ordenamento do direito e dos demais ordenamentos normativos é o poder de coerção. Isto coloca o 
direito em relações estreitas com a política. Por muitas vezes, o direito se apresenta a serviço do 
poder político estabelecido. 
Das conexões com o direito participam a filosofia jurídica e a filosofia política. Na reflexão 
da filosofia jurídica fica caracterizado, uma vez que, direito eEstado são, nas concepções mais 
comuns, como que duas faces de uma mesma moeda. Nesta relação de ordem íntima encontra-se o 
direito sendo considerado sob ponto de vista do Estado ou do soberano, os quais caracteriza e 
 3 
legitima. Nesse sentido direito se apresenta como conjunto de regras postas e impostas por aquele 
ou aqueles que detêm o poder. Por outro lado o Estado é definido como uma complexa rede de 
normas constitucionais escritas ou não. As leis, os regulamentos as providências administrativas e 
as sentenças judiciais em seus vários planos. 
Aceitos e legitimados o processo de convergência une as estruturas jurídicas e o poder 
político. Consequência de tal realidade é a limitação do direito à figura do Estado. Desse modo o 
Estado moderno aparece como força manipuladora e centralizadora da produção jurídica. Nessa 
relação se caracteriza que: não há Estado sem direito e vice-versa. 
Em sentido geral e fundamental é a técnica voltada a tornar possível a coexistência humana. 
Como técnica, se concretiza em um conjunto de regras (leis ou normas), que têm por objeto o 
comportamento recíproco dos homens entre si. 
 
SUGESTÕES DE FILMES 
• Testemunha de acusação (Inglaterra, 1982). Direção: Alan Gibron. Jovem é acusado de assassinar uma senhora rica. 
O julgamento revelará mais segredos do que o esperado, em especial quando a esposa do acusado entra em cena. 
Julgamentos são processos para trazer a verdade à tona, e se eles são necessários é porque a verdade dos fatos ou as 
ações das pessoas podem facilmente ser ocultados ou manipulados. 110 min. 
• 12 homens, uma sentença. 
• A Justiça. 
 
2. Questões éticas e morais no direito 
 
"Por que eu sempre nado contra a corrente? 
Porque só assim se chega às nascentes.” 
José Lutzemberger 
 
 
Objetivando-se um simples resumo esquemático, com fins meramente pedagógicos, 
apresento aqui alguns conceitos clássicos da filosofia moral, como instrumentos teóricos para 
debate em sala de aula e auxílio em leituras complementares. 
Para começo, as idéias agora explanadas e interpretadas foram reproduzidas literal e ou 
indiretamente de Adolfo Sánchez Vázquez, Ética (16a ed. – Rio de Janeiro, RJ: Editora Civilização 
Brasileira, 1996) e de Marilena Chauí, Convite à Filosofia (1a ed. – São Paulo, SP: Ática, 2004). 
 
• O que é moral? 
São normas práticas, aceitas livre e conscientemente, que regulam os comportamentos 
concernentes às noções de bem e mal, certo e errado nas relações entre os indivíduos. Os atos que 
não têm consequência alguma para os outros, portanto não tem qualificação moral. Objetivam 
transformar os valores dos grupos sociais daquilo que atualmente são – ineficientes ou inadequados 
– naquilo que devem ser, segundo a evolução das expectativas e necessidades históricas próprias da 
sociedade como um todo ou em seus organismos constituintes. Sua função é 1. desenvolver e ou 
garantir uma determinada ordem e coesão social, 2. preservando a integridade de um grupo no seio 
da sociedade e 3. com o objetivo de se alcançar algo que se poderia definir subjetivamente como 
“felicidade” ou bem-estar. 
 
• O que é Deontologia? 
É uma ramificação da ética adaptada ou restrita ao exercício de uma profissão, enquanto um 
conjunto de princípios e regras que trata dos deveres morais a serem cumpridos para garantir 
respeitabilidade nas relações entre os profissionais. Para além disso, estes códigos propõem 
sanções, segundo procedimentos explícitos, para os infratores do mesmo. Nesse sentido, fala-se em 
deontologia médica, jornalística, jurídica etc. Regra geral, os códigos deontológicos têm por base as 
grandes declarações universais e esforçam-se por traduzir o sentimento ético expresso nelas, 
adaptando-o, no entanto, às particularidades de cada país e de cada grupo profissional. Importante 
 4 
destacar que nenhum código moral, por mais aceito e acordado pelos membros de sua categoria, 
garante valor ético. Porque nem toda norma atende às necessidades a que se destinam, seja por 
ingenuidade, abstrações ideológicas, corporativismo superprotetor, desuso anacrônico etc. 
 
• O que é ética? 
É uma análise filosófica entre os determinados comportamentos morais e os interesses 
sociais, histórica e culturalmente determinados. Estabelece os fundamentos e a validade das normas 
morais e dos juízos de valor – apreciados consuetudinariamente como sendo bons ou qualificados 
como maus. O papel da ética é reagir contra todo tipo de violência (mal, crime, vício etc), segundo 
como cada cultura assim o entende. Nossa cultura ocidental contemporânea define violência como 
tudo o que reduz a pessoa à condição de objeto ou coisa. Isto é, toda reificação ou perda de 
autonomia individual, coletiva. De outra forma, antiético é toda forma de desumanidade, que faz do 
humano um meio para a conquista de coisas e não o fim da ação humana. “Fins éticos exigem 
meios éticos”. 
Vale refletir com o paradigma ecológico que o ser humano, em absoluto, não é isoladamente 
o mais importante dos seres que a moral deva privilegiar, posto que este também está inserido no 
contexto ecossistêmico do planeta, cuja destruição causaria naturalmente violência à própria 
humanidade. Logo, uma ética profunda investiga os perigos à toda e qualquer expressão 
interconectada de vida, situando-nos em uma posição mais humilde diante da complexidade da 
realidade. Baseado no pensamento de Edgar Morin, a ética deve superar o grande equívoco da 
concepção mecanicista das ciências – prevalecentes no séc XX –, considerando que os fenômenos 
não são lineares e, sim, constituídos por microeventos que, interagindo entre si, formam o que tem 
sido denominado de sistemas abertos. Posto que a ação moral se constitui e se manifesta pelas 
consequências, e que não se pode conhecer todas as circunstâncias, a responsabilidade ética implica 
na abertura ao conhecimento transdisciplinar, com o qual se alcança dialeticamente, a natureza 
universal do fato particular. É o que se evidencia no quadro abaixo, a propósito da bioética: 
 
Aspectos
Morais
Aspectos
Assistenciais
Aspectos 
Políticos
Aspectos
Científicos
Aspectos
Sociais
Aspectos 
Econômicos
Aspectos 
Psicológicos
Aspectos 
Biológicos
Aspectos
Espirituais
Aspectos
Legais
Bioética
Adequação ou
Inadequação da
Ação
Aspectos
Educacionais
Aspectos
Profissionais
Modelo baseado na Complexidade
Aspectos 
Culturais
©Goldim/2004
Referenciais
Teóricos
Casos
Relacionáveis
Fatos
+
Circunstâncias
Alternativas
Problema 
ou 
Dilema 
Ético
Modelo baseado na Complexidade
Conseqüências
©Goldim/2004
Http://www.bioetica.ufrgs.br - 26/07/2005 
 5 
 
Assim definida, a ética estuda e não formula valores ou normas morais, conforme as reais 
necessidades e interesses da sociedade, já que estes são relativos, diferentes e variáveis geográfica e 
historicamente. Enquanto filosofia, é uma investigação transversal de todos os conceitos morais 
envolvidos no conflito prático. Inevitavelmente, isso exige uma análise multidisciplinar de todas as 
ciências cabíveis ao conhecimento de tais necessidades e interesses. Mas, para Vázquez, a ética é 
uma ciência ocupada em pesquisas sistemáticas, metódicas e, no limite do possível, comprováveis. 
Opõe-se ele, portanto, à sua classificação como parte da filosofia. Erro do autor, em minha opinião, 
em considerar que a filosofia moral é um saber puramente especulativo ou dedutivo, “divorciada da 
ciência e da própria realidade humana moral”1. Seja como for, há também aqueles, como Desidério 
Murcho2 que desconsideram inclusive as distinções teóricas entre os conceitos “moral” e “ética”. 
Nas palavras de Vázquez, na obra citada:Assim como os problemas teóricos morais não se identificam com os problemas práticos, 
embora estejam estritamente relacionados, também não se podem confundir a ética e a moral. 
A ética não cria a moral. Conquanto seja certo que toda moral supõe determinados princípios, 
normas ou regras de comportamento, não é a ética que os estabelece numa determinada 
comunidade. A ética se depara com uma experiência histórico-social no terreno da moral, ou 
seja, com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar a 
essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da 
avaliação moral, a natureza e a função dos juízos morais, os critérios de justificação destes 
juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes sistemas morais. A ética é a 
teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Ou seja, é ciência de 
uma forma específica de comportamento humano. (p. 12) 
 
• Por que a ética/moral não formula juízos de valor absolutos e atemporais? 
Sendo a ética um estudo do comportamento moral em relação às reais necessidades e 
interesses sociais, todo valor absoluto seria uma agressão cultural e histórica. Essa tentativa teórica, 
ainda que seja feita, não seria efetiva, seria algo inútil ou falsa, porque se afastaria da realidade 
concreta que deve explicar. 
 
• De que forma os pressupostos morais definem a “normalidade” dos valores sociais? 
Um certo valor social é considerado como um comportamento normal (isto é, que segue as 
normas) ao confirmar os valores e comportamentos morais pré-estabelecidos e assegurados 
culturalmente. 
 
• O que são valores? 
Os valores são qualidades que indicam as expectativas, as aspirações que caracterizam o 
homem em seu esforço de transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica. Como tal, marcam 
aquilo que dever ser em contraposição àquilo que é. Para efeito de esclarecimento sobre duas ações 
morais distintas, defino pelo termo “valorar” a competência genial ou o esforço de criar, inventar 
uma nova concepção de valor, revelando enorme grandeza ética capaz da crítica e superação da 
cultura vigente. Diferentemente, “valorizar” é a atitude de acrescentar importância ou interesse ao 
valor já preexistente no juízo, alterando-se a intensidade sem inovação do conceito de valor. 
 
• Quais as diferenças e semelhanças entre a moral e o direito? 
 
 
1 Op. Cit. p 16. 
2 "Ética" e "moral" outra vez. In: http://www.criticanarede.com/eticaemoral.html, de 25 de julho de 2005 – 20:00h. 
Veja também: Moral e Ética segundo Desidério, in: http://www.criseecritica.oi.com.br/critico_moral_e_etica.htm, de 
25 de julho de 2005 – 20:00h. 
 6 
MORAL DIREITO 
- Acontece por adesão íntima; - Não exigem adesão íntima; 
- Não é codificada oficialmente; - É formalmente publicada por leis e códigos; 
- Regula relações vitais para a sociedade; - Regula relações vitais para a sociedade; 
- Várias normas morais numa complexa, mas 
única sociedade; 
- Um único sistema jurídico para toda a mesma 
complexa sociedade; 
- A ampliação da força da esfera moral reduz proporcionalmente a necessidade da esfera do direito. 
 
• Quais os critérios constituintes do agente ou do sujeito moral com os quais poderíamos 
julgar eticamente o indivíduo? 
Resumidamente, podem ser apresentados em três aspectos, quais sejam: 
 
1. Ser consciente de si e dos outros – isto é, reconhecer no outro o mesmo direito da 
experiência moral. Exige-se, deste modo, reflexão no autoconhecimento e alteridade3. A respeito, 
vale citar Luiz Signates, inspirado no pensamento de Emmanuel Lévinas, esclarecendo as quatro 
condições éticas para uma efetiva alteridade: 
 
1. Não indiferença. O outro jamais é anulado ou cai no vazio da indiferença social. Ao 
contrário, sua presença constitui acontecimento relevante, diante do qual o eu se coloca de pé, 
pronto para a relação solidária. 
2. Aceitação da diferença. O outro é reconhecido enquanto tal, e não submetido aos 
conceitos aprioristicamente construídos pelo eu. O elemento definidor da alteridade é, 
justamente, a estranheza, o desconhecimento e a infinitude do outro. Tal estranheza, em um 
contexto de solidariedade, poderá sempre ser manifesta, sem implicar em guerra entre os 
sujeitos em interação. 
3. Doação/concessão/espera. O eu se faz sempre disponível a entregar-se, exercendo 
autonomamente uma heteronomia empática que, no entanto, não o torna escravo do outro nem 
elimina a identidade que lhe assegura essa autonomia. A empatia significa um deixar-se levar 
por exercício da própria vontade, em relação ao outro e às suas necessidades e carências. 
4. Aprendizado/mudança. Ciente de que ninguém sai ileso de uma interação solidária, o eu 
se distingue pela disponibilidade para o aprendizado com o outro, na medida em que 
identifica no reconhecimento da diferença, enquanto lugar do desconhecido, o espaço do 
aprendizado possível e, portanto, da mudança. 
Observe-se que a solidariedade, enquanto comunicação plena, se inicia não no eu, mas no 
outro. Isso não implica, entretanto, uma heteronomia, no sentido de perda da identidade do eu, 
diante do império avassalador da diferença alheia. De forma alguma. O gesto solidário é 
sobretudo um ato de autonomia, mas trata-se uma autonomia típica, que se faz responsável 
pelo outro, que escolhe o respeito infinito pela diferença que o torna outro e se interessa 
sobretudo pela interação que lhe proporcione felicidade e paz. O gesto solidário é o ato de 
amor, cuja capacidade altruísta modifica as relações sociais de forma a fundar a convivência 
não violenta e pacífica. 
 
2. Ter vontade própria, livre e autônoma – o que significa dizer que nossas vontades são 
plurais e não poucas vezes contraditórias entre si, exigindo-nos controle das paixões. Razão disso, 
respeitar nossa própria vontade é não atender qualquer vontade que possuímos, mas apenas aquelas 
que, por consequência, nos tornaria autônomos. Isso implica separar os conceitos de “livre-arbítrio” 
e “liberdade”. O primeiro trata sobre a ausência de impedimentos para escolhas a serem feitas (livre 
de), enquanto no segundo caso afirma-se uma escolha tal que garantiria o exercício do livre-arbítrio 
e aumentaria ainda mais a inteligência e a força de decisão (livre para), ante a ação desejada. A 
exemplo, uma pessoa sem vícios químicos que, por livre-arbítrio, escolhesse usar cocaína, perderia 
 
3, Luiz Signates é Jornalista. Prof. Doutor da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de 
Goiás. In: http://www.irc-espiritismo.org.br/arquivos/pv070100.doc, em 26/07/2005, às 23:00h. 
 7 
total ou parcialmente a liberdade, por haver tornado dependente de algo que não sua própria 
vontade. Ao contrário, uma pessoa que tenha conquistado certa autonomia – a capacidade de 
sobrepor os impulsos irracionais contrários à independência de pensamento e ação – não apenas 
escolhe entre alternativas como também, antes de se decidir, avalia criticamente as opções que se 
lhe oferecem. Uma vontade livre e autônoma seleciona e formula suas alternativas. 
 
3. Ser responsável – quaisquer pessoas adultas, em condições normais é capaz de avaliar, 
nalgum alcance, os efeitos ou consequências das ações que pratica, em relação a si mesmo e aos 
outros, e responder por eles. Etimológica e moralmente, ser responsável difere do sentido de ser 
culpado. O primeiro implica em dar resposta a um problema ocorrido na busca de uma resolução, 
voltando-se a consciência e esforços para o conhecimento da(s) causa(s) originária(s) com fins de 
tratamento, o quanto possível também dos efeitos. Na impossibilidade de modificá-los ou evitá-los, 
resta ao ético pelo menos a exigência de uma nova ação decorrente,acrescida de humildade e 
aprendizagem. Reconhecer nossa finitude é ser devidamente humano. Se não podemos voltar atrás e 
fazer um novo começo, devemos, entretanto, seguir adiante e fazer um novo fim. Na culpa não há 
essa intenção pedagógica ou reparadora do mal cometido. Ao contrário, é uma falta voluntária a um 
princípio moral consciente, com fixação no passado, no erro. No autoculpado fica o ódio a si 
mesmo e na culpabilidade alheia resta não mais que o desejo da vingança. 
 
Sobre os três critérios apresentados é importantíssimo dizer que não podem ser 
adequadamente compreendidos por uma condenação reducionista que afirmaria sermos totalmente 
éticos ou totalmente antiéticos. Há sobre toda ação moral uma graduação relativa e proporcional em 
aspectos de passividade e atividade daqueles três aspectos àcima, para que se melhor julgue a 
consciência ética, assim exemplificada: 1. uma criança que, brincando maldosamente, envenene 
com medicamentos quaisquer encontrados em casa, mate um colega seu, sem saber que o veneno 
era mortal, mas sabendo que seria nocivo, é menos anti-ético que outra criança que, fazendo o 
mesmo, no entanto tenha sabido do poder real do veneno. Ambos assumiram perversamente o risco 
da morte, mas o primeiro foi menos passivo que o segundo, por ter menor consciência e vontade 
correspondente; logo, menor responsabilidade. Se, no entanto, a primeira criança citada foi instruída 
a ler bulas de remédios, a fim de se evitar males menores ou mesmo a morte, mas negligenciou a 
prudência, então, neste caso é tão irresponsável quanto a segunda criança que já sabia 
antecipadamente da letalidade do medicamento. 2. Uma simples ação moralmente ética feita por um 
leigo de bom coração é – em tese – menos ativa que a mesma ação feita por um professor de ética, 
“igualmente” de bom coração, já que no segundo caso o grau de consciência intencional daqueles 
três critérios é – hipoteticamente – muito maior. 
Acrescentando ao que foi dito no parágrafo anterior, a fim de se ajuizar nas devidas 
dimensões, com uma reflexão ao alcance da problemática moral investigada, há um campo ético de 
julgamento que se divide em duas instâncias, quais sejam: 
 
I. No pólo subjetivo da consciência, quando se trata de uma avaliação individual de pessoas, com 
as opções: a) vontade passiva e b) vontade ativa. Este se aplica aos três critérios acima. 
II. No pólo sociológico da cultura, no que se refere à análise dos valores, enquanto abstrações 
conceituais despersonalizadas, instituições, civilizações etc. Aqui se pesquisam as exigências 
históricas de valores à maneira como cada sociedade e ou grupos nela inseridos definem para si 
mesmas o que é bem e o mal. 
 
• Quais os critérios éticos de justificação moral com os quais poderíamos julgar as 
estruturas, abstrações teóricas, as instituições despersonalizadas, os valores culturais 
etc? 
Para Adolfo Sánchez Vázquez há cinco critérios fundamentais que não consideram a norma 
moral absoluta, sobre-humana ou intemporal, e sim como um produto humano que somente existe e 
se justifica como nexo mútuo de relações sociais, práticas, lógicas, científicas e dialéticas. Equivale 
 8 
a dizer, que um valor moral sustentável, isto é, para ser válido eticamente, reivindica possuir as 
seguintes qualidades: 
 
1. Justificação social e dialética – é necessário que toda e qualquer norma corresponda de fato às 
autênticas necessidades sociais em vigor. Na falta de uma exigência imediata ou potencial de 
realização, nascida dos interesses da comunidade, será nula, porque sem forças. As regras morais só 
regulam os comportamentos efetivos do contexto humano concreto. Qualquer noção de progresso 
moral se justifica apenas quando está inserido num processo histórico da humanidade muito bem 
contextualizado. Logo, uma norma moral se justifica dialeticamente quando contém aspectos que, 
no processo ascensional moral, se integram em num novo nível numa moral superior. Um convívio 
cada vez mais complexo e paradoxal, imbricando-se indivíduos, grupos, sociedades e civilizações, 
reclama a necessidade democrática de diálogo e, senão entendimento, aceitação das diferenças. 
 
2. Justificação prática e lógica – todo ato concreto exige condições reais para o seu cumprimento. 
Havendo estes, conseqüentemente justifica-se uma norma para tais condições. A inexistência das 
condições práticas pode legitimar uma certa norma que, se existissem aquelas condições seria 
imoral. Porque as normas não existem isoladamente, mas fazendo parte de um conjunto 
sistematizado, constituindo um certo código moral comunitário, é claro que não pode haver 
contradições impeditivas que invalidem seu exercício prático. Não é ético um código cujas normas 
secundárias são anuladas com uma outra regra fundamental ou com o valor implícito em torno dos 
quais se articulam todo o código. 
 
3. Justificação científica – as normas que regulam as relações humanas se não forem amparadas 
pelos vários conhecimentos científicos existentes, pelo menos não devem entrar em contradição 
com os conhecimentos científicos já muito bem comprovados; salvo por futura invalidação, também 
fundamentada, destes. Do contrário, forças sociais dominantes poderiam validar injustiças bizarras 
(como o racismo, o machismo, o misticismo mágico e violento etc) em flagrante retrocesso 
histórico. 
 
Leitura Complementar I 
 
O DANO MORAL E SUA REPARAÇÃO 
 
Valdir Francisco de Oliveira 
Advogado e Professor da UNIC 
 
http://www.consulex.com.br/consulexnet_read.asp?id=1&idd=1845 
Categoria: Doutrina, Data: 1/8/2005 
 
 
1 – INTRODUÇÃO 
 
O dano moral ao longo do tempo sempre foi acompanhado de acirradas discussões, em razão 
do tema revestir-se de extrema complexidade, dado tratar-se de bens não visíveis, palpáveis, 
avançando no campo dos sentimentos da pessoa humana. 
O vocábulo dano deriva do latim damnum, significando genericamente todo mal ou ofensa 
que tenha sofrido uma pessoa, do qual resulta uma diminuição na sua esfera patrimonial. 
Já a moral possui raízes mais antigas, tendo em vista ter recebido influência da filosofia 
grega. Para os gregos, a moral era concebida como ciência geral das ações humanas, e prevalecia 
sobre o direito, que era visto apenas como parte das atividades humanas.1 
Essa noção pouco clara da moral influenciou a idéia de ético no Direito Romano e perdurou 
no tempo, dificultando uma melhor definição do instituto, que, na concepção de De Plácido e silva, 
 9 
se diz da ofensa ou violação que não vem ferir os bens patrimoniais, propriamente ditos, de uma 
pessoa, mas os seus bens de ordem moral, tais sejam os que se referem à sua liberdade, à sua honra, 
à sua pessoa ou à sua família.2 
São bens inerentes à pessoa, motivo pelo qual também se os denominam bens da 
personalidade, implicando que uma lesão que os atinge, na verdade atinge o próprio indivíduo, 
acarretando desconforto íntimo, como a angústia, a tristeza, a perda da alegria de viver. 
Assim, o dano moral é, na verdade, a repercussão negativa provocada no indivíduo, em 
razão de violação aos seus bens ideais, conforme doutrina mais atualizada. 
Valdir Florindo, após salientar as dificuldades quanto à definição do instituto e a variedade 
de conceitos existentes, o define como: 
...aquele decorrente de lesão à honra, à dor-sentimento ou física, aquele que afeta a paz interior do 
ser humano, enfim, ofensa que cause um mal, com fortes abalos na personalidade do indivíduo.3 
Para Gabriel Saad, o dano moral é: 
...uma lesão ao patrimônio de valores e idéias de uma pessoa, tendo como pressuposto a dor, o 
sofrimento moral causado por ato ilícito ou pelo não cumprimento do ajustado contratualmente.4 
Segundo Wilson de Melo da Silva,a característica fundamental do dano moral é a dor, 
tomado o vocábulo em sua lata expressão, abrangendo tanto a dor-física ou de sensações, como a 
dor-sentimento ou de emoções. A primeira resulta de uma lesão material, ofendendo a integridade 
dos tecidos do indivíduo, ao passo que a dor-sentimento decorre de uma causa não-material, 
puramente de idéias. 
Salienta ainda que a fisiologia e a psicologia não estabelecem diferenciações para elas, salvo 
no tocante às suas causas, concluindo que: 
Nas dores-sensações o agente físico externo, agindo diretamente sobre os tecidos, provocaria 
de formas diversas e em diversos graus, sensações dolorosas. nas dores-sentimento são as idéias 
que, desencadeando, notadamente, fenômenos de vasoconstrição, determinam, no indivíduo, a 
dolorosa sensação dos sofrimentos íntimos, da depressão moral, da angústia.5 
Temos assim uma clara noção do dano moral, que muitas vezes se confunde com a própria 
lesão, mas que na verdade é o resultado provocado que reclama reparação. A lesão é causada ao 
patrimônio ideal do ser humano, aos bens ligados à sua personalidade, sem repercussão de cunho 
material, mas provoca-lhe dor ou emoções negativas. Este desconforto pessoal, que leva à 
morbidez, à apatia, à desilusão da vida é que requer reprovação da ordem jurídica e reclama 
reparação. 
 
2 – A RESPONSABILIDADE CIVIL 
 
A responsabilidade civil, especialmente no âmbito dos direitos morais, constitui um 
fenômeno jurídico de extrema relevância e atualidade, que vem despertando a cada dia maiores 
debates e preocupações nos estudiosos do direito: primeiro, em razão da importância que se vem 
conferindo aos bens ditos da personalidade ou extrapatrimoniais; de outra parte, em virtude dos 
riscos quanto ao desvirtuamento do instituto, de ser transformado na chamada indústria das 
indenizações. 
Para melhor compreensão, necessário se faz uma análise da questão nos seus diversos 
aspectos, antes de chegar ao ponto da discussão a que se propõe o presente estudo, relacionado ao 
dano moral. 
Carlos Alberto Bittar afirma que uma ordem jurídica justa se assenta no princípio de que a 
ninguém se deve lesar. Mas uma vez assumida determinada atitude pelo indivíduo, vindo a causar, 
de forma injusta, dano a outrem, deve o autor arcar com o ônus relativo, tendo por fim recompor o 
direito lesado, ou pelo menos compensar os efeitos do dano, fazendo-se, por outro lado, pesar sobre 
o lesante a resposta prevista na ordem jurídica.6 
E essa resposta dada pela ordem jurídica deve ter por fim não somente recompor ou 
compensar o patrimônio do lesado, aplacando-lhe o sentimento de vingança, mas também servir de 
 10 
lição e de desestímulo ao ofensor, coibindo novas práticas ilícitas e buscando, assim, o objetivo 
maior do direito, que é manter a paz e a harmonia no grupo social. 
Observa-se que um dos pressupostos ao direito à reparação é a ilicitude do ato, ou seja, a 
necessidade de que o ato praticado seja lesivo ao patrimônio juridicamente protegido de outrem, 
como defende Américo Luís Martins da Silva ao afirmar que “ato ilícito é aquele que, praticado 
sem direito, causa dano a outrem, seja uma omissão ou uma comissão.”7 
Portanto, o ato aqui considerado é não só aquele praticado pelo agente, mas também o que 
tinha por dever jurídico praticar, mas que, omitindo-se, causou prejuízo a outrem. 
Assim, a responsabilidade civil pode ser entendida como a obrigação de alguém assumir as 
consequências jurídicas de seus atos, quando estes se verificarem não-somente contrários à lei, mas 
também ilícitos, repercutindo de forma negativa no patrimônio material ou moral de alguém. 
Essa noção possui origens no Direito Romano, tendo em vista que foi através da Lei Aquilia 
que se cristalizou a idéia de reparação pecuniária do dano, retirando-se o ônus da pessoa do ofensor 
e fazendo-o recair sobre o seu patrimônio, além de trazer a noção de culpa como fundamento da 
responsabilidade, isentando o agente que não contribuiu com culpa à ocorrência do fato.8 
Pela responsabilidade civil, portanto, em cometendo o ilícito, o agente fica obrigado a 
reparar o dano, repondo as coisas ao seu status quo ante, ou, em se verificando a impossibilidade, 
indenizando o lesado no equivalente. 
É de observar que a responsabilidade civil, fundamentada no elemento culpa, impõe como 
pressuposto à sua ocorrência a conjugação de três fatos ou circunstâncias indispensáveis, 
consubstanciados na ação ou omissão do agente, na ocorrência do dano e no elo de causalidade 
entre essa ação ou omissão e o dano. 
Chama a atenção José de Aguiar Dias para a correta noção do termo responsabilidade, 
assinalando ser ela: 
...termo complementar de noção prévia mais profunda, qual seja, o de dever, de obrigação. ... é, 
portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse dever 
ou obrigação.9 
A preocupação doutrinária é no sentido de aclarar a exata noção do termo responsabilidade, 
o qual somente se materializa se antecedido de um dever ou uma obrigação não cumprida, o que 
plenamente se justifica ante a confusão que normalmente paira em torno da questão, ensejando 
interpretações equivocadas e pretensões infundadas. 
Nesse sentido também Américo Luís Martins, para o qual: 
...a responsabilidade civil reserva sua atenção para o dano causado; tem, pois, a finalidade de 
satisfazer a necessidade de ressarcimento dos prejuízos sofridos e de equilíbrio patrimonial e 
espiritual.10 
É importante recordar que a responsabilidade civil teve como fonte a teoria do ato ilícito, 
sendo acrescida posteriormente por outros fatos geradores detectados na sua evolução, o que deu 
origem a duas vertentes distintas, sendo estas a subjetiva e a objetiva.11 
A teoria subjetiva funda-se no elemento culpa como pressuposto para a obrigação de 
reparação de dano e foi adotada pelo direito pátrio, encontrando previsibilidade no novo Código 
Civil, em seu artigo 186, que corresponde ao artigo 159 do antigo Código Civil de 1916, há pouco 
revogado. 
Segundo Lúcio Rodrigues de Almeida, a palavra culpa encontra-se inserida no seu sentido 
lato, indicando não só a culpa stricto sensu como também o dolo.12 
Traduz-se a culpa na desobediência, pelo agente, de um dever jurídico anteriormente 
existente. O autor do dano, embora sem a intenção deliberada de causar prejuízo a outrem, age com 
imprudência, negligência ou imperícia, e acaba por provocar um resultado danoso. No dolo já se 
verifica a intenção deliberada e consciente, por parte do agente, de causar o dano a outrem. 
Já a teoria objetiva encontra seu fundamento no risco criado em razão do exercício de 
alguma atividade perigosa, como a utilização de máquinas, veículos, objetos e utensílios outros, ou 
seja, quando a atividade desenvolvida, por sua natureza, implicar em risco para os direitos de 
outrem.13 
 11 
A culpa foi por um longo período o único fundamento da responsabilidade civil, com base 
na corrente teórica subjetivista, que reconhecia responsabilidade ao autor do dano somente se 
restasse provado que este agiu com culpa ou dolo. Obedecia às regras de que inexiste 
responsabilidade sem culpa provada ou presumida do agente; o autor do dano somente era 
responsabilizado se comprovado ter o mesmo agido de forma negligente, imprudente, com 
imperícia ou dolo; o dano havia que se revestir de ilicitude e apenas o sujeito culpado podia ser 
responsabilizado. 
Esse sistema prevaleceu durante a época em que se consagrava ao indivíduo a máxima 
liberdade para contratar e plena liberdade de agir, baseada na concepção econômica do laissez-faire, 
que predominou nos séculos XVIII e XIX. 
A Revolução Industrial, com a introdução das máquinas no sistema de produção, agravandoos riscos para a integridade física da pessoa, trouxe profundas modificações sociais, passando a ser 
questionados os fundamentos teóricos e práticos da concepção individualista e subjetivista, tendo 
em vista que impossibilitava a reparação quando o dano decorria de uma atividade lícita ou fato 
produzido por coisa. 
A indústria inseriu no contexto do trabalho forças motrizes que, a par de ter contribuído 
decisivamente para a produção em grande escala, elevou de forma assustadora o risco da atividade 
laboral, passando a produzir vítimas diárias, aumentando o perigo à saúde e à vida no trabalhador, 
fenômeno que teve importante influência sobre a evolução do fundamento da responsabilidade 
civil.14 
Significou, em realidade, uma evolução social que levou à modificação do conceito teórico 
da responsabilidade civil de origem romana, baseada na culpa, nascendo a teoria da 
responsabilidade objetiva, fundada no risco, “que no campo da indústria recebe o nome de teoria do 
risco profissional”.15 
A culpa, no que diz respeito à evolução do fundamento da responsabilidade civil, permanece 
não mais como único e exclusivo pressuposto para a obrigação de se reparar o dano, convivendo ao 
seu lado o risco, no qual a responsabilidade deixa de ser sanção a uma regra de comportamento, 
para ter parâmetro no fato material causador do dano. 
Assim, num primeiro momento, para um melhor entendimento do presente estudo, os 
elementos caracterizadores da responsabilidade civil podem ser resumidos em: responsabilidade 
civil subjetiva, caracterizada pela conduta dolosa ou culposo do agente, onde há que se constatar o 
dano real ou concreto e o nexo de causalidade ligando a conduta do agente e o dano verificado; e 
responsabilidade civil objetiva, em que se verifica apenas o dano real ou concreto, e o nexo de 
causalidade entre a conduta do agente e o dano ocorrido. 
Feitas essas considerações iniciais, importa passar à análise do instituto que compõe o tema 
abordado, ou seja, dos diversos aspectos de que se reveste o dano, para então chegar ao ponto 
quanto à sua repercussão no âmbito moral. 
 
3 – O DANO 
 
O dano constitui o principal elemento no âmbito da responsabilidade civil, em vista da 
importância que reveste a sua configuração para a conseqüente obrigação de reparação, como 
também ganha importância a identificação do seu dimensionamento, objetivando a justa 
compensação. 
O vocábulo dano possui sentido abrangente, significando estrago, deterioração ou 
danificação, comportando ou não reparação, conforme definição trazida pelo Dicionário Aurélio.16 
Adverte Carlos Alberto Bittar, ao discorrer sobre os danos reparáveis, que há necessidade de 
se afastar do contexto destes os danos justos, ou seja, aqueles definidos no direito objetivo, “e 
aqueles provenientes de força da natureza ou do acaso”, tais como os decorrentes de força maior ou 
de caso fortuito, desde que não venham acompanhados de ações humanas lesivas.17 
E mesmo com relação aos danos dito justos, ou aqueles decorrentes de fenômenos naturais 
ou do acaso, a distinção dos demais danos passíveis de reparação torna-se bastante tormentosa, em 
 12 
razão da tênue barreira que os separa, dificultando sobremaneira, em determinados casos, a 
comprovação da licitude do ato e a não culpabilidade do agente. 
Para Augusto Zenum, o dano, tanto o decorrente de um contrato não cumprido como aquele 
fundado na culpa, em resultando de ato ilícito, para ser reparado há necessidade de uma efetiva 
correspondência de diminuição do patrimônio ou ofensa do bem juridicamente protegido do 
indivíduo, por culpa ou dolo do agente.18 
O patrimônio aqui assinalado abrange não só os bens materiais, mas também aqueles 
pertinentes à esfera íntima do indivíduo, não importando a autoria do dano. 
Nesse sentido, Américo Luís Martins ao afirmar que “quando se fala em dano, o que se quer 
significar é o resultado da lesão ou da injúria sobre o patrimônio moral ou material.”19 
José de Aguiar Dias traz definição de Fischer, para dar uma noção da amplitude em que 
pode ocorrer o dano, considerando-o não só na sua acepção jurídica, como também na vulgar. 
Salienta que a vulgar, embora produza dano, não interessa do direito pela simples razão de 
se impossibilitar qualquer punição. Assim, somente o dano que implica obrigação de indenizar 
interessa ao estudo da responsabilidade civil.20 
Afirma Cleyton Reis que: 
...o dano deve ser considerado como uma lesão a um direito, que produza imediato reflexo no 
patrimônio material ou imaterial do ofendido, de forma a acarretar-lhe a sensação de perda.21 
Observamos aqui um maior delineamento do dano reparável, acentuando como pressuposto 
à sua ocorrência, além da violação de uma norma jurídica, a caracterização do prejuízo, mesmo aos 
bens extrapatrimoniais. Esclarece ainda o mesmo autor que: 
...o dano é uma lesão ao nosso interesse legítimo. Por sua vez, a preservação do nosso patrimônio, 
seja ele de natureza material seja imaterial, é um dever do Estado. Para isto, a norma assegura à 
vítima o direito à reparação ou compensação dos prejuízos verificados. E todo esse arcabouço 
jurídico-institucional decorre do vetusto princípio romano, sedimentado na regra do neminem 
leadere – não causar prejuízo a ninguém.22 
O princípio jurídico originário do Direito Romano, de que a ninguém se deve lesar, 
incorporado às normas do moderno direito, impõe reparação a lesões a qualquer dos bens 
juridicamente protegidos, inadmitindo, inclusive, argumentação acerca da impossibilidade de 
mensuração pecuniária, como no caso dos danos extrapatrimoniais. 
Nesse sentido posiciona-se Lúcio Rodrigues de Almeida, ao examinar a matéria à luz do 
revogado Código Civil de 1916, através dos critérios que vinha fixado no artigo 1.553, a que 
remetia o artigo 159: 
Em todos os casos não contemplados nos dispositivos que regulam a liquidação do dano, 
cabe a liquidação por arbitramento. Isso quer dizer que o Código não admite que se deixe de reparar 
o dano sob pretexto de que não ficou provado o seu quantum.23 
O atual Código Civil, em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003, modificou o critério para a 
fixação do valor da reparação, já que, através do que preceitua o artigo 946, afastou o simples 
arbitramento do valor da indenização para determinar que esta seja apurada por meio dos critérios 
delineados na lei processual, ou seja, na forma prevista nos artigos 603 a 611 do CPC, que trata da 
liquidação da sentença.24 
Não obstante, com relação à responsabilidade civil, o artigo 186 do novo Código Civil 
praticamente reproduziu o artigo 159 do antigo Código, ao dispor que: 
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e 
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 
Segundo Américo Luís Martins, violar direito é atentar injusta e ilicitamente contra qualquer 
bem juridicamente protegido, enquanto causar prejuízo é prejudicar, lesar, danificar, diminuir de 
valor, estragar. Dessa concepção, salienta, extrai-se o princípio segundo o qual o dano só tem 
relevância jurídica como fato consumado, isto é, como resultado final de um processo cujas 
circunstâncias benéficas (atenuantes) ou prejudiciais (agravantes) foram levadas em 
consideração.25 
 13 
Mas dano, em princípio, é entendido no seu amplo sentido, sendo, portanto mais acertada a 
corrente doutrinária que considera o dano não só na sua acepção jurídica, como também na vulgar, 
não obstante, como salienta José de Aguiar Dias, a vulgar, embora produza dano, não interessa ao 
direito pela simples razão de se impossibilitar qualquer punição. 
Portanto, dano corresponde a toda e qualquer lesão a bem material ou imaterial do 
indivíduo, ou seja, prejuízoque se verifica na dimensão física ou espiritual do ser humano e 
também nos seus bens materiais. 
 
4 – DANOS REPARÁVEIS E NÃO-REPARÁVEIS 
 
Mas nem todo dano enseja reparação, havendo necessidade, para uma melhor acepção do instituto, 
distinguir os danos reparáveis dos não-reparáveis que, por tais motivos, desinteressam ao direito. 
Com efeito, os danos decorrentes de caso fortuito ou força maior, ou ainda os que 
constituem dano justo na forma do direito normatizado, não são passíveis de reparação, já que, de 
um lado, a danificação é proveniente da ação autorizada pelo direito, como se verifica nos casos de 
legítima defesa, destruição de coisa para remoção de perigo e outras situações previstas pelo 
ordenamento jurídico e, de outro lado, os danos decorrentes da atuação exclusiva do acaso ou do 
próprio lesado, como na hipótese de terremoto, tempestades, enchentes, raios, tentativa de suicídio 
etc.26 
Já os danos reparáveis verificam-se naqueles que provocam lesão no patrimônio 
juridicamente protegido da pessoa, seja por ação ou omissão direta de alguém, ou ainda de terceiro 
responsável pela coisa, sendo que o patrimônio aqui considerado abrange os bens de ordem material 
e imaterial ou moral. 
No entanto, cumpre assinalar, nesta parte, que os danos reparáveis sofrem desdobramento 
ante a sua repercussão no âmbito patrimonial ou moral, ou seja, afastando-se os danos não-
reparáveis, os danos reparáveis avançam em duas vertentes distintas, na medida em que atingem 
bens pessoais juridicamente protegidos, podendo dar-se, na esfera patrimonial, o chamado dano 
patrimonial, e, na esfera psíquica ou imaterial do indivíduo, o que se denomina dano moral. 
 
4.1 – DANO PATRIMONIAL 
 
No seu sentido jurídico, patrimônio envolve o conjunto de bens, direitos ou obrigações de 
natureza econômica, ou seja, aqueles que podem ser reduzidos a valor pecuniário. 
Para Clayton Reis, que prefere a denominação de “material”, o dano nessa esfera afeta 
exclusivamente os bens concretos que compõem o patrimônio do lesado.27 
Assim, podemos entender como dano patrimonial ou material aquele que produz 
repercussão negativa nos bens como unidade de valor, podendo ser verificado e mensurado 
mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e aquele que 
possivelmente existiria se o dano não houvesse ocorrido. 
Essa concepção pressupõe idéia de prejuízo. Dano e prejuízo são termos muitas vezes 
tratados com sinônimos, mas que, na verdade, correspondem a coisas distintas, dificultando a exata 
noção de reparação. 
Como alerta Augusto F. M. Ferraz de Arruda, para a caracterização da responsabilidade civil 
subjetiva não basta apenas o dano, sendo necessário acrescentar mais um elemento, 
consubstanciado no prejuízo econômico, já que nem sempre o dano significa prejuízo. Dano e 
prejuízo são coisas distintas.28 
Essa distinção pode ser facilmente percebida em razão da possibilidade de ser perfeitamente 
possível ocorrer um dano material, mesmo decorrente de culpa de outrem, sem que gere 
consequências econômicas negativas para aquele que o experimentou, ou seja, prejuízo. 
Ora, se a reparação pressupõe violação de direito e a ocorrência de dano em razão de ação 
ou omissão voluntária, negligente ou imprudente de outrem, evidentemente constituem estes 
 14 
elementos que se inserem em um contexto mais amplo, abrangendo outras hipóteses não passíveis 
de reparação, em que se deixou de materializar os elementos oriundos da vontade humana. 
Portanto, para a caracterização da responsabilidade civil de âmbito patrimonial, no caso da 
ocorrência de dano material, há que ser este efetivamente demonstrado, comprovando-se a redução 
patrimonial do sujeito em razão do fato lesivo apontado. 
 
4.2 – DANO MORAL OU IMATERIAL 
 
O dano moral ou imaterial é conceituado geralmente por exclusão ao dano material, ou seja, 
como a lesão de interesse não-patrimonial ou lesão ao conjunto de tudo que é insuscetível de valor 
econômico. É a definição de dano moral na sua forma negativa. 
Assim Wilson Melo da Silva, ao afirmar que: 
Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu 
patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o 
conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.29 
Também Augusto Zenum afirma que: “Dano moral, também denominado imaterial, é o que 
se dá em bem jurídico não material integrante do bem patrimonial”.30 
O patrimônio é aqui considerado no seu sentido amplo, ou seja, não abrange apenas as 
coisas de utilidades passíveis de serem reduzidas a valores pecuniários, mas alcança também os 
bens morais, que igualmente se constituem um patrimônio, inclusive mais valioso do que o 
simplesmente material. 
Por exclusão ou negativa quanto ao patrimônio material, é, portanto, moral todo dano que 
neste não tiver repercussão e, por consequência, não puder ser avaliado pecuniariamente, tendo em 
vista que atinge bens que refletem no direito imaterial, provocando perturbações anímicas na 
pessoa. 
Mas a doutrina procura conceituar o dano moral também de forma positiva, como sendo a 
ofensa aos direitos da personalidade, conforme conceito trazido por Brebbia, ao asseverar que 
ontologicamente dano moral é a ofensa aos direitos da personalidade.31 
Assim também o entendimento trazido por Carlos Alberto Bittar, ao afirmar que: 
Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano 
valorativo da pessoa na sociedade, em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como 
tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da 
consideração pessoal), ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive a tua (o da reputação 
u da consideração social).32 
Observa-se que o objeto do direito nos danos morais é o valor da pessoa. São os direitos 
ditos da personalidade, inerentes ao próprio ser, que, uma vez atingidos, refletem-se no seu titular 
na forma de sensações físicas ou psíquicas que a doutrina denomina, de modo genérico, de dor. 
O dano é traduzido no desequilíbrio do titular do direito, em razão da lesão que se verificou 
nos seus bens personalíssimos. 
Nesse sentido, alerta Wilson Melo da Silva: 
E para que facilmente os reconheçamos, basta que se atente, não para o bem sobre que 
incidiram, mas, sobretudo, para a natureza do prejuízo final. Seu elemento característico é a dor, 
tomado o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos quanto 
os morais propriamente ditos.33 
Mais acertada, no entanto, a definição trazida por augusto Zenun: 
...o dano moral não corresponde à dor, em si e por si, mas ressalva os efeitos maléficos marcados 
pela dor, pelo sofrimento, que invade e domina a alma, provocando apatia, morbidez mental, 
deixando marcas indeléveis no ofendido.34 
A personalidade aqui é considerada na sua forma abrangente, no ser como um todo, 
alcançando a pessoa quanto aos seus direitos relativos à integridade física, psíquica e moral. 
Lesões em qualquer destas dimensões provocam desequilíbrios na pessoa, que se traduzem 
em sentimentos ou sensações negativas. Na integridade física, as lesões vulneram o corpo físico 
 15 
como um todo ou o seu regular funcionamento, danificando a aparência e desvalorizando a imagem 
da pessoa, ou ainda, incapacitando-a para as atividades laborais e para os prazeres da vida. No plano 
psíquico, a consequência é a alienação mental, afetando o relacionamento da pessoa com o mundo. 
E, dependendo da gravidade, pode leva-la à incapacidade total, tornando-a um ser humano inútil. 
No âmbito moral, a danificação observa-se no caráter, nas virtudes, nas forçaspositivas e tudo o 
que dignifica e fortalece a existência da pessoa.35 
O dano aqui tratado atinge a pessoa como unidade, em qualquer das suas dimensões, 
inclusive no conceito que a partir desta projeta-se no meio social. E como o dano moral não é, em 
si, lesão aos bens imateriais, mas o prejuízo final, o que importa em realidade é a alteração do 
estado de consciência da pessoa, decorrente das emoções negativas experimentadas. 
Bem esclarece nesta parte Wilson Melo da Silva, ao discorrer sobre a dor, que, segundo a 
escola fisiológica, esta se diferencia dos prazeres apenas por uma inversão de fenômeno fisiológico. 
A partir da representação mental do fato lesivo, desencadeiam-se descargas nervosas no indivíduo, 
que “incidem sobre os centros e nervos vasoconstritores e, por consequência, a circulação afrouxa, 
o vigor físico deprime-se, a contração muscular fica débil ou se paralisa. O estado de consciência 
provocado por todas estas modificações fisiológicas é, então, desagradável: o tom da emoção é, 
neste caso, a dor.”36 
Marcius Geraldo Porto esclarece quanto à importância da consciência com relação ao 
fenômeno jurídico do dano moral, afirmando que: 
A idéia central é deslocar o foco de atenção, em vez de estabelecer certos danos morais em 
virtude de centenas de valores sempre controvertidos na sociedade e entre os indivíduos, fixa-los 
com base no exame de como se processa a ofensa no cérebro e na consciência.37 
A importância de se inserir a consciência como objeto de proteção reside na idéia de melhor 
dimensionar a extensão dos danos morais, visando sua identificação e quantificação reparatória, 
inclusive a partir de avaliação pericial técnica especializada. 
É importante assinalar, ainda, posição doutrinária parcialmente contrária à tese, que observa 
divisão no dano moral de forma não só subjetiva como também objetiva, conforme Arnaldo 
Marmitt, ao alinhar que: 
O dano moral objetivo atinge a dimensão imaterial do cidadão no meio social em que vive e 
trabalha, maculando-lhe a figura perante o público. O dano moral subjetivo relaciona-se ao mal 
sofrido pela pessoa na sua subjetividade, na sua intimidade pessoal. Fere valores internos da 
personalidade, provocando sofrimentos intransferíveis, mas reparáveis de forma mais integral 
possível.38 
Entendemos, no entanto, com o devido respeito às posições divergentes que a definição 
distancia-se da real natureza do dano moral, que não se perfaz na lesão em si, mas no seu resultado 
final, como bem alerta Wilson Melo quando afirma que, mesmo o menoscabo, por exemplo, pelo 
bom nome da pessoa perante a sociedade, terá como resultado final sentimentos negativos 
provocados naquele indivíduo cujo nome restou lesionado. 
A reparação ou a compensação do dano há que ser no sentido de restaurar o conceito da 
pessoa ou indeniza-la no que baste para recompor-lhe a paz interior, proporcionando-lhe outros 
benefícios ou prazeres da vida, no sentido de atenuar os sofrimentos, no entendimento da melhor 
doutrina. 
 
5 – CONCLUSÃO 
 
Concluindo, podemos entender o dano moral como aquele que lesiona direitos da 
personalidade – aqui considerada como abrangente da esfera física, psíquica e moral do ser humano 
– cuja ocorrência provoca dores-sensações ou dores-sentimentos, levando os indivíduos a incorrer 
em desequilíbrios íntimos. 
O dano moral, portanto, deve ser reparado na forma prevista na lei processual, conforme 
prevê o novo Código Civil, no seu artigo 946. 
 16 
 
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Saad, Teresinha Lorena Pohlmann. Responsabilidade Civil da Empresa nos Acidentes do Trabalho, 
São Paulo, LTr., 1999. 
Saad, Eduardo Gabriel. Dano Moral, suplemento trabalhista, São Paulo, LTr., nº 138, 1995, p. 853-
855. 
Silva, Américo Luís da. O Dano Moral e a sua Reparação, 1. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 
1999. 
Silva, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999. 
Zenun, Augusto. Dano Moral e sua Reparação, 6. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997. 
 
NOTAS 
 
1 José Cretella Júnior. Curso de Direito Romano, p. 24. 
2 Silva, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 9. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1986. 
3 Valdir Florindo. Dano Moral e o Direito do Trabalho, p. 41. 
4 Eduardo Gabriel Saad. Dano Moral e o Acidente de Trabalho, Suplemento Trabalhista, LTr., 
138/95, p. 853-855. 
5 Wilson Melo da Silva. O Dano Moral e sua Reparação, p. 332. 
6 Carlos Alberto Bittar. Reparação Civil por Danos Morais, p. 21. 
7 Américo Luís Martins da Silva. O Dano Moral e a sua Reparação Civil, p. 14. 
8 Teresinha L. Pohlmann Saad. Responsabilidade Civil da Empresa nos Acidentes de Trabalho, p. 
25. 
9 José de Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil, p. 7. 
10 Luís Martins da Silva. O Dano Moral e a sua Reparação, p. 21. 
11 Carlos Alberto Bittar. Reparação Civil por Danos Morais, p. 16. 
12 Lúcio Rodrigues de Almeida. O Dano Moral e a Reparação Trabalhista, p. 38. 
13 Arnaldo Marmitt. Dano Moral, p. 31. 
14 Teresinha L. Pohlmann Saad. Responsabilidade Civil da Empresa nos Acidentes de Trabalho, p. 
29. 
15 Teresinha L. Pohlmann Saad. op. cit., p. 31. 
16 Aurélio Buarque de Olanda Ferreira. Novo Dicionário Aurélio, p. 519. 
17 Carlos Alberto Bittar. Reparação Civil por Danos Morais, p. 30. 
18 Augusto Zenum. Dano Moral e sua Reparação, p. 68. 
19 Américo Luís Martins da Silva. O Dano Moral e sua Reparação Civil, p. 25. 
20 José de Aguiar Dias. Da Responsabilidade Civil, p. 703-706. 
21 Cleyton Reis. Avaliação do Dano Moral, p. 4. 
 17 
22 Cleyton Reis, op. cit., p. 8. 
23 Lúcio Rodrigues de Almeida. O Dano Moral e a Reparação Trabalhista, p. 47 e ss. 
24 Ricardo Fiúza. Novo Código Civil Comentado, São Paulo, Saraiva, p. 844. 
25 Américo Luís Martins. O Dano Moral e a sua Reparação Civil, p. 47-48. 
26 Carlos Alberto Bittar. Reparação Civil por Danos Morais, p. 31. 
27 Cleyton Reis, Dano Moral, op. cit., p. 8. 
28 Augusto F. M. Ferraz de Arruda. Dano Moral puro ou Psíquico, p. 11. 
29 Wilson Melo da Silva. O Dano Moral e sua Reparação, p. 1. 
30 Augusto Zenum. Dano Moral e sua Reparação, p. 101. 
31 Roberto H. Brebbia apud Ronaldo Alves de Andrade. Dano Moral à Pessoa e sua Valoração, p. 
9. 
32 Carlos Alberto Bittar. Reparação Civil por Danos Morais, p. 45. 
33 Wilson Melo da Silva. O Dano MOral e sua Reparação, p. 1 e 2. 
34 Augusto Zenum. Dano Moral e sua Reparação, p. 1. 
35 Arnaldo Marmitt. Dano Moral, p. 22. 
36 Wilson Melo da Silva. O Dano Moral e sua Reparação, p. 334. 
37 Marcius Geraldo Porto de Oliveira. Dano Moral, Proteção Jurídica da Consciência, p. 22. 
38 Arnaldo Maermitt. Dano Moral, p. 23. 
 
 
___________________________________________________________ 
 
Leitura Complementar II 
 
ANEXO I – Ver o artigo: A Indústria do dano moral. In: Revista Jurídica 
Consulex, ano VIII,no. 189, 30 de novembro de 2004. 
 
__________________________________________________ 
 
3. IDEOLOGIA 
 
 Há vários sentidos para a palavra ideologia. Em sentido amplo, é o conjunto de idéias, 
concepções e opiniões sobre algum ponto sujeito a discussão. Em sentido restrito, pejorativo, 
ideologia é o conjunto de idéias e concepções sem fundamento, mera análise ou discussão oca de 
idéias abstratas que não correspondem a fatos reais. 
Segundo Marilena Chauí, filósofa paulista, “A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e 
coerente de representações (idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e 
prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem 
valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e 
como devem faze. Portanto, ela é um corpo explicativo (representações) e prático (normas, regras, 
preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função é dar aos membros de uma 
sociedade dividida em classes uma explicação racional para as diferenças sociais, políticas e 
culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões 
na esfera da produção. Pelo contrário, a função da ideologia é a de apagar as diferenças como de 
classes e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento da identidade social, encontrando 
certos referenciais identificadores de todos e”. Para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a 
Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado”. Marilena Chauí, O que é ideologia?, p. 113. 
Fundamentalmente, a ideologia é um corpo sistemático de representações e de normas que nos 
“ensinam” a conhecer e a agir. 
A ideologia tem como função assegurar uma determinada relação dos homens entre si e com 
suas condições de existência, adaptando os indivíduos às tarefas prefixadas pela sociedade. 
 18 
Portanto, a ideologia assegura a coesão dos homens e a aceitação sem críticas das tarefas mais 
penosas e pouco recompensadoras, em nome de “vontade de Deus” ou do “dever moral” ou 
simplesmente como decorrente da “ordem natural das coisas”. A Ideologia é um mascaramento da 
realidade social que permite a legitimação da exploração e da dominação. Por intermédio dela, 
tomamos o falso por verdadeiro, o injusto por justo. 
 É interessante observar que não se trata de uma “mentira” que os indivíduos da classe 
dominante “inventam” para subjugar a classe dominada. Também eles sofrem a influência da 
ideologia, o que lhes permite exercer como natural sua dominação, aceitando como universais os 
valores específicos de sua classe. 
Essa universalidade das idéias e dos valores é abstrata porque na realidade concreta o que 
há são classes particulares com interesses divergentes, e a ideologia de uma “sociedade harmoniosa 
e una” oculta a divisão de classes. Portanto, a universalização e a abstração supõem uma lacuna ou 
o ocultamento de alguma coisa que não pode ser explicitada sob pena de desmascaramento da 
ideologia. Isto é, sob o aparecer da ideologia existe uma realidade concreta que precisa ser 
descoberta pela análise da gênese (origem) do processo, ou seja, pela verificação de como a 
realidade foi produzida. Universais são entidades genéricas que abrigam relações sociais 
específicas. Exemplos: Pátria, Família, Estado, Igreja, Nação. 
Por exemplo, quando se diz que “o trabalho dignifica o homem”, estamos diante de um 
conceito ideológico, na medida em que se trata: 
 
• De uma abstração, já que o trabalho se apresenta como uma “idéia de trabalho”, e a análise da 
situação concreta e particular da realidade histórico-social em que os operários realizam seu 
trabalho mostra exatamente o contrário: o embrutecimento e a coisificação do homem, e não de sua 
dignidade. 
• De uma lacuna, pois, analisando a gênese do trabalho assalariado, descobrimos a mais-valia e, 
portanto, o componente que leva à alienação do homem e à diferença de condição de vida das 
pessoas na “comunidade”. 
 
 Outro exemplo: “A educação é um direito de todos” (e até um dever, já que há 
obrigatoriedade legal de se completar o curso primário). Essa afirmação é abstrata e lacunar, pois 
apresenta como universal um valor que beneficia apenas uma classe. Quando observamos as 
estatísticas que mostram a evasão e o baixo índice de freqüência escolar por parte das classes 
desfavorecidas, são comuns as “explicações” em função das dificuldades de adaptação, do mercado 
de trabalho e até do desinteresse ou preguiça. O que está oculto aí é que na sociedade de classes há 
uma contradição entre os que produzem a riqueza material e cultural com seu trabalho e os que 
usufruem essas riquezas, excluindo delas os produtores. 
Assim sendo, a educação é um dos bens a serem usufruídos pelos componentes da classe 
dominante. A educação aparece como um direito de todos, mas, analisando a gênese da produção e 
usufruto dos bens, descobre-se que de fato a educação está restrita a uma classe. 
 Além disso, a ideologia mostra uma realidade invertida, ou seja, o que seria a origem da 
realidade é posto como produto e vice-versa. Por exemplo, a ideologia burguesa afirma que existem 
nos homens diferenças individuais e que estas determinam a desigualdade social: a desigualdade 
natural seria a causa da desigualdade social. Ora, a sociedade (na visão de Marx) é na verdade 
resultado da práxis, e as desigualdades sociais estabelecidas pela divisão do trabalho e pelas 
relações de produção é que determinam (são causas) as desigualdades individuais. Não estamos 
querendo desconsiderar as diferenças que de fato existem entre os indivíduos, como interesses, 
aptidões, inteligência. Mas, grosso modo, a atividade a que cada um se submete aparece como 
decorrente da competência e não como resultado da divisão de classes (lembremos ainda que a 
própria divisão de classes não deve ser vista como um “dado” inicial, mas como o resultado da 
práxis). 
 Mais um exemplo: se um filho de operário não melhora o padrão de vida, isto é explicado 
como resultado da sua incompetência, falta de força de vontade ou disciplina de trabalho, quando na 
 19 
realidade ele joga um “jogo de cartas marcadas”, e suas chances de melhorar não dependem dele, 
mas da classe que detém os meios de produção. 
 A realidade ainda nos aparece invertida pela ótica da Ideologia, quando ouvimos dizer: 
“fulano não aprende porque não é inteligente”, quando a verdadeira causa é a desnutrição e o 
próprio sistema escolar, inadequado às crianças das classes desprivilegiadas. 
 Outra inversão própria da ideologia é a maneira pela qual se estabelecem as relações entre 
teoria e prática, colocando a teoria como superior à prática, porque a antecede e “ilumina”. As 
idéias tornam-se autônomas e causa da ação humana (e não o contrário). 
 Essa divisão hierárquica entre o pensar e o agir se encontra também na dicotomia da 
sociedade em um segmento que se dedica ao trabalho intelectual e outro, ao trabalho manual. Uma 
classe “sabe pensar”; a outra “não sabe pensar” e só executa. Portanto, uma decide, porque sabe, e a 
outra obedece. Idéias advindas do Taylorismo, quando necessitavam de majorar a exploração do 
proletariado. A ideologia de Taylor procura destruir a consciência de classe social. Alienando cada 
vez mais seu modo de ser, pensar e agir, para que estes homens não mais se organizassem para 
reivindicar seus direitos. Com a alienação, a fetichização da mercadoria e a reificação do homem, 
estes não se reconhecem como parte da natureza, nem como produtores dos objetos, nem como 
seres humanos. Assimilam-se como engrenagens de uma grande máquina social em funcionamento 
e, por isso, torna-se difícil identificar a origem dos males que afligem o mundo, na atualidade: a 
fome, a deterioraçãoambiental, a competitividade excessiva, o individualismo, a miséria, a falta de 
ética, entre outros. 
 Vivemos a época do domínio material sobre o humano. É o reinado das coisas 
“humanizadas”; damos vida a entidades sociais e dizemos: “A nação está mobilizada”; “O povo foi 
enganado”; “O Brasil ganhou a copa do Mundo”; “A pátria foi ultrajada”. 
 Como já se disse anteriormente, segundo Marx e Engels, em suas análises sobre a evolução 
das sociedades, observaram que o que existe, desde os primórdios da humanidade, 
fundamentalmente, é um antagonismo de classes, entre ricos e pobres. De um lado, O poder 
Econômico, os ricos, se servem de outros poderes, para manter sua dominação e sua riqueza, como 
o poder Ideológico e o poder Político, que não deixa de ser um mero aparato ideológico, do qual se 
serve a classe dominante, para manter seus privilégios. Sem falarmos no poder religioso, o longo 
período de dominação da Igreja Católica na Idade Média retrata bem isto, aos pobres resignação e a 
espera de uma vida melhor no céu, e os próprios confessionários que surgiram para evitar revoltas 
populares, sendo apresentados como o caminho único para o perdão divino aos nossos pecados. 
 Com todas essas Ideologias dominantes os pobres jamais perceberiam as verdadeiras razões 
de suas condições e jamais se rebelariam contra a ordem vigente, permitindo assim a perpetuação 
do domínio de uma classe sobre outra. A peculiaridade da ideologia e que a transforma numa força 
quase impossível de remover decorre dos seguintes aspectos: 
 
1) O que torna a ideologia possível, isto é, a suposição de que as idéias existem em si e por 
si mesmas desde toda a eternidade, é a separação entre trabalho material e trabalho intelectual, ou 
seja, a separação entre trabalhadores e pensadores. Portanto, enquanto esses dois trabalhos 
estiverem separados, enquanto o trabalhador for aquele que “não pensa” ou que “não sabe pensar”, 
e o pensador for aquele que não trabalha, a ideologia não perderá sua existência nem sua função; 
2) O que torna objetivamente possível a ideologia é o fenômeno da alienação, isto é, o fato 
de que, no plano da experiência vivida e imediata, as condições reais de existência social dos 
homens não lhes apareçam como produzidas por eles, mas, ao contrário, eles se percebem 
produzidos por tais condições e atribuem a origem da vida social a forças ignoradas, alheias às suas, 
superiores e independentes (deuses, Natureza, Razão, Estado, destino, etc.) 
3) A ideologia nasce para fazer com que os homens creiam que suas vidas são o que são em 
decorrência da ação de certas entidades (a Natureza, os deuses ou Deus, a Razão ou a Ciência, a 
Sociedade, o Estado) que existem em si e por si e às quais é legítimo e legal que se submetam. 
Por exemplo, quando se diz que o trabalho dignifica o homem e não se analisam as 
condições reais de trabalho, que brutalizam, entorpecem, exploram certos homens em benefícios de 
 20 
uns poucos. Estamos diante da Idéia de trabalho e não diante da realidade histórico-social do 
trabalho. 
Ou, então, na ideologia capitalista burguesa, quando se diz que os homens são livres por 
natureza e que exprimem essa liberdade pela capacidade de escolher entre coisas ou entre situações 
dadas, sem que se analise que coisas e em quais situações são dadas para que os homens escolham. 
Quem dá as condições para a escolha? Todos podem realmente escolher o que desejarem? O 
trabalhador, que não possui nada além de sua força de trabalho para vender, tem família e filhos 
para alimentar, escolhe onde vai trabalhar, quanto vai ganhar e em que condições? O nordestino, 
vítima da seca e do proprietário das terras, realmente “escolhe” vir para o sul do país? Escolhe viver 
na favela? O peão metalúrgico “escolheu” livremente fazer horas-extras depois de 12 horas de 
trabalho? A menina grávida que teme as sanções da família e da sociedade “escolhe” fazer um 
aborto? A definição da liberdade como igual direito à escolha é a idéia burguesa da liberdade e não 
a realidade histórico-social da liberdade. 
Ao separar os homens em proprietários e não proprietários, a divisão social do trabalho, dão 
aos primeiros poder sobre os segundos. Estes são explorados economicamente e dominados 
politicamente. Estamos diante de classes sociais e da dominação de uma classe por outra. Ora, a 
classe que explora economicamente só poderá manter seus privilégios se dominar politicamente e, 
portanto, se dispuser de instrumentos para essa dominação. Esses instrumentos são dois: o Estado e 
a Ideologia. 
Através do Estado, a classe dominante monta um aparelho de coerção e de repressão social 
que lhe permite exercer o poder sobre toda a sobre toda a sociedade, fazendo-a submeter-se às 
regras políticas. O grande instrumento do Estado é o Direito, isto é, o estabelecimento das leis que 
regulam as relações sociais em proveito dos dominantes. Através do Direito, o Estado aparece como 
legal, ou seja, como “Estado de direito”. 
O papel do Direito ou das leis é o de fazer com que a dominação não seja tida como uma 
violência, mas como legal, e por ser legal e não violenta deve ser aceita. A lei significa direito para 
o dominante e dever para o dominado. Ora, se o Estado e o Direito fossem percebidos nessa sua 
realidade, isto é, como instrumentos para o exercício consentido da violência, evidentemente ambos 
não seriam respeitados e os dominados se revoltariam. A função da ideologia consiste em impedir 
essa revolta fazendo com que o legal apareça para os homens como legítimo, isto é, como justo e 
bom. Assim, a ideologia substitui a realidade do Estado pela idéia do Estado – ou seja, a dominação 
de uma classe é substituída pela idéia de interesse geral encarnado pelo Estado. E substitui a 
realidade do Direito pela idéia do Direito – ou seja, a dominação de uma classe por meio das leis é 
substituída pela representação ou idéias dessas leis como legítimas, justas, boas e válidas para 
todos. 
A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de todas 
as classes sociais, se tornam idéias dominantes, de modo que a classe que domina no plano material 
(econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das idéias). Isto significa que: 
 
1) Embora a sociedade esteja divida em classes e cada qual devesse ter suas próprias idéias, 
a dominação de uma classe sobre as outras faz com que só sejam consideradas válidas, verdadeiras 
e racionais as idéias da classe dominante; 
2) Para que isto ocorra, é preciso que os membros da sociedade não se percebam como 
estando divididos em classes, mas se vejam como tendo certas características humanas comuns a 
todos e que tornam as diferenças sociais algo derivado ou de menor importância; 
3) Para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas características 
supostamente comuns a todos, é preciso que elas sejam convertidas em idéias comuns a todos. Para 
que isto ocorra é preciso que a classe dominante, além de produzir suas próprias idéias, também 
possa distribuí-las, o que é feito, por exemplo, através da educação, da religião, dos costumes, dos 
meios de comunicação disponíveis. 
Todos esses procedimentos consistem naquilo que é a operação intelectual por excelência da 
ideologia: a criação de universais abstratos, isto é, a transformação das idéias particulares da classe 
 21 
dominante em idéias universais de todos e para todos os membros da sociedade. Essa 
universalidade das idéias é abstrata porque não corresponde o nada real e concreto. Visto que no 
real existem concretamente classes particulares e não a universalidade humana. As idéias da 
ideologia são, pois, universais abstratos. 
 
 
4. O conceito de legalidade 
 
Segundo Norberto Bobbio em seu Dicionáriode Política, entende-se por legalidade um 
atributo e um requisito do poder, exercido no âmbito próprio ou em conformidade com a lei. O 
contrário de um poder legítimo é um poder de fato, assim como o contrário de um poder legal é um 
poder arbitrário. Fala-se em legitimidade quando se trata do que é legal, ou também, quando diz 
respeito à ação justa (no entanto, é importante salientar que nem tudo que é legal é justo e legítimo). 
O princípio de Legalidade tolera o exercício discricionário do poder, mas exclui o exercício 
arbitrário, entendendo-se por exercício arbitrário todo ato emitido com base numa análise e num 
juízo estritamente pessoal da situação. 
 O princípio de legalidade é considerado como um dos pilares do Estado moderno 
constitucional, também chamado de Estado de Direito. Esse procedimento advém da tradição 
jurídica segundo a qual se especulava sobre os princípios da política e das formas de governo. O 
pensamento que faz o pano de fundo dessa tradição está ligado ao ideal da isonomia legal, a 
igualdade de todos perante a lei – Dogma do bom governo próprio da concepção de estado liberal 
moderno. O lema dessa tese é: “igualdade para todos perante a lei”. 
Um dos temas mais correntes nesse pensamento é a contraposição entre governo das leis e 
governo dos homens: contraposição sempre acompanhada por um juízo de valor permanente pelo 
qual se considera bom governo o submisso às leis e mau governo o ilegal, o tirano que se coloca 
acima das leis. 
No âmbito jurídico, a produção do direito através de leis, isto é, de normas gerais e abstratas, 
possibilita prever as consequências das próprias ações, liberta, pois, da insegurança proveniente de 
uma ordem arbitrária; a aplicação do direito de acordo com leis á a garantia de um tratamento igual 
para todos os que pertencem à categoria definida na lei, liberta, pois, do perigo de existir um 
tratamento preferencial ou prejudicial para este ou aquele indivíduo, este ou aquele grupo, o que 
aconteceria num julgamento casuístico. 
No entanto fica a pergunta: A simples legalidade é garantia efetiva da isonomia? 
 
 
5. O conceito de legitimidade 
 
 Norberto Bobbio compreende como sendo legitimidade, em sentido genérico, aquilo que se 
aproxima do sentido de racionalidade e de justiça (fala-se em legitimidade de uma decisão, de uma 
atitude). Na linguagem política aparece o sentido específico que consiste na idéia de que a 
legitimidade é um atributo do Estado, que consiste na presença, em uma parcela significativa da 
população, de um grau de consenso capaz de assegurar a obediência sem a necessidade de recorrer 
ao uso da força, a não ser em casos esporádicos. É por esta razão que todo poder busca alcançar 
consenso, de maneira que seja reconhecido como legítimo, transformando a obediência em adesão. 
Interessa-nos primeiramente o sentido específico. A crença na legitimidade é o elemento integrador 
na relação de poder que se verifica no âmbito do Estado. 
 Quando o fundamento e os fins do poder são percebidos como compatíveis ou de acordo 
com o próprio sistema de crenças e quando o agir é orientado para a manutenção dos aspectos 
básicos da vida política, o comportamento de indivíduos e grupos pode ser definido como 
legitimação. 
 22 
 A comunidade política é o grupo social, com base territorial congregando pessoas unidas 
pela divisão do trabalho político. No Estado nacional, a crença na legitimidade é caracterizada, de 
modo evidente por atitudes de fidelidade à comunidade política e de lealdade nacional. 
 O regime é o conjunto de instituições que regulam a luta pelo poder e o exercício do poder e 
o conjunto de valores que animam a vida destas instituições. Os princípios das formas de governos 
caracterizaram alguns tipos de instituições e de valores correspondentes, que se caracterizam como 
alicerce da legitimidade. O traço fundamental da legitimidade é o da crença na legalidade. A 
legitimidade se funda na crença de que as normas do regime são legais. 
 No que toca ao governo, este representa um conjunto de papéis pelos quais se realiza o 
poder político. Na definição institucional do poder, para que esse possa ser considerado legítimo 
basta que este se estruture, em conformidade com as normas. E, principalmente, que se submeta às 
normas no exercício do poder. Dessa forma os governos se colocam nos limites dos valores 
fundamentais da vida política. A legitimidade se assenta também na idéia de que as 
instituições tradicionais, consagradas pela vontade popular são verdadeiramente necessárias pelo 
poder que desempenham. 
Os diferentes níveis do processo de legitimação determinam os elementos que se 
caracterizam como ponto de referência obrigatório para orientação de indivíduos e grupos, no 
contexto político. Quando o fundamento e os fins do poder são percebidos como compatíveis ou de 
acordo com o próprio sistema de crenças e quando o agir é orientado para a manutenção dos 
aspectos básicos da vida política, o comportamento de indivíduos e grupos pode ser definido como 
legítimo. 
 
5.1 Legitimidade e Ideologia 
 
 A influência exercida pelo consenso dos membros de uma comunidade política na 
legitimação do Estado seja ele qual for, mesmo o mais democrático, não tem sempre o mesmo peso. 
O povo não é um somatório abstrato de indivíduos, cada qual participando diretamente com igual 
fatia de poder no controle do Governo e no processo de elaboração das decisões políticas, como 
aparenta a ficção jurídica da ideologia democrática. As relações sociais não subsistem entre 
indivíduos totalmente autônomos, mas entre indivíduos inseridos num contexto, que desempenham 
um papel definido pela divisão social do trabalho. Ora, a divisão do trabalho e a luta social e 
política dela decorrente fazem com que a sociedade nunca seja pensada através de representações 
que correspondem à realidade, mas através de uma imagem deformada pelos interesses dos 
protagonistas desta luta (a ideologia), cuja função é a de legitimar o poder constituído. 
 Quando o poder é firme e em condição de desempenhar, de maneira progressista ou 
conservadora, suas funções essenciais (defesa, desenvolvimento econômico, etc.), faz com que seja 
aceita a justificação de seu existir, apelando para determinadas exigências latentes nas massas, e 
com a força de sua própria presença acaba se criando o consenso necessário. Quando, ao contrário, 
o poder está em crise, por sua estrutura ter entrado em contradição com a evolução da sociedade, 
entra em crise também o princípio da legitimidade que o justifica. Nas fases revolucionárias caem 
os véus ideológicos que camuflavam ao povo a realidade do poder, e se manifesta às claras sua 
inadequação para resolver os problemas que amadurecem na sociedade. Fenômenos desta ordem 
acontecem até a hora em que surge um outro poder e, conseqüentemente, um outro princípio de 
legitimidade. A cada tipo de Estado corresponde um diferente tipo de legitimidade. 
 
5.2 O valor da legitimidade 
 
 O consenso em relação ao Estado nunca foi livre, ao contrário, sempre foi, ao menos em 
parte, forçado e manipulado. Nesse contexto a legitimidade se mostra como necessária. 
 O termo legitimidade (termo comum à liberdade, democracia, justiça, etc.) designa, ao 
mesmo tempo, uma situação e um valor de convivência social. A situação a que o termo se refere é 
a aceitação do Estado por um segmento relevante da população; o valor é o consenso livremente 
 23 
manifestado por uma comunidade de homens autônomos e conscientes. O sentido da palavra 
legitimidade não é estático, e sim dinâmico; é uma unidade aberta cuja concretização é considerada 
possível num futuro indefinido e a realidade concreta nada mais seria do que um esboço deste 
futuro. Emcada manifestação histórica da Legitimidade vislumbra-se a promessa, até agora sempre 
incompleta na sua manifestação, de uma sociedade justa, onde o consenso, que dela é a essência, 
possa se manifestar livremente sem a interferência do poder ou da manipulação e sem mistificações 
ideológicas. 
 
6. O Iluminismo e a Filosofia Jurídica de Kant 
 
O desenvolvimento do capitalismo nos séculos XVII e XVIII foi acompanhado pela 
crescente ascensão social da burguesia e sua tomada de consciência como classe social. 
Paralelamente, o racionalismo imperava na Europa, transmitindo a confiança de que a razão era o 
principal instrumento do homem para enfrentar os desafios da vida e equacionar os problemas que o 
rodeavam. O Iluminismo ou século das luzes, foi um movimento que se estendeu dos últimos 
decênios do século XVII aos últimos decênios do século XVIII. Este movimento foi fator 
determinante para a ascensão da burguesia e o processo de “transformação” da sociedade, onde, 
com o comércio, modificaram-se as relações econômicas entre os homens que, de rural, passa a ser 
mercantil e promove a ascensão de uma nova classe social, a burguesia comercial. Este movimento 
intelectual também traduzido como Ilustração, ou ainda Esclarecimento, esteve na base dos ideais 
revolucionários preconizados pela burguesia e retrata a busca por se fazer uso da própria razão sem 
a tutela do dogma religioso, ou de qualquer outro tipo. Os princípios iluministas apoiaram a 
derrubada do antigo regime que tinha no sistema feudal de produção, na monarquia absolutista, na 
autoridade da Igreja e no dogma religioso seu ponto de apoio. Liberdade, Igualdade, Justiça para 
todos, enfim, os ideais democráticos e de pesquisas científicas passaram a ser lemas dos dias. Trata-
se de uma linha filosófica caracterizada pelo empenho de estender a crítica e o guia da razão em 
todos os campos da experiência humana. O Iluminismo promove a defesa da ciência e da 
racionalidade crítica contra a fé, a superstição e o dogma religioso; defesa das liberdades 
individuais e dos direitos do cidadão contra o autoritarismo e o abuso do poder, e tem Kant como 
seu principal representante. Neste sentido, Kant escreveu: “O Iluminismo é a evasão dos homens do 
estado de minoridade atribuível a eles próprios. Minoridade é a incapacidade de servir-se do 
[próprio intelecto sem o guia de um outro. A eles mesmos é atribuível esta minoridade, se sua causa 
não é um defeito do intelecto, mas a falta de decisão e coragem para servir-se dela como guia. 
‘Sapere aude! Tem a coragem de servir-te do teu intelecto’ é o mote do Iluminismo” (O que é 
Esclarecimento?)]. 
 O Iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexos: 
 
1) A extensão da crítica a toda e qualquer crença e conhecimento sem exceção; o que se atribui 
à fé cartesiana na razão e, do outro lado, julga muito mais limitado o poder da razão, pois o 
empirismo inglês dá uma lição de modéstia às pretensões cognoscitivas do homem, ao que Kant 
virá acrescentar que os poderes cognoscitivos humanos, tanto sensíveis, quanto racionais, 
estendem-se até onde se estende o fenômeno, mas não além deste. De outra parte, para este 
movimento, não existem campos privilegiados dos quais a crítica racional deva ser excluída, 
estendendo-a ao campo da religião, da moral e da política. 
2) A realização de um conhecimento que, para ser aberta à crítica, inclua e organize os 
instrumentos para a própria correção; A partir do empirismo admitiu-se que toda verdade 
pode e deve ser colocada à prova, eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. 
O que há de mais importante aqui é que tudo aquilo que estes resultados têm de dogmático, de 
incompleto, de provisório, encontra uma revisão possível no próprio compromisso fundamental 
do Iluminismo de não bloquear em nenhum campo e nível a obra da razão. 
3) O uso efetivo, em todos os campos, do conhecimento assim atingidos com a finalidade de 
melhorar a vida una e associativa dos homens. O Iluminismo não é somente compromisso 
 24 
crítico da razão: é ainda o compromisso de servir-se da razão e dos resultados que ela pode 
conseguir nos vários campos de pesquisa para melhorar a vida particular e associativa de cada 
homem. Este pensamento constitui a personalidade de muitos pensadores iluministas e também 
de empreendimentos como a Enciclopédia que tomaram para si a tarefa da luta contra o 
preconceito e a ignorância. Esta luta, como a luta contra os privilégios, que a Revolução 
francesa empreendeu na base do compromisso iluminístico, tem como seu escopo expresso a 
felicidade ou o bem-estar do gênero humano, atingindo neste aspecto a concepção de tolerância 
e a do progresso. Por um lado exigindo a convivência pacífica de várias confissões religiosas e 
que esta se torne um instrumento do governo, e, por outro, levando à concepção de história 
como progresso, isto é, como possibilidade de melhoria do ponto de vista do saber e dos modos 
e viver humanos. Voltaire, Condorcet, Turgot contribuem mais que os outros para formular a 
noção de um porvir histórico aberto à obra do homem, suscetível de receber o cunho que o 
homem quer lhe dar, o que serviu para subtrair os homens daquele sentido da fatalidade 
histórica que impedia tomar qualquer iniciativa de transformação. Isto confirma que se a 
filosofia quiser e quando quiser tomar para si a tarefa (que já Platão lhe reconhecia) de 
transformar o mundo humano, a atitude iluminista e seus pressupostos fundamentais são as 
primeiras condições desta tarefa. 
 
O significado do Iluminismo consiste no fato de haver aberto à crítica domínios que até aquele 
momento lhe eram fechados e por haver iniciado em tais domínios um trabalho eficaz que não tem 
sido desde então interrompido. 
A atitude crítica própria do Iluminismo está em sua hostilidade para com a Tradição. Na 
tradição, o Iluminismo vê uma força hostil que mantém vivas crenças e preconceitos que é sua 
obrigação destruir. Para os Iluministas ‘Tradição’ e ‘Erro’ coincidiam. Esse comportamento 
permitiu-lhes livrar-se dos potentes impedimentos que a tradição impunha à livre pesquisa e de 
alcançar novos conceitos, a partir da independência de crenças e preconceitos no reconhecimento e 
na avaliação dos fatos. 
Segundo análise de Lucien Goldman, os valores fundamentais defendidos pelo Iluminismo 
podem ser relacionados com a principal atividade econômica da burguesia, representada pelo 
comércio. São eles: 
 
1) Igualdade Jurídica – No ato de comércio, como, por exemplo, a compra e venda, todas as 
eventuais desigualdades sociais entre compradores e vendedores não são essenciais. Na compra 
e venda, o que efetivamente importa é a igualdade jurídica dos participantes do ato comercial. 
Assim, o Iluminismo defendia a igualdade jurídica de todos perante a lei. Todos seriam cidadãos 
com direitos básicos, embora com diferentes situações socioeconômicas. 
2) Tolerância religiosa ou filosófica – Para a realização do ato comercial, não tem a menor 
importância às convicções religiosas ou filosóficas das pessoas. Do ponto de vista econômico, 
seria irracional, absurdo, o processo de compra e venda somente entre pessoas da mesma 
religião ou filosofia. Seja muçulmano, judeu, cristão ou ateu, a capacidade econômica de um 
indivíduo não depende de suas crenças religiosas ou filosóficas. Por isso, a burguesia assumiu a 
defesa da tolerância. 
3) Liberdade pessoal e social – O comércio só pode se desenvolver numa sociedade onde as 
pessoas estejam livres para realizar seus negócios. A burguesia, então, posicionou-se contra a 
escravidão da pessoa humana. Pois sem homens livres, recebendo salários, não pode haver 
mercado comercial. 
4) Propriedade privada – O comércio também só é possível entre pessoas que detenhama 
propriedade de bens ou de capitais, pois a propriedade privada confere ao proprietário o direito 
de usar e dispor livremente do que lhe pertence. Assim, a burguesia passou a defender o direito 
à propriedade privada, que se tornou essencial à sociedade capitalista. 
 
Lucien Goldmann, La Ilustración y la sociedad actual (Cotrim, 1996: 171). 
 25 
 
 Os pensadores iluministas foram, sem dúvida, “ideólogos da burguesia”. Vejamos alguns 
dos principais expoentes desse período: 
 
5) Montesquieu (1689-1755) – Jurista francês que escreveu O espírito das leis. Nessa obra, 
defende a separação dos poderes do Estado em Legislativo, Executivo e Judiciário como forma 
de evitar abusos dos governantes e de proteger as liberdades individuais. Dizia que a “lei é uma 
relação necessária que decorre da natureza das coisas”. 
6) Voltaire (1694-1778) – Um dos mais famosos pensadores do Iluminismo, com seu estilo 
literário irônico e vibrante destacou-se pelas críticas que fazia ao clero católico, à intolerância 
religiosa e à prepotência dos poderosos. / Em termos políticos, não era propriamente um 
democrata, mas defensor de uma monarquia respeitadora das liberdades individuais, governada 
por um soberano esclarecido. / Tornou-se marcante sua posição em defesa da liberdade de 
pensamento, através de sua célebre frase: Posso não concordar com nenhuma das palavras que 
você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las. 
7) Diderot (1713-1784) e D’Alembert (1717-1783) – Foram os principais organizadores de uma 
enciclopédia de 33 volumes, que pretendia resumir os principais conhecimentos da época nos 
campos científico e filosófico. Essa obra contou com a colaboração de numerosos autores, entre 
os quais destacam-se Buffon, Montesquieu, Turgot, Condorcet, Voltaire, Holbach e Rousseau. / 
A Enciclopédia exerceu grande influência sobre o pensamento político burguês, defendendo, em 
linhas gerais, o racionalismo, a independência do Estado em relação à Igreja e a confiança no 
progresso humano através das realizações científicas e tecnológicas. 
8) Rousseau (1712-1778) – Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça, transferindo-se 
para a França em 1742, onde escreveu suas grandes obras. Entre elas podemos destacar Do 
contrato social, na qual expõe a tese de que o soberano deve conduzir o Estado segundo a 
vontade geral de seu povo, sempre tendo em vista o atendimento do bem comum. Somente esse 
Estado, de bases democráticas, teria condições de oferecer a todos os cidadãos um regime de 
igualdade jurídica. / Em outra de suas importantes obras, o Discurso sobre a origem da 
desigualdade entre os homens, Rousseau glorifica os valores da vida natural e ataca a 
corrupção, a avareza e os vícios da sociedade civilizada. Faz inúmeros elogios à liberdade de 
que desfrutava o selvagem, na pureza do seu estado natural, contrapondo-o à falsidade e ao 
artificialismo do homem civilizado. Foi dessas idéias que nasceu o mito do “bom selvagem”. / 
Rousseau tornou-se célebre como defensor da pequena burguesia e inspirador dos ideais que 
estariam presentes na Revolução Francesa. 
9) Adam Smith (1723-1790) – Foi o principal representante do liberalismo econômico e autor do 
Ensaio sobre a riqueza das nações. Criticou a política mercantilista, baseada na intervenção do 
Estado na vida econômica. Para ele, a economia deveria ser dirigida pelo jogo livre da oferta e 
da procura de mercado (laissez-faire). / Segundo Adam Smith, o trabalho em geral representa a 
verdadeira fonte de riqueza para as nações, devendo ser conduzido pela livre iniciativa dos 
particulares. E, por fim, 
10) Kant – Para abordarmos a questão do Iluminismo, optamos por um texto de Immanuel Kant. 
Kant nasceu em Königsberg (na Prússia oriental – cidade da qual jamais se ausentara) em 22 de 
abril de 1724, de família pobre, pertencente à seita protestante dos pietistas, da qual recebeu 
profunda educação religiosa. Cursou a universidade de sua cidade natal, dedicando-se 
especialmente à filosofia e às ciências naturais. Criou um edifício filosófico no qual encontram 
lugar, como componentes essenciais, elementos comuns derivados do clima espiritual da época: 
o racionalismo, o empirismo e o iluminismo. Morreu em 12 de fevereiro de 1804. 
 
Kant foi um dos maiores pensadores de todos os tempos. A genialidade e a novidade de seu 
pensamento consistem, dentre outros fatores, no reconhecimento da importância da razão prática e 
das faculdades instintivas, revalorizadas assim depois do iluminismo, e ainda na tentativa de 
constituir uma doutrina moral, baseando-a não em fatores extrínsecos, mas exclusivamente no valor 
 26 
absoluto da lei interior. Seu texto: Resposta à Pergunta: Que é “Esclarecimento”? (Aufklärung), 
escrito em 1783 nos proporcionará uma ampla visão das principais questões da época, bem como 
permitirá dar seqüência a uma análise de seu pensamento na seguinte ordem: 
 
1) A idéia de autonomia da razão, a partir da questão “O que é Aufklärung?” 
2) Definição do juízo moral, a partir do “Imperativo Categórico” 
3) Definição de Direito e sua relação com a moral. 
 
______________________________________________________ 
 
Leitura Complementar III 
 
Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento (Aufklärung)? 
Immanuel KANT 
 
Esclarecimento [<Aufklärung>] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio 
é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro 
indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta 
de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de 
outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do 
esclarecimento [<Aufklärung>]. 
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois 
que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), 
continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que 
explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. 
Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem 
consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso 
esforçar-me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros 
se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade 
(inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, 
porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem 
primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas 
criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as 
encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este 
perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de 
algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em 
geral para não fazer outras tentativas no futuro. 
É difícil, portanto para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele 
se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz 
de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. 
Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou antes, do abuso, de seus 
dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz 
de dar um salto inseguro mesmo sobreo mais estreito fosso, porque não está habituado a este 
movimento livre. Por isso são muitos poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do 
próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura. 
Que, porém um público se esclareça [<aufkläre>] a si mesmo é perfeitamente possível; mais 
que isso, se lhe for dada a liberdade, é quase inevitável. Pois se encontrarão sempre alguns 
indivíduos capazes de pensamento próprio, até entre os tutores estabelecidos da grande massa, que, 
depois de terem sacudido de si mesmos o jugo da menoridade, espalharão em redor de si o espírito 
de uma avaliação racional do próprio valor e da vocação de cada homem em pensar por si mesmo. 
O interessante nesse caso é que o público, que anteriormente foi conduzido por eles a este jugo, 
obriga-os daí em diante a permanecer sob ele, quando é levado a se rebelar por alguns de seus 
 27 
tutores que, eles mesmos, são incapazes de qualquer esclarecimento [<Aufklärung>]. Vê-se assim 
como é prejudicial plantar preconceitos, porque terminam por se vingar daqueles que foram seus 
autores ou predecessores destes. Por isso, um público só muito lentamente pode chegar ao 
esclarecimento [<Aufklärung>]. Uma revolução poderá talvez realizar a queda do despotismo 
pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, porém nunca produzirá a verdadeira 
reforma do modo de pensar. Apenas novos preconceitos, assim como os velhos, servirão como 
cintas para conduzir a grande massa destituída de pensamento. 
Para este esclarecimento [<Aufklärung>], porém nada mais se exige senão LIBERDADE. E 
a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer um uso 
público de sua razão em todas as questões. Ouço, agora, porém, exclamar de todos os lados: não 
raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, mas exercitai-vos! O financista exclama: não raciocinei, 
mas pagai! O sacerdote proclama: não raciocineis, mas crede! (Um único senhor no mundo diz: 
raciocinai, tanto quanto quiserdes, e sobre o que quiserdes, mas obedecei!). Eis aqui por toda a parte 
a limitação da liberdade. Que limitação, porém, impede o esclarecimento [<Aufklärung>]? Qual 
não o impede, e até mesmo favorece? Respondo: o uso público de sua razão deve ser sempre livre e 
só ele pode realizar o esclarecimento [<Aufklärung>] entre os homens. O uso privado da razão 
pode, porém muitas vezes ser muito estreitamente limitado, sem, contudo por isso impedir 
notavelmente o progresso do esclarecimento [<Aufklärung>]. Entendo, contudo sob o nome de uso 
público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto SÁBIO, faz dela diante do 
grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua 
razão em certo cargo público ou função a ele confiado. Ora, para muitas profissões que se exercem 
no interesse da comunidade, é necessário certo mecanismo, em virtude do qual alguns membros da 
comunidade devem comportar-se de modo exclusivamente passivo para serem conduzidos pelo 
governo, mediante uma unanimidade artificial, para finalidades públicas, ou pelo menos devem ser 
contidos para não destruir essa finalidade. Em casos tais, não é sem dúvida permitido raciocinar, 
mas deve-se obedecer. Na medida, porém, em que esta parte da máquina se considera ao mesmo 
tempo membro de uma comunidade total, chegando até a sociedade constituída pelos cidadãos de 
todo o mundo, portanto na qualidade de sábio que se dirige a um público, por meio de obras escritas 
de acordo com seu próprio entendimento, pode certamente raciocinar, sem que por isso sofram os 
negócios a que ele está sujeito em parte como membro passivo. Assim, seria muito prejudicial se 
um oficial, a que seu superior deu uma ordem, quisesse pôr-se a raciocinar em voz alta no serviço a 
respeito da conveniência ou da utilidade dessa ordem. Deve obedecer. Mas, razoavelmente, não se 
lhe pode impedir, enquanto homem versado no assunto, fazer observações sobre os erros no serviço 
militar, e expor essas observações ao seu público, para que as julgue. O cidadão não pode se recusar 
a efetuar o pagamento dos impostos que sobre ele recaem; até mesmo a desaprovação impertinente 
dessas obrigações, se devem ser pagas por ele, pode ser castigada como um escândalo (que poderia 
causar uma desobediência geral). Exatamente, apesar disso, não age contrariamente ao dever de um 
cidadão se, como homem instruído, expõe publicamente suas idéias contra a inconveniência ou a 
injustiça dessas imposições. Do mesmo modo também o sacerdote está obrigado a fazer seu sermão 
aos discípulos do catecismo ou à comunidade, de conformidade com o credo da Igreja a que serve, 
pois foi admitido com esta condição. Mas, enquanto sábio, tem completa liberdade, e até mesmo o 
dever, de dar conhecimento ao público de todas as suas idéias, cuidadosamente examinadas e bem 
intencionadas, sobre o que há de errôneo naquele credo, e expor suas propostas no sentido da 
melhor instituição da essência da religião e da Igreja. Nada existe aqui que possa constituir um 
peso na consciência. Pois aquilo que ensina em decorrência de seu cargo como funcionário da 
Igreja, expõe-no como algo em relação ao qual não tem o livre poder de ensinar como melhor lhe 
pareça, mas está obrigado a expor segundo a prescrição de um outro e em nome deste. Poderá dizer: 
nossa igreja ensina isto ou aquilo; estes são os fundamentos comprobatórios de que ela se serve. 
Tira então toda utilidade prática para sua comunidade de preceitos que ele mesmo não 
subscreveria com inteira convicção, em cuja apresentação pode, contudo se comprometer, porque 
não é de todo impossível que em seus enunciados a verdade esteja escondida. Em todo caso, porém, 
pelo menos nada deve ser encontrado aí que seja contraditório com a religião interior. Pois se 
 28 
acreditasse encontrar esta contradição não poderia em sã consciência desempenhar sua função, teria 
de renunciar. Por conseguinte, o uso que um professor empregado faz de sua razão diante de sua 
comunidade é unicamente um uso privado, porque é sempre um uso doméstico, por grande que seja 
a assembléia. Com relação a esse uso ele, enquanto padre, não é livre nem tem o direito de sê-lo, 
porque executa uma incumbência estranha. Já como sábio, ao contrário, que por meio de suas obras 
fala para o verdadeiro público, isto é, o mundo, o sacerdote, no uso público de sua razão, goza de 
ilimitada liberdade de fazer uso de sua própria razão e de falar em seu próprio nome. Pois o fato de 
os tutores do povo (nas coisas espirituais) deverem ser eles próprios menores constitui um absurdo 
que dá em resultado a perpetuação dos absurdos. 
Mas não deveria uma sociedade de eclesiásticos, por exemplo, uma assembléia de clérigos, 
ou uma respeitável classe (como a si mesma se denomina entre os holandeses) estar autorizada, sob 
juramento, a comprometer-se com certo credo invariável, a fim de por este modo de exercer uma 
incessante supertutela sobre cada um de seus membros e por meio dela sobre o povo, e até mesmo a 
perpetuar essa tutela? Isto é inteiramente impossível, digo eu. Tal contrato, que decidiria afastar 
para sempre todo ulterior esclarecimento [<Aufklärung>] do gênero humano, é simplesmente nulo e 
sem validade, mesmo que fosse confirmado pelo poder supremo, pelos parlamentos e pelos mais 
solenes tratados de paz. Uma época não pode se aliar e conjurar para colocar a seguinte em um 
estado em que se torne impossível para esta ampliar seus conhecimentos (particularmente os mais 
imediatos) purificar-se dos erros e avançar mais no caminho do esclarecimento [<Aufklärung>]. 
Isto seria um crime contra a natureza humana, cuja determinação original consiste precisamente 
neste avanço. E a posteridade está, portantoplenamente justificada em repelir aquelas decisões, 
tomadas de modo não autorizado e criminoso. Quanto ao que se possa estabelecer como lei para um 
povo, a pedra de toque está na questão de saber se um povo se poderia ter ele próprio submetido a 
tal lei. Seria certamente possível, como se à espera de lei melhor, por determinado e curto prazo, e 
para introduzir certa ordem. Ao mesmo tempo, se franquearia a qualquer cidadão, especialmente ao 
de carreira eclesiástica, na qualidade de sábio, o direito de fazer publicamente, isto é, por meio de 
obras escritas, seus reparos a possíveis defeitos das instituições vigentes. Estas últimas 
permaneceriam intactas, até que a compreensão da natureza de tais coisas se tivesse estendido e 
aprofundado, publicamente, a ponto de tornar-se possível levar à consideração do trono, com base 
em votação, ainda que não unânime, uma proposta no sentido de proteger comunidades inclinadas, 
por sincera convicção, a normas religiosas modificadas, embora sem detrimento dos que 
preferissem manterem-se fiéis às antigas. Mas é absolutamente proibido unificar-se em uma 
constituição religiosa fixa, de que ninguém tenha publicamente o direito de duvidar, mesmo durante 
o tempo de vida de um homem, e com isso por assim dizer aniquilar um período de tempo na 
marcha da humanidade no caminho do aperfeiçoamento, e torná-lo infecundo e prejudicial para a 
posteridade. Um homem sem dúvida pode no que respeita à sua pessoa, e mesmo assim só por 
algum tempo, na parte que lhe incumbe adiar o esclarecimento [<Aufklärung>]. Mas renunciar a 
ele, quer para si mesmo quer ainda mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos pés os 
sagrados direitos da humanidade. O que, porém, não é lícito a um povo decidir com relação a si 
mesmo, menos ainda um monarca poderia decidir sobre ele, pois sua autoridade legislativa repousa 
justamente no fato de reunir a vontade de todo o povo na sua. Quando cuida de toda melhoria, 
verdadeira ou presumida, coincida com a ordem civil, pode deixar em tudo o mais que seus súditos 
façam por si mesmos o que julguem necessário fazer para a salvação de suas almas. Isto não lhe 
importa, mas deve apenas evitar que um súdito impeça outro por meios violentos de trabalhar, de 
acordo com toda sua capacidade, na determinação e na promoção de si. Causa mesmo dano Sua 
Majestade quando se imiscui nesses assuntos, quando submete à vigilância do seu governo os 
escritos nos quais seus súditos procuram deixar claras suas concepções. O mesmo acontece quando 
procede assim não só por sua própria concepção superior, com o que se expõe à censura: Ceaser 
non est supra grammaticos, mas também e ainda em muito maior extensão, quando rebaixa tanto 
seu poder supremo que chega a apoiar o despotismo espiritual de alguns tiranos em seu Estado 
contra os demais súditos. 
 29 
Se for feita então a pergunta: "vivemos agora uma época esclarecida [<aufgeklärten>]"?, a 
resposta será: "não, vivemos em uma época de esclarecimento [<Aufklärung>]. Falta ainda muito 
para que os homens, nas condições atuais, tomados em conjunto, estejam já numa situação, ou 
possam ser colocados nela, na qual em matéria religiosa sejam capazes de fazer uso seguro e bom 
de seu próprio entendimento sem serem dirigidos por outrem. Somente temos claros indícios de que 
agora lhes foi aberto o campo no qual podem lançar-se livremente a trabalhar e tornarem 
progressivamente menores os obstáculos ao esclarecimento [<Aufklärung>] geral ou à saída deles, 
homens, de sua menoridade, da qual são culpados. Considerada sob este aspecto, esta época é a 
época do esclarecimento [<Aufklärung>] ou o século de Frederico. 
Um príncipe que não acha indigno de si dizer que considera um dever não prescrever nada 
aos homens em matéria religiosa, mas deixar-lhes em tal assunto plena liberdade, que, portanto 
afasta de si o arrogante nome de tolerância, é realmente esclarecido [<aufgeklärt>] e merece ser 
louvado pelo mundo agradecido e pela posteridade como aquele que pela primeira vez libertou o 
gênero humano da menoridade, pelo menos por parte do governo, e deu a cada homem a liberdade 
de utilizar sua própria razão em todas as questões da consciência moral. Sob seu governo os 
sacerdotes dignos de respeito podem sem prejuízo de seu dever funcional expor livre e 
publicamente, na qualidade de súditos, ao mundo, para que os examinasse, seus juízos e opiniões 
num ou noutro ponto discordantes do credo admitido. Com mais forte razão isso se dá com os 
outros, que não são limitados por nenhum dever oficial. Este espírito de liberdade espalha-se 
também no exterior, mesmo nos lugares em que tem de lutar contra obstáculos externos 
estabelecidos por um governo que não se compreende a si mesmo. Serve de exemplo para isto o 
fato de num regime de liberdade a tranqüilidade pública e a unidade da comunidade não 
constituírem em nada motivo de inquietação. Os homens se desprendem por si mesmos 
progressivamente do estado de selvageria, quando intencionalmente não se requinta em conservá-
los nesse estado. 
Acentuei preferentemente em matéria religiosa o ponto principal do esclarecimento 
[<Aufklärung>], a saída do homem de sua menoridade, da qual tem a culpa. Porque no que se refere 
às artes e ciências nossos senhores não têm nenhum interesse em exercer a tutela sobre seus súditos, 
além de que também aquela menoridade é de todas a mais prejudicial e a mais desonrosa. Mas o 
modo de pensar de um chefe de Estado que favorece a primeira vai ainda além e compreende que, 
mesmo no que se refere à sua legislação, não há perigo em permitir a seus súditos fazer uso público 
de sua própria razão e expor publicamente ao mundo suas idéias sobre uma melhor compreensão 
dela, mesmo por meio de uma corajosa crítica do estado de coisas existentes. Um brilhante exemplo 
disso é que nenhum monarca superou aquele que reverenciamos. 
Mas também somente aquele que, embora seja ele próprio esclarecido [<aufgeklärt>], não 
tem medo de sombras e ao mesmo tempo tem à mão um numeroso e bem disciplinado exército para 
garantir a tranqüilidade pública, pode dizer aquilo que não é lícito a um Estado livre ousar: 
raciocinais tanto quanto quiserdes e sobre qualquer coisa que quiserdes; apenas obedecei! Revela-se 
aqui uma estranha e não esperada marcha das coisas humanas; como, aliás, quando se considera 
esta marcha em conjunto, quase tudo nela é um paradoxo. Um grau maior de liberdade civil parece 
vantajoso para a liberdade de espírito do povo e, no entanto estabelece para ela limites 
intransponíveis; um grau menor daquela dá a esse espaço o ensejo de expandir-se tanto quanto 
possa. Se, portanto a natureza por baixo desse duro envoltório desenvolveu o germe de que cuida 
delicadamente, a saber, a tendência e a vocação ao pensamento livre, este atua em retorno 
progressivamente sobre o modo de sentir do povo (com o que este se torna capaz cada vez mais de 
agir de acordo com a liberdade), e finalmente até mesmo sobre os princípios do governo, que acha 
conveniente para si próprio tratar o homem, que agora é mais do que simples máquina, de acordo 
com a sua dignidade. 
 
Königsberg na Prússia, 30 de setembro de 1784 
 30 
 
Conclusão 
 
Concluindo, a tarefa iniciada por Kant, de superação da incapacidade humana de se servir do 
seu próprio entendimento e ousar servir-se da própria razão, não poderá jamais ser completada. É 
tarefa que precisa ser repetida a cada momento. Neste sentido, o Iluminismo apresenta-se como 
processo que coloca a razão sempre a serviço da crítica do presente, de suas estruturas e realizações 
históricas. 
 
SUGESTÕES DE FILMES 
• Giordano Bruno (Itália, 1973). Direção: Giuliano Montaldo. História da vida do filósofo, astrônomo e matemáticoitaliano Giordano Bruno, na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, e sua vivência dos conflitos científicos, 
morais, filosóficos e religiosos da época. 123 min. 
• O nome da rosa (Itália, 1986). Direção: Jean-Jacques Annaud. Baseado no romance com o mesmo nome, o filme 
apresenta uma investigação detetivesca sobre uma série de assassinatos que ocorrem num mosteiro, na Idade Média. 
Vale a pena conferir a trama religiosa, política, filosófica e lógica que sustenta a história. O romance homônimo é do 
pensador e escritor italiano Umberto Eco. 
 
 Discussões sempre polêmicas no universo da Filosofia Jurídica dizem respeito a 
intermináveis controvérsias entre duas linhas de raciocínio que por vezes, por excesso de 
radicalismo, podem dificultar, portanto, uma visão crítica, realista, compromissada com a justiça 
social e transformadora da sociedade, muitas vezes redundando em meras ideologias: o 
jusnaturalismo e o juspositivismo. Para evitarmos possíveis erros futuros no exercício da profissão, 
bem como presentes na análise teórica que possamos fazer em torno destes temas, faz-se necessário 
aprofundarmo-nos neles e nas críticas que tais questões suscitam, para que, posteriormente se 
amplie nosso leque de compreensão sobre a proposta alternativa de resolução destes e outros 
impasses jurídicos. 
 
7. Jusnaturalismo 
 
 Historicamente o jusnaturalismo é um pensamento jurídico que antecede à própria ciência do 
direito. No pensamento grego antigo encontramos o jusnaturalismo presente nos escritos de Platão e 
Aristóteles. Contudo, a forma mais apurada de jusnaturalismo foi elaborada pelos estóicos, escola 
do período da decadência helênica. 
 Para os estóicos o jusnaturalismo é uma doutrina que afirma a existência de uma lei natural, 
universal, imutável e imanente. Na concepção helênica, soberana é a natureza, ela é a existência 
funcional independente, isto é, funciona por si mesma. Para o grego a natureza possui leis perfeitas, 
por isso mesmo imutáveis, a estas o homem eticamente bom deve submeter. 
 Na idade média, a idéia estóica foi praticamente assumida. Contudo, Cícero acrescentou 
uma importante contribuição. Para Cícero quase tudo que os estóicos disseram era verdadeiro, 
exceto a idéia de que o direito natural fosse imanente, ele entendia que a lei natural era universal e 
imutável, porém ditada pela razão humana. Este último pensamento representa sua contribuição 
para o pensamento jusnaturalista. 
 Santo Agostinho e Lactâncio seguiram o pensamento expresso por Cícero e pelos estóicos, 
apenas acrescentaram a figura divina com criadora da natureza. O conceito de Deus criador é 
próprio do pensamento teológico judeu e dos pensamentos teológico e filosófico católico cristão. 
 Ulpiano aparece na história do jusnaturalismo medieval e estende a idéia de que o 
jusnaturalismo é guiado pelo instinto e abrange todo ser animado. Estava criada a idéia de que o 
homem não é livre e que o saber o direito não é racional. Enfim estava criadas todas as ferramentas 
para que, mais tarde, o jusnaturalismo fosse combatido pelo positivismo que o acusa de falta de 
lógica e de cientificidade. 
 31 
 Finalmente Santo Tomás de Aquino, que conserva o cerne do pensamento de Cícero e 
afirma que embora o direito natural abranja todas as criaturas e represente a vontade de Deus, ele só 
pode ser conquistado pelo trabalho intelectivo do homem. A inteligência humana é a realização 
maior da graça de Deus exercita pelo Homem. Para Santo Tomás a natureza humana não se 
relaciona com a natureza de Deus. O homem só pode conhecer Deus naquilo que ele se revelar, na 
medida da natureza humana. 
A escola jusnaturalista baseia-se na hipotética concepção da existência de um Direito 
natural, que seria anterior e superior a todo e qualquer Direito Positivo. Essa idéia tem seu papel 
histórico mais relevante com o surgimento do Estado de Direito e os pressupostos filosóficos do 
Estado Liberal, diferente do Estado absoluto, e a doutrina dos direitos do homem elaborada a 
princípio pelos jusnaturalistas: direitos fundamentais à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade. 
Esta doutrina tem como defensores vários escritores políticos. Ela serviu de fundamento 
para reivindicar as duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo político: o princípio 
da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios surgiu o Estado 
Liberal. O Jusnaturalismo considera o direito natural como a regulamentação necessária nas 
relações humanas fiando-se à autonomia da razão no campo moral e político. 
Para compreender melhor esta questão é válido salientar que historicamente o Estado 
Liberal nasce de uma contínua corrosão do poder do rei, reivindicando mais liberdade para os 
burgueses ou de uma ruptura revolucionária como na Inglaterra em 1688 e na França em 1789. A 
Renascença representa, como fato considerável, a destruição definitiva da majestosa construção 
medieval, fundada sobre a dupla autoridade do Papa no domínio espiritual e do Imperador no 
temporal. 
No plano temporal se afirmam os grandes Estados monárquicos unificados; Portugal, 
França, Inglaterra e Espanha disputavam a posse de vários de seus territórios. No plano espiritual, 
muitas guerras religiosas aconteceram. Tais guerras geraram, entre as minorias que se sentiam 
ameaçadas pelo absolutismo dos governantes nas suas práticas e crenças religiosas, a idéia da 
resistência ao tirano. As idéias da soberania popular e da origem contratual do poder fornecem os 
instrumentos normativos. O poder passaria a ser concebido como expressão de uma soberania auto-
suficiente, ao mesmo tempo em que se delineiam as primeiras formulações de uma concepção 
contratualista de sociedade. O mundo moderno caracteriza-se também pela supremacia da evidência 
racional na procura da verdade (Descartes) e pela consciência do valor absoluto da pessoa humana e 
afirmação de seu poder soberano no mundo. 
A idéia do direito natural é o sustentáculo da teoria do Contrato Social e, no espírito de 
quem a formulou, era destinada a combater e a substituir a doutrina do “direito divino dos reis” ou 
teoria divina do poder civil. Esta teoria definia a posição da Igreja Católica com relação ao 
problema político. Tal teoria foi sustentada na Idade Média pelos discípulos de Santo Agostinho e é 
o desenvolvimento da palavra do apóstolo São Paulo: não há nenhum poder que não venha de 
Deus. Isto significa que uma vez designados os governantes por acordos puramente humanos, estes 
recebem de Deus mesmo suas autoridades. É aos homens que cabe fixar a forma de governo e de 
nomear os que serão investidos do direito de governar, mas este direito ele mesmo é de origem 
divina. A obediência que devemos ao poder civil tem seu fundamento na que devemos a Deus. A 
consequência imediata de tal teoria é que significa se rebelar contra Deus resistir ao poder 
estabelecido: o bom cristão deve tudo suportar, os abusos de poder como os piores sofrimentos, e 
mesmo fazer o sacrifício de sua vida antes de opor a força à força. 
É contra esta submissão sem reservas que jurisconsultos do séc. XVII como Grotius e 
Pufendorf se oporão. Eles vão buscar na teoria Contrato Social e na idéia de uma “lei natural” ou 
“direito natural” seus argumentos. Eles admitem todos, sob certas condições, o direito de 
resistência, mesmo sendo pensadores de tendência absolutistas. Seus esforços eram para separar o 
direito natural da teologia. 
Neste sentido eles provocaram uma verdadeira revolução no domínio da Ciência Política, 
combatendo a teoria do direito divino eles livraram a ciência política de sua ligação com a teologia 
e ao mesmo tempo tiraram o Estado da tutela da Igreja. A teoria do Contrato Social, a princípio, foi32 
dirigida contra o poder temporal do papado e tendia a restituir ao poder real sua autonomia, com 
bases laicas. Só posteriormente abriria brechas para teorias mais democráticas, sobretudo com a 
intenção de estender o poder da burguesia. Teremos em Locke o principal teórico da ideologia 
liberal burguesa, sendo por isso o grande teórico do capitalismo. 
Nos séculos XVII e XVIII jurisconsultos, filósofos, escritores políticos como Grotius, 
Pufendorf, Hobbes, Locke e Rousseau vêem todos a teoria do Contrato Social como o artefatus 
necessário à instituição das sociedades civis. Para todos estes pensadores, é o Contrato Social que 
dá nascimento à sociedade civil e, ao mesmo tempo torna legítima a autoridade política, 
diferentemente da tradicional concepção aristotélica da natural sociabilidade entre os homens. 
Para os pensadores da escola do direito natural o poder civil, a autoridade política é um 
estabelecimento humano, não é preciso remontar a Deus, mas às convenções. Para provar eles 
imaginam um hipotético estado de natureza onde os homens só obedecem à lei natural e são entre si 
independentes e iguais. 
O antinaturalismo e o voluntarismo são as principais características das doutrinas do 
Contrato Social, segundo seus pressupostos é preciso primeiro conhecer o indivíduo para depois 
conhecer a sociedade que melhor lhe cabe. Seus princípios são eminentemente individualistas, pois 
se propõem de encontrar no indivíduo, na natureza humana, o fundamento do Estado e da 
autoridade política. Esta teoria possui ainda dois aspectos, o direito de mudar o homem que exerce o 
poder e o direito de mudar o sistema, segundo o objetivo político dos que teorizaram a respeito. 
Segundo esta teoria o poder é uma delegação dos poderes do povo ao governante, que deve exercê-
lo dentro de certas condições às quais está ele obrigado, sob pena de perder sua legitimidade. A 
obrigação de respeitar o pacto tem seu fundamento na lei natural, sem ela o Contrato Social não tem 
outra garantia que não a força. 
Mas o que significa esta lei natural tão citada? A idéia de que existe independentemente das 
leis civis, anterior a qualquer convenção, uma ordem moral universal, uma regra de justiça imutável 
– a lei natural – onde os homens se conformam com seus iguais. Esta lei é obrigatória e superior às 
leis positivas, que são condicionais. Neste sentido abordam-se os direitos naturais dos indivíduos, 
como o direito à vida, à igualdade, à liberdade, donde o Estado não pode dispor de mais poderes 
que os necessários para seus fins, e as leis naturais constituem um limite à soberania do Estado. 
Tais leis e direitos naturais originam-se de um hipotético estado de natureza onde os 
homens, indivíduos, seriam independentes e iguais, não estando sob alguma autoridade e 
obedecendo somente às leis naturais, o que engendraria um inevitável estado de guerra, do qual os 
homens resolvem sair através de um pacto social. 
O Contrato Social possui então várias funções ideológicas. Para alguns se tratava de fundar 
a monarquia absoluta sobre o direito natural, como foi o caso de Hobbes, para outros estabelecer 
que só a democracia é conforme a natureza, como Rousseau e, para outros, garantir pelas leis a 
defesa da propriedade e da exploração capitalista, como Locke. Através de uma descrição livre de 
uma situação original, apareceria todo um sistema de organização social. 
Assim se dá o surgimento do Estado de Direito, ou seja, o governo pelas leis. Até o 
surgimento da teoria do Contrato Social o homem uma vez nascido vassalo, assim o permaneceria 
para sempre. Nesta sociedade estamentária era latente a divisão entre ricos e pobres. Com o 
surgimento do Contrato Social os indivíduos passam a ter iguais direitos, ainda que perante a lei. 
Esta foi uma conquista da burguesia. O traço mais comum da visão de mundo burguesa era o de 
rebaterem a concepção básica da visão de mundo feudal, o direito pelo nascimento, contrapondo a 
este o estado natural, em que todos os homens nascem livres, iguais e com direitos. 
 
8. Positivismo Jurídico 
 
 Em primeiro lugar, em uma acepção científica e filosófica oriunda do pensamento comteano, 
o termo tem suas raízes na escola empirista e foi cunhado a partir e contra os ideais iluministas tais 
como liberdade, igualdade, que promoveram a tomada do poder estatal pela burguesia na Revolução 
Francesa. Após suas conquistas, não interessava mais à burguesia promover a luta pela preservação 
 33 
desses valores e sim, conter as insurreições das massas e louvar o desenvolvimento científico e 
tecnológico que então se obteve. 
É na contestação ao racionalismo abstrato dos adeptos do liberalismo que surgem os 
defensores do positivismo, seduzidos pelo progresso contínuo, propondo que os fatos só são 
conhecidos pela experiência. Para estes somos simples espectadores dos fenômenos exteriores, 
independentes de nós, e não podemos modificar a ação destes sobre nós, senão submetendo-nos às 
leis que os regem. 
Esta visão está em oposição direta às concepções do direito natural e do pacto social. Visa o 
estabelecimento da autoridade e da ordem pública contra os abusos do individualismo da Escola 
Liberal. Parte da perspectiva que as leis naturais e sociais são invariáveis. Positivo, então, significa 
o real frente ao quimérico, o útil frente ao inútil, a segurança frente à insegurança, o preciso frente 
ao vago, o relativo frente ao absoluto. 
O Positivismo científico volta-se para o mundo real, eliminando as eternas investigações 
sobre o incognoscível. Para os positivistas é possível conhecer só os fenômenos e as suas relações, 
não a sua essência, as suas causas íntimas. Estas permanecem impenetráveis, desconhecidas, pois é 
impossível alcançar-se noções absolutas, por isso o positivista procura as leis das relações 
constantes entre os fenômenos. 
 Em suma, o positivismo foi um movimento que surgiu a partir das conquistas da burguesia, 
com as Revoluções Francesa e Industrial, para enaltecer os ideais capitalistas, o processo de 
industrialização e os avanços científicos. Surge para consolidar os interesses da nova classe agora 
dominante, a burguesia. Enquanto movimento social surge para contrapor-se ao racionalismo 
iluminista e seus ideais igualitários. O que havia sido útil somente em um primeiro momento, para a 
conquista de sua hegemonia. Agora no poder, tudo o que a burguesia quer, é manter a ordem e 
propiciar o progresso. 
 Reflexo do positivismo científico do século XIX, o positivismo jurídico é movimento de 
pensamento antagônico a quaisquer teorias naturalistas, metafísicas, sociológicas, históricas, 
antropológicas do Direito. Segundo sua metodologia, o que não pode ser provado racionalmente 
não pode ser conhecido, seu critério de verdade é a observação e a experimentação. Retira, assim, 
os fundamentos e as finalidades da norma jurídica, restringindo-a ao posto (ao dado, ao instituído). 
No âmbito jurídico, falar em Direito Positivo é o mesmo que falar em Direito escrito, 
aprovado, legalizado e sancionado pelo poder dirigente (mesmo que pressupondo o interesse geral) 
com vias a fazer prevalecer à ordem e a Justiça (ainda que para poucos) dentro de uma unidade 
política e social particular. Tal acepção é amplamente defendida por Hans Kelsen, que, na Teoria 
Pura do Direito, procurou delinear uma Ciência do Direito desprovida de qualquer influência que 
lhe fosse externa, acreditando conferir-lhe maior cientificidade, expurgando de seu interior justiça, 
sociologia, origens históricas, ordens sociais determinadas etc. O positivismo jurídico é baseado no 
princípio da prevalência de uma determinada fonte do direito, no caso a lei, sobre todas as demais 
fontes. 
Tal concepção considera o Estado como única fontedo direito e determina a lei como a 
única expressão do poder normativo do Estado, dentro de uma perspectiva legalista-estatal. A 
atitude do Jurista, segundo Kelsen, deve consistir num partir da norma jurídica dada, para chegar à 
própria norma jurídica dada, postura contrária à que procura questionar os valores que antecederam 
à elaboração da norma jurídica ou após esta elaboração. Para Kelsen a ciência jurídica não tem 
espaço para os juízos de justiça e axiológicos em geral, o que é tarefa da Ética, mas somente para os 
juízos de Direito. O que a Teoria Pura procura identificar como relevante para a pesquisa jurídica é 
o estudo da validade, a vigência e a eficácia da norma jurídica. 
 O Direito positivo tem por base o ordenamento jurídico, e determina o direito como um fato 
e não como um valor. Ele nasce de um esforço onde se procura transformar o estudo do direito 
numa verdadeira e adequada ciência com as mesmas características das ciências físico-matemáticas, 
naturais e sociais. O Positivismo jurídico exclui da análise do Direito todo juízo de valor porque 
suscitaria dúvidas e divergências sobre a validade, justiça e legitimidade do ordenamento jurídico, 
enquanto juízos de fato têm apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro uma 
 34 
constatação. O positivista, segundo Norberto Bobbio, vê o Direito tal como ele é, e não como 
deveria ser. 
 O positivismo jurídico é a redução do Direito à ordem estabelecida, já vertido em normas 
(da classe dominante), não reconhecendo como elemento jurídico outras normas (de classe ou 
grupos dominados). Trata-se de uma certa coerção social, na linguagem de Dürkheim, para ajustar 
os indivíduos à ordem estabelecida. Segundo Kelsen o Estado é uma sociedade politicamente 
organizada porque é uma comunidade constituída por uma ordenação coercitiva que é o Direito. 
Para o positivismo jurídico o importante é a aplicação da lei formal, não levando em conta os 
motivos pessoais do indivíduo. 
 Para Kelsen, o Direito é a técnica social específica de uma ordenação específica e, nesse 
sentido, o sistema do positivismo jurídico exclui a tentativa de deduzir da natureza ou da razão 
normas substanciais, que, estando para além do Direito positivo, possam servir-lhe de modelo. 
 
Críticas que suscita 
* Essa atitude contrapõe o positivismo jurídico ao jusnaturalismo, que sustenta que deve fazer parte 
do estudo do direito real também a sua valoração com base no direito ideal, tal como este deveria 
ser. 
* O Direito positivo geralmente é apontado como o Direito Estatal, que, em última instância, é o 
Direito da e para a classe economicamente dominante (os ricos, que na visão marxista estão no 
comando não só do Estado, mas também das idéias que veiculam e justificam sua dominação, as 
ideologias)4, Direito que serviria apenas para legitimar os interesses e a manutenção do statu quo. 
 
Diferenças entre Direito natural e positivo 
 
A observação da disparidade e do contraste dos Direitos vigentes nas sociedades humanas e 
do caráter imperfeito de tais Direitos conduziu à noção de um Direito natural como fundamento ou 
princípio de todo Direito positivo possível, isto é, como condição de sua validade. O Direito natural 
é a norma constante e invariável que garante infalivelmente a realização da melhor ordenação da 
sociedade humana: o Direito positivo ajusta-se mais ou menos, mas nunca completamente, ao 
Direito natural porque contém elementos variáveis e acidentais que não são redutíveis a este. O 
Direito natural é a perfeita racionalidade da norma, isto é, a perfeita adequação da norma ao seu fim 
de garantir a possibilidade da vida associada. Os Direitos positivos são realizações imperfeitas ou 
aproximativas dessa normatividade perfeita. 
 
9. Ideologias Jurídicas 
 
 As ideologias jurídicas dizem respeito a toda norma jurídica que não tem correspondência na 
realidade. Situam-se também entre o direito natural e o positivo, correspondendo às concepções 
jusnaturalista e positivista do direito. De um lado o direito como ordem estabelecida (positivismo), 
de outro como ordem natural (jusnaturalismo). 
 As ideologias jurídicas refletem os posicionamentos da classe dominante no poder. Quando 
a burguesia chegou ao poder com a bandeira ideológica do “direito natural”, como fundamento 
acima das leis, e tendo conquistado o que pretendia, logo deixando de ser “revolucionário” e trocou 
de doutrina, passando a defender o positivismo jurídico. Na primeira fase contestou o poder 
aristocrático-feudal, para dominar o Estado, invocando Direitos supralegais. Na Segunda fase fez a 
digestão da vitória, pois já não precisava mais desafiar um poder de que se apossara (não admitindo 
a existência de direitos senão em suas leis). 
 O positivismo jurídico é ideológico quando exercido através de um poder que se dispensa de 
provar sua própria legitimidade. Ele se presume legítimo a partir do fato de que está em exercício e 
chegou à posição desempenhada, segundo os processos que ele próprio estabelece, altera e controla 
 
4 Ver breve síntese do pensamento marxista, bem como o conceito de ideologia ao final desta apostila. 
 35 
a seu bel-prazer. Um círculo de legalidade não é prova de coisa alguma. Por outro lado, a idéia de 
um direito natural é também ideológica, pois se assenta em pressuposições metafísicas, separadas 
da prática social. 
O Direito de resistência à tirania, o direito à guerra de libertação nacional, a preocupação 
também com a legitimidade da norma e do poder, não somente com sua legalidade, são válidas. O 
mal é que, no jusnaturalismo, as questões vêem tratadas no plano ideal, da abstração, no sentido de 
que não conseguem ligar a elaboração teórica aos grupos, classes, dominações e impulsos 
libertários, ficando presa à noção de princípios imortais (da natureza, de Deus, ou da razão 
humana), e quando eles descem à particularização tendem a confundir-se com o direito positivo do 
Estado ou dos grupos e classes prevalecentes. 
 Somente uma teoria dialética do direito evita a queda numa das pontas da antítese entre 
direito positivo e direito natural. O que implica em conservar os aspectos válidos de ambas as 
posições, rejeitando os demais e re-enquadrando o primeiro numa visão superior. Assim, veremos 
que a positividade do direito não conduz totalmente ao positivismo e que o direito justo integra a 
dialética jurídica sem voar para nuvens metafísicas, isto é, sem desligar-se das lutas sociais, no seu 
desenvolvimento histórico. 
 
10. O Direito Alternativo 
 
“Os juristas, duma forma geral, estão atrasados de um século, na teoria e prática da 
interpretação e ainda pensam que um texto a interpretar é um documento unívoco, dentro 
de um sistema autônomo (o ordenamento) jurídico dito pleno e hermético e que só cabe 
determinar-lhe o sentido exato, seja pelo desentranhamento dos conceitos, seja pela busca 
da finalidade, isto é, acertando o que diz ou para que diz a norma abordada”. 
Roberto Lyra Filho 
 
“Vivemos uma conjuntura de lutas sociais e de crítica teórica. O que ela nos sugere é uma 
contribuição voltada para a construção de um saber crítico que esclareça a nossa práxis, 
enquanto comprometida com a análise da estrutura social, tendo por objeto a sua 
transformação racional. A etapa corrente pede contexto alternativo”. 
José Geraldo de Sousa Júnior 
 
 
O Direito Alternativo é um dos mais polêmicos temas no âmbito das reflexões jurídicas 
atuais. Trata-se de uma forma atualizada de tentar de fato vincular a ética à prática do Direito. Está 
também presente como preocupação na análise do tema o interesse em trazer à reflexão a 
possibilidade de enfrentar o direito numa perspectiva diferente daquela normalmente aprendida nasfaculdades de direito. Sobre a formação do advogado, diz o eminente sociólogo do direito José 
Eduardo de Faria: 
 
Ao tentar forjar uma mentalidade estritamente legalista em flagrante contradição com uma 
realidade não-legalista, os cursos jurídicos condenam os estudantes a uma (in)formação 
burocrática e subserviente, incapaz de perceber e captar as razões dos conflitos e das tensões 
sociais (Direito e Justiça: a função social do judiciário. São Paulo, Ática, 1994, p. 104). 
 
Para superar esta visão estreita do direito, é necessário desenvolver uma consciência crítica 
que vislumbre e discuta todas as possibilidades de abordagem do mesmo. O Direito alternativo tem 
caráter dialético e o debate lhe é indispensável. 
 Por volta da década de 70 constituiu-se, na Itália, um movimento teórico-prático, formado 
por professores universitários, advogados e principalmente magistrados progressistas. No Brasil, 
ganhou vulto a partir do início da década de 90, com a participação inicial de destaque do assim 
chamado Grupo de Magistrados do Rio Grande do Sul, espalhando-se rapidamente por outros 
 36 
lugares e ganhando a simpatia de grande número de profissionais. O objetivo dessa importante 
tendência político-jurídico foi propor, diante da dominação e da conservação do Direito burguês 
capitalista, a utilização do ordenamento jurídico vigente e de suas instituições na direção de uma 
prática judicial emancipadora, voltada aos setores sociais ou às classes menos favorecidas. Na 
realidade, essa concepção não chega a ser um paradigma alternativo ou substitutivo da ciência 
jurídica positivista, mas tão-somente a aplicação diferente da dogmática predominante, explorando 
as contradições e as crises do próprio sistema e buscando formas mais democráticas superadoras da 
ordem burguesa. 
Trata-se de uma proposta, tanto de caráter prático, quanto teórico, de utilizar e consolidar o 
Direito e os instrumentos jurídicos em uma direção emancipadora, alternativa à cultura e prática 
dominante, a fim de, sem romper a legalidade estabelecida, privilegiar no plano jurídico os 
interesses dos que se encontram submetidos pelas relações sociais de dominação. Cabe ressaltar que 
pela proposta do direito alternativo, a legalidade não é refutada, a preocupação principal é com a 
legitimidade conquistada pelo comprometimento com o bem estar social. 
 Apoiando-se em pressupostos do pensamento neomarxista contemporâneo, que explora as 
fissuras, as antinomias e as contradições da ordem jurídica burguesa, os adeptos do modelo 
alternativo do Direito consideraram a relevância de dois aspectos: 
a) A estreita relação entre a função política do Direito enquanto instrumento de dominação e as 
determinações socioeconômicas do modo de produção capitalista; 
b) O poder Judiciário, que assegura o statu quo estabelecido, agindo não só como aparelho 
ideológico do Estado, mas também como instrumento de repressão e controle institucionalizado. 
A tradição liberal-individualista tem demonstrado que o poder judicial não é uma instância 
neutra e independente na esfera da máquina estatal, a serviço das liberdades e acima dos 
antagonismos de classe. Nesse sentido é preciso desmascarar certos postulados ideológicos da 
cultura jurídica burguesa, como a apoliticidade, a imparcialidade e a independência dos juízes. A 
contradição está no fato de que o Poder Judiciário, não obstante sua aparência de neutralidade, nada 
mais é do que uma instituição de natureza política, reflexo da própria dinâmica de poder do Estado 
capitalista. 
 O Direito Alternativo propõe definir a inserção da magistratura e do poder judicial na 
ampliação dos possíveis espaços democráticos, o alargamento do processo hermenêutico nas 
instâncias menores, ocupadas por juízes mais jovens e mais sensíveis às reivindicações dos setores 
populares. 
 
Objetivo do Direito Alternativo 
 
Por vezes o Direito pode ser injusto, mesmo que sua existência se deva à necessidade de pôr 
em prática e proteger o interesse da coletividade. O ser humano é um ser falho, de desejos 
ilimitados e os próprios legisladores não são “perfeitos”, podem se equivocar, deixar o interesse 
coletivo de lado e visar o seu próprio propósito. Muitas vezes a expressão do Direito não condiz 
com a realidade social, não atende mais ao anseio, à necessidade coletiva. É comum verificarmos no 
Direito a desatualização de algumas leis. Quando isso ocorre, dizemos que ela é inadequada para 
conferir o equilíbrio de determinada relação jurídica, tendo, como consequência, problemas na sua 
eficácia. Mediante este fato de discordância, desequilíbrio, faz-se necessário que a lei ceda lugar, 
espaço ao Direito. Neste momento, o juiz procurará uma solução “alternativa” para o caso concreto. 
O Direito Alternativo surge justamente com o propósito de levar a justiça onde esta se faz 
ausente. Ele não irá excluir o preceito legal que se pretende justo, mas irá intervir, através do 
magistrado, quando houver descompasso entre o Direito e a Justiça. O Juiz de Direito vai ajustar, 
através do Direito Alternativo, a lei aos princípios axiológicos de sua existência, isto é, aos valores. 
Pode-se afirmar, então, que o Direito Alternativo busca uma sociedade mais justa, 
equilibrada e igualitária, que trate o igual como igual e o desigual como desigual. O Juiz é o grande 
crítico da lei, ele tem compromisso com o Direito (Justiça), não pode submeter-se tão somente ao 
 37 
positivismo ortodoxo. O magistrado tem por ofício o direito de recusar a aplicação de uma norma 
injusta. 
 
Teses centrais do Direito Alternativo 
 
 O Direito Alternativo nutre uma séria desconfiança em relação ao positivismo. Na verdade, 
acusa-o de ser o culpado pela lastimável realidade de nossas instituições jurídicas. Os defensores do 
Direito Alternativo são “alternativos” porque reagem criticamente diante do statu quo do nosso 
Direito e propõem caminhos alternativos àqueles ligados à tradição positivista. 
 A exposição das principais teses do Direito Alternativo será feita em contraposição àquelas 
defendidas pela tradição positivista. O quadro das antíteses será seguido dos argumentos em defesa 
de cada um dos lados. 
 
 
TRADIÇÃO POSITIVISTA DIREITO ALTERNATIVO 
1. A lei é fruto da racionalidade. Sendo 
racional é necessariamente justa. 
1. A lei é um instrumento perigoso, pois pode refletir 
os interesses da classe politicamente dominante. Por 
isso, nem sempre é justa. 
2. A não aplicação da lei, mesmo sendo 
injusta, gera instabilidade. O direito positivo 
é o único fator de segurança. 
2. A aplicação da lei injusta gera instabilidade social. 
 
3. A lei jamais deve ser desobedecida. 3. Para a efetivação da justiça são cabíveis decisões 
contrárias à lei. 
O Direito deve estar sempre acima da Lei. 
4. Nenhuma decisão no âmbito jurídico pode 
refletir preferências pessoais de qualquer 
espécie. A decisão deve ser imparcial e 
técnica. O profissional do direito, 
particularmente o magistrado, deve ser 
“escravo da lei”. 
Há uma interpretação mecanicista das 
normas efetuadas através de um método 
hermenêutico formal / lógico / técnico / 
dedutivo. 
4. O direito não é totalmente neutro, tanto no 
momento de sua produção quanto no momento de sua 
aplicação. O direito é fruto da atividade humana e 
ninguém é totalmente neutro. 
O intérprete deve buscar o significado do fenômeno 
jurídico e não simplesmente “descobri-lo”, já que o 
Direito, antes mesmo de ser jurídico, é um fato social. 
 
Argumentos em defesa da Tradição Positivista 
 
Tese 1 – Herdeira do Iluminismo francês, a tradição positivista considera que o código de leis 
vigente representa a expressão máxima da racionalidade de determinada sociedade.O grau de 
avanço desta está refletido nas leis que possui. Sendo a expressão da racionalidade conquistada pela 
sociedade em que vigora, a lei é, ipso facto, o indicador daquilo que aquela sociedade considera 
justo. Cada sociedade tem as leis que merece. 
Tese 2 – Para subsistir, qualquer sociedade pressupõe uma normatização jurídica mínima. Caso as 
normas sejam desobedecidas, principalmente por parte daqueles que vigiam pela sua aplicação, fica 
aberta a possibilidade para o caos social. 
Tese 3 – Sendo a expressão máxima da racionalidade e a garantia de estabilidade social, a lei deve 
ser cumprida rigorosamente. Tal cumprimento não decorre de qualquer tipo de sentimentalismo, 
mas de um comando fundado na racionalidade. Assim, em qualquer circunstância, mesmo sendo 
injusta, a lei deve ser o indicador de atuação do profissional do direito, para que se evite a 
instabilidade social. 
 38 
Tese 4 – A total isenção deve estar sempre presente no âmbito do direito. Uma sólida formação 
jurídica, acompanhada de uma profunda consciência do papel que desempenha, habilita a uma 
neutralidade máxima. Todo achismo deve ser eliminado em prol da racionalidade jurídica. 
 Em suma, a lei é racional e neutra e está acima de tudo. Mesmo sendo injusta, deve ser 
rigorosamente observada. A contestação não tem lugar. Quem atua no âmbito do direito deve ater-
se a ela da forma como está redigida, se quiser contestá-la que procure outros caminhos: a lei não 
deve ser contestada. Por causa desta veneração à lei muitos vinculam o positivismo ao legalismo. 
 
Argumentos em defesa do Direito Alternativo 
 
Tese 1 – A lei não é a expressão da máxima racionalidade conquistada por uma determinada 
sociedade. Ela é simplesmente a expressão dos interesses daqueles que ocupam os postos de 
comando da sociedade: é a expressão do poder. Este fato não é novidade. Na verdade, desde tempos 
remotos, houve quem apontasse os desvios das leis. Platão (428-348 a.C.), no Primeiro Livro da 
República, dedicado ao tema da justiça, criticava os códigos de leis gregos porque estes eram 
construídos em defesa dos interesses dos mais fortes. Críticas deste tipo podem ser encontradas em 
toda a história do pensamento filosófico e jurídico ocidental. 
Tese 2 – O Estado existe em função do povo e não em função dos interesses dos mais poderosos. 
Ora, se o Estado, através do Poder Judiciário, acoberta ou incentiva a prática da injustiça, concorre 
para a insatisfação popular e provoca a instabilidade. Por outro lado, se a estabilidade do Estado 
significa a estabilidade da sociedade, que respeito merecem ditaduras como a do Irã, Afeganistão e 
outras mais? 
Tese 3 – Qualquer estudioso do Direito sabe que o comando da lei preceitua genericamente. Não 
prevê a especificidade de situações particulares. Por isso, por mais elaborada que seja, a lei pode 
levar à injustiça. Ao Poder Judiciário não cabe simplesmente o papel de cego aplicador da lei. Caso 
assim o fosse, a sua existência não passaria de mera formalidade. Considerando que a lei é 
elaborada em função dos interesses do mais poderosos e que o comando da lei não prevê situações 
muito específicas, é perfeitamente aceitável o fato de um juiz tomar decisão contrária à lei vigente 
ou aplicar penas alternativas às previstas nos códigos para, assim, tornar possível a efetivação da 
justiça. 
Tese 4 – A neutralidade não passa de uma quimera. Desde as origens da filosofia e da ciência ela 
tem sido procurada, mas jamais foi efetivamente conquistada. A partir de Hilton Japiassu no Mito 
da neutralidade científica (RJ: Imago, 1975), se as ciências consideradas mais exatas, como a física 
ou a biologia, em seu conjunto, não atingem a total neutralidade, esta é muito mais difícil de ser 
atingida no âmbito das ciências que tratam das relações humanas. No campo do direito, se 
considerarmos um processo, podemos notar que nele estão envolvidos vários tipos de 
subjetivismos: das partes, das testemunhas, dos peritos, dos advogados e, necessariamente também 
do julgador. Igualmente não podemos esquecer do subjetivismo prévio do legislador. A tese 
segundo a qual o julgador é alguém que realmente se despe de todos os elementos pessoais é 
facciosa porque o julgador é um ser humano e, enquanto tal, está fadado a subjetivismos. Também a 
tese de alguns positivistas de que, em sendo o juiz um ser humano falível, deve aplicar a lei para 
evitar a sua falibilidade não se justifica, pois, também a lei que aplica foi produzida por um ser 
humano falível: o legislador. Entre a possibilidade de erro do legislador e aquela do juiz, é melhor 
correr o risco do erro do juiz, porque este acompanha de perto o caso que julga. 
 
Concluindo 
 
 O Direito Alternativo desperta grande polêmica enquanto provoca um estimulante debate 
sobre aspectos teóricos e pragmáticos incorporados ao establishment jurídico. Teses consagradas e 
tidas como indiscutíveis, tanto por leigos como por profissionais, passaram a ser questionadas. E 
nada mais salutar que a livre circulação de idéias no seio de uma sociedade que se pretende 
 39 
democrática. Certamente muitas das posições do Direito Alternativo, tanto as acima citadas como 
muitas outras mais, e que são bastante arrojadas, carece de maior amadurecimento. 
 O marasmo em que se imergiu a nossa Justiça está clamando por algo que lhe desse um 
novo alento. Seguindo as regras da racionalidade sadia, tão aclamada pelo positivismo, as teses do 
Direito Alternativo não devem ser simplesmente anatemizadas ou deixadas de lado, mas entre os 
discordantes, devem ser elaboradas argumentações merecedoras de consideração. Só assim surgirão 
sínteses concretizadoras da verdadeira ratio iuris: o estabelecimento do valor Justiça. Quanto à 
essência do Direito parece não haver discordância entre positivistas e alternativos. 
 
 
________________________________________________________ 
 
 
Leitura Complementar IV 
 
 Partamos agora para uma reflexão preliminar de sentenças de juízes alternativos 
compromissados com o interesse dos menos favorecidos. A importância da reflexão está em 
percebermos que é possível ao Direito ser um instrumento de transformação social democrático e 
emancipatório. Os agentes são operadores jurídicos que, despertando a consciência crítica, podem 
nos mostrar a práxis de um saber teórico comprometido com a construção de um novo modelo 
social. A jurisprudência alternativa então, como parte da cultura jurídica, contribui neste processo 
de mudança, apontando para uma homogeneização de ações sociais transformadoras. Para tanto 
foram escolhidas duas sentenças modelares, em que podemos perceber a aplicação do direito 
alternativo. A ciência jurídica adquire maior força e sentido quando se torna um conhecimento 
popularizado nas práticas da sociedade. O que se busca neste movimento de direito alternativo não é 
mais do que a dignidade de vida para todas as pessoas, a defesa popular contra a dominação 
econômico-burguesa imposta. 
 
Dois casos de sentenças modelares 
 
1) Primeiro caso: Reintegração de Posse 
 
“Não tinham pressa em chegar, porque não sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por 
espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão dos maus fados. Não tinham sexo, 
nem idade, nem condição humana. Eram os retirantes. Nada mais”. O Departamento Nacional de 
Estradas de Rodagem pediu a reintegração liminar na posse de uma faixa de domínio ao lado da 
Rodovia BR 116 porque várias famílias “indigentes” a ocuparam, construindo barracos de plástico 
preto como moradia. Irônica foi à alegação do autor da demanda: O Estado desejava desalojar os 
invasores de suas terras argumentando a proteção às suas próprias vidas, que correriam o risco de 
atropelamento. Ou seja,pondera o magistrado, “quer livrá-los da morte sob as rodas de uma carreta 
e arrojá-los para a morte sob o relento e as forças da natureza. Não seria pelo menos mais digno – e 
menos falaz – deixar que eles mesmos escolhessem a maneira de morrer, já que não lhes foi dado 
optar pela forma de vida?”. Com muita propriedade, o juiz indeferiu o pedido de reintegração de 
posse contido na inicial, e extinguiu o processo, contextualizando o problema a nível social, político 
e econômico. Tendo visão crítica da questão, esclareceu que não desalojará as pessoas: “ora, é 
muita inocência do DNER se pensa que eu vou desalojar este pessoal, com a ajuda da polícia, de 
seus moquiços, em nome de uma mal arrevesada segurança nas vias públicas”. Segundo ele, os 
ocupantes, chamados de “invasores”, “são hoje os excluídos e ontem foram os descamisados, 
resultados do perverso modelo econômico adotado no país”. Para o magistrado, as pessoas 
envolvidas na “invasão” são personagens que existem de fato: “os réus são ‘indigentes’, reconhece 
a autarquia, que pede a reintegração liminar na posse do imóvel. E aqui estou eu, com o destino de 
centenas de miseráveis nas mãos. São os excluídos, de que nos fala a Campanha da Fraternidade 
 40 
deste ano”. Continua logo em seguida: “isto não é ficção. É um processo. Não estou lendo 
Graciliano Ramos. Os personagens existem de fato. E incomodam muita gente, embora deles nem 
se saiba direito o nome. É Valdico, José Maria, Gilmar, (...). Só isso para identificá-los. Mais nada. 
Profissão, estado civil (CPC, art. 282, II) para quê, se indigentes já é qualificação bastante?”. Em 
suas palavras, no presente processo, não estamos diante de pessoas que tivessem recebido do Poder 
Público “razoáveis oportunidades de trabalho e de sobrevivência digna”, o que explica que a lei 
reguladora das ações possessórias, mandando expulsar invasores (arts. 920 e seguintes do CPC), 
“tem em mira o homem comum (...) que no caso, tendo outras opções de moradia, prefere 
assenhorear-se do que não é dele, por esperteza, conveniência ou qualquer outro motivo que mereça 
censura da lei e, sobretudo, repugne a consciência e o sentido do justo que os seres da mesma 
espécie possuem”. E este não é o caso dos excluídos tratados neste processo. Também fundamenta a 
decisão lembrando que o compromisso do Estado para com o cidadão baseia-se em princípios, que 
têm origem na Constituição da República e são basilares da eficácia das leis menores. Por isso, 
argumenta o magistrado, “contra este exército de excluídos, o Estado (aqui através do DNER) não 
pode exigir a rigorosa aplicação da lei (no caso, reintegração de posse), enquanto ele próprio não se 
incumbir da tarefa que lhe reservou a Lei Maior”. Quer dizer, “enquanto não construir – ou pelo 
menos esboçar – ‘uma sociedade livre, justa e solidária’ (CF, art. 3o, I), erradicando ‘a pobreza e a 
marginalização’ (no. III), promovendo a ‘dignidade da pessoa humana’ (art. 1o, III), assegurando ‘a 
todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social’ (art. 170), emprestando à 
propriedade sua ‘função social’ (art. 5o, XXIII, e 170, III), dando à família, base da sociedade, 
‘especial proteção’ (art. 226), e colocando a criança e o adolescente ‘a salvo de toda forma de 
negligência, discriminação, exploração, violência, maldade e opressão’ (art. 227), enquanto não 
fizer isso, elevando os marginalizados à condição de cidadãos comuns (...), aptas a exercerem sua 
cidadania, o Estado não tem autoridade para deles exigir –diretamente ou pelo braço da Justiça – o 
reto cumprimento da lei”. Cita ainda Rudolf Von Ihering, no sentido de que “num dos braços a 
Justiça empunha a espada, é verdade, o que serviu de estímulo a que o Estado viesse hoje pedir a 
reintegração. Só que, no outro, ela sustenta a balança, em que pesa o Direito. E as duas (...) hão de 
trabalhar em harmonia”. Assim, o magistrado atenta também para o disposto no artigo 5o da Lei de 
Introdução ao Código Civil e para o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que 
proclama que “todo ser humano tem direito a um nível de vida adequado, que lhe assegure, assim 
como à sua família, a saúde e o bem-estar e, em especial, a alimentação, o vestuário e a moradia”, 
para, com fundamento nos artigos 267, I e VI, 295, I e parágrafo único, III do Código de Processo 
Civil, indeferir a inicial e extinguir o processo. Seria “deslealdade” e “pretensão moral e 
juridicamente impossível” o deferimento do pedido de reintegração de posse neste caso. Quanto à 
problemática de que o Estado pretenderia proteger a vida dos invasores sujeitos a atropelamento na 
área ocupada, o magistrado sugeriu, concluindo a sentença, que o DNER sinalizasse 
convenientemente a rodovia nas imediações, para que não houvesse risco de acidentes na área. 
Noutra decisão, reconhecidamente alternativa, cujo assunto era também o de reintegração de posse, 
um dos magistrados argumenta que “ao Juiz não é dado decidir apenas com o sentimento, desde que 
sua função essencial é fazer cumprir as normas legais vigentes, que se presumem justas e adequadas 
à solução dos conflitos. Mas também não é ele um frio aplicador do texto, cabendo-lhe interpretá-lo, 
não raro, à luz da justiça social”, pois muitas normas estão distantes da realidade e “empoeiradas em 
códigos”, e então “ocorre o conflito do direito escrito com a justiça ideal, obrigando o julgador a 
fazer uma consciente opção”. Assim explica o outro juiz, nesta mesma decisão: “Ora, colocado na 
balança da justiça, de um lado os interesses de três casais, para os quais a área em litígio representa 
muito, mas não é fundamental, e de outro, os de noventa ou mais famílias, para as quais essa mesma 
área é condição de vida digna, parece não ser difícil determinar para que lado pende a balança”. 
Para ele, o Judiciário deve colaborar com o Legislativo e o Executivo na solução dos problemas 
sociais, especialmente porque, caso a caso, são resolvidos em concreto. Então, o Judiciário não 
pode ser injusto, “aguardando que sobrevenha lei justa, máxime quando o legislador se omite, 
temeroso das consequências que possam advir da emissão de norma geral”. Encerra seu voto da 
seguinte forma: “afirmou-se, no início, não se encontrar na lei solução expressa para o caso dos 
 41 
autos, o que não é verdade, porque a Constituição, que é a Lei Maior e prepondera sobre qualquer 
outra, consagra a função social da propriedade”. Desta forma, podemos perceber em ambas 
sentenças a ética e o compromisso com a justiça social. 
 
2) Segundo Caso: Constrangimento Ilegal – Violência à Integridade Física e Moral 
 
 No caso, o diretor-presidente da fábrica da De Millus, valendo-se da sua posição, sujeitava 
funcionárias à revista pessoal vexatória e humilhante, com despimento de roupas íntimas (sutiãs e 
calcinhas), para revista sob ameaça de despedimento por justa causa. O ato configurou-se como 
constrangedor porque ficaram evidentes todos os requisitos que o configuram, havendo violação à 
dignidade humana. Assim, o Ministério Público pediu a condenação em alegações finais, tendo 
entendido comprovados o crime e a autoria. A defesa, por sua vez, pedindo a absolvição, sustentou 
inexistente o crime porque as operárias compareciam à revista voluntariamente e a prática da revista 
era realizada em defesa do patrimônio empresarial. O magistrado, entendendo diferente, explanou 
que “em nome da defesa do patrimônio do lucro não se pode, porém, violar a dignidade humana”, e 
condenou o réu à penalidade própria. Na sentença dispõe que não há igualdade das partes nesta 
relação contratual, ou seja, as mulheres-operárias da empresa não se encontram em igualdade de 
condições na elaboração do contrato laboral. As primeiras são proprietárias apenas do seu corpo e 
da sua força de trabalho, a Segunda, é proprietária dos meiosde produção, e compra daquele 
trabalho. Quer dizer, para o magistrado, “o papel da teoria contratual é exatamente dissimular e 
ocultar essa desigualdade, fingindo que todos são iguais perante a lei, mascarando a existência de 
uma vida social diferenciada e anterior ao contrato, com suas dependências e limitações”. E 
bastaria, no seu entendimento, a leitura das regras da De Millus para visualizar-se a radical 
desigualdade entre as partes e o grave constrangimento ilegal a que são submetidas às operárias. O 
magistrado explanou que as mulheres não opunham resistência à coação em virtude da ameaça de 
demissão: “iam para a revista coagidas pela possibilidade real e certa da demissão, intimidadas e 
humilhadas. E não existe maior exemplo de grave ameaça do que a ameaça de demissão, num país 
sem emprego, de povo cada vez mais empobrecido, num país que nega aos seus cidadãos o 
exercício da cidadania”. Não se pode confundir o exercício do direito com o evidente abuso fruto 
das normas regulamentares da empresa coatora. Neste caso, as normas são disciplinares que visam o 
controle e o domínio absolutos sobre a mulher operária, invadindo seu próprio corpo. Neste 
raciocínio, o magistrado fundamenta sua decisão lembrando Foucault, que analisa “como as normas 
disciplinares – a partir das instituições fechadas e de focos de controle disseminados na sociedade – 
se tornaram, a partir do século XVII, fórmulas gerais de dominação, através de uma política de 
coerção individual e coletiva sobre os corpos, os gestos, os comportamentos, modelando ‘corpos 
submissos e exercitados, corpos dóceis’. Corpos domesticados e adestrados”. Assim, para este 
objetivo, são desenvolvidos “minuciosos regulamentos da escola, do quartel, do hospital, da oficina, 
do convento”. E “na Segunda metade do século XVIII, as indústrias passam a ocupar grandes 
espaços, e ‘a fábrica parece (...) uma cidade fechada’. Fica então evidente, pondera o magistrado, 
que “Todos esses sistemas disciplinares trazem, (...) um pequeno mecanismo penal, representado 
pela sanção normalizadora. Na De Millus, essa sanção é a demissão, imposta a quem ouse discutir a 
ordem do patrão”. Na mesma sentença, o magistrado explica que na fábrica, “fica bem visível a 
existência dessa ‘sujeição mortífera sobre o corpo’, com a prática da humilhante revista íntima”. 
Cita Alessandro Baratta, que menciona o “nexo histórico entre o cárcere e a fábrica”, que são 
modelos de disciplina e controle inerentes ao modo de produção capitalista. Faz belíssima defesa de 
seu posicionamento: “desta forma, a organização opressiva da relação de poder existente na fábrica 
reduz a capacidade de resistência do empregado a uma ordem constrangedora. Principalmente numa 
fábrica onde trabalham mulheres, já historicamente submetidas e oprimidas”. E esse controle 
disciplinar é ainda mais grave nos países de Terceiro Mundo, em que “não basta a mais-valia, roubo 
legitimado da força de trabalho. É preciso roubar, também, a dignidade e o sentimento, espoliar da 
pessoa a sua própria humanidade. Em nome dessa ordem militarizada, que fragmente o ser humano, 
em defesa do lucro e dos valores produzidos por esse modelo de vida, tudo se permite”. A revista 
 42 
íntima na empresa foi reestruturada, no final da década de sessenta, como informou o empregador, 
que entende ser “constrangedora mas necessária para desencorajar as funcionárias à prática do 
roubo”. O gerente, por sua vez, justifica a prática porque “na empresa há mais de três mil 
funcionárias e para o seu funcionamento é preciso manter a disciplina”, e se houvesse recusa para a 
revista, a funcionária seria despedida. Estes são, para o juiz, “efeitos da ditadura militar na 
desorganização humana da sociedade brasileira”, sendo muito mais graves do que se imagina 
porque os métodos da organização militarizada passaram a constituir o modelo das técnicas 
disciplinares. E cita Foucault novamente: “o crescimento de uma economia capitalista fez apelo à 
modalidade específica do poder disciplinar, (...) cujos processos de submissão das forças e dos 
corpos, cuja anatomia política em uma palavra podem ser postos em funcionamento através de 
regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas”. Sendo assim, as operárias da 
fábrica não puderam suportar mais que o seu sentimento de dignidade fosse tratado como 
mercadoria, “e disseram não ao medo e à humilhação – ao mesmo tempo dizendo sim à sua 
cidadania, dizendo sim à liberdade, dizendo sim à vida”. Na sentença o juiz conclui que “o Direito 
Penal será mais democrático e eficaz quanto mais puder garantir os direitos fundamentais do 
cidadão”. Ou seja, o magistrado coaduna com a justiça e a ética: “um Direito Penal que respeite a 
condição humana e sirva ao homem, e não ao poder que oprime, será um Direito Penal que reprove 
a conduta do acusado, reconhecendo o constrangimento ilegal, e assegure às mulheres-operárias da 
fábrica De Millus o direito de dizer não à violação de sua intimidade física e moral”. E, porque o 
acusado tem situação econômica privilegiada e “o crime produz consequências danosas à liberdade 
individual e coletiva, atingindo um número imprevisível de operárias, de maneira permanente e 
contínua”, o magistrado aplicou a pena de multa, fixada bem acima do mínimo, tendo julgado 
procedente a ação penal com a condenação do réu. A sentença em exposição pôde evidenciar a 
conjugação da paixão do magistrado pela causa das operárias, com a sua responsabilidade ética em 
“prever” que as consequências de tal constrangimento são desastrosas não somente para aquelas 
mulheres como também para toda a coletividade. Muito bem fundamentada, trouxe fortes elementos 
jurídicos e argumentos filosóficos, deixando claro também que o Direito deve ser interdisciplinar na 
resolução de seus conflitos. 
 
SUGESTÃO DE FILME 
• Leis da Corrupção – Diretor: G. Sax. Com: Tom Selleck, E. McGovern, M. Mason e W. Antherton. Duração: 95 m. 
Sinopse: Juiz honesto é convencido pela Promotoria Federal a participar de operação cuja missão é descobrir juízes 
corruptos. Usando o disfarce da cumplicidade, consegue desvendar uma rede de corrupção em que estão envolvidos 
inclusive seu pai e sua melhor amiga (também juízes). 
• O advogado dos cinco crimes 
• Daens: Um grito de justiça. Diretor: Stijn Coninx. Com: Jan Declair, Antje de Boeck e Gerard Desarthe – Duração: 
132 min. SINOPSE: No final do século passado, um padre (Jan Declair) movido pelas idéias da Encíclica “Rerum 
Novarum” (Papa Leão XIII, 1891), envolve-se na luta por melhores condições para os operários das fábricas da cidade 
de Aalst (Bélgica). Inicialmente apoiado por setores da Igreja, aos poucos vai sendo por ela abandonado até ser 
obrigado a deixar o sacerdócio. Com o apoio dos trabalhadores católicos, dos socialistas e dos liberais é eleito por dois 
mandatos como representante no Parlamento. Dedica o resto de sua vida à missão de melhorar as condições deploráveis 
das classes trabalhadoras, enfrentando a oposição de todos os tipos. Filme baseado em história real. 
 
 
__________________________________________________________ 
 
 
11. Filósofos contemporâneos: 
 
11. 1 Karl Marx (em síntese) 
 
 Karl Marx, ao pensar as questões sociais, concebe as relações econômicas e sociais que os 
homens produzem numa luta de classes e oriundas da divisão da propriedade privada, onde os ricos 
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esforçar-se-iam por se manter no poder e os pobres almejariam alcançá-los. Para Karl Marx, não 
existe, como pretendia fazer crer a ideologia burguesa, o Estado como árbitro dos conflitos e 
interesses humanos, um direito de interesses humanos ou como defensor desses interesses, existem 
apenas duas classes sociais antagônicas: ricos e pobres. O poder econômico seria o único supremo 
do qual derivam os demais: o poder político(o Direito e as Leis) e o poder ideológico. Para romper 
com o privilégio da classe economicamente dominante seria preciso abolir todos os arsenais dos 
quais esta se serve tais como o Estado, o Direito e as Leis, o que permitiria, em última instância, 
destruir a causa dos problemas sociais, a existência da propriedade privada. 
Para Karl Marx, onde existe propriedade privada só pode existir interesse privado, jamais 
coletivo ou de bem comum. Antes, porém seria necessário desmascarar as ideologias dominantes e 
extirpar o estado de alienação no qual os homens se encontram, para que estes percebam, dentre 
outras coisas, que o princípio da representatividade, base do liberalismo, criou a idéia de Estado 
como órgão político imparcial, capaz de representar toda a sociedade, mas no fundo, numa 
sociedade dividida em classes, este só representa a classe dominante e age em conformidade com os 
interesses desta. 
Em Marx as idéias liberais (do Contrato Social) não passam de ideologias, pois consideram 
os homens, por natureza, iguais política e juridicamente. Consideram Liberdade e justiça como 
direitos inalienáveis de todo cidadão. Marx proclama a inexistência de tal igualdade natural e 
percebe que as desigualdades sociais eram provocadas pelas “relações de produção” do sistema 
capitalista, que divide os homens entre proprietários e não proprietários dos “meios de produção”. 
Os trabalhadores, a fim de assegurar a sobrevivência, vendem sua força de trabalho e, nesse 
aspecto, não são nem um pouco “livres”, uma vez que não escolhem onde irão trabalhar, em que 
condições, e muito menos quanto vão ganhar pelo trabalho realizado. Produzem riqueza e só 
acumulam miséria. 
 
 
11.1.1. Dialética 
 
 A dialética surge a partir do processo de racionalização humana, que buscou desvencilhar-se 
de conteúdos puramente míticos (até então hegemônicos na apreensão da realidade e do 
conhecimento desta), no contexto da Pólis na Grécia Antiga, como método que visava a formação 
educacional e política do cidadão grego, preparando-os para os “torneios de pensamento” que se 
davam nos ginásios e que compunham a nova realidade e o novo discurso do mundo ocidental que 
se servia agora do logos, da razão, para a compreensão e explicação dos fenômenos humanos ou da 
própria natureza. Tinha como pressuposto fundamental o fato de que o conhecimento não era algo 
dado, através de revelações de cunho mítico, mas deveria ser procurado, a partir de abstrações do 
pensamento. Neste sentido ela surge com o próprio surgimento do que se conhece por Filosofia, 
como busca amorosa pela verdade das coisas, não acatando nada como verdadeiro sem antes 
examinar pela própria razão. 
 Na Grécia Antiga dialética significava a arte do diálogo (dia = por meio, logos = razão) e, 
através dele, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de definir e distinguir 
claramente os conceitos envolvidos na discussão. Um de seus primeiros representantes foi 
Heráclito, de Éfeso, que via na contradição da realidade e na realidade dos contrários o próprio ser 
das coisas, isto é, um ser dinâmico, um eterno fluir da realidade que constitui a própria realidade 
mesma; tal idéia foi amplamente criticada por Parmênides, que dizia que a essência profunda do ser 
era imutável e o movimento, a mudança, apenas um fenômeno de superfície. 
Entretanto, atribui-se a Zenon, de Eléia e a Sócrates como seus fundadores. Ela encontra em 
Sócrates o ápice de sua representação que se servia dela para ir depurando as argumentações de 
forma tal que o resultado da discussão pudesse aproximar-se o máximo possível do que se poderia 
chamar de verdade, sem, contudo, jamais vir a fechar uma discussão dizendo o que esta era. É neste 
sentido que os diálogos de Platão, o grande apresentador de Sócrates (porque este nada escrevera e 
tudo o que conhecemos a seu respeito devemos a Platão e Xenofonte, seus discípulos) são 
 44 
inconclusos deixando-nos sempre vias abertas para novas discussões acerca do problema 
apresentado. 
 Na acepção moderna dialética significa o modo de pensarmos as contradições da realidade, o 
modo de compreendermos a realidade como essencialmente contraditória e em permanente 
transformação. Neste sentido seus maiores representantes foram: Pascal, na fase renascentista, 
passando por Hegel e seu idealismo histórico-dialético até Marx, com o materialismo histórico-
dialético. 
Para Hegel a superação dialética é simultaneamente a negação de uma determinada 
realidade, a conservação de algo essencial que existe nessa realidade negada e a elevação dela a um 
nível superior. No entanto Hegel acreditava que eram as idéias que moviam o mundo, até que Marx 
surgiu para avaliar que não eram as idéias, mas sim as condições materiais as verdadeiras 
responsáveis por toda e qualquer transformação humana. 
Os pensadores dialéticos vieram resgatar ao caráter instável, dinâmico e contraditório da 
condição humana. Para eles a realidade é obra humana, é criada por nós, por isso o método para 
compreendê-la só pode ser o dialético. 
 
11.1.2 Pressupostos do método dialético 
 
 A dialética pressupõe uma visão da totalidade. Qualquer objeto que um homem percebe ou 
cria é parte de um todo; por isso, para encaminhar uma solução para os problemas, é preciso ter uma 
visão de conjunto. A visão de conjunto é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar a 
realidade a que se refere. Segundo Leonardo Konder “a realidade é sempre mais rica do que o 
conhecimento que se tem dela” (O que é dialética, p. 37), é neste sentido que nenhuma teoria pode 
esgotar a possibilidade do real. O método dialético faz a antítese de uma tese, para, a partir desta 
negação, buscar uma síntese. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a 
estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada; isto é totalidade. 
Para Konder, a totalidade é apenas um momento de um processo de totalização (que nunca 
alcança uma etapa definitiva e acabada), pois “a dialética – maneira de pensar elaborada em função 
da necessidade de reconhecermos a constante emergência do novo na realidade humana – negar-se-
ia a si mesma, caso cristalizasse ou coagulasse suas sínteses, recusando-se a revê-las, mesmo em 
face de situações modificadas” (O que é dialética, p. 39). 
 Marx já havia remarcado que o conhecimento não é um ato intuitivo, e sim um processo. É 
preciso ir além da aparência dos fenômenos, em busca da essência destes. Para Lukács, citado por 
Konder, somente a visão da totalidade “permite à dialética enxergar, por trás da aparência das 
coisas, os processos e inter-relações de que se compõe a realidade. Somente o ponto de vista da 
totalidade permite que se veja no real um “jorrar ininterrupto de novidade qualitativa” (O que é 
dialética, p. 68). Na concepção do konderiana, o pensamento dialético “é obrigado a identificar, 
com esforço gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o 
“tecido” de cada totalidade, que dão ‘vida’ a cada totalidade. (...) A dialética não pensa o todo 
negando as partes, nem pensa as partes abstraídas do todo. Ela pensa tanto as contradições entre as 
partes como a união entre elas” (O que é dialética, p.46), buscando uma compreensão clara das 
conexões e conflitos internos. 
 Para que o conhecimento da realidade avance e se aprofunde, para ir além das aparências e 
penetrar na essência dos fenômenos, é preciso realizar operações de síntese e de análise que 
esclareçam não só a dimensão imediata (que percebemos imediatamente), como também e, 
sobretudo, a dimensão mediata delas (que se vai descobrindo, construindo ou reconstruindo aos 
poucos). As mediações obrigam a se refletir sobre as contradições, princípio básico do movimentopelo qual os seres existem. Mudança e permanência são categorias reflexivas, contraposições tais 
como absoluto/relativo, finito/infinito, singular/universal são apenas faces de uma mesma moeda. 
 A dialética pressupõe ainda a passagem da quantidade à qualidade (ou vice-versa); a 
interpenetração dos contrários (como herdamos da física quântica, a idéia de que tudo tem a ver 
com tudo, os diversos aspectos da realidade se entrelaçam e, em diferentes níveis, dependem uns 
 45 
dos outros, de modo que as coisas não podem ser compreendidas isoladamente, uma por uma, sem 
levarmos em conta a conexão que cada uma delas mantém com coisas diferentes, dentro do 
contexto em que estão. Os dois lados da realidade contraditória se opõem e constituem uma 
unidade); e a negação da negação, isto é, a própria síntese. 
 
 
11.2 Vigilância e Punição na História das Prisões – Michel Foucault 
 
 Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês contemporâneo, concentrou suas reflexões 
nos graves problemas do ser humano e da sociedade. Nesta mediação, a obra Vigiar e Punir traz 
como tema central à questão do poder que, para o autor, não é atributo, mas exercício, cúmplice do 
saber e difuso no conjunto da sociedade (ver A Microfísica do Poder), é onipresente e não 
concentrado em órgãos ou instituições sociais, como o Estado. Para Foucault a soberania do Estado, 
o quadro jurídico repressivo ou a dominação de uma minoria (de classes) não são os dados iniciais, 
mas as formas terminais do exercício do poder. 
Vigiar e Punir tem por objeto demonstrar como as tecnologias sociais se configuram 
enquanto tecnologias de poder, principalmente em relação ao corpo, como algo analisável e 
manipulável pelo poder. Para que esse poder possa ser exercido se constituem vários mecanismos, 
como o de punição e o olhar panóptico - vigilância que dispensa a presença, o poder faz com que 
você faça coisas sem sentir, que você se controle. É partindo da caracterização do poder como 
situação complexa numa dada sociedade, que Foucault chega ao conceito de panoptismo, herdado 
diretamente do panóptico de Jeremy Benthan. O panoptismo é técnica moderna de dominação, na 
qual o sujeito introjeta a repressão e o esquema geral da norma se impõe, tanto subjetivamente, 
quanto no conjunto da sociedade. As diversas formas de introjeção das normas repressivas são 
caracterizadas pelo que Foucault chamou de “micro-penalidades”, presentes no cotidiano concreto 
dos indivíduos, seja no controle do tempo e das atividades em geral ou dos discursos do próprio 
corpo. O resultado é a “docilidade”, através da qual dá-se o uso dos corpos. 
 Esta análise privilegia o exercício do poder tal como este se afirma nas instituições sociais, 
como o Estado, o Parlamento, a prisão, o manicômio, a educação e todas as instituições voltadas 
para o controle social. A análise das instituições articula-se com o processo de produção dos 
diversos discursos, não apenas voltados para o controle direto, bem como para a produção de 
noções legitimadoras dessas práticas coercitivas, como o conceito de verdade. Assim, ao invés de se 
indagar sobre “o” poder, deve se pesquisar as práticas de poder, que são em última análise, o 
controle do corpo, do doente, do delinqüente, etc... O exercício do poder, da vigilância e do 
controle, tem como objetivo tornar o homem útil e dócil. 
Em sua obra Vigiar e Punir, que retrata a história da violência nas prisões, o autor aborda o 
secular problema da resposta social ao crime, mostrando a evolução humana na forma de tratar o 
criminoso e o crime. Na obra o autor divide o sistema punitivo em 4 etapas evolutivas: 
 
1- Suplício: As punições tinham caráter imediatista, totalmente vinculadas ao corpo. Na tentativa 
de transformar as punições em exemplos, os suplícios foram transformados em verdadeiros 
espetáculos de horror. 
2- Punição: Após um período de barbárie, houve a “humanização” das penas, uma atenuação dos 
suplícios, uma forma menos agressiva de punir as infrações através da dor física. 
3- Disciplina: No século XVIII, o corpo é descoberto como fonte inesgotável de poder, não 
somente o seu suplício e agonia. A disciplina como meio de tornar o indivíduo um ser dócil e útil. 
4- Prisão: É a instituição penal legalizada, dentre todas as formas de punir, a prisão surge como 
única capaz de agrupar todos os elementos punitivos: vigilância, privação de liberdade, disciplina, 
isolamento, trabalho e duração do castigo. 
 
Nesta obra o autor relata algumas espécies de suplícios comuns, de tempos não muito distantes, 
fomentando discussões inquietantes: Se, há duzentos anos atrás alguns países ditos “civilizados” 
 46 
admitiam como válida a tortura como meio de obter-se a confissão, e como procedimento usual 
infringir terríveis sofrimentos físicos e morais ao condenado, como a sociedade do séc. XXI reagirá 
diante das nossas atuais prisões? – Embora muito mais humanas do que as do período pré-revolução 
francesa, não se pode negar que ainda se apresentam como depósitos insalubres e cruéis de presos, 
com escassa potencialidade para a pretendida reabilitação social do condenado. 
Em Vigiar e Punir Foucault analisa o poder disciplinador como uma das principais tecnologias 
do poder das modernas sociedades: o poder das normas. Mostra a multiplicação de prisões ao lado 
da proliferação de medidas que visam cada vez mais manter unificada a sociedade. Foucault 
descreve todo um conjunto de controles judiciais e policiais que se articularam e se dispersaram 
como controle social d e um determinado tipo de ilegalidade, a delinqüência. O século XIX viu 
surgir essa espécie de ilegalidade subordinada, dominada, que funciona como anteparo para uma 
outra forma de ilegalidade, aquela dos grupos dominantes da sociedade. A delinqüência, forma 
específica e popular de ilegalidade, constituiu-se como meio ou instrumento para gerir as 
ilegalidades. Esse observatório político permite um tipo específico de controle e de vigilância social 
muito eficaz. Assim não seria adequado falar de fracasso da prisão. A prisão conseguiu muito bem 
servir para o que desde o início se propôs. Ela não fracassou em sua tarefa de reprimir a ilegalidade, 
mas contribuiu para a criação e a classificação das ilegalidades, elegendo uma – a delinqüência – 
como representante geral de todas as outras, constituindo a ilegalidade popular como a ilegalidade a 
ser punida. Para o autor a prisão é o grande fracasso da justiça penal, pois não diminui a taxa dos 
crimes, mas transforma e produz delinqüentes e é responsável pela grande maioria das 
reincidências. 
 
Em resumo, se a oposição jurídica ocorre entre a legalidade e a prática ilegal, a oposição 
estratégica ocorre entre as ilegalidades e a delinqüência, tipo específico, forma política ou 
economicamente menos perigosa – talvez até utilizável – de ilegalidade; produzir os 
delinqüentes, meio aparentemente marginalizados, mas centralmente controlado; produzir o 
delinqüente como sujeito patologizado (Foucault, 1987: 244). 
 
Para o autor a prisão, de modo geral, não se destina a suprimir as infrações, mas, antes, a 
distingui-las, a distribuí-las, a utilizá-las. Visa não só tornar dóceis os que estão prontos a 
transgredir as leis, mas tendem a organizar a transgressão das leis numa tática geral das sujeições. A 
delinqüência solidificada por sistema penal centrado sobre a prisão representa um desvio de 
ilegalidade para os circuitos de lucro e de poder ilícitos da classe dominante. Na verdade, a lei é 
feita para alguns, a classe mais numerosa e menos esclarecida que, por falta de recursos e educação 
não permaneceram nos limites de caráter “íntegro” – a lei e a justiça proclamam sua dissimetria de 
classe: Cadeia para os pobres e para os ricos as brechas da lei ou suanão aplicação. A penalidade 
seria então uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, de dar terreno a 
alguns, ou fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra. Faz parte dos 
mecanismos de dominação – A penalidade não reprime simplesmente as ilegalidades, ela as 
diferencia, faz sua “economia geral”. Ao mesmo tempo em que há uma “delinqüência de baixo” há 
a de cima, que é a “amplificação” da primeira. Toda uma confrontação da ilegalidade de baixo com 
o sistema de penalidade, ou melhor, de disciplina, fez com que se chegasse à idéia de que não há 
“natureza criminosa, mas jogos de força que segundo a classe a que pertencem os indivíduos, os 
conduzirão ao poder ou à prisão” (Foucault, 1987: 254). 
Michel Foucault, mais de um século depois, analisando o surgimento da prisão refere-se a 
uma aceitação e tolerância de determinadas infrações até o século XVII. Antes da reforma penal no 
fim do século XVIII, as ilegalidades das diversas camadas sociais conviviam lado a lado. Todavia, 
na Segunda metade do século XVIII, o processo tende a se inverter, pois aumenta o número de 
infrações que objetivam a subtração de patrimônio alheio. Com o passar dos séculos XVIII e XIX 
surgem lutas ditas ilegais dos movimentos populares contra a industrialização, regimes políticos - 
efeitos de crises econômicas. Como a propriedade privada é inerente à classe dominante, nada mais 
natural que esta buscasse meios e instrumentos mais eficazes de controlar e proteger seus interesses. 
A partir dos ideais Iluministas, o crime passa a ser visto como uma violação de um direito, passível 
 47 
de reparação. Troca-se os suplícios pelas prisões. Assim, a economia das ilegalidades se 
reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. De maneira mais direta é a posição de 
Roberto Aguiar: 
O que é o crime senão o conjunto de atos que o poder exorciza por ofender a ideologia e costumes 
dominantes, o equilíbrio social imposto, a segurança da dominação, a desigualdade social ou a própria 
sobrevivência (Direito, poder e opressão, São Paulo: Alfa-omega, 1990, p. 131-132). 
Foucault recorre à história para mostrar que ocorrem transformações, mas na micro-função 
continua o mesmo, modifica-se pouco. Ainda hoje a política de segurança é a de vigiar e punir, 
prevenir possibilitaria vigiar pouco e punir menos ainda, mas o verbo “prevenir” parece não constar 
no dicionário político. 
 
 
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Leituras complementares V 
ANEXO I – A Esfera Pública: o comum; A Esfera privada: a propriedade. In: 
Arendt, Hannah. A Condição Humana. Capítulo II, 07 e 08. 
• ANEXO II – Genealogias da Amizade. Ortega, Francisco. São Paulo: Iluminuras, 
2002, páginas: 103 a 109, 138 a 150 e 157 a 162. 
• ANEXO III – Big Brother - In: Revista Jurídica Consulex, ano VIII, no. 169, 31 
de janeiro de 2004. 
 
 
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