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04 - Simplesmente Perfeito

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Simplesmente Perfeito 
Série Escola Miss Martin – 4 
Mary Balogh 
 
 
 
 
Revisão inical: Alcioni 
Revisão final: Lilith 
Formatação: Lucilene 
 Revisado sem fins lucrativos e de fãs para fãs. A comercialização deste produto é estritamente proibida 
 
Resumo: 
Alto, moreno e extraordináriamente sensual, ele é a personificação da perfeição masculina. Não 
que Claudia Martin esteja procurando um amante. Nem um marido. Como proprietária e diretora da 
academia da senhorita Martin em Bath, há muito tempo resignou-se a viver sem amor. 
Até que Joseph, marquês de Attingsborough, chega sem aviso prévio, para fazê-la jogar pela 
janela toda uma vida de decência por uma aventura que só pode conduzi-la à ruína. 
Joseph tem suas próprias razões para procurar Claudia. Irresistivelmente atraído pela delicada 
professora, embarca em um plano de sedução que os levará a desejar algo mais. Mas, como herdeiro 
de um prestigioso ducado, espera-se que Joseph continue com o legado da família. E Claudia sabe que 
não há lugar para ela no mundo dele. 
Agora, o dito mundo está a ponto de ser sacudido pelo escândalo. 
Um casamento com um segredo que irá chocar a sociedade e um homem proveniente do 
passado de Claudia, vão conspirar para separar os amantes. Mas Joseph está decidido a fazer com que 
Claudia seja sua a todo custo. Embora isso signifique desafiar todas as convenções e quebrar todas as 
regras, por um amor que representa tudo que ele sempre desejou e um amor perfeito... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Sobre a Autora: 
 
 
 
Mary Balogh, pseudônimo da Mary Jenkins, nasceu e cresceu em 
Gales, Grã Bretanha, terras de canções e lendas; mas vive no Canadá com seu marido. É professora de 
inglês, e quando seu filho mais velho completou seis anos, tornou-se escritora. Sua primeira romance 
ganhou o prêmio Rita. É uma das autoras mais premiadas e reconhecidas, admirada por seus romances 
vitorianos. 
Simplesmente inesquecível, foi o primeiro romance relacionado com a escola da senhorita Martin 
para senhoritas. 
 Publicou seu primeiro livro em 1985 e escreveu mais de sessenta. Sua afeição pelos romances da 
escritora inglesa Georgette Heyer a levou a escolher, como cenário de suas histórias, o período da 
Regência inglesa. Sua série dos Irmãos Bedwyn, em que Ligeiramente Imoral é a quinta publicação, 
consagrou-a como uma das escritoras mais populares do gênero. Ela é especializada em histórias 
romanticas, mais concretamente no romance da época vitoriana. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Capítulo 01 
 
 Claudia Martin teve um dia difícil na escola. Os problemas começaram justamente antes do café 
da manhã, quando chegou uma mensagem de mademoiselle Pierre, uma das professoras que não 
residiam ali, com a notícia de que estava indisposta, com uma forte enxaqueca e não poderia ir à escola. 
Isto significou que ela, na sua qualidade de proprietária e diretora, teve que cobrir a maioria das aulas 
de francês e música, além das dela. Com as aulas de francês não teve muita dificuldade, mas as aulas de 
música foram mais complicadas. Pior ainda, ficou sem fazer o trabalho nos livros contábeis, que havia 
programado para esse dia em seu horário livre, e o dia em que devia fazer toda uma miríade de tarefas 
que era necessário, acabou-se rapidamente. 
E então, justamente antes da refeição do meio-dia, terminadas as aulas da manhã, na hora em que 
se descuidava mais da disciplina, Paula Hern decidiu que não estava gostando da forma que Molly 
Wiggins estava olhando para ela e expressou seu desgosto eloquentemente. O pai de Paula era um 
homem de negócios rico como Creso1, portanto ela se comportava conforme a posição de seu pai. Molly 
era a menor e mais tímida das meninas em regime gratuito, e nem sequer sabia quem era seu pai. 
Logicamente Agnes Ryde sentiu-se na obrigação de se meter na refrega em vigorosa defesa da 
pisoteada, recuperando seu acento cockney com irritante clareza. Claudia foi obrigada a tomar partido 
no assunto até conseguir desculpas de todas as envolvidas e impor o castigo adequado a todas, com 
exceção da mais ou menos inocente Molly. 
E uma hora depois, quando a senhorita Walton estava prestes a sair com a classe das menores em 
direção à abadia de Bath, onde teriam uma aula informal de arte e arquitetura, começou a cair um 
aguaceiro para pôr fim a este plano, e aí apareceu o problema de encontrar outra atividade para as 
meninas dentro da escola. Claro que isso não era problema dela, mas não pôde deixar de ouvir, pelos 
gritos ruidosos e aborrecidos de decepção das meninas do lado de fora de sua sala de aula de francês, 
onde estava tentando ensinar os verbos irregulares. Finalmente saiu para informá-las que, se tivessem 
qualquer queixa pela chegada prematura da chuva deviam fazê-la pessoalmente a Deus nas orações da 
noite, e que «enquanto isso» até que a Srta. Walton as fizesse entrar em uma sala de aula e fechasse a 
porta, deviam ficar em silencio. 
 
1Você Sabia? O tesouro de Creso: Ele era tão rico que deu origem a expressão: Rico como Creso. E, prisioneiro na corte de Ciro, rei persa que 
conquistou seu país em 546 AC, foi enterrado com um fabuloso tesouro: caixas de marfim, jóias, utensílios de ouro, prata, pedras preciosas. Por 2500 anos 
seu túmulo esteve perdido. Em 1965, um grupo de aventureiros encontrou-o no vale do Rio Hermus, na atual Turquia. As jóias contrabandeadas chegaram 
ao Museu Metropolitano de Arte de NYC e após 6 anos de batalha judicial o tesouro voltou para o seu país. 
 
 
 
 
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E então, quando terminaram as aulas da tarde e as meninas lavavam as mãos e penteavam os 
cabelos, antes de descer e tomar chá, alguma coisa quebrou na maçaneta da porta de um dos quartos 
e oito meninas ficaram trancadas dentro até que o senhor Keeble, o velho porteiro da escola, subiu para 
consertar, e esteve um momento arranhando e fazendo chiar a fechadura entre risadinhas. A Srta. 
Thompson encarregou-se da crise lendo para elas um sermão sobre a paciência e o decoro, embora as 
circunstâncias a obrigaram a falar com um volume de voz que fizessem com que as garotas pudessem 
ouvir de dentro do dormitório e, claro, também chegava a muitas outras partes da escola, entre elas seu 
escritório. 
 Não, não foi o melhor dos dias, acabava de comentar para Eleanor Thompson e Lila Walton, 
enquanto estavam tomando o chá em sua sala de estar privativa, pouco depois que as prisioneiras 
fossem liberadas. Poderia se conformar com menos dias desses. 
E então, mais! 
Para coroar tudo e piorar um dia já difícil, havia um marquês esperando pelo prazer de vê-la no 
salão de visitas. 
Um «marquês», pelo amor de tudo o que é maravilhoso! 
 Isso era o que dizia o cartão com borda prateada que segurava entre dois dedos: o marquês de 
Attingsborough. O porteiro estava com expressão azeda e desaprovadora, expressão nada insólita nele, 
principalmente quando um homem que não era professor do lugar, invadia seu domínio. 
 — Um «marquês» disse, olhando do cartão para suas colegas —. O que ele poderia querer? Ele 
comentou senhor Keeble? 
—Não disse e não perguntei Srta. Mas se me perguntar, ele não traz nada de bom entre as mãos. 
Ele sorriu. 
 — Há! Um pecado mortal, certamente. — Disse Claudia, irônica, enquanto Eleanor ria. 
 —Talvez tenha uma filha que deseja colocar na escola, — sugeriu Lila. 
 —Um «marquês»?— Disse Claudia, com as sobrancelhas arqueadas, silenciando-a. 
 —Talvez Claudia, tenha duas filhas — disse Eleanor, dando-lhe uma piscada travessa. 
 Claudia sibilou,suspirou, tomou outro gole de chá e se levantou com relutância. 
 —Acho que é melhor eu ir ver o que ele quer. Isso vai ser mais produtivo que continuar sentada 
aqui adivinhando. Mas que aconteça isto justamente hoje. Um «marquês». 
Eleanor voltou a rir. 
— Pobre homem. Tenho pena dele. 
Claudia nunca aceitou muito bem os aristocratas. Essas pessoas, no seu modo de pensar, eram 
pessoas ociosas, arrogantes, insensíveis e antipáticas, embora o casamento de duas de suas professoras 
e amigasíntimas com cavalheiros com título tinham-na obrigado a reconhecer nesses últimos anos que 
talvez «alguns» deles poderiam ser simpáticos e inclusive valiosos. 
Mas não a divertia que um deles, um desconhecido, invadisse seu mundo sem « sua permissão», 
principalmente no final de um dia difícil. 
Não acreditava nem por um instante que esse marquês desejasse colocar uma filha em sua escola. 
 
 
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Desceu a escada na frente do senhor Keeble porque não desejava acompanhar seu passo de 
tartaruga. Deveria, pensou ela, ter ido primeiro a seu quarto e comprovar se estava com aparência 
respeitável. Normalmente preocupava-se em apresentar uma aparência discreta diante das visitas. Mas 
não se dignaria a fazer esse esforço por um «marquês», arriscando-se a parecer servil a seus olhos. 
 Quando abriu a porta do salão de visitas já estava arrepiada por uma indignação bastante 
injustificada. Como se atrevia esse homem a incomodá-la em sua propriedade, fosse qual fosse o 
assunto que o trazia? 
Olhou o cartão que ainda estava entre seus dedos. 
 —Marquês de Attingsborough? — Perguntou, com voz não diferente da que empregou com 
Paula Hern ao meio-dia, uma voz que dizia que de maneira nenhuma ia se deixar impressionar pela sua 
presunção de grandeza. 
Ele estava de pé do outro lado da sala, perto da janela. 
— Para servi-la, senhora — disse ele, inclinando-se— Srta. Martin, suponho? 
A indignação de Claudia subiu às nuvens. Um só olhar não era suficiente para fazer um bom 
julgamento sobre seu caráter, claro, mas, francamente, se o homem tivesse alguma imperfeição no 
corpo, nos traços ou no seu gosto para vestir-se, isto não era visível. Era alto, de ombros e peitos largos 
e delgado nio corpo e quadris; as pernas eram longas e bem torneadas, o cabelo preto abundante e 
brilhante, seu rosto bonito, seus olhos e sua boca indicavam que tinha bom humor. Vestia-se com 
impecável elegância, mas não possuía sequer um traço de ostentação. Somente suas botas hessianas 
deviam custar uma fortuna e calculou que caso se aproximasse para olhá-las de perto, veria refletido 
seu rosto e talvez seu cabelo despenteado e a gola amassada do vestido. 
Juntou as mãos diante da cintura, frustrando o costume de tentar tocar-se no pescoço. 
Continuava com o cartão sustentado entre o polegar e o indicador. 
 —Em que posso servi-lo, senhor? — perguntou ela, evitando propositalmente, chamá-lo de 
«milorde», ridículo e afetado tratamento, em sua opinião. 
 Ele sorriu, e se fosse possível aumentar a perfeição, acabava de ocorrer; tinha bons dentes. 
Fortaleceu-se para resistir ao encanto que com certeza ele possuía a toneladas. 
 — Venho como mensageiro, senhora — colocou a mão em um bolso interior e tirou um papel 
dobrado e selado — de lady Whitleaf. 
 Claudia deu outro passo entrando na sala. 
 — De Susanna? 
 Susanna Osbourne foi professora na escola até seu casamento no ano anterior com o visconde 
Whitleaf. Embora ela sempre ficasse feliz com a boa sorte de Susanna por esse bom casamento, que foi 
por amor, continuava lamentando sua perda como amiga querida, colega «e» boa professora. No 
período de quatro anos perdeu três dessas amigas, pela mesma causa. Às vezes era difícil não deprimir-
se egoistamente por tudo isso. 
 — Quando ela soube que eu viria a Bath — disse o marquês, — para passar uns dias com meus 
pais, já que meu pai está tomando as águas, pediu-me que viesse aqui para apresentar meus respeitos, 
e deu-me esta carta, talvez para convencê-la de que não sou um impostor. 
 
 
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 Seus olhos voltaram a sorrir enquanto atravessava a sala para entregar a carta a ela. E ela viu que 
os olhos dele eram de um azul claro quase como o de um céu de verão. 
Susanna solicitou que devia apresentar seus respeitos? Por que? 
 — Whitleaf é primo de uma prima minha — explicou ele— Ou uma quase prima, em todo caso. É 
complicado, como são os parentescos. Lauren Butler, viscondessa de Ravensberg, é minha prima porque 
sua mãe casou-se com o cunhado de minha tia. Somos muito amigos desde criança. E Whitleaf é primo 
de primeiro grau de Lauren. Portanto, em certo sentido, ele e sua mulher têm uma grande importância 
familiar para mim. 
Se ele era marquês, pensou Claudia, assaltada por uma repentina suspeita, e seu pai estava vivo, 
que título tinha seu pai? Mas estava ali a pedido de Susanna, portanto correspondia a ela 
comportar-se um pouco melhor que só glacialmente educada. 
 — Obrigada por vir pessoalmente entregar a carta — disse ela—. Estou muito agradecida, senhor. 
Gostaria de uma xícara de chá? — ofereceu, ordenando mentalmente que ele dissesse não. 
—Não queria dar trabalho nenhum, senhora — disse ele, sorrindo outra vez—. Entendi que 
dentro de dois dias sai de viagem para Londres. 
 Ah, Susanna devia ter lhe dito. O senhor Hatchard, seu agente de negócios em Londres, havia 
encontrado emprego para duas das garotas mais velhas, as duas de regime gratuito, mas mostrou-se 
extraordinariamente evasivo a respeito da identidade dos possíveis empregadores, mesmo que ela 
tenha perguntado especificamente em sua última carta. Logicamente, as alunas que pagavam, possuíam 
famílias que se ocupavam de seus interesses, e ela atribuiu-se o papel da família das outras e jamais 
deixava nenhuma garota partir se não tivesse um emprego ajustado e cujo futuro emprego estivesse 
bem esclarecido. 
Por sugestão de Eleanor, ia a Londres com Floresce Bains e Edna Wood para saber exatamente em 
que casas seriam professoras e retirar seu consentimento se não estivesse satisfeita. Até faltavam 
algumas semanas para que finalizasse o ano escolar, mas Eleanor assegurou-lhe que estava 
perfeitamente disposta e capaz de tomar conta de assuntos durante a ausência de Claudia, que não 
duraria mais que uma semana ou dez dias. Ela aceitou viajar, porque havia outro assunto que desejava 
falar pessoalmente com o senhor Hatchard. 
 — Sim —respondeu. 
 —Whitleaf pensou em enviar uma carruagem para sua comodidade — disse o marquês—, mas eu 
disse que era absolutamente desnecessário que tivesse esse trabalho. 
 —É obvio —disse Claudia—. Já aluguei uma carruagem. 
 — Me encarregarei de cancelá-la, se me permitir, senhora. Penso voltar para a cidade no mesmo 
dia e será um prazer para mim oferecer-lhe a comodidade de minha carruagem e minha proteção 
durante a viagem. 
Vamos, não permita Deus! 
 —Isso será absolutamente desnecessário, senhor —disse com firmeza. — Já tenho tudo 
organizado. 
 
 
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—As carruagens de aluguel são famosas por sua falta de molas de suspensão e de 
todas as demais comodidades. Suplico-lhe que reconsidere. 
 —Talvez não tenha entendido senhor. Na viagem me acompanharão duas alunas. 
 —Sim, isso me informou lady Whitleaf. São muitos faladeiras? Ou, pior ainda, não param de rir? 
As damas muito jovens têm uma atroz tendência a fazer ambas as coisas. 
 — Eu ensinei as minhas meninas a se comportarem corretamente, lorde Attingsborough —
repôs ela friamente e só então viu a piscada em seus olhos e compreendeu que tinha sido uma 
brincadeira. 
— Não duvido senhora, e tenho a certeza de que posso confiar em sua palavra. Permita, porfavor, 
que acompanhe as três até a casa de lady Whitleaf. Ela ficará impressionada com minha galanteria e 
com certeza falará a respeito disso entre meus familiares e amigos. 
Bom, estava dizendo pura tolice. Mas como podia recusar decentemente o oferecimento? 
Desesperada, procurou em sua cabeça algum argumento irrefutável que pudesse dissuadi-lo, mas não 
lhe ocorreu nenhum que não fosse descortês ou francamente grosseiro. Mas preferia viajar mil milhas 
em uma carruagem sem molas de suspensão antes que ir a Londres em companhia dele. Por que? 
Acaso o título e a magnificência dele a intimidava? Diante desta ideia ficou arrepiada. 
 Sua...virilidade, então? Sentia-se desagradavelmente consciente de que ele possuía isso ao 
extremo. 
 Mas que ridículo! Era simplesmente um cavalheiro que se mostrava cortês com uma 
solteirona, que por casualidade era amiga da esposa do primo de sua quase prima. Bom Deus! Era tênue 
o parentesco. Mas tinha uma carta de Susanna na mão. Era evidente que ela confiava nele. 
 Uma solteirona velha? Tratando-se de idade, pensou, provavelmente não havia muita diferença 
entre eles. Bom, isso seria certo pensar. Aí estava esse homem, claramente no auge de sua atração 
masculina, com uns trinta e cinco anos, e aí estava ela. 
 Ele a olhava com as sobrancelhas arqueadas e os olhos sorridentes. 
 —Ah, muito bem — disse ela, energicamente —. Mas é bem possível que viva para lamentar 
seu oferecimento. 
 Ele alargou o sorriso e a indignada Claudia viu que a beleza desse homem era infinita. Tal como 
suspeitava, tinha um encanto que parecia gotejar por todos os seus poros e, portanto, era um homem 
em que não podia confiar nenhum pouco, enquanto estivesse em sua presença. Vigiaria 
conscientemente suas duas meninas durante a viagem a Londres. 
—Espero que não, senhora — disse ele—. Sairemos cedo? 
 — Essa era minha intenção — Disse ela e acrescentou a contra gosto:— Obrigado, lorde 
Attingsborough. Você é muito amável. 
 — Será um prazer, Srta. Martin. — Ele se curvou profundamente novamente. — Posso pedir um 
pequeno favor em troca? Seria possível que me deixasse fazer um percurso pela escola? Confesso que 
me fascina a ideia de um estabelecimento que dá educação para meninas. Lady Whitleaf falou-me com 
entusiasmo de seu estabelecimento. Ela deu aulas aqui, pelo que entendi. 
 
 
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 Claudia respirou lenta e profundamente pelas narinas dilatadas. Que motivo poderia ter esse 
homem para fazer uma incursão por uma escola de meninas além de ociosa curiosidade, ou algo pior? 
Seu instinto dizia para negar. Mas acabava de aceitar um favor dele, e era um grande favor na verdade: 
não duvidava de que sua carruagem seria muitíssimo mais confortável do que aquela que havia alugado 
e nem de que ele as tratariam com mais respeito em todas as barreiras de pedágio em que passariam e 
em todas as pousadas em que parariam para trocar os cavalos. Além disso, era um amigo de Susanna. 
 Mas, francamente! 
 Acreditou que esse dia não pudesse ficar pior. Equivocou-se. 
 —É obvio. Eu mesma o acompanharei — disse secamente girando-se para a porta. 
 Ela mesma teria aberto a porta, mas ele passou ao seu lado, envolvendo-a durante um alarmante 
momento no sedutor aroma de uma colônia masculina asquerosamente cara sem dúvida, abriu a porta 
e com um sorriso indicou que ela saísse primeiro ao vestíbulo. 
 Pelo menos, pensou, as aulas já teriam terminado e as meninas estariam a salvo na sala de jantar, 
tomando chá. 
 Estava enganada também, recordou no instante em que abriu a porta da sala de arte. Não 
faltava muito para a festa de fim de ano e estavam fazendo todo o tipo de preparativos e 
ensaios, cada dia da semana mais ou menos. 
 Umas poucas garotas estavam trabalhando com o senhor Upton na cortina de fundo do cenário. 
Todas as alunas voltaram-se quando a porta foi aberta e contemplaram com os olhos arregalados 
e com a boca escancarada, para o grandioso visitante. Claudia se viu obrigada a apresentá-lo ao 
professor. Depois de estreitar a mão dele, o marquês aproximou para olhar a obra de arte e fez algumas 
perguntas inteligentes. O senhor Upton sorria abertamente quando alguns minutos depois saíram da 
sala e todas as garotas permaneceram olhando para o marques com a fisionomia de adoração. 
 Então o levou a sala de música, onde as garotas do coro estavam praticando um madrigal2 na 
ausência de mademoiselle Pierre sob a supervisão da senhorita Wilding. Quando abriu a porta estavam 
cantando muito alto, com vozes dissonantes e irritantes e então, muito tímidas, soltaram risadinhas 
nervosas, enquanto a Srta. Wilding ficava vermelha, com expressão consternada. 
 Com as sobrancelhas arqueadas Claudia apresentou o marquês à professora e explicou que a 
professora de música estava indisposta, apesar de que enquanto dizia isso, sentia-se aborrecida consigo 
mesma por pensar que era necessária uma explicação. 
 — Cantar madrigais — ele sorriu dizendo para as meninas: — pode ser muito satisfatório mas 
também pode ser frustrante, não é? Talvez só uma pessoa no grupo cante a mesma voz de um e seis ou 
oito uivando outra coisa muito diferente. Se a pessoa aliada vacila, se perde tudo sem esperanças de 
recuperação. Nunca dominei a arte quando estava no colégio, devo confessar. Durante minha primeira 
 
2Você sabia? Madrigal é um gênero musical profano que surgiu entre os séculos XIII e XVI.O madrigal aborda assuntos heróicos, pastoris, e até 
libertinos. Por sua flexibilidade, que nenhuma outra forma musical havia até então oferecido aos músicos, assim como pela variedade dos textos sobre os 
quais se constrói, ele favorece a imaginação criadora e o lirismo de expressão. 
 
 
 
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prática, alguém me sugeriu que deveria tentar entrar na equipe de criquet, que estava sendo jogado na 
mesma hora. 
 As meninas riram visivelmente relaxadas. 
 — Com certeza há algo em seu repertório que podem cantar com perfeição — continuou ele. 
Voltou seu rosto sorridente para a Srta. Wilding—. Poderia ter a honra de ouvir? 
 — O Cuco, senhorita —sugeriu Sylvia Hetheridge, e a isso seguiu um murmúrio de aprovação das 
demais. 
 E cantaram O Cuco a cinco vozes sem enganar-se nenhuma só vez e sem nenhuma nota 
dissonante, e uma gloriosa chuva de «cucos» ressoou na sala cada vez que chegavam ao coro da canção. 
 Quando terminaram, todas olharam para o marquês de Attingsborough como se ele fosse um 
membro da realeza em visita, e então ele aplaudiu sorrindo. 
 — Bravo! — exclamou —. A habilidade de vocês me impressiona, por não dizer a beleza de suas 
vozes. Estou convencido mais que nunca de que fiz bem ao continuar com o criquet. 
 Quando saíram da sala as meninas estavam rindo e olhando-o com adoração. 
 Na sala de baile estava o senhor Huckerby ensinando um grupo de meninas os passos de uma 
contradança particularmente complicada que executariam durante a festa de fim de ano. O marquês 
estreitou a mão dele e sorriu para as meninas, admirou a atuação delas e as enfeitiçou, até que todas 
sorrissem e, como não, olhando-o com adoração. 
 Enquanto Claudia mostrava algumas das salas de aula desocupadas e a biblioteca, ele lhe fez 
perguntas inteligentes e sagazes. Não parecia ter nenhuma pressa enquanto passeava por elas e logo lia 
os títulos de muitos dos livros. 
 — Havia um piano na sala de música — comentou, quando foram em direção à sala de costura e 
outros instrumentos. Em particular vi um violino e uma flauta. Oferecem aulas particulares de música 
aqui, senhorita Martin? 
 — Certamente. Oferecemos todo o necessário para fazer de nossas alunas damas peritas, além de 
pessoas com uma sólida educaçãoacadêmica. 
Ele passeou o olhar pela sala de costura, mas não entrou. 
 —E ensinam outras habilidades além de costurar e bordar? Trabalho de ponto, talvez? Trabalho 
em rendas? Agulha de crochê? 
— As três coisas —respondeu ela, fechando a porta e levando-o para o salão de atos, que antes, 
quando era uma casa particular, havia sido um salão de baile. 
— É uma sala agradavelmente desenhada — Ele comentou, situando-se no meio do brilhante piso 
de madeira e dando toda uma volta, para logo olhar o elevado teto abobadado.— Na realidade, eu 
gosto de todo o colégio, senhorita Martin. Há janelas e luz em toda parte e uma atmosfera agradável. 
Obrigado por guiar-me nesse percurso. 
 Olhou-a com seu mais encantador sorriso, e ela, ainda com o cartão de visita dele e a carta de 
Susanna na mão, agarrou o punho que estava livre e o olhou intencionadamente severa. 
 —Alegra-me que aprove —disse ela. 
 Ele interrompeu o sorriso um momento e em seguida riu baixinho. 
 
 
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 —Rogo-lhe que me desculpe. Ocupei muito de seu tempo. 
 Dizendo isso indicou a porta com o braço e ela saiu diante dele em direção ao vestíbulo, pensando 
e chateada por imaginar que de certo modo agiu com descortesia, porque com essas últimas palavras 
tinha pretendido ser irônica, e ele percebeu. 
 Mas antes que chegassem ao vestíbulo foram forçados a parar porque nesse momento estavam 
saindo da sala de jantar em uma ordenada fila, as alunas menores, em direção à sala de estudo, onde 
ficariam fazendo os deveres que não haviam terminado em classe ou leriam, escreveriam cartas ou 
bordariam. 
 Todas giraram as cabeças para olhar o grande visitante, e o marquês de Attingsborough sorriu 
afavelmente, as incitando a soltar risadinhas enquanto continuavam seu caminho. 
Todas demonstravam, pensou Claudia, inclusive as garotas de onze e doze anos que eram 
incapazes de resistir aos encantos de um homem bonito. Isso era mau presságio, ou continuava sendo 
um mau presságio, para o futuro da metade feminina da raça humana. 
O senhor Keeble, com um feroz sobrecenho, bendito seu coração, tinha em suas mãos o chapéu e 
a bengala do marquês e estava ao lado da porta para desafiá-lo a tentar prolongar sua visita. 
 —Será então, depois de amanhã na primeira hora, senhorita Martin? — Disse o marquês 
agarrando seu chapéu e bengala e voltando-se para ela enquanto o senhor Keeble abria a porta e ficava 
de um lado, preparado para fechá-la logo que ele saísse. 
 —Estaremos preparadas — respondeu ela, assentindo com a cabeça. 
 E por fim partiu. Não deixou Claudia com uma disposição amável para ele. O que foi tudo «isso»? 
Desejou ardentemente poder retroceder meia hora e recusar seu oferecimento de acompanhá-las a 
Londres depois de amanhã. Mas não podia retroceder, e já estava feito. 
Entrou em seu escritório e olhou-se no pequeno espelho que estava no lado interior da porta, e 
que quase nunca o utilizava. 
 Meu Deus, caramba. Sim que seu cabelo estava emaranhado e opaco; várias mechas escaparam 
do coque na nuca. Tinha uma tênue mancha de tinta em um lado do nariz, que ficou quando tentou 
tirar com o lenço. Uma ponta da gola estava ligeiramente dobrada para cima e o pescoço desfocado. 
Arrumou tudo, muito tarde, claro. 
 Homem horrendo! Não estranhava que seus olhos riam dela com frequência. 
 Recordando a carta de Susanna, rompeu o selo e a desdobrou. Joseph Fawcitt, marquês de 
Attingsborough era filho e herdeiro do duque de Anburey. Leu no primeiro parágrafo, e fez uma careta. 
Ele as levaria para Londres quando saísse de Bath, e não devia vacilar em aceitar. Era um cavalheiro 
amável e encantador e absolutamente digno de confiança. 
 Ao ler isso arqueou as sobrancelhas e apertou os lábios. 
 Mas não demorou tornar-se evidente o principal motivo da carta de Susanna. Frances e Lucius (o 
conde de Edgecombe, seu marido) acabavam de voltar do Continente, e Susanna e Peter estavam 
organizando um concerto em sua casa e Frances cantaria nesse concerto. Portanto, simplesmente 
devia estender sua estadia em Londres para ouvi-la, e simplesmente devia alongá-la um pouco mais 
para desfrutar de alguns outros eventos da temporada também. Se Eleanor Thompson havia expressado 
 
 
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sua disposição em cuidar da escola durante uma semana, com certeza que estaria disposta a cuidar 
outra semana ou mais, e então, já estaria a ponto de acabar o trimestre do verão. 
 Claudia teve que reconhecer que o convite para ficar mais tempo era tremendamente tentador. 
Frances foi sua primeira amiga e professora que se casou. Após o casamento, com o incentivo de um 
marido extraordinariamente progressista, dedicava-se a cantar para o público, e era muito famosa e 
solicitada em toda a Europa. Acompanhada pelo conde viajava durante vários meses cada ano pela 
Europa, de capital em capital para cumprir com os diversos contratos. 
Não a via há um ano, e seria maravilhoso vê-la e também a Susanna durante a próxima semana, 
ou duas, e passar um tempo com elas. Mas ainda assim... 
 Havia deixado a porta do escritório aberta, e Eleanor colocou a cabeça depois de bater 
levemente. 
 —Eu a substituirei na vigilância da sala de estudo esta noite, Claudia — disse ela —. Você teve um 
dia muito ocupado. Seu visitante aristocrático não a comeu viva, então? A escola chocalhou com seus 
louvores. 
 — Susanna o enviou — explicou Claudia fazendo uma careta—. Ofereceu-se para me levar assim 
como Edna e Flora em sua carruagem quando voltar para Londres depois de amanhã. 
 —Ah, caramba —exclamou Eleanor, entrando—. E eu perdi isso. É de esperar que ele seja alto, 
moreno e bonito. 
 —As três coisas. Também é filho de um duque! 
 —Basta com isso —disse Eleanor levantando as mãos abertas—. Deve ser o pior dos canalhas. 
Embora algum dia, espero convencê-la de que meu cunhado, o duque de Bewcastle, não é um canalha. 
 —Mmm —murmurou Claudia. 
 O duque de Bewcastle foi seu empregador durante um tempo, no curto período em que ela foi a 
instrutora de sua irmã e pupila lady Freyja Bedwyn. Eles não se separaram no melhor dos termos, 
falando de maneira suave, e após isso, passou a sentir uma forte aversão pelo duque e por todos os que 
tinham esse título. Embora, fosse verdade, sua antipatia pelos duques não começou com ele. 
Mas se compadecia de todo coração pela irmã mais nova de Eleanor por estar casada com esse 
homem. A pobre duquesa era uma dama extraordinariamente amável, e tinha sido professora antes de 
casar-se. 
—Frances está de volta a Inglaterra — contou a Eleanor—. Ela vai cantar em um 
Concerto que Susanna concerto e o visconde estão organizando. Susanna gostaria que eu ficasse 
mais tempo para aproveitar outros entretenimentos da temporada. É uma lástima que isto não ocorra 
depois do fim do ano escolar. Mas claro, então terá acabado a temporada também. Logicamente eu 
não tenho a mínima aspiração de mover-me nos círculos aristocráticos. E só de pensar nisso tenho 
calafrios. Claro que seria fabuloso ver Susanna e Frances e passar um tempo na companhia delas. Mas 
isso posso fazer em outra ocasião, preferivelmente no campo. 
Eleanor estalou a língua. 
 —Pois claro que deve ficar em Londres mais alguns dias, Claudia. Isso é o que pediu lady Whitleaf 
e eu lhe sugeri este tempo. Sou muito capaz de dirigir a escola durante algumas semanas e de 
 
 
13 
pronunciar um discurso convenientemente comovedor em seu nome, na reunião geral da festa de fim 
de ano. E se deseja ficar mais algum tempo, deve ficar sem sentir o menor escrúpulo. Tanto Lila quanto 
eu, ficaremos aqui no verão para cuidar das garotas de regime gratuito, e Christine renovará seu convite 
para que as leve para passar umas semanas em Lindsey Hall enquanto ela e Wulfric visitamoutras de 
suas propriedades. Isso me daria a oportunidade de passar algum tempo com minha mãe. 
Christine e Wulfric eram os duques de Bewcastle; Lindsey Hall era a sede principal do duque em 
Hampshire. O convite tinha assombrado Claudia quando chegou, e não pôde deixar de pensar se a 
duquesa teria consultado seu marido antes de fazer o convite. Mas claro, as meninas internadas em 
regime gratuito já se alojaram em Lindsey Hall uma vez, há um ano na realidade, no casamento de 
Susanna, e o duque estava residindo aí desde então. 
— Deve ficar — insistiu Eleanor— Realmente, deve me prometer que ficará pelo menos duas 
semanas. Caso contrário, vou ficar ofendida. Acreditarei que não confia em mim para que ocupe seu 
posto aqui. 
— Pois claro que confio em você — disse Claudia, sentindo-se vacilar. Embora, que argumento 
poderia dar para não ficar?—. Seria agradável; tenho que reconhecer... 
 —Claro que seria —disse Eleanor energicamente—. É obvio que «será». Acertado, então. Agora 
irei para a sala de estudo.Levando em conta como transcorreu o dia de hoje, há muitas possibilidades de 
que algumas carteiras acabem como estilhaço para o fogo ou que comece algum tipo de batalha campal 
se não chegar lá depressa. 
Quando Eleanor saiu, Claudia sentou-se diante de sua escrivaninha e dobrou a carta de Susanna. 
Que dia mais estranho! Teve a impressão de que durou pelo menos quarenta e oito horas. 
 E que diabos ela conversaria durante todas as horas da viagem para Londres? Como ia impedir 
que Flora tagarelasse e Edna não parasse de rir com uma boba? Desejou ardentemente que o 
marquês de Attingsborough tivesse pelo menos sessenta anos e parecesse um sapo. Talvez assim não 
ficasse tão intimidada por ele. 
O emprego dessa palavra em seu pensamento a deixou toda arrepiada outra vez. 
Intimidada? 
Ela? 
Por um simples «homem»? 
Por um «marquês»? Herdeiro de um «ducado»? Pois, não lhe daria essa satisfação, pensou 
indignada, como se ele houvesse expressado o desejo evidente de vê-la rastejar servilmente a seus pés. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
Capítulo 02 
 
— Lembre-se do que falamos — disse o duque de Anburey estreitando a mão de seu filho Joseph, 
marquês de Attingsborough. 
Não era uma pergunta. 
—Claro que se lembrará disso, Webster —falou a duquesa, abraçando e beijando seu filho. 
Tinham tomado o café da manhã na casa do edifício Royal Crescent onde viviam os duques 
durante sua estadia em Bath. A preocupação pela saúde de seu pai e, devia reconhecer, seu 
chamado, trouxe Joseph para Bath há uma semana, na metade da temporada da primavera. 
 No inverno seu pai apanhou um resfriado e não estava totalmente recuperado, quando chegou o 
momento em que teria que voltar para Londres para assistir os debates da Câmara dos Lordes; 
portanto, ficou em sua casa de campo e cedeu à insistência de sua esposa de que fosse a Bath para 
provar as águas, mesmo que ele sempre tivesse desprezado este lugar e as pessoas que iam banhar-se e 
beber desta água para melhorar a saúde. 
Ao chegar a Bath comprovou que seu pai estava aparentemente recuperado. Certamente 
estava bem o bastante para queixar-se da insipidez dos jogos de cartas e de outras diversões com as 
quais esperava entreter-se, e do encantado entusiasmo com que o recebiam em qualquer lugar que 
fosse, em especial em Pump Room. 
A duquesa, em troca, estava curtindo encantada justamente com as coisas de que ele se queixava. 
O marques tinha a impressão de que sua mãe estava deleitando-se mais do que normalmente fazia em 
Londres nessa época do ano. 
 De todo o modo, seu pai insistia em que não estava tão forte e são como gostaria de estar. Em 
uma conversa particular disse a Joseph que suspeitava que o prolongado resfriado havia 
debilitado seu coração, e que seu médico de Bath não o contradisse nisso, embora na realidade 
tampouco tivesse confirmado seus temores. De qualquer forma, o duque tinha começado a pôr em 
ordem seus assuntos. 
E o primeiro de sua lista era referente a seu filho e herdeiro. 
 Joseph tinha trinta e cinco anos e ainda permanecia solteiro. Pior ainda, consequência direta de 
estar solteiro, não possuía nenhum filho. A sucessão não estava assegurada. 
O duque de Anburey havia tomado medidas para remediar isso, e antes de chamá-lo, convidou 
lorde Balderston para vir de Londres e os dois conversaram sobre a conveniência de acertar um 
casamento entre seus filhos: o marquês de Attingsborough e a senhorita Portia Hunt. 
Combinaram compartilhar com seus filhos («compartilhar» era um simples eufemismo para não 
dizer «ordenar») seus desejos e depois esperar um feliz resultado antes que terminasse a temporada. 
E esse foi o motivo de que o fizesse vir de Londres. 
— Não me esquecerei disto, senhor — disse ao terminar de abraçar sua mãe—. Não me ocorre 
nenhuma dama mais apropriada que a senhorita Hunt para ser minha esposa. 
 
 
15 
 O qual era muito certo se só levasse em conta que sua esposa seria também sua marquesa, e a 
futura duquesa de Anburey «e» a mãe do futuro duque. A linhagem da senhorita Hunt era impecável; 
também eram sua aparência e suas maneiras. Em seu caráter tampouco via grande motivo para pôr 
objeção. Passou bastante tempo em sua companhia há alguns anos, depois que ela acabasse sua relação 
com Edgecombe e obviamente desejava demonstrar diante da alta sociedade que seu coração não 
estava partido; Ele admirou o ânimo e a dignidade dela. E nos anos transcorridos desde aquilo havia 
dançado várias vezes com ela em bailes e conversado de vez em quando em outras reuniões sociais. Há 
apenas duas ou três semanas atrás a levou para passear em seu tílburi pelo Hyde Park na hora do 
passeio dos elegantes. Mas nunca, nunca, até esse momento, passou pela sua cabeça a ideia de cortejá-
la. 
 Agora devia, é obvio. Não lhe ocorria nenhuma mulher com a qual preferisse casar-se. Este não 
era um argumento sólido a favor de casar-se com a senhorita Hunt, certo, mas claro, a maioria dos 
homens com seu título, casavam-se mais pela posição que pelo afeto. 
Já na porta da casa, abraçou seu pai, voltou a abraçar e a beijar sua mãe e prometeu que não 
esqueceria nenhuma das muitas mensagens que memorizara para dar a sua irmã Wilma, condessa de 
Sutton. Depois olhou para sua carruagem, e comprovou que já haviam carregado toda sua bagagem e 
que seu valete estava sentado na boleia ao lado de John. Então saltou à sela do cavalo que havia 
alugado para a primeira fase da viagem de volta a Londres. 
 Levantou a mão despedindo-se de seus pais, soprou outro beijo para sua mãe e empreendeu a 
marcha. 
 Sempre era difícil despedir-se dos entes queridos. E desta vez foi pior, ao saber que seu pai bem 
poderia continuar debilitando-se. Entretanto, ao mesmo tempo, seus pensamentos saltaram para frente 
com inegável entusiasmo. 
Por fim estava a caminho de casa. 
Fazia mais de uma semana que não via Lizzie, e ansiava em voltar a vê-la. Ela vivia, há mais de 
onze anos, na casa que ele comprou há treze anos atrás, quando era um jovem e que gostava de farrear 
pela cidade, para as amantes que empregava com assiduidade. 
Embora só estivesse servindo-se de uma. Depois, terminou seu tempo de «usá-la». 
 Sempre levava presentes para ela. Agora estava levando um leque com plumas e um frasco de 
perfume, pois sabia que ela adoraria as duas coisas. Jamais podia resistir em lhe dar presentes e ver seu 
rosto iluminado pelo prazer. 
 Era consciente de que se não tivesse se oferecido para acompanhar a Srta. Martin e as suas duas 
alunas a Londres, faria toda a viagem em um dia. Mas não lamentava esse oferecimento. Era o tipo de 
galanteria que lhe custava muitopouco, a não ser talvez pelo dia extra na estrada. De qualquer maneira, 
decidiu que lhe convinha alugar um cavalo para a viagem. Estar dentro da carruagem com uma 
professora e duas alunas durante toda a viagem poderia ser uma carga para seus nervos normalmente 
bem temperados. 
Teve a clara impressão de que a Srta. Martin não o tolerava, embora não pudesse imaginar qual 
seria exatamente sua objeção contra ele. Geralmente as mulheres o aprovavam, talvez porque 
 
 
16 
normalmente elas gostassem dele. Mas a Srta. Martin olhou para ele com expressão bastante azeda, 
inclusive antes que lhe pedisse para percorrer a escola, o que de verdade o interessava. 
 A carruagem e o cavalo desceram pela colina até o rio, continuaram pela rua até atravessar a 
Pulteney Bridge e viraram em direção à escola. 
Seus lábios curvaram-se ao recordar seu encontro com a Srta. Martin. Era a essência da professora 
solteirona. Um prático e simples vestido azul, por não dizer feio, que a cobria do pescoço aos punhos e 
tornozelos. O cabelo castanho recolhido com cruel severidade em um coque na nuca, embora estivesse 
um pouco despenteado, parecendo até que o seu dia foi muito ocupado. Não era particularmente alta 
nem muito magra, embora sua postura com as costas retas como uma vara dava a impressão de ambas 
as coisas. Mantinha os lábios apertados quando não estava falando, e em seus olhos cinza azulados 
refletia-se uma aguda inteligência. 
Divertiu-se ao comprovar que essa era a mulher de que falava Susanna com tanto afeto como uma 
de suas mais queridas amigas. A viscondessa era baixa, vivaz e de uma rara beleza; no entanto, não era 
impossível imaginá-la dando aulas na escola. Por mais seca e severa que parecesse a diretora quando 
esteve com ele, com certeza fazia bem as coisas. Todas as garotas e professoras que viu pareciam 
bastante felizes e em toda a escola havia uma atmosfera geral que gostou. Não era uma atmosfera 
opressiva, como eram as de muitos colégios. 
Sua primeira impressão foi que a Srta. Martin tinha idade suficiente para ser a mãe de Susanna; 
mas agora, após refletir sobre essa impressão, possivelmente ela não fosse mais velha que ele. 
Trinta e cinco anos era uma idade horrenda para um homem solteiro herdeiro de um ducado. Já 
antes da recente entrevista com seu pai sentiu certa inquietação sobre a necessidade de cumprir com 
seu dever, casando-se e produzindo o próximo herdeiro. Agora já era algo que não podia continuar 
ignorando nem deixando para mais tarde. Durante anos ele resistiu a todas as pressões do tipo 
matrimonial. Com todos os seus defeitos, que sem dúvida eram muitos, era partidário das relações 
monógamas. E como poderia casar-se estando irrevogavelmente mantendo uma amante? Mas parecia 
que já não podia continuar resistindo. 
 Ao chegar no final da Great Pulteney Street a carruagem e o cavalo executaram uma série de 
voltas até chegar à porta da escola na Daniel Street. Alguém devia estar olhando pela janela, 
compreendeu imediatamente, porque assim que a carruagem parou, balançando-se sobre suas molas 
de suspensão, abriu-se a porta da escola e saiu um grupo de meninas para a calçada, um bom número 
delas, todas em um estado de grande agitação. 
 Algumas gritavam, talvez pela vista da carruagem, que na realidade era bastante esplêndida, ou 
talvez ao ver seu cavalo, que não parecia nada esplêndido, mas era o melhor que conseguiu, devido as 
circunstâncias, e pelo menos não coxeava em nenhuma das quatro patas. Ou talvez gritassem ao vê-lo. 
Interessante ideia!, Embora sem dúvida já estivesse muito velho para produzir nelas intensas reações de 
prazer romântico. Outras quantas estavam chorando sobre seus lenços, e que alternavam lançando-se 
em volta das duas que levavam capas e, que sem dúvida eram as viajantes. Outra menina, ou talvez 
«jovem lady» seria a definição mais correta, pois parecia ser três ou quatro anos mais velha que as 
demais, exortavá-as a formar duas filas sem nenhum resultado. 
 
 
17 
Com certeza era uma professora, supôs. 
 O velho porteiro de cara azeda, cujas botas rangiam como há dois dias, deixou duas malas em um 
degrau da escada e olhou para John como lhe dizendo que era sua responsabilidade levar as malas até 
seu lugar na carruagem. 
 Uma das viajantes não parava de falar levianamente dirigindo-se a qualquer uma que quisesse 
escutá-la, e que não também. A outra estava chorando. 
Ele contemplava a caótica cena do alto de seu cavalo com amistoso bom humor. 
 Então a Srta. Martin apareceu na calçada e um notável silêncio surgiu entre as meninas, embora a 
segunda viajante continuasse soluçando. Atrás dela saiu outra dama e que falou com as meninas com 
muito mais autoridade que demonstrou ter a professora mais jovem. 
— Garotas — disse ela — Aborreceram tanto à senhorita Walton para sairem com vocês até aqui? 
Despediram-se de Flora e Edna no café da manhã, portanto, não deveriam estar nas classes? 
—Saímos para nos despedir da Srta. Martin, senhorita — disse uma garota ousada e rápida para 
pensar, e a isso seguiu um murmúrio de acordo das outras. 
 — Ah, isso foi extremamente atencioso —disse a professora, piscando os olhos travessa —Mas a 
Srta. Martin apreciaria muito mais esse gesto se estivessem formado duas filas ordenadas e se 
comportassem com o decoro apropriado. 
 Imediatamente as garotas obedeceram alegremente. 
 Enquanto isso, a Srta. Martin olhou primeiro para a carruagem, depois para o cavalo e depois para 
ele. 
 — Bom dia, lorde Attingsborough —disse, com voz enérgica. 
 Vestia uma capa cinza nada atraente, talvez fosse a escolha certa para esse dia, que estava 
nublado e triste, mesmo que já estivessem quase no verão. Atrás dela apareceu o porteiro levando um 
baú de tamanho considerável, o seu, sem dúvida. Atravessou a calçada e teria tentado subir no teto da 
carruagem se John não tivesse intervindo firmemente. 
 — Bom dia, Srta. Martin —respondeu ele, tirando a cartola e inclinando a cabeça para ela—. Vejo 
que não cheguei muito cedo para vocês. 
 —Somos uma escola e não dormimos até o meio-dia. Vai cavalgar todo o caminho até Londres? 
 —Talvez não todo o caminho, Senhorita, mas durante grande parte da viagem você e suas alunas 
poderão aproveitar e ter a carruagem só para vocês. 
 A severa expressão de seu rosto mostrou ser impossível saber ao certo se estava aliviada por isso, 
mas apostaria uma fortuna que sim. Então ela girou a cabeça. 
 —Edna? Flora? Não devemos fazer esperar sua senhoria. Subam na carruagem, por favor. O 
condutor está esperando para ajudá-las. 
 Sem acrescentar nenhum comentário observou a cena enquanto as meninas formadas em filas 
voltavam para tornar a chorar e as duas viajantes percorriam as filas abraçando cada uma. Observou 
com os lábios franzidos quando, antes que as garotas subissem na carruagem, a professora que tinha 
imposto ordem, as abraçou também e inclusive as beijou na face. 
 — Eleanor —disse então, caminhando para a carruagem com passos firmes. Não se esqueça... 
 
 
18 
 —Não esquecerei nenhuma só coisa —interrompeu a professora, com os olhos ainda risonhos. — 
Como poderei esquecer de alguma coisa se ontem à noite me fez escrever uma enorme lista? 
Não tem que preocupar-se com nada, Claudia. Vai e divirta-se. 
Claudia pensou Joseph. Um nome eminentemente apropriado: forte, inflexível, que sugeria uma 
mulher muito capaz de cuidar de si mesma. 
Então a Srta. Claudia Martin voltou-se para as meninas em filas. 
—Espero ouvir coisas boas sobre minhas garotas mais velhas quando a senhorita Thompson me 
escrever. No mínimo que tenham impedido que algumas das garotas menores incendeiem a escola 
reduzindo-a a cinzas ou que tenham armado distúrbiospelas ruas de Bath. 
As garotas riram, mesmo que algumas continuassem com os olhos cheios de lágrimas. 
 —Sim, senhorita —disse uma. 
 —E obrigado por sair com a única finalidade de despedirem-se de mim —continuou a Srta. 
Martin—. Estou muito, muito comovida. Entrarão com a senhorita Walton e farão um esforço extra no 
trabalho para compensar os minutos que perderam, depois de terem se despedido agitando as mãos 
quando a carruagem partir. Talvez ao mesmo tempo possam se despedir de Edna e Flora também. 
Ou seja, ela era capaz de falar com humor, mesmo que fosse com esse tipo de humor mordaz, 
pensou Joseph, enquanto ela colocava a mão na de John e, jogando para um lado a capa e o vestido, 
subia na carruagem atrás das meninas. 
 John subiu à boleia e fez um gesto indicando que iniciassem a marcha. 
 E assim o pequeno grupo começou a viagem para Londres despedindo de umas doze alunas 
agitando seus lenços, algumas ainda choramingando, enquanto outras gritavam despedidas para suas 
duas companheiras que já não voltariam, pois entrariam no duro mundo do trabalho, ao menos isso foi 
o que disse Susanna a ele. Eram duas garotas de regime gratuito entre um grupo bastante considerável 
que a Srta. Martin insistia em acolher cada ano. 
 Sentia-se meio divertido e meio comovido pelo que tinha visto. Isto foi como olhar para um 
mundo estranho para ele, um mundo em que seu nascimento e fortuna, haviam isolado dele toda sua 
vida. 
Meninas sem a segurança de uma família nem de uma fortuna que as respaldasse. 
 Quando estacionaram para passar a noite na estalagem Lamb and Flag em Marlborough, onde ela 
havia reservado dois quartos contíguos, um para ela e outro para Edna e Flora, Claudia ficou pensando 
se poderia sentir suas articulações mais duras ou mais intumescidas em certas partes baixas de sua 
anatomia se tivessem viajado na carruagem alugada como tinha planejado a princípio. Mas por 
experiência do passado, sabia que sim. A carruagem do marquês de Attingsborough estava limpa, tinha 
boas molas de suspensão e os assentos luxuosamente estofados e acolchoados. O mal estado da estrada 
e as longas horas de viagem quase incessante, eram os responsáveis por seu mal-estar físico. 
Ao menos uma coisa foi boa, a carruagem ficou somente para ela e suas duas alunas. O marquês 
cavalgou durante todo o dia, trocando de arreios quando trocavam os cavalos da carruagem. Ela só o viu 
fugazmente pela janela e nas diversas pousadas onde pararam brevemente. 
 
 
19 
Montado, era um homem de fina imagem. Naturalmente o tinha observado irritada cada vez que 
olhava para ele. 
Vestia um impecável traje de montar e parecia absolutamente cômodo na sela, inclusive depois de 
ter cavalgado horas e horas. Sem dúvida ele se considerava um presente de Deus para a raça humana, 
em particular para a parte feminina, julgamento totalmente injusto, tinha que conceder no canto mais 
secreto de seu ser, embora não fazia muito esforço para melhorar sua opinião dele. Sim que foi muito 
amável ao oferecer sua carruagem para a comodidade dela, mas como bem havia dito ele mesmo, só fez 
isso para impressionar seus familiares e amigos. 
 Sentia-se meio aliviada e um pouco indignada pelo rápido e atento serviço que receberam em 
todos os lugares que pararam. Sabia que seria muito diferente, caso tivesse viajado na carruagem 
alugada. Inclusive serviram para elas sucos dentro da carruagem, em lugar de ter que entrar nas 
buliçosas e abarrotadas pousadas, empurradas por outros viajantes e esperado na fila para comprar os 
mantimentos. 
De qualquer maneira, o dia ainda foi comprido e tedioso, com muito pouca conversa. Durante as 
primeiras horas, mais ou menos, as garotas estavam visivelmente deprimidas e nada inclinadas a falar e 
nem sequer a olhar pelas janelas e apreciar a paisagem que passava. E embora tenham ficado animadas 
depois da primeira parada e durante a primeira rodada de sucos, as duas desejavam mostrar seu melhor 
comportamento em companhia de sua diretora, em consequência praticamente não falavam a não 
ser que ela fizesse perguntas concretas. 
Flora esteve na escola durante quase cinco anos. Havia passado a infância em um orfanato de 
Londres, mas ao completar treze anos fizeram com que se arrumasse sozinha. Edna ficou órfã aos onze 
anos, quando seus pais foram assassinados ao se defenderem dos ladrões sua humilde loja, embora nela 
não houvesse nada valioso para defender; não ficou nada para sua única filha. Felizmente o senhor 
Hatchard a encontrou, tal como havia encontrado Flora, e a enviou para Bath. 
Quando entrou na estalagem, viu-se obrigada a esperar, enquanto o hospedeiro conversava 
ociosamente com outro cliente sobre o fascinante tema da pesca, e outros dois homens, não dignos do 
apelativo de «cavalheiros», comiam com os olhos Flora e Edna, e só desistiram com insolentes sorrisos 
quando ela olhou fixamente para eles. 
Então olhou de propósito ao hospedeiro, que simulava não tê-la visto. Caso passasse um minuto 
mais, pensou, falaria. 
Nesse mesmo instante a porta que dava para o pátio do estábulo abriu-se, e tudo mudou como se 
alguém tivesse agitado uma varinha mágica. Acabou a conversa sobre pesca como se não tivesse a 
menor importância, e o cliente passou ao esquecimento. O hospedeiro pavoneou-se com joviais 
sorrisos, esfregando as mãos servilmente. 
Era o marquês de Attingsborough quem tinha entrado pela porta comprovou Claudia, quando 
girou a cabeça para olhar. E até no caso de que o hospedeiro não tivesse sido informado de que ele 
tinha chegado, e sem dúvida foi isso, em toda sua senhoria estava escrito algo que o proclamava como 
um aristocrata, uma certa arrogância e segurança em si mesmo que a irritou prontamente. 
 
 
20 
—Bem-vindo a Lamb and Flag, milorde —disse o hospedeiro — a estalagem mais acolhedora de 
Marlborough. No que posso ser útil? 
 Acolhedora, certamente! Pensou Claudia. Olhou decididamente para o hospedeiro e abriu a boca 
para falar, mas o marquês tomou sua frente: 
 — Acredito que a senhorita Martin e suas alunas entraram antes de mim — disse ele. 
O hospedeiro fez uma admirável atuação parecendo surpreso, como se as três fossem invisíveis e 
acabassem de materializar-se diante dele. 
Claudia quase tremeu de indignação, em sua maior parte dirigida, muito injustamente talvez, ao 
marquês de Attingsborough, que não tinha absolutamente a culpa de que a tivesse considerado uma 
simples João-ninguém até que ficou claro que um «marquês» a conhecia de verdade. Mas ela não 
precisava que ninguém a defendesse. 
— Srta. Martin? —Disse o hospedeiro, sorrindo jovialmente; ela não lhe correspondeu ao sorriso 
—Tenho os quartos preparados para vocês. Podem subir imediatamente. 
—Obrigada... —respondeu Claudia. 
—Suponho que são os melhores quartos da casa? — disse o marquês. 
 —Todos os nossos quartos são superiores, Milorde — assegurou-lhe o hospedeiro —. Mas os da 
frente foram reservados pelo senhor Cosman e seu primo. 
O marquês posicionou-se atrás dela, perto de seu ombro, assim não via seu rosto; mas sim, via o 
rosto do hospedeiro. O marquês não disse nada mais, mas passado um momento o hospedeiro limpou a 
garganta. 
—Mas estou totalmente certo —disse ele — que os dois cavalheiros ficarão muito felizes em ceder 
seus quartos para o uso destas encantadoras damas e aceitarão os dois quartos que ficam em frente ao 
pátio do estábulo. 
Quartos estes que Claudia ocupava cada vez que tinha que passar uma noite nessa estalagem. 
Recordava a quantidade de ruído e de luz que entrava nesses pequenos quartos durante toda a noite, o 
que impedia que ela dormisse. 
— Certamente as damas devem ocupar os quartos da frente —continuou o hospedeiro, sorrindo 
paraClaudia outra vez—. Devo insistir. 
Como se ela tivesse discutido. Entretanto, perversamente, desejou discutir, e desejou esses 
quartos inferiores. Não queria sentir-se em dívida para com o marquês de Attingsborough por obter 
quartos mais confortáveis. Santo céu, era uma mulher independente; não precisava que um homem 
lutasse suas batalhas. 
— E tem sala de jantar particular? —Perguntou o marquês antes que ela pudesse dizer uma só 
palavra. 
 As narinas dela se agitaram. Então ele a humilharia ainda mais? 
 — O senhor Cosman... — começou o hospedeiro e interrompeu-se ao olhar para o marquês —. 
Será reservado para as damas, isso é o correto, milorde. O restante de meus clientes desta noite são 
todos cavalheiros. 
 
 
21 
Claudia compreendeu o que havia ocorrido. Com certeza o marquês de Attingsborough arqueou 
uma aristocrática sobrancelha algumas vezes, e o hospedeiro quase tropeçou consigo mesmo para 
demonstrar como poderia ser servil. Era desprezível, para não dizer outra coisa. Tudo porque ele era o 
marquês, ou, melhor dizendo, devido à cor de seu sangue. Provavelmente não fosse outra coisa que um 
ocioso.. Libertino, e entretanto todo mundo inclinava-se e arrastava-se diante dele, porque possuía um 
título e sem dúvida um montão de dinheiro. 
Bom, ela não se inclinaria nem se arrastaria. Virou-se para olhá-lo. Ele estava sorrindo e com um 
sorriso encantador, e de repente deu uma piscada para ela. 
 Uma piscada! 
 E claro, continuava muito bonito, inclusive depois de todo um dia cavalgando. 
Estava golpeando o lado exterior de sua bota de pele com o chicote. As pernas longas, todo ele 
muito viril e... Bom, isso era suficiente. Inclusive cheirava bem, aroma de cavalo combinado com uma 
colônia que criava um aroma masculino raro e sedutor. 
Olhou-o fixamente, com os lábios apertados em uma fina linha. Mas a piscada a desequilibrou um 
momento e então parecia que era muito tarde e que seria muito mesquinho declarar, que ficaria feliz 
com os quartos pequenos. 
Edna e Flora também estavam olhando para ele, olhando-o com adoração na realidade. Como se 
isso fosse novidade. 
 —Vamos, garotas — disse ela energicamente—. Vamos para nossos quartos se o senhor 
hospedeiro nos indicar onde estão. 
 Pôs-se a andar para sua bagagem. 
 —Fará com que a bagagem das damas suba imediatamente? —Perguntou o marquês, sem dúvida 
dirigindo-se ao hospedeiro. 
 —É obvio, milorde —respondeu este, estalando os dedos, enquanto Claudia ficava mais agitada. 
—Justamente ia dar a ordem. 
Dois, não um e sim dois criados apareceram correndo, como saídos do nada, agarraram as malas 
e o baú e puseram-se a andar para a escada. 
Claudia e as garotas o seguiram. 
Os quartos, logicamente, eram grandes e confortáveis, com vistas para os subúrbios da cidade e 
para os campos mais à frente. Estavam limpos, bem iluminados, impecáveis na realidade. As garotas 
gritaram de prazer e correram para o quarto delas e apoiaram-se no batente da janela para contemplar 
a paisagem. Claudia foi para seu dormitório e suspirou, reconhecendo intimamente que era muito 
superior ao que ocupava habitualmente. Estirou-se na cama para relaxar alguns minutos. 
Ele piscou para ela. Não conseguiu recordar a última vez que algum homem havia dado uma 
piscada. Bom Deus, provavelmente isso não acontecia desde que era menina. 
 Como foi atrevido! 
 Mas, aah! O quarto era silencioso, a cama era muito confortável e o ar fresco entrava pela janela 
aberta. Só havia um pássaro lá fora enchendo seu coração com seus gorjeios e ela até dormiu por alguns 
instantes. 
 
 
22 
 E depois jantou com as garotas na confortável e relativa quietude da sala de jantar privativa; 
Comeram carne assada com batatas e couve cozida, seguido por um pudim de nata e depois o chá. 
Depois se viu obrigada a reconhecer, estava muito aliviada de que o marquês de Attingsborough 
não tivesse compartilhado o jantar com elas. As garotas estavam sonolentas. Estava a ponto de sugerir 
que as três fossem dormir, mesmo que ainda houvesse luz fora, pois ainda era cedo, quando soou um 
golpe na porta, esta se abriu e apareceu o marquês em pessoa. 
—Ah — disse, sorrindo e fazendo um comprimento —. Srta. Martin? Jovens? Alegra-me que esta 
estalagem tenha pelo menos um salão privativo. Eu fui obsequiado durante o jantar com conversas 
sobre colheitas, caça e moinhos. 
Claudia supôs que ele não teria ficado nessa estalagem se não tivesse se comprometido com ela. 
Provavelmente agora estaria na George and Pelican ou na Castle, duas pousadas que ela não podia 
permitir-se pelos preços. Ela desejava que ele não esperasse que o agradecesse pelo privilégio de ter 
gozado dessa sala de jantar privativa e dos quartos. Seguia eriçada pela lembrança de como ele exerceu 
seu poder sem dizer uma palavra enquanto ela sentia-se uma mulher impotente e inepta. 
As garotas levantaram-se e estavam fazendo uma reverência; ela também ficou em pé, mas 
apenas inclinou educadamente a cabeça. 
 —Espero —disse ele, entrando na sala — que tenham passado um dia com relativa comodidade e 
também espero que não tenham desencaixado todos os ossos do corpo. 
—Ah, não, milorde —respondeu Flora—. Nunca sonhei que uma carruagem pudesse ser tão 
confortável. Gostaria que a viagem pudesse durar uma semana. Ou duas. 
 Ele riu, e Edna, que parecia um coelho assustado, emitiu uma risadinha. 
 — Suponho que as duas sintam-se terrivelmente desventuradas por ter deixado a escola e suas 
amigas —disse ele — e ao mesmo tempo estão entusiasmadas diante a perspectiva de começar uma 
nova vida como adultas. 
Edna voltou a inclinar-se em uma reverência. 
—Algumas dessas garotas são como irmãs — disse Flora—,e me dói aqui — e ela golpeou o 
coração com o punho — saber que talvez não volte vê-las nunca mais. Mas estou disposta a trabalhar 
para ganhar a vida, milorde. Não podemos continuar eternamente na escola, não é mesmo? 
Claudia olhou fixamente para o marquês, imaginando que ele ficaria assombrado porque a garota 
teve o descaramento de lhe responder com algo mais que um monossílabo. Mas ele continuou sorrindo. 
— E que emprego escolheu, senhorita...? 
— Bains, milorde. 
— Senhorita Bains. 
 —Vou ser professora. Sempre desejei ser, desde que aprendi a ler e a escrever aos treze anos. 
Acredito que poder ensinar essas coisas a outras pessoas é a coisa mais maravilhosa que se pode fazer 
na vida. Não está de acordo, milorde? 
Claudia tinha muito medo de que Flora falasse muito, mas a agradava ouvir que inclusive na 
excitação do momento a garota o fizesse com um acento decente e a gramática correta, muito diferente 
de como falava quando chegou à escola, cinco anos atrás. 
 
 
23 
—Estou de acordo —respondeu ele—, embora não possa dizer que considerasse um santo meu 
primeiro preceptor quando me ensinou a ler. Usava a vara com muita frequência para meu gosto. 
 Edna riu. 
—Bom. Isso foi tolo —disse Flora—. Como uma pessoa pode aprender bem quando a golpeiam? 
E, pior ainda, como pode gostar de aprender? Isso me lembra de quando me ensinaram a costurar no 
orfanato. Nunca aprendi bem e ainda detesto costurar. 
Claudia franziu os lábios. Flora estava pronta e sua paixão ao falar era elogiável. 
 —Vejo que vai ser uma fabulosa professora, senhorita Bains —disse o marquês—. Seus alunos 
serão crianças afortunados. E você, senhorita...? 
Edna olhou para ele com as sobrancelhas arqueadas e riu ruborizada, dando a impressão de que 
só desejava que se abrisse um buraco negro sob seus pés e a tragasse. 
—Wood, excelência, quer dizer, milorde. 
—Senhorita Wood. Vai ser professora também? 
 —Sim, milorde, quer dizer, excelência. 
 —Acredito que os títulos foram inventadospara nos confundir horrorosamente — disse ele —. 
Como se o fato de de já não sermos abenoçoados com pelo menos dois sobrenomes, e já não fosse 
bastante complicado para as pessoas que conhecemos ao longo de nossa vida. Assim vai ser professora, 
senhorita Wood, e sem dúvida muito boa também, bem educada e bem formada na Escola da Senhorita 
Martin. 
Imediatamente olhou para Claudia, de uma maneira que indicou a Edna que não devia sentir a 
necessidade de responder a sua observação. 
Muito atencioso de sua parte, teve que reconhecer Claudia a contra gosto. 
—Senhorita Martin —continuou ele— Queria saber se as três estão preparadas para dirigir-se a 
seus dormitórios. Se estiverem, eu as acompanharei pelo abarrotado salão até seus quartos para que 
ninguém as incomode pelo caminho. 
—Obrigada —disse Claudia—. Sim, foi um dia comprido, e amanhã nos espera outro. 
Entretanto, depois de acompanha-las pelo salão público, passando junto a vários grupos de 
homens que estavam conversando ruidosamente, e depois pela escada até os dormitórios, uma vez 
que Flora e Edna entraram em seus respectivos quartos e fecharam a porta, não se voltou 
imediatamente para descer. 
—Claro que ainda é muito cedo, senhorita Martin —disse ele—. E cansado como estou depois da 
longa cavalgada, sinto a necessidade de estirar as pernas antes de me deitar. Talvez você sinta uma 
necessidade similar, somada ao desejo tormar ar fresco em seus pulmões. Gostaria de me acompanhar 
em uma curta caminhada? 
 Não queria isso absolutamente. 
 Mas ainda sentia a refeição no estômago mesmo que não tivesse comido muito, e continuasse 
sentindo-se dura pela viagem. Além disso, no dia seguinte a esperava uma viagem tão longa quanto a de 
hoje. Ansiava respirar ar fresco e exercitar as pernas. 
E não podia sair para caminhar sozinha em uma cidade desconhecida estando já escuro. 
 
 
24 
O marquês de Attingsborough era amigo de Susanna, disse para si mesma e ela falava muito bem 
dele. O único motivo que tinha para não acompanhá-lo era que não gostava muito dele, embora na 
realidade não o conhecesse, verdade? E, bom, era um homem, embora isso fosse claramente ridículo. 
Bem podia ser uma solteirona, mas não ia rebaixar-se a ficar parecida com o tipo de solteirona que sorri 
afetada, ruboriza-se e em geral se desarma logo que vê um homem em sua frente. 
 —Obrigada —disse—. Vou buscar a capa. 
 —Estupendo. Eu a esperarei no alto da escada. 
 
 
Capítulo 03 
 
 Joseph observou, que a Srta. Martin vestiu a mesma capa cinza que usou durante todo o dia. 
Quando saíram da estalagem. Caminharam pela rua que seguia a parede do pátio do estábulo até que 
dobraram por uma rua mais estreita que levava em direção aos campos. Ela caminhava a seu lado. Não 
lhe ofereceu o braço. Percebia que seria um engano fazê-lo. 
Já estava escurecendo, mas essa não seria uma noite escura, calculou. Agora que era muito tarde 
para que brilhasse o sol, as nuvens sumiram e a lua estava brilhando. 
—Talvez amanhã seja um dia mais luminoso —disse. 
—É de esperar —conveio ela—. O sol sempre é preferível às nuvens. 
Ele não sabia por que a convidou para caminhar com ele, além de que somente lhe interessava sua 
escola. Não observou nela o menor sinal de que o apreciasse. 
—Espero que seus dormitórios tenham recebido sua aprovação —disse ele. 
—Sim, mas também seriam bem recebidos os outros, os que eu reservei e que dão para o pátio 
do estábulo. 
 —Talvez sejam barulhentos. 
 —São barulhentos, mas sempre me hospedei neles. 
 Ele girou a cabeça e olhou para ela. Claudia estava olhando para frente, com o queixo elevado e o 
nariz apontando para cima, em gesto altivo. Bom Deus! Ela estava zangada. Com ele? Por ter insistido 
em que a tratassem com cortesia e respeito na estalagem? 
 — Gosta de barulho? 
 — Não. Tampouco eu gosto da luz de um monte de lanternas iluminando meu quarto durante 
toda a noite, nem o aroma de estábulo. Mas são quartos só para uma noite. E são os que eu reservei. 
—Quer brigar comigo, Srta. Martin? 
Isso a impulsionou a virar o rosto para ele. Olhou-o com os olhos muito sérios e as sobrancelhas 
arqueadas, e acelerou um pouco o passo. 
—Sua carruagem é muitíssimo mais confortável do que teria sido a alugada. Os dormitórios em 
que colocaram às meninas e a mim são muito superiores aos que nos tinham atribuído. A sala de jantar 
privada é muito melhor que a pública. Mas estas coisas são detalhes da vida que não são estritamente 
 
 
25 
necessárias. Elas são o que você e os de sua classe dão por certo, sem dúvida. Eu não sou de sua classe, 
lorde Attingsborough, e não tenho o menor desejo de ser. Além disso, sou uma mulher que traçou seu 
caminho na vida. Não preciso que um homem me proteja ou que um aristocrata consiga favores 
especiais para mim. 
Bom! Não tinha recebido uma bronca tão dura desde que era menino. Olhou-a com renovado 
interesse. 
—Devo pedir desculpas, então, por desejar sua comodidade? 
—Não, não deve fazer nada disso. Se o fizer me verei obrigada a reconhecer que minha conduta 
foi muito descortês. Deveria lhe agradecer. E estou. 
—Não, não está —disse ele, sorrindo. 
—Não. 
Ele viu que ela quase sorriu; algo parecido com um sorriso ficou preso no canto da sua boca. Mas 
estava claro que não desejava mostrar nenhum sinal de debilidade; em vez de sorrir apertou os lábios 
em uma linha fina, voltou a olhar para frente e acelerou os passos. 
Seria melhor trocar de assunto, decidiu. E devia ter muito cuidado no futuro de não fazer nenhum 
favor à Srta. Martin. 
—Percebi esta manhã, que todas as meninas da escola estavam tristes pela partida da senhorita 
Bains e da senhorita Wood —disse ele —Nunca há conflitos entre as alunas que pagam e as gratuitas? 
—Ah, sim há —respondeu ela com voz enérgica—, especialmente no princípio; as garotas de 
regime gratuito chegam com má dicção, maneiras toscas e, em muitos casos, com ressentimento 
contra o mundo. E claro, sempre há uma brecha social intransponível entre os dois grupos quando saem 
da escola e seguem caminhos divergentes. Mas é uma lição interessante na vida, e uma delas é que 
minhas professoras e eu nos esforçamos em ensinar que todos nós somos seres humanos e não muito 
diferentes quando nos despojamos dos acidentes do nascimento e das circunstâncias. Tratamos de 
inculcar em nossas alunas um respeito por todas as classes sociais, e esperamos que conservem pelo 
resto de suas vidas. 
Ele gostou da resposta. Sensata e realista. 
— O que lhe inspirou a ideia de acolher alunas desamparadas? 
— Minha falta de fortuna. A propriedade de meu pai estava vinculada, e com sua morte passou 
para um primo, quando eu tinha vinte anos. Meu dote era modesto, para não dizer suave. Não podia 
distribuir dádivas generosas como poderia ter feito se tivesse recursos ilimitados. Portanto tive que 
encontrar uma maneira de dar às pessoas outra coisa que não fosse o dinheiro. 
Ou poderia ter optado por não dar nada, pensou ele. 
—Entretanto —disse ele — Deve ser muito caro educar estas meninas. Tem que acolhê-las, vesti-
las e alimentá-las. E suponho que sua presença na escola exclui a de outras meninas cujos pais poderiam 
pagar. 
— As cotas mensais são elevadas, e não peço desculpas por isso. Acredito firmemente que damos 
uma boa educação por esse dinheiro, e os pais que não considerarem assim tem toda a liberdade para 
enviar suas filhas para outra escola. Além disso, a escola tem um benfeitor muito generoso, que 
 
 
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infelismente deseja conservar-se no anonimato. Sempre lamentei muitíssimo não poder agradecê-lo 
pessoalmente. 
Já tinham saído da cidade e foram por um atalho bordeado de sebes baixas entre campos e 
prados. Uma levebrisa soprava em seus rostos e levantava a aba da capa. 
—Então, tem alunas que pagam e alunas acolhidas por caridade. Ocorreu-lhe ampliar seu campo 
de ação? Por exemplo, teve alunas com algum tipo de incapacidade? 
 —Claudicação, quer dizer? Surdez? Ou retardo mental? Confesso que nunca pensei. Acarretaria 
todo tipo de provocações, verdade? 
 —E não se sente à altura dessas provocações? 
 Ela ficou pensando, enquanto continuavam caminhando. 
 —Não sei. Nunca me encontrei diante desse dilema. Suponho que a maioria dos pais de meninas 
com alguma incapacidade, se forem meninas, já são consideradas incapazes de aprender de uma 
maneira normal e, portanto nem sequer tentam enviá-las a um colégio. Se alguém tentasse e me 
perguntasse... Bom, não sei o que responderia. Suponho que dependeria do tipo de incapacidade. Seria 
fácil educar uma garota que mancasse, embora não pudesse dançar nem participar de jogos vigorosos. 
Uma garota surda ou retardada mental poderia não ser educável. Mas é uma pergunta interessante. —
Girou a cabeça e o olhou seriamente, mas com olhar de aprovação—. É uma pergunta cuja resposta eu 
terei que pensar com mais profundidade. 
 —Então voltarei a fazer-lhe esta pergunta caso torne a vê-la, depois de chegarmos a Londres —
disse ele, sorrindo—. Sempre desejou ser professora? 
 Ela voltou a pensar na resposta. Estava claro que não era uma mulher propensa à conversa 
frívola. 
 —Não —disse passado um momento—, nem sempre. Quando era menina tinha outros sonhos. 
Mas quando ficou evidente que não se tornariam realidade, compreendi que havia outras opções. Como 
dama e filha de um cavalheiro com propriedades, eu poderia ter ficado em casa para ser mantida por 
meu pai. E depois de sua morte prematura suponho que meu primo sentiu-se na obrigação de continuar 
me mantendo. Ou eu mesmo poderia traçar uma vida. Optei pelo último, lógico. E isso me levou a 
outras opções: Converter-me em uma dama de companhia ou ser professora. Para mim só havia uma 
opção. Não suportaria estar totalmente a disposição de uma velha tola e mal humorada vinte e quatro 
horas de cada dia. Aceitei um posto de professora. 
Ouviram-se latidos na distância. Estavam rodeados pela escuridão. 
 Ou seja, ela teve sonhos. Nem sempre foi tão severa como parecia ser. Talvez tenha sonhado com 
o casamento, talvez com o amor também. Por que abandonou esses sonhos antes dos vinte anos? Com 
certeza foi bonita, inclusive continuaria bonita caso pudesse relaxar e sorrir de vez em quando. Acabava 
de reconhecer que seu dote era modesto, e com certeza havia homens que teriam respondido a um 
pouco de incentivo. Ou talvez tivesse um sonho secreto e sonhado com um homem em particular... 
 —Professora? —Perguntou quando compreendeu que ela não continuaria assim sem mais. 
 — Em uma família de três crianças pequenas e levadas. Eu os adorava. Fazia pouco tempo que eu 
estava lá quando por infelicidade, o pai deles foi destinado a um posto na Índia e as crianças partiram 
 
 
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com ele. Então comecei trabalhar como professora de uma menina com uma conduta atroz, que 
acreditava que seu título elevado lhe dava permissão para tratar o resto da humanidade como queria. 
—E esse trabalho não foi muito bem? —perguntou ele, sorrindo. 
 —Isso seria um eufemismo. Quando informei ao irmão dela das dificuldades que a menina 
apresentava para que eu pudesse cumprir eficientemente meus deveres, sem me queixar, pois 
simplesmente fiz-lhe o relatório semanal que ele exigia, disse-me que na realidade me pagava muito 
bem para que educasse sua irmã e que se eu não estava gostando que ela me tratasse como um verme, 
que fizesse algo a respeito. 
—E fez? —Perguntou ele, sem deixar de sorrir. 
Ela estava cheia de indignação, como se estivesse revivendo a cena; acelerou os passos dando a 
impressão de que nem via a paisagem escurecida. 
—Parti no meio da tarde. Não aceitei a carta de recomendação e inclusive o salário da semana que 
tinha direito. E um mês depois abri minha escola em Bath. 
—Eu diria que isso demonstrou que você não era um verme, Srta. Martin. Bem feito. 
De repente ela riu e atenuou os passos. 
—Suponho que nunca dedicaram um momento para pensar em mim depois que desapareci pelo 
caminho da entrada, ou nem sequer antes que desaparecesse. 
— Me parece que lhe fizeram um favor, mesmo que fosse sem intenção. 
—Isso é o que sempre pensei. Acredito que a vida é generosa conosco sempre que demonstramos 
que temos a vontade para tomar um rumo positivo. A vida está muito disposta a nos abrir portas. O que 
acontece é que às vezes perdemos a força de vontade e a coragem e preferimos ficar no lado conhecido 
e seguro de cada porta. Eu poderia ter continuado muito tempo nesse emprego, por medo, sofrendo a 
cada momento e depois talvez passado para outro similar, perdendo para sempre minha confiança em 
mim mesma e a alegria que minha profissão me dá. 
 —E lhe dá alegria? Ensinar, quer dizer e dirigir sua escola? — Haviam chegado a uma curva 
fechada; estavam diante de uma cerca e que separava o caminho da estrada escura. Detiveram-se como 
por acordo tácito, e ele apoiou o cotovelo em cima do patamar da cerca apoiando a bota no primeiro 
degrau. 
 —Sim —respondeu ela, com energia, depois de pensar. — Sou feliz. Um de meus motivos de ir à 
Londres é informar a meu agente que já não preciso da ajuda de meu benfeitor. A escola cobre os 
gastos e ainda economizo para a velhice. Estou contente. 
—Eu a invejo —disse ele, surpreendendo-se por dizer isso. 
 —Isso eu não acredito, lorde Attingsborough —Respondeu ela com certa dureza, como 
acreditasse que ele estivesse tirando “sarro” dela. 
Era impossível enxergar bem o rosto dela na crescente escuridão. Ele riu e apontou para o oeste. 
—Não vimos o sol em todo o dia —disse—, mas pelo menos nos concede um pôr-do-sol para 
admirar. 
Ela girou a cabeça e contemplou a magra franja de cores vermelha e púrpura que se estendia com 
o passar do horizonte; depois olhou para o céu escuro, cheio de estrelas e com uma lua quase cheia. 
 
 
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 — Absolutamente lindo — disse, com uma voz algo diferente, cálida, feminina, a transbordar de 
um desejo sem nome —E eu aqui falando e falando, e perdendo isso. Quanta beleza deixamos passar 
junto a nós sem prestar atenção. 
 —Muito certo —disse ele, olhando-a. 
 Achava alguma coisa inesperadamente atraente em uma mulher que se lançou de cabeça para 
conhecer a vida e dedicava-se com paixão às tarefas que impôs a si mesma. Possivelmente não fosse tão 
atraente no aspecto físico, embora tampouco fosse feia, mas... 
Bom, não lamentava tê-la convidado para sair e fazer essa caminhada. Além da bronca, ele gostou 
de tudo o que ela havia falado. E isso causava nele certa esperança... 
Ela suspirou, com o rosto levantado para o céu. 
—Não percebi o quanto estava necessitando desta caminhada — disse—. É muito mais saudável 
para o espírito que deitar-se cedo. 
Seria feliz de verdade? Pensou ele. Alguma vez sentia saudades dos sonhos de sua infância? 
Mas claro, a vida é uma sucessão de sonhos, somente alguns se tornam realidade, muitos são 
deixados de lado com o passar do tempo, e um ou dois continuam por toda a vida. Saber quando 
abandonar um sonho fosse talvez a coisa mais importante, e o que diferenciava às pessoas que triunfam 
na vida das pessoas tristes, amarguradas, que nunca deixam para trás as primeiras grandes decepções 
que a vida lhes proporcionavam. 
—Eu a invejo sim! – Repetiu ele —. Não caminhou com passividade pela estrada que a vida 
colocou em sua frente, mas sim avançou resolutamente a longos passos por um caminho esboçado por 
você mesma. Isso é admirável. 
 Ela apoiou uma mão enluvada no parapeito em cima da cerca, não muito

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