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Formação Sócio-Histórica do Brasil - Livro-Texto Unidade II

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Unidade II
5 RAYMUNDO FAORO E A IDEOLOGIA DO ESTAMENTO
Apresentamos aqui um resumo do livro Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, para que você 
consiga entender melhor como os pensamentos jurídico e histórico descreveram a formação do povo 
brasileiro. É importante ler Faoro, pois ele tem uma visão também weberiana das características da 
formação do povo brasileiro.
5.1 A Formação Histórica e Social de Portugal
Um longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas, valoriza 
as raízes portuguesas de nossa formação política. A Península Ibérica 
foi formada e sua sociedade constituída sob o império da guerra 
(FAORO, 2001, p. 10).
Ela começa sua história, com as lutas contra o domínio romano, foi o teatro 
das investidas dos exércitos de Aníbal, viveu a ocupação das tribos dos 
visigodos, de origem germânica, e foi finalmente dominada pelos mouros 
(FAORO, 2001, p. 13).
As civilizações ocidental e oriental guerrearam dentro de suas fronteiras pela hegemonia da Europa. 
Das ruínas do Império visigótico, dilacerado em pequenos reinos, foi gerada uma nova realidade que 
chegou aos tempos modernos. Do longo predomínio da guerra, nasceu, nas praias do Oceano Atlântico, 
o reino de Portugal com a revolução da independência e da conquista.
“O reino de Portugal” — dirá, já com anacrônica arrogância, um anônimo 
escritor do século XVII — “é tão guerreiro, que nasceu com a espada na 
mão, armas lhe deram o primeiro berço, com as armas cresceu, delas vive, 
e vestido delas, como bom cavaleiro, há de ir para a cova no dia do juízo” 
(FAORO, 2001, p. 13).
Entre os séculos XI e XIII, eram travadas batalhas diárias contra o sarraceno e o espanhol ao mesmo 
tempo, o que garantiu a existência de um condado convertido em reino. Os dois fragmentos do condado, 
um sob o domínio do reino espanhol de Leão e o outro dominado pelos sarracenos, criaram a nova 
monarquia. Do elemento leonês veio a formação social do povo, e dos sarracenos, vestígios na forma de 
se comportar e de pensar. Essa mistura foi a fonte da civilização portuguesa. Acima da sociedade, o rei, 
que era chefe da guerra, um general em campanha que conduzia seus guerreiros, soldados obedientes, 
a uma missão e em busca de um destino.
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A singular história portuguesa, caracterizada pela supremacia do rei, determinou as bases e a moldura 
das relações políticas e das relações entre o rei e seus súditos. O rei, como senhor do reino, era único 
proprietário da terra, instrumento de poder em uma época em que as rendas eram predominantemente 
derivadas do solo.
A Coroa conseguiu formar, desde as primeiras batalhas da Reconquista, um imenso patrimônio 
rural, cuja propriedade se confundia com o domínio da casa real. As riquezas oriundas da terra eram 
utilizadas para cobrir as necessidades coletivas ou pessoais sob circunstâncias que mal distinguiam o 
bem público do bem particular do príncipe. Toda conquista contra os sarracenos ou o inimigo espanhol 
se incorporava ao domínio do rei e ao reinado.
Entretanto, mesmo essas conquistas respeitaram a propriedade individual. Os antigos cristãos 
arabizados, chamados moçárabes, também os descendentes dos colonos da África e da Ásia, assim como 
os descendentes de espanhóis, tiveram seus bens reconhecidos. Sobravam ainda largos domínios para 
apropriar: as terras dos mouros, reduzidas pela guerra a terras sem dono. Essas eram as terras dos reinos 
sarracenos e reservadas a empresas de colonização ou a objetivos vinculados à estrutura do Estado. 
Contava o rei também os territórios confiscados aos particulares, em represália a crimes ou traições, 
além das terras que caíam sob o poder do rei pelo direito da Coroa em herdar os bens dos vilões (vilani) 
que morriam sem filhos.
Do patrimônio do rei, que era mesmo maior do que o do clero e, até o século XIV, três vezes maior 
que o de toda nobreza, saía o dinheiro para sustentar os soldados, os delegados monárquicos em todo 
o país e os primeiros servidores ministeriais que estavam sediados na corte. O rei também fazia grandes 
doações rurais em recompensa aos serviços prestados pelos seus caudilhos, que eram recrutados entre 
os aventureiros de toda a Europa.
Para Faoro (2001), essas duas características unidas, do rei senhor da guerra e do rei senhor de terras 
imensas, determinaram a história do reino de Portugal. A crise de 1383‑1385, que permite que uma 
nova dinastia, a dinastia de Avis, tome o poder, fecha o primeiro ciclo de formação do reino.
O rei como o maior proprietário, além de comandante geral, permite a transformação do domínio 
das terras na soberania. Por ser o centro supremo das decisões, a figura de rei todo poderoso impediu 
que Portugal tivesse o poder real disperso em domínios, como no feudalismo da Europa central; não 
se constituiu uma camada autônoma, formada de nobres proprietários. Em Portugal, não havia entre o 
rei e os súditos nenhum intermediário. O rei comanda e todos obedecem. Qualquer reclamação contra 
a palavra suprema era considerada traição, rebeldia contra a vontade de quem tomava as deliberações 
superiores. O rei não admitia nem aliados nem sócios, pois acima dele só a Santa Sé, o Papa, mas não o 
clero. Abaixo dele, só havia delegados sob suas ordens, seus súditos e subordinados.
Excepcionalmente, mais por atenção ao costume dos soldados estrangeiros que existiam desde a 
Idade Média na França, a concessão de terras determinava, além da propriedade, a soberania em suas 
terras, o que demonstrava certa tradição feudal. Com o tempo, essas concessões foram deixadas de lado 
e todos voltaram a obedecer ao rei.
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A concessão de senhorio ou de vila não significava nenhuma atribuição de poder público. A Coroa 
separava nos nobres a qualidade de funcionário da qualidade de proprietário. O poder dos nobres, 
quando havia, derivava da riqueza e não das funções públicas. Nos dois primeiros séculos do reino de 
Portugal, foram estabelecidos limites claros entre o exercício de um cargo e a propriedade privilegiada. 
O país era dividido em circunscrições administrativas e militares, as “terras” ou “tenências”, governados 
por um chefe, o “tenens”. Dentro dessas terras, constituíam‑se os distritos, os “prestamos”, administrados 
por um prestameiro designado pelo rei. A principal função da administração pública cabia a um nobre, 
que, eventualmente, podia não ser o senhor da terra. Também as circunscrições judiciais (julgados) e as 
circunscrições fiscais (almoxarifados) eram administradas por pessoas que o rei escolhia. Os funcionários 
recebiam a remuneração das rendas dos casais, das aldeias, das freguesias e dos estabelecimentos que 
não eram beneficiados com alguma imunidade fiscal. Todos os cargos eram determinados pelo príncipe 
e dependiam da sua riqueza e de seus poderes.
Nesse sentido, Portugal exibia uma estrutura diferente da Europa medieval, pois o absolutismo 
centralizador ainda era uma modernidade. Quando ordenava o serviço militar da nobreza territorial, o 
rei a contratava como um funcionário. Esse contrato era chamado de soldada e criava um vínculo de 
subordinação, que foi a origem das futuras quantias, uma renda periodicamente distribuída pelo rei. 
Quando, no século XIV, o tesouro real empobreceu, o pagamento aos soldados foi feito em terras doadas 
por um rei aparentemente pródigo.
Entretanto, entre a compreensão da história e a realidade das guerras e das intrigas, há uma 
distânciae muitas discordâncias. Esses laços de subordinação entre o rei, a nobreza territorial e o clero 
só aconteceu depois de muita briga e resistência. A fraqueza dos nobres proprietários de terras derivou 
das regras para a transferência da terra, mas os nobres avançaram na expansão dos seus poderes com 
a exploração das imunidades dos domínios. Essa disputa entre a Coroa e a nobreza terminou com a 
derrota da última, que viu desaparecer seus direitos feudais.
As doações de terras dadas como pagamento dos serviços de guerra privilegiavam os nobres com a 
jurisdição privativa sobre os moradores e a completa isenção de tributo. A imunidade tributária continuou 
valendo durante séculos, com exceção do imposto chamado sisa, tornado obrigatório para todos no 
século XIV. Contudo, o mesmo não aconteceu com a jurisdição privativa. A realeza percebeu que o poder 
de julgar envolvia, em última análise, o poder de criar uma camada intermediária e autônoma. Sem a 
jurisdição total sobre o país, o súdito (o povo) ficaria liberto da obediência, preso apenas a uma lealdade 
indireta. Daí a doutrina imposta a todos: “O direito e costume geral do reino, dizia el‑rei dom Dinis em 
1317, eram e tinham sido sempre que em todas as doações régias se entendesse reservada para a Coroa 
a justiça maior, a suprema jurisdição, em reconhecimento ao maior senhorio” (FAORO, 2001, p. 17).
Como a atribuição jurisdicional era exclusiva do rei, ele conquistava o povo, que procurava fugir dos 
desmandos da nobreza e do clero. Todos os trabalhadores simples eram aliados da Coroa. Seus laços 
eram reforçados pela solidariedade da organização municipal, os concelhos.
O velho direito de Castela, consolidado no Fuero Viejo, vigente em Portugal, 
reservava ao rei, nas doações ou nos senhorios, certas prerrogativas (justiça, 
moeda, fossado ou jantar), tidas como inerentes à sua preeminência 
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na sociedade política. Para fazer demagogia, o rei abria mão de suas 
prerrogativas, o que encantava o povo (FAORO, 2001, p. 17).
Para limitar os excessos dos privilégios da nobreza territorial e do clero, os reis reinstituiram uma 
pretensa regra da ordem romana. O município, que era usado pelos reis da Europa como estratégia 
política, foi estimulado. Os concelhos, forma antiga de município, tinham sido conservados pela tradição 
e tinham pouca significância.
Com medo da autonomia do clero e da nobreza, o rei criou uma nova base de sustentação, 
inaugurando comunas e estimulando as existentes, proporcionando suporte político, fiscal e militar. O 
trono tentou, assim, uma aliança submissa e servil com o povo.
Os forais – a carta de foral – pacto entre o rei e o povo, asseguravam o 
predomínio do soberano já apontando o caminho do absolutismo, ao 
estipularem que a terra não teria outro senhor senão o rei. Com a instituição 
dos concelhos o rei logrou desmontar a política medieval e atacar a 
prepotência eclesiástica, num meio que levaria a subjugar a aristocracia 
(FAORO, 2001, p. 18).
Havia também outro motivo de origem militar que facilitava a conexão com o fundamento político 
para a adoção da forma municipal. Uma vez decretada a criação de um concelho para organizar uma 
povoação ou para reconstruí‑la, o rei também impunha o dever de defesa militar contra os inimigos 
mouros ou contra os espanhóis. Assim, o rei conseguiu criar uma milícia gratuita, que era obediente à 
monarquia. Isso evitou eventuais manipulações políticas da nobreza ou do clero e instituiu o cargo de 
alcaide, palavra de origem árabe.
Surgiu em Portugal um campo neutro contra os privilégios aristocráticos, como a isenção da 
prestação militar, que, como vimos, era paga pelo rei se dela necessitava.
A guerra, a ascendência do rei com a rede de seus agentes cobrindo o país, controlando‑o e 
dirigindo‑o, domesticando sem aniquilar a nobreza, foram os traços que imprimiram o caráter da 
sociedade nascente. Isso fez do povo uma força cada vez mais vigorosa, amparada nos concelhos, com 
a aplicação da velha tradição romana.
Um jogo de pressões e influências recíprocas associava a presença do rei tanto nas rendas mais altas, 
quanto entre as rendas dos mais humildes. Havia uma enorme confusão do que era propriedade do rei, 
pois terras e tesouros se confundiam como patrimonio público e particular. Toda renda era aplicada nas 
despesas, sem nenhuma legislação clara, para saldar os gastos da família do rei, ou usada nas obras e 
serviços públicos.
O rei, na verdade, era o senhor de tudo, pois tudo dependia dele para ter legitimidade. Sua autoridade 
era incontestável, o que vem da tradição visigótica e do sistema militar. Teria sido necessário especificar 
a fonte das rendas da realeza para entender a estrutura econômica do reino.
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Uma análise da base do poder supremo demonstra sua estrutura e profundidade, desde a fonte das 
remunerações aos guerreiros, funcionários, homens da corte e letrados.
Havia um ganho fixo e previsível dos rendimentos do príncipe, que era um senhor territorial 
como outro qualquer: os lucros da propriedade fundiária. Também havia contribuições da nobreza 
e do clero, tanto para pagar as contas do chefe do Estado, como também para ser destinado às 
obras públicas. A propriedade territorial sofria uma exploração indireta e outra direta. A exploração 
indireta gerava uma renda que poderia ser entendida atualmente como um arrendamento, que era o 
cultivo temporário da propriedade. A outra renda vinha de uma espécie de imposto de transmissão, 
quando o lavrador que detinha o uso do solo passava‑o para outro lavrador; esse pagamento, 
chamado foro, era feito ao rei.
Quando detinham a gestão da terra, os colonos prestavam gratuitamente alguns dias de trabalho 
por ano ao rei, o que podia ser pago em dinheiro ou em produtos. Essa era a regra para a pecuária, mas 
também podia ser adotada para as culturas das vinhas e dos olivais.
Assim, o rei era o “principal lavrador da nação”, com celeiros e adegas que recolhiam produtos por 
todo canto de seus domínios. Seus mordomos atuavam na cobrança de foros e rendas. Dessa forma, a 
monarquia portuguesa se tornou uma “monarquia agrária”. No mesmo período, as rendas do soberano 
derivavam em sua maior parte da terra, mas as garras reais desde cedo também se estenderam ao 
comércio, com olhos cobiçosos para o comércio marítimo. Já em meados do século XII, estimulado pela 
conquista de Lisboa em 1147, o comércio marítimo mostrava os sinais do seu futuro próximo. Havia 
um grande comércio marítimo com as trocas dos produtos da Inglaterra, Flandres, França, Castela e 
Andaluzia. Além disso, Portugal dispunha de sal, pescado, vinhos, azeite, frutas, couros e cortiça, que 
eram trocados por têxteis flamengos e italianos, pelo ferro da Biscaia, pelas madeiras do Norte, pela 
prata da Europa central e oriental, pelas especiarias e pelo açúcar. Além disso, Portugal promovia feiras, 
que eram ativas na promoção do comércio interno.
O comércio e a indústria dependiam das concessões régias, das delegações graciosas e dos 
arrendamentos onerosos, que, a qualquer momento, poderiam ser substituídos por empresas 
monárquicas. Essas foram as sementes do mercantilismo lançadas em chão fértil. Com os privilégios 
concedidos para exportar e para importar, o rei arrecadava sua parte, numa apropriação de renda que 
só analogicamente se compara aos modernos tributos. No fim do século XIV, a sisa, imposto devido 
ao tesouro pelos consumidores na compra e venda e na troca de mercadorias, ocupava o primeiro 
lugar no orçamento. Todos eram obrigados a pagar, não havendo nenhumadispensa para os nobres, 
os eclesiásticos ou os plebeus.
O comércio que alcançava todas as camadas da população era estimulado na organização dos 
concelhos, criando renda para o soberano. Assim, a monarquia agrária se tornou mais ficção do que 
realidade, pois os rendimentos tributários da Coroa logravam maior lucro.
Para entendermos como Faoro (2001) intui que Portugal antigo influencia o Brasil até hoje, vejamos 
a lista de impostos que já naquela época eram cobrados da população:
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a) os réditos com origem na agricultura e no pastoreio —cânones, porções, 
direituras e miunças dos herdamentos régios, jugadas dos herdamentos dos 
herdadores peões, o montado pago sobre certas pastagens, as vendas da 
produção direta; b) réditos provenientes da circulação interna e do mercado 
— portagens, açougagem, alcavalas; c) os réditos provenientes do comércio 
externo — dízimas, portagens; d) as multas judiciais, ou calúnias e coutos; 
e) réditos provenientes da atividade industrial — vieiros e minas, dízima do 
pescado, taxa de mesteres; f) serviços prestados ao rei ou aos oficiais régios 
— geiras de malados júniores e outros, almocreverias e carretos, serviço de 
remadores na frota real [...] ou suas compensações monetárias; g) jantar ou 
colheita; h) emissões de moeda (FAORO, 2001, p. 22).
Havia ainda as rendas colhidas da dízima eclesiástica (imposto sobre a religião), das pensões de 
tabelionato e da justiça civil. Todos esses impostos compunham os tesouros reais em moedas, que 
aparecem nos testamentos dos soberanos em uma indicação da nascente economia monetária. A 
simplificação da cobrança levou ao calculado incremento da ordem municipal. A Coroa criava rendas 
com seus bens, cobrava impostos do patrimônio particular e manipulava o comércio para sustentar a 
corte e garantir a segurança de seu domínio.
O súdito nobre e o súdito comum não pagavam serviços, tangíveis ou abstratos, como o contribuinte 
moderno. O rei era um poderoso sócio e patrão, submetendo todo proprietário a cuidar da produção. A 
nobreza tentava defender os velhos privilégios, se mantendo como aliada do soberano, mas logo ela vai 
preferir se juntar à burguesia. O Estado patrimonial não respeitou os privilégios dos nobres.
Assim, Faoro deixa claro como a estrutura da formação econômica de Portugal apresenta contornos 
que podem ser comparados com as demais fases da história do Brasil.
Contudo, a constituição política pode ser situada, segundo Faoro (2001), na constituição do 
imperador Diocleciano (285‑305). A estrutura do direito vem do imperador Justiniano (527‑565), cujas 
codificações se propagaram no Ocidente como a forma principal de pensamento jurídico. Assim, esses 
imperadores romanos criaram a organização política e o conjunto de regras jurídicas que perduraram 
por sete séculos. Depois disso, na Idade Média, de acordo com as circunstancias sociais, foram utilizados 
pedaços de codificações para estruturar a ideologia da fé cristã.
Essa ideologia entende que o Estado consagra a supremacia ao príncipe para manter a unidade do 
reino e a submissão dos súditos ao poder mais alto, na figura de coordenador das vontades. As bases 
sobre as quais assentaria o Estado português estavam elaboradas no direito romano. O príncipe, na 
qualidade de senhor do Estado, proprietário eminente ou virtual sobre todas as pessoas e bens, está 
definido como ser dominante desde a monarquia romana. A figura do rei era a de comandante militar 
supremo, e sua autoridade era exercida na administração e na justiça, tal como no período clássico da 
história imperial romana. O racionalismo formal do direito, com toda a sua infinidade de leis, serve para 
disciplinar a ação política e o rumo da ordem social sob o comando e o magistério da Coroa.
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Exemplo de aplicação
Raymundo Faoro está comparando a forma original de constituição do reino de Portugal com o 
desenvolvimento do Estado brasileiro. Compare os privilégios atuais dos políticos, dos juízes e dos 
militares, que, juntamente com a classe dominante, pretendem ainda hoje a manutenção de um modelo 
de inspiração arcaica.
Para Faoro (2001), a Common Law, que rege o direito anglo‑americano, vem dos costumes das 
tribos dos godos, que muitas vezes se sobrepunham à ordem jurídica formalizada. Isso teria origem na 
dispersão da autoridade, um fenômeno geral na Idade Média.
O direito romano justificava legalmente os privilégios do rei, revelando‑se o instrumento ideal para 
afirmar o predomínio. A Península Ibérica, unida ao pensamento dos Papas, aprendeu o direito romano 
com as lições dos clérigos‑juristas, que se espalharam pela Europa sobretudo a partir dos séculos XI e 
XII. Esse movimento inclusive contestou a supremacia do clero a partir das obras jurídicas e legislativas 
de Afonso X (1267‑1272), rei de Castela, e do rei português Afonso III (1246 ou 1248‑1279), com a 
promulgação da ordenação sistemática sobre os processos.
O direito romano, modificado com as legislações ibéricas, permitiu e justificou que o rei dominasse 
o clero e a nobreza. Assim, a influência da obra dos juristas e imperadores romanos serviu a fins opostos 
aos previstos pelo clero, criando uma nova ideologia. Essa luta obedece aos padrões acabados e perfeitos 
do jurismo do imperador Justiniano. A batalha estimulada pelos soberanos portugueses buscou nos 
municípios romanos a forma adequada à instituição dos concelhos.
O município português se filia à origem romana e à sua feição ideológica. A forma, o modelo e a 
estrutura são romanos, mas os fins a que se destina e as funções que desempenha são modernos. Essa 
foi a influência romana na organização de Portugal.
Contudo, mesmo combatendo os privilégios da nobreza territorial, o direito romano não favorecia 
os interesses comerciais. O rei era titular dos poderosos e possuía extensos interesses econômicos. 
O comércio já tinha conseguido criar durante a Idade Média um direito específico, o que serviu de 
fundamento para o moderno direito comercial. Assim, era necessário adaptar o direito e lidar com as 
sociedades comerciais e os títulos de crédito. A Inglaterra, mãe do capitalismo moderno, desenvolveu 
seus instrumentos legais de relações econômicas sem utilizar quase nada do direito romano.
O direito romano serviu para a disciplina dos servidores ao Estado e para a expansão dos súditos 
ligados ao rei e regidos por regras racionais, pelo menos no sentido formal. O novo estilo de pensamento 
jurídico não acabou com o comando irracional ditado pela tradição ou pela vontade caprichosa do 
príncipe, que tentou o tempo todo mudar as regras que davam poder aos nobres.
O renascimento jurídico romano foi estimulado a reforçar o Estado patrimonial e serviu de estatuto 
para a ascensão do quadro administrativo do soberano, quando surgiu a figura do ministro. Em Portugal, 
os antigos funcionários romanos se transmutaram na aristocracia goda e, assim, deixaram no passado sua 
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ambição clara pela riqueza territorial. A política real limitou a autonomia dessa aristocracia, agrupando 
na corte os nobres que receberam funções públicas que os atrelavam ao poder do soberano.
A Reconquista revalorizou as baronias territoriais, compostas dos principais oficiais da monarquia, 
dos magistrados superiores e dos civis e militares. Nas baronias se fundiram a antiga aristocracia 
burocrática da época dos romanos e os militaresgodos. O recrutamento, que era determinado pela 
tradição, obedecia à liberdade do rei, que chamava os servos de sua casa para servirem ao lado de 
senhores territoriais.
Em Portugal, o barão não se baseou no feudalismo porque as populações só aceitavam, hipnotizadas 
por um estilo antigo, a predominância do rei, chefe dos exércitos. O barão português se define como 
funcionário e não como senhor. Havia um traço do feudalismo, mas não o feudalismo como instituição. 
Por causa dessa realidade, Faoro (2001) contesta a ideia instituída por pensadores de esquerda, por 
exemplo, Caio Prado Júnior, que encontrou nas capitanias hereditárias um feudalismo tardio. Segundo 
Faoro (2001), não pode ter existido no Brasil algo que tampouco existia na história portuguesa, pois os 
portugueses nem saberiam como legislar com ideias medievais.
O direito público que definia as relações entre o rei e os súditos continuava visigótico, assegurando 
as prerrogativas do rei. No século XV, essa linha de pensamento levaria um rei a se reconhecer como 
titular do poder absoluto. A própria organização ministerial renasceu do resgate das ideias da monarquia 
visigótica, impregnadas de legislação romana. Todos os cargos eram exercidos sob o direto de comando 
do rei, sem nenhuma possibilidade de serem herdados. Em tempos de guerra, na ausência do rei, era 
nomeado o alferes‑mor como comandante do exército.
Portanto, segundo Faoro (2001), existe uma linha ideológica contínua entre o Império de Diocleciano 
e o reinado da Reconquista.
Os fundamentos sociais e espirituais reuniram‑se para formar o Estado patrimonial. Com a economia 
se monetizando e o surgimento do mercado com relações de troca pagas em dinheiro, o Estado 
patrimonial, que já era latente desde as navegações comerciais da Idade Média, tornou‑se realidade. 
O uso da moeda, padrão no início da Idade Moderna e medida de todos os valores, tornou Portugal 
aberto ao progresso do comércio. Isso promoveu a renovação das bases da estrutura social, política e 
econômica no reino. Muito antes da descoberta do Mundo Novo, a cidade tomou o lugar do campo. 
A moeda, que passou a circular nas economias até então fechadas do mundo medieval, preparou o 
caminho de uma nova ordem social. Em Portugal, o capitalismo comercial e monárquico, guiado por 
uma oligarquia governante audaz e empreendedora, acabou se libertando de qualquer tradição feudal.
Isso permitiu que o príncipe organizasse o Estado como uma obra de arte, uma criação calculada e 
consciente. A moeda permitiu que o exército fosse livremente recrutado e que os letrados se tornassem 
funcionários da Coroa. Assim, foram desenvolvidas formas mais flexíveis de ação política, criando o 
Estado moderno, que precedeu ao capitalismo industrial projetado sobre o Ocidente.
Faoro (2001) percebe que nessa aparente sequência que parte da guerra e amadurece no comércio, 
com o rei senhor da espada e das trocas, há um sério problema histórico. Teria sido a nova construção 
política do Estado absolutista moderno um acontecimento só possível depois da ruína do feudalismo? 
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Ou teria o Estado moderno uma linha própria de crescimento, sem vínculo necessário com o sistema 
feudal da Europa central?
Para o autor, o ponto importante que caracteriza a economia da Idade Média, identificada como 
feudalismo, reside na propriedade dos meios de produção. Feudalismo e economia natural seriam 
termos correlatos.
Antes do capitalismo, havia uma pequena indústria, baseada na propriedade do artesão sobre os 
meios de produção. No campo, a agricultura estava limitada a plantar apenas um pouco mais do que 
as suas necessidades. Para Faoro (2001), os meios de produção, como a terra, os implementos agrícolas, 
a oficina e as ferramentas, devem ser considerados meios de trabalho dos indivíduos, já que eram 
destinados ao uso individual. Portanto, a possibilidade de produção era pequena e limitada, o que seria 
o motivo pelo qual pertenciam apenas ao próprio produtor. Na Revolução Industrial, o tear individual 
deu lugar ao tear coletivo. A máquina de fiar substituiu a roca e, assim, a produção perdeu o caráter 
individual. A força de trabalho coletiva, que converte o trabalho em mercadoria, resultou na perda da 
identidade do homem trabalhador. Contudo, Faoro (2001) sugere que, na economia medieval, não havia 
nada além de um momento idealizado adequado para se opor à cruel realidade do capitalismo.
Outra consequência do modelo marxista é que o capitalismo, teoricamente responsável pela ruína 
feudal, teria sido o capitalismo das manufaturas, que foi a primeira fase do capitalismo industrial. 
Em vários países, o capitalismo industrial se beneficiou do capitalismo comercial: troca de produtos 
manufaturados por mercadorias, na sua maioria produtos agrícolas ou minérios.
Para Faoro (2001), a historiografia marxista segue um curso linear, embora reconheça a ausência de 
feudalismo nos Estados Unidos e a não peculiaridade de certas relações sociais tidas como específicas da 
Idade Média na formação sócio‑histórica do Brasil. Mas ele afirma que essa doutrina construída sobre 
uma tradição histórica, e ensinada sem exame crítico de profundidade, infiltrou‑se na teoria acadêmica, 
ganhando o prestígio dos lugares‑comuns. O marxismo teria contaminado os estudos do século XX, 
empenhado, sobretudo nos países subdesenvolvidos, a descobrir uma “estrutura feudal” perdida em um 
mundo há muito tempo capitalista. Os estudos do século XIX, sobre os quais nasceu a tese marxista, 
pareciam apoiá‑la, e poucos tiveram coragem de não concordar com esse ponto de vista.
Contudo, Faoro insiste que, como Portugal era patrimonial e não feudal, os efeitos que até hoje 
estão presentes na sociedade brasileira, principalmente naquilo que diz respeito às relações entre o 
homem e o poder, são de outra ordem. Também a forma econômica que organiza a economia do Brasil 
até hoje não é de origem feudal. Quando o patrimonialismo é dominante, há uma ordem burocrática 
que determina que o soberano é sobreposto ao cidadão na qualidade de chefe para funcionário: “manda 
quem pode, obedece quem tem juízo”.
Além disso, o capitalismo dirigido pelo Estado, que impede a autonomia da empresa e a própria 
formação do mercado livre, anula as liberdades públicas, que são fundadas sobre as liberdades econômicas, 
de livre contrato, de livre concorrência e de livre profissão. Tudo isso vai contra o estabelecimento dos 
monopólios e das concessões reais, assim como é o caso das atuais concessões públicas no Brasil.
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O feudalismo não criou, no sentido moderno, um Estado. O sistema feudal é um conjunto de poderes 
políticos divididos entre a cabeça e os membros, separados de acordo com o objeto do dominação e 
controle. Não havia no feudalismo uma unidade de comando, que é a raiz da soberania. Na Idade Média, 
a homogeneidade nacional, para além da língua, eram os privilégios contratualmente reconhecidos de 
uma camada autônoma formada por senhores territoriais, os nobres.
Não há feudalismo sem a ideia de que uma camada da população tem poder sobre as demais, cada 
uma com sua cultura própria. O feudalismo não foi um fenômeno exclusivamente europeu, mas foi 
um desvio na formação da nação politicamente organizada. Ele não existia no mundo grego ou no 
mundo romano, onde podemos encontrar uma linha histórica sem interrupção desde a tribo até o 
Estado soberano. Há uma incompatibilidade entre o sistema feudal e a apropriação pelo rei dos recursos 
militares e fiscais, que são os fatores que levaram a racionalizar o Estado.
Para Faoro:[...] o chamado feudalismo português e brasileiro não é, na verdade, 
outra coisa do que a valorização autônoma, truncada, de reminiscências 
históricas, colhidas, por falsa analogia, de nações de outra índole, sujeitas 
a outros acontecimentos, teatro de outras lutas e diferentes tradições 
(FAORO, 2001, p. 34).
No feudalismo, a camada dominante dos nobres proprietários de terra se associava ao rei por convívio 
fraternal e de irmandade. Mas os nobres dispunham de poderes administrativos e de comando; para se 
aliarem ao rei, exigiam algumas negociações e acordos. O serviço devido ao rei e aos senhores pelo conceito 
de vassalagem não constituía uma obrigação ou um dever e podia ser retirado em qualquer tempo.
Situado teórica e historicamente, o sistema feudal foi incompativel com o mundo português desde 
os primeiros momentos da Reconquista. Em Portugal, a terra obedecia a um regime patrimonial e era 
doada sem a obrigação de serviço ao rei. Ele, sempre que concedia terras, fazia como em uma alienação 
moderna, pois assim conservava o direito de tomá‑las de volta. O serviço militar prestado ao rei português 
era pago. O domínio da terra não fazia do seu titular uma autoridade pública, nem beneficiário de um 
monopólio real.
Assim, Faoro (2001) conclui que, desde a Idade Média, Portugal era um Estado patrimonial e não 
feudal. Esse Estado patrimonial tinha uma direção pré‑traçada, organizado pelo direito romano e pela 
tradição das fontes eclesiásticas e renovado pelos juristas da Escola de Bolonha. Faoro (2001) evoca 
também a lembrança de Maquiavel, que reconhecia dois tipos de principado, o feudal e o patrimonial. 
Em uma monarquia patrimonial, o rei está acima de todos os súditos. É senhor da riqueza territorial 
e dono do comércio. O reino tem no rei um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as 
maiores propriedades do país, dirigir o comércio e conduzir a economia, tudo como se fosse sua empresa.
Ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do feudalismo, inclusive 
para o rei, no sistema patrimonial todos estão presos ao soberano em uma rede patriarcal, pois os 
senhores representam a extensão da casa real.
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Os auxiliares do príncipe viriam a compor em Portugal uma nobreza própria, muitas vezes mais 
importante do que a nobreza territorial. Os legistas, doutores e letrados se tornariam funcionários comuns. 
Só a vontade do rei poderia lhes conceder grandezas. Mas, enquanto o mundo não foi inteiramente 
dominado pelo capitalismo industrial, pensava‑se que havia o risco de se voltar a um feudalismo.
Portugal teve desde o início um destino patrimonial de preponderância comercial. O comércio definiu 
o destino do reino e foi a forma de financiamento da Reconquista dos árabes e da independência da 
Espanha. O comércio se converteu no modo próprio de expandir suas atividades, tanto que Portugal 
abandonou a cultura do trigo para adquiri‑lo em mercados estrangeiros por um preço melhor do que o 
produzido em suas terras.
Essa trajetória, iniciada com as exportações para Flandres, Inglaterra e Mediterrâneo, culminou nas 
grandes navegações. Mesmo que a maior parte da população portuguesa na Idade Média vivesse da 
agricultura, o traço característico da vida econômica não era dado pela exploração do solo. A atividade 
comercial e marítima, que resultou do povoamento da costa e da exploração do mar, é que representou 
o elemento decisivo e definidor da forma de vida nacional portuguesa baseada na pesca, na produção 
de sal e nas trocas dos produtos comerciáveis da terra.
Entre o período do comércio medieval, de trocas costeiras, e o comércio moderno, com as navegações 
longas, houve o aparecimento da burguesia comercial desvinculada da terra, capaz de financiar a 
compra das mercadorias. O rei enquanto dirigente centralizador conduzia as operações comerciais como 
se fosse uma empresa. Nenhuma exploração industrial e comercial estava isenta de seu controle. Por 
isso, mantinha comando imediato em todos os setores mais lucrativos e concedidos e autorizados à 
burguesia nascente, que em Portugal sempre esteve presa às rédeas da Coroa.
É a estrutura patrimonial que permitirá a estabilização da economia. Ela permitiu a expansão do 
capitalismo comercial e fez do Estado uma gigantesca empresa comercial, que impediu o desenvolvimento 
em Portugal e no Brasil do capitalismo industrial até o século XX. Até hoje Portugal não se tornou uma 
nação fortemente industrial.
Enriquecida pelo comércio, a burguesia foi reduzida ao papel de intermediária do comércio. Assim, a 
atividade industrial, quando existiu, resultou de estímulos, favores ou privilégios. A empresa individual, 
baseada racionalmente no avanço tecnológico e no cálculo do lucro, completamente independente 
da intervenção governamental, nunca pode existir. A atividade comercial e sua finalidade especulativa 
impediu a liberdade econômica, que foi a base da Revolução Industrial. Daí surgiram as consequências 
econômicas e os efeitos políticos que, segundo Faoro (2001), se prolongam no século XX e, em sua ótica, 
até os nossos dias.
Os portugueses herdaram o comércio dos árabes, que já tinham definido a vocação marítima do 
país, geograficamente condicionada pela convergência entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. 
Foram os moçárabes e os muçulmanos que prepararam, com o comércio pelo mar, a jornada ultramarina 
e a grandeza de uma camada popular, a burguesia comercial. Os documentos do século XII demonstram 
que, na concessão de privilégios para os oficiais de navios e nas mercadorias reexportadas, o comércio 
marítimo era uma atividade antiga que entrou em expansão após a Reconquista.
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Os direitos reais, que definiam a apropriação de renda dos negócios, enriqueceram o tesouro real com 
as taxas das alfândegas. O rei era o banqueiro da nação, seu maior sócio e estimulador das exportações.
A burguesia, tendo tomado conta da administração municipal, sobretudo em Lisboa e no Porto, 
tinha voz nas Cortes através de seus delegados e procuradores. Foram duas as medidas que favoreceram 
diretamente o comércio marítimo em benefício dos armadores: os privilégios concedidos “aos mercadores, 
moradores e vizinhos de Lisboa” para o fomento da construção de navios; e a genial criação dos seguros 
marítimos, em 1383. A primeira medida tinha um cunho nacionalista, pois “melhor seria se o lucro 
que os navios estrangeiros recebiam dos fretes fosse recebido pelos seus naturais”. A segunda medida 
visava ao estabelecimento “de uma associação de todos os donos das naus, pela qual tais perdas se 
remediassem e seus donos não caíssem em áspera pobreza” (FAORO, 2001, p. 49).
A alta burguesia, presa aos vínculos do soberano que outorgava as concessões de comércio, foi 
arrastada ao centro do furacão. O Regedor e Defensor do Reino, em dois anos de guerra, se converteu 
em Dom João I, primeiro rei da dinastia de Avis (1385‑1580). A guerra contra os espanhóis foi lançada 
por Castela com o apoio da ala mais extremada da aristocracia portuguesa. Essa guerra aconteceu no 
contexto da guerra civil, que definiu a reestruturação do reino de Portugal. Nascia nesse momento a 
forma astutamente e sagaz do mando portugues (e brasileiro):
Álvaro Pais escreve na Crônica de Dom João I: Senhor, fazei por esta guisa: 
dai aquilo que vosso não é, prometei o que não tendes, e perdoai a quem 
vos não errou, e ser‑vosá de mui grande ajuda para tal negócio em que sois 
posto (FAORO, 2001, p. 51).
Esse conselho realista é seguido, e Dom João I faz doações de terras aos militarescombatentes, 
tomando os bens da aristocracia que tinha apoiado a Espanha. Concedeu os privilégios à burguesia 
comercial e trouxe para as Cortes os letrados legistas. As três categorias se projetaram no círculo 
ministerial e nos conselhos do novo dirigente, dando nova feição à aristocracia portuguesa. Nuno Alvares 
Pereira, o general da campanha militar, tornou‑se o maior proprietário do reino, não sem a oposição 
dos legistas, preocupados em manter a supremacia do rei, inclusive na grandeza do senhorio territorial.
Coube ao jurista João das Regras conciliar as facções, incorporando‑as ao Estado. Sua primeira obra 
foi institucionalizar a dupla chefia do governo, com a prevalência do poder revolucionário. Com seus 
sofismas, pode o rei ser aclamado Regedor e Defensor do Reino e reivindicar o trono com argumentos 
de legitimidade. Os nobres fidalgos resolveram reconhecer o bastardo Dom João I, aceitando a duvidosa 
nulidade dos casamentos de onde provinham os demais pretendentes.
Assim triunfou o direito romano, com sua maneira retórica de raciocínio, consagrando as Cortes 
de Coimbra e o novo príncipe, mas não podemos esquecer que isso só foi possível pela força que 
seu exército representava. A sociedade urbana e popular tinha um rei que era resultado da revolução 
burguesa, da força da espada e dos argumentos dos juristas. Os burgueses e os legistas cuidavam para 
que Portugal não se tornasse uma confederação de senhores territoriais, enriquecidos com as doações 
de terras feitas como pagamento pelos serviços da guerra.
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Nuno Alvares, dono da metade do país, sofreu dura restrição para desfrutar suas propriedades, o que 
se atribuiu na época à inveja. Mas os juristas insisitiam que ninguém, salvo o rei, tivesse vassalos. O rei, 
então, aceitou indiretamente essa ideia, ao adquirir parte das terras doadas. Procurava‑se defender a 
idéia do Estado favorável à burguesia e contra esse súbito alastramento do regime senhorial.
A autoridade legal e racional, filha dos argumentos, raciocínio e subtilezas de João das Regras, serviu 
apenas de moldura intelectual. Quando conseguiu obter o poder extraordinário, Dom João I ergueu 
seu domínio acima da burguesia e rebaixou‑a de patrocinadora da monarquia a servidora. A nobreza, 
enriquecida com novas linhagens, deixou de sonhar com os castelos feudais e preferiu ficar presa às 
rédeas do trono; ainda, absorveu grande parte da burguesia comercial que era voltada para o campo e 
pagou caro pela insensata tentativa de conquistar privilégios que podiam ameaçar o poder real.
Fernão Lopes, cronista e historiador que relatou esses acontecimentos, relatou as transformações 
sociais e econômicas que a revolução consagrou. Com ele, nasceu uma história nova, ajustada ao tempo, 
preocupada com a realidade profunda e com a ideologia, alheia à tradição narrativa romana. Por ele, 
sabemos que a revolução não quis emancipar o povo envolvido no alto comércio marítimo e urbano. Ela 
tornou nobre apenas os burgueses ricos, que era uma camada longamente preparada para a ascensão 
social e política. As conquistas burguesas perseveram nos anos seguintes. A sisa, que nesses tempos era 
o principal imposto, quebrou as imunidades aristocráticas, sendo cobrada em todas as transações de 
compra, venda e troca. Os armadores foram beneficiados, fazendo germinar a conquista ultramarina.
A nobreza também não desapareceu, nem perdeu totalmente seu poder; foi transformada em 
elite nominal sem influência. Ao seu lado instalou‑se a grande burguesia, com a função de conduzir a 
economia e partilhar a direção da sociedade. A burguesia é que foi transformada de grupo de pressão 
em fator do poder. Não se limitava mais a atuar, perdida nos concelhos municipais, nas pressões urbanas, 
sobretudo em Lisboa, no Porto e em Santarém, ou raramente nas Cortes. A burguesia passou a formar 
o Estado.
A burguesia tinha conquistado seu lugar, mas acima dela havia o rei, proprietário virtual de todo 
o comércio, capaz de conceber projetos e planos encomendados aos juristas cheios de armadilhas e 
sofismas e capazes de erguer a forca por toda parte. A monarquia portuguesa foi definida na crise 
de 1383‑1385, e a realidade do Estado patrimonial necessitou de uma confederação política, que 
amadureceu em um quadro administrativo de caráter ministerial. A direção dos negócios da Coroa 
exigia a administração da empresa econômica, que já estava definida em direção ao comércio marítimo 
e requeria um grupo de conselheiros e executores, sob as ordens incontestáveis do soberano.
O rei deixou de ser apenas o senhor virtual do território e tomou o Estado para torná‑lo um agente 
econômico extremamente ativo. Forçava as casas senhoriais a lançarem‑se nos empreendimentos 
comerciais marítimos. Isso acontecia para que a contração econômica fosse contornada com as 
rendas advindas da navegação oceânica e seu comércio, bem como de algumas atividades industriais, 
principalmente da mineração. Para isso, o Estado desenvolveu, de acordo com sua necessidade, uma 
organização político‑administrativa, juridicamente escrita, racionalizada e sistematizada pelos juristas.
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Para Faoro (2001), nesse momento surgiu aquilo que melhor explica a formação sócio‑histórica 
do Brasil: o estamento. Segundo ele, essa corporação de poder se estruturou de forma diferente das 
categorias de classe social ou casta. Faoro entende que a estratificação social, embora economicamente 
condicionada, não resulta na absorção do poder pela economia. O grupo que comandava, no qual se 
instalou o núcleo das decisões, não era, nas circunstâncias históricas de Portugal, uma classe, da qual o 
Estado seria mero delegado, uma espécie de comitê executivo.
Pelo sentido clássico marxista, a classe social se forma a partir da apropriação de interesses econômicos, 
determinados pelo mercado. A propriedade e os serviços oferecidos no mercado, que podem ser pagos 
em dinheiro, determinam a emergência de uma classe social. Assim, surge logo a diferença entre quem 
é positivamente ou negativamente privilegiado. Em Portugal, nenhuma classe e seus membros, por mais 
poderosa que fosse, conseguia dispor de poder político. Ao contrário, uma classe rica podia ser repelida 
pela sociedade e marcada pelo preconceito, como os financistas e banqueiros judeus dos séculos XV e 
XVI em Portugal.
O estamento é, primariamente, uma camada social e não econômica, embora possa repousar, em 
conexão não necessária real e conceitualmente, sobre uma classe social. O estamento político que Faoro 
conceitua é constituído de uma comunidade que faz seus membros pensarem e agirem conscientes de 
pertencer a um mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. A situação 
estamental proposta seria a do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, e se fixa no prestígio 
da camada e na honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Em outras palavras, é como um 
operário moderno que prefere votar em políticos que são patrões.
A estabilidade econômica favorece uma sociedade de estamentos, assim como as transformações 
bruscas da técnica ou das relações de interesses enfraquecem os estamentos. Por isso, representam um 
freio conservador pela preocupação em assegurar a base de seu poder. Ainda segundo Faoro (2001), 
há estamentos que se transformam em classes sociais e classes sociais que evolvem para o estamento, 
mesmo que sejam coisas diferentes. Os estamentos governam, as classes negociam: “Os estamentos são 
órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (econômicas)” (FAORO, 2001, p. 60).
A partirdessa formulação, Faoro vai buscar comprovar suas ideias examinando a história de Portugal 
e a história do Brasil. Prossegue com a descrição de como se organizou esse estamento em Portugal. O 
absolutismo e o funcionalismo estavam nascendo no Estado patrimonial de estamento, sem com elas 
se identificar. O estamento era uma comunidade de dependentes do tesouro da Coroa e se converteu 
na burocracia. Era uma burocracia de caráter aristocrático, com uma ética e um estilo de vida próprios, 
impregnados do espírito pré‑capitalista. No Estado absoluto, o estamento vivia atuante e seus privilégios 
estavam condicionados pela vontade do soberano. O estamento, que era o estado maior da autoridade 
pública, apressou e consolidou a separação entre a coisa pública e os bens do príncipe. O reino não era 
mais o domínio do rei, e o soberano tornou‑se o domínio da nação.
A tradição, apoiada no direito romano, ganhou caráter racional e consciente graças à palavra, acatada 
e respeitada, dos juristas. Desde a segunda metade do século XIII, as funções públicas se diferenciaram 
por competências estereotipadas, com a distinção básica entre a administração pública e a administração 
do serviço doméstico do rei.
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No século XVI, os legistas formavam uma espécie de casta. Os cargos da magistratura superior eram 
geralmente desempenhados por famílias mais ou menos ligadas entre si pelos laços do parentesco. Os 
cargos subalternos da administração judicial eram preenchidos comumente por pessoas que dependiam 
dos empregados superiores.
Os legistas não tinham constituído uma casta. Eles se agregaram em uma comunidade onde todas 
os funcionários se representavam. O estamento no século XVI zelava pela supremacia do poder nacional, 
que era ao mesmo tempo um poder civil de oposição à nobreza e contra o controle do poder econômico.
A nobreza perdeu a imunidade fiscal. Os legistas golpearam os senhores territoriais. Firmaram o 
princípio da inalienabilidade dos bens da Coroa e deixaram claro que as doações de terras se fariam com 
a reserva de reversão, se não fossem preenchidas certas condições na sucessão. O rei ainda podia reaver 
a terra que tinha sido doada durante uma guerra, pagando à nobreza os salários das jornadas militares. 
O serviço militar tornou‑se assim um serviço público obrigatório, remunerado pelo dinheiro do rei. A 
nobreza perdia todos os seus privilégios ancestrais e, no futuro, só lhe restariam ser cortesãos.
Contudo, o soberano foi também despojado de atribuições. Perdeu a marca de proprietário do 
reino e foi convertido em seu administrador, defensor e zelador, pois o principado elevou‑se acima 
do príncipe. O conceito de imperium substituiu o conceito de dominium, sem desvirtuar o princípio 
patrimonial, exacerbado em seguida pelas jornadas ultramarinas. Os direitos e privilégios do estamento 
obrigaram o rei a se amparar nele. A ação real acontece por meio de pactos, acordos e negociações. 
Dentro do estamento, se instalou uma luta permanente na caça ao predomínio de uma facção sobre 
outra. A teia jurídica que envolve o estamento não tem o caráter moderno da impessoalidade e da 
generalidade. A troca de benefícios era a base da atividade pública, reunida na convergência de tomar 
o poder e o tesouro do rei.
5.2 Como aconteceram as navegações
Portugal teve alguns benefícios que possibilitaram a aventura ultramarina. Contando com vários 
portos para promover o comércio europeu, nos séculos XIII e XIV, o comércio atlântico de troca de 
produtos locais ou no trânsito de especiarias vindas do Mediterrâneo concentrava‑se por lá. Nos dois 
extremos, tanto no Mediterrâneo como em Flandres, as atividades marítimas se expandiram para o norte 
da África e para a França e a Inglaterra, ligando os dois extremos, Flandres e o comércio do Mediterrâneo. 
Houve, em paralelo, o desenvolvimento de legislações que estabeleceram seguros marítimos e as 
participações acionárias em empresas de navegação. O Estado patrimonial, articulado pelo estamento, 
foi o elemento que permitiu o alargamento do mundo comercial europeu, pois seu crescimento não 
cabia na capacidade dos financistas particulares, que era a forma do modelo genovês de comércio.
Portugal nunca conheceu o predomínio da economia agrária, que teria sido capaz de elevá‑lo à 
quase soberania da nobreza territorial. Foi o Estado patrimonial que orientou o comércio marítimo e a 
formação territorial.
Entre a conquista de Ceuta e a viagem de Vasco da Gama, por oitenta anos, a mentalidade não 
mudou. O comércio exigia lucros maiores, rendas maiores e vantagens maiores. Mas que esteja claro 
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que o comércio era conduzido pelo rei, herdeiro do Estado patrimoniale e cercado pelo estamento, que 
discutia razões e objeções. Dentro desse contexto, era impossível manter a nobreza alheia ao comércio, 
pois era essa a atividade que enriquecia a nação.
A religião, no século XV, em Portugal, era a expressão ardente da causa nacional, da independência 
e da missão do reino. Ela não congregava apenas homem e Deus, mas homem e pátria.
Entretanto, o espírito da religião era a guerra das cruzadas, ou seja, a rapina, a pirataria, o comércio e 
a dilatação do império e da fé. Depois de Ceuta, deu‑se início ao projeto da escola de Sagres, e a aventura 
continou agora convertida em empresa. O infante Dom Henrique (1394‑1460) não foi o pai do comércio 
e da expansão ultramarina. Ele dirigiu a empresa marítima, racionalmente planejada e racionalmente 
expandida. Nos tempos de Dom Henrique, organizou‑se o comércio africano, que foi o modelo do futuro 
comércio ultramarino, patrimônio inalienável da Coroa e reconhecido pelas bulas papais. Esse comércio 
podia ser feito por conta do príncipe ou mediante delegação régia.
Era fácil encontrar banqueiros italianos, flamengos e alemães na capital do reino e nas feitorias. Os 
venezianos, transferindo suas atividades para Portugal, tornaram‑se a principal fonte de financiamento 
das expedições ultramarinas. Sua importância cresceu ainda mais depois da expulsão dos judeus de 
Portugal. Os judeus portugueses tinham sido os primeiros que financiaram o comércio intercontinental. 
O mercado principal de compra era a Europa, cujo centro era a feitoria de Antuérpia, para onde se 
transferira, em 1496, a feitoria de Flandres. O comércio europeu, com os metais do Norte e as mercadorias 
necessárias à troca de produtos asiáticos, era a condição fundamental do comércio ultramarino.
A Coroa não delegava a soberania, mas apenas o governo, para poder retomá‑lo a qualquer instante. 
Assim, o rei podia delegar a exploração do comércio mediante uma concessão graciosa, como no caso 
da concessão ao infante Dom Henrique, ou determinar um arrendamento oneroso, como a concessão 
do comércio de pau‑brasil a Fernão de Noronha. A Coroa nunca perdia o monopólio da sua propriedade, 
podendo retomá‑la quando quisesse.
No ultramar, voltaram a encontrar‑se o colono, o militar, o mercador e o missionário. Ao lado do 
forte militar, desenvolviam‑se a feitoria comercial e a igreja. Portugal crescia com a ocupação militar, 
com a exploração mercantil e com a evangelização; as três constantes da história ultramarina. Como 
atributo da sua soberania, o rei conserva o “quinto”, imposto cobrado pela proteção militar.
O Estado inchou com servidores ramificados na África, Ásia e América, mas sobretudo concentrados 
no reino e que engrossaram o estamento. Tal como no Brasil atual, havia uma multidão de “pensionistas” 
e dependentes, fidalgos e funcionários, todos sôfregos de ordenados, pensões e favores. O rei pagavatudo, abusos e roubos, infortúnios comerciais e contratos fraudados.
A atividade mercantil portuguesa, desenvolvida até o delírio, mas sempre dentro das raias que lhe 
assinalavam a ordem econômico‑política, nunca alcançou a forma do capitalismo industrial. Nem mesmo 
o artesanato conseguiu ganhar expansão em Portugal. Toda a atividade econômica se concentrava nas 
mercadorias importadas para a troca com outras mercadorias importadas. Umas vinham da África, da 
Ásia e da América, e outras, dos países marítimos da Europa. No interior agrícola português, cuja produção 
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era limitada ao azeite, ao vinho e às frutas, a produção não conseguia suprir sequer as necessidades 
nacionais. O trigo, cujo cultivo tinha preocupado a corte de Dom Fernando I, passou a ser adquirido no 
exterior, pois seu plantio era pouco lucrativo.
A Coroa era dona de todos os monopólios comerciais: da pimenta, do pau‑brasil e dos escravos. 
O capitalismo era politicamente orientado para servir o estamento. Não havia nenhuma vontade de 
permitir a livre iniciativa, pois o rei constituía seu capital graças ao imposto sobre as atividades comerciais 
e industriais privadas. Sua riqueza e prosperidade era comandada pelo florescimento dessas atividades, 
mas, como também ele exercia o comércio, ficava com a maior parte dos lucros e, portanto, restringia 
o campo de atuação dos particulares. Mas esse real empreendimento comercial não organizou a sua 
gestão conforme faziam as empresas privadas. Como os privilégios na Corte queriam usufruir dos lucros, 
não se poupava para permitir o financiamento com capital próprio ou para realizar novos investimentos. 
Uma vez que o Estado não tinha outras rendas como as derivadas da agricultura, mas mantinha uma 
ordenação jurídica que permitia o usufruto do estamento, as rendas dos empreendimentos iam sobretudo 
para o clero e para os senhores. Isso criou um atraso na estruturação capitalista da própria sociedade 
portuguesa, quando parecia que o Estado tinha enveredado por esse caminho.
No século XV, com a subida ao poder da dinastia de Avis, a aliança do rei com a burguesia, que 
servia para domesticar o poder da nobreza, parecia ter alcançado seu grau extremo, com a emancipação 
econômica e política do comerciante. O grande burguês de Lisboa e do Porto, trazendo junto o povo 
das ruas, foi o principal fator da revolução de 1383‑1385. Havia um órgão do Estado, integrado por 
comerciantes que tinham um papel importante, mas não eram decicivos para as deliberações do soberano. 
Não tivessem havido certos elementos históricos, a tendência do momento teria levado Portugal a criar 
das ruínas da nobreza, um sistema político burguês, ao estilo genovês ou no futuro estilo holandês. Mas 
a realidade desmentiu as promessas da história.
Nem a ordem política, nem a ordem ideológica favoreceram o crescimento da burguesia. Depois de 
pouco tempo de expansão autônoma, os comerciantes, que tinham sido os principais colaboradores 
da magna revolução da história portuguesa, recolheram‑se aos seus bairros sem prestígio, insultados 
pelos brios fidalgos da nova dinastia. Contudo, percebe‑se que houve uma traição. O mercador, que 
tinha enriquecido com os transportes, as exportações e os empréstimos, tornou‑se nobre, muitas vezes 
renunciando ao negócio e se radicando na terra, tentando reviver o velho estilo aristocrático.
A burguesia comercial dependia do rei e continuou presa a esse vínculo, subjugada ao papel de 
órgão delegado do rei mercador. Ao lado dele havia uma camada de letrados, para cujo recrutamento 
a origem nobre não tinha nenhum peso. Essa camada era formada principalmente de filhos de famílias 
burguesas que tinham como pagar para os filhos uma educação universitária. Percebe‑se hoje em dia 
que não foi a burguesia que renegou sua posição. Parte dela se acomodou ao estado‑maior dirigente, 
que moldou um novo estilo de vida. Essa estratificação social impediu que a burguesia se tornasse 
autônoma. A burguesia preferiu adotar uma aversão e mesmo desprezo ao trabalho, fosse comercial 
ou manual, para preferir como valor maior a ociosidade letrada. Para Faoro (2001), isso mostra a força 
da ideologia do estamento, que não permitia a ascensão de outra ideologia que pudesse permitir um 
pensamento social novo.
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Segundo o autor, a adoção de hábitos supera e questão econômica na determinação do estamento. 
Por esse motivo, pessoas ligadas ou oriundas de um estamento vão ter a mesma ideologia. Podemos 
dessa forma entender porque algumas pessoas vivem uma realidade econômica muito distinta da 
ideologia que proferem e, até os dias de hoje, acabam votando de acordo com a ideologia e não de 
acordo com sua realidade econômica.
Ao adotarem o mercantilismo, os portugueses não pensaram nos moldes da realidade. Havia sempre 
a tentação de permanecerem defendendo as idéias religiosas medievais, que tornavam o dinheiro e 
o comércio instrumentos da usura. Os interesses econômicos tinham de continuar se subordinando 
à salvação da alma, que era o verdadeiro sentido da vida. A atividade econômica determinava uma 
suspeita da conduta moral do indivíduo, ditada pela moral teológica. Qualquer motivação econômica, 
que não contivesse inspirações éticas, era suspeita de pecado. No século XV, se o comerciante vendia 
íntegra e intransformada uma mercadoria, ou seja, apenas especulava com sua compra e venda, devia 
ser expulso do templo de Deus por ser praticante da usura (a agiotagem).
A ética medieval sobreviveu, no pensamento dos letrados e da corte, durante toda a aventura 
ultramarina. Essa ideologia explica porque o reino expulsou sem motivos e de repente a riqueza judaica 
em nome de valores obsoletos, não ajustados ao comércio do século XV. O poder do dinheiro era visto 
como estranho, anormal, perturbador, sem articulação na ordem estatal, controlado pelo estamento 
e não merecia reconhecimento. Excluído do corpo da nação, os judeus tentavam criar uma categoria 
burguesa independente, a única camada autônoma se afastava da solidariedade da nobreza política que 
vivia na corte. Portanto, se voltaram contra eles os interesses dos que se beneficiavam sem trabalhar, 
recebendo os lucros do comércio da Coroa.
Somente no século XVIII, já em plena decadência do comércio ultramarino, que o mercantilismo praticado 
de fato conquistou o espírito da sociedade portuguesa. Antes disso, houve apenas o capitalismo politicamente 
orientado, que era o único que podia existir à margem da lei que condenava explicitamente a usura. Podia‑se 
emprestar dinheiro ao rei e cobrar juros desse empréstimo para que a Coroa assegurasse as subvenções 
aos nobres e ao clero, os reais detentores do pensamento oficial. Até às reformas pombalinas, a concepção 
dominante em Portugal e no Brasil era a escolástica, aristotélica e tomista. Os problemas econômicos eram 
pensados dentro de um quadro de princípios éticos do tomismo, conforme o pensamento medieval.
Os comerciantes que se revoltavam contra o estado das coisas em Portugal, e em particular contra 
certos princípios dominantes, eram homens que tinham vivido muito tempo no estrangeiro e que também 
escreveram as suas obras no estrangeiro, não publicadas em Portugal até a revolução pombalina. O 
próprio Pombal foi um diplomata e a sua estadia no estrangeiro, particularmente em Londres, exerceu 
grande influência na orientação que deu ao seu governo. Essa tradicional discrepância entre a prática 
e o pensamento fomentou a hipocrisia nas camadas dominantes, pois se, de um lado defendiam ideais 
éticos, de outro, tinham os pés afundados nocomércio. A ideologia coerente com a realidade teria sido 
o mercantilismo só tardiamente aceito pelos portugueses.
Faoro (2001) percebe que esse mercantilismo prático português foi herdado pelo Estado brasileiro. 
Assim, vemos que no Brasil a ideologia continua separada da realidade das necessidades do comércio e 
da indústria e, principalmente, da valorização do trabalho.
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Isso acentuou claramente o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econômica. 
O Estado organizava o comércio, incrementava a indústria, assegurava a apropriação da terra, estabilizava 
os preços, determinava os salários, tudo para o enriquecimento da nação e o proveito do exclusivo do 
grupo dirigente. O mercantilismo operava como agente unificatório e centralizador. O Estado, dessa 
forma, ganhou poder internamente contra as instituições e as classes sociais e, externamente, se 
estruturou como a nação em confronto com outras nações. Assim, nasceu o absolutismo português, 
consagrado como razão de estado.
Entretanto, a atividade mercantil, desvinculada da agricultura e da indústria, não permitiu 
a acumulação de capitais no país. A prata e o ouro, depois de passarem pelo reino, acabavam nas 
manufaturas das outras cidades europeias. O conhecimento científico serve para desenvolver técnicas 
de fabricação, uma das bases da expansão do capitalismo industrial. Mas em Portugal e no Brasil, esse 
conhecimento sempre foi importado.
Quem estudava ciência não estava interessado em transformar o conhecimento cientifico em algo útil 
para a nação. Para viver uma vida voltada para o passado, não havia nenhuma necessidade da aplicação 
da ciência para suprir as necessidades materiais de Portugal, o que impediu o desenvolvimento da 
indústria e mesmo das formas de agricultura. Restou ganhar dinheiro com o comércio de especulação. 
Podemos dizer que as classes dominantes monopolizavam a cultura espiritual. Quem se opusesse a isso 
era forçado a emigrar para a distante Europa.
5.3 Questões do direito
O direito português também serviu quase exclusivamente à organização política. Para Faoro (2001), o 
direito articulou‑se no Estado de estamento, como elo de união, cimento de solidariedade de interesses, 
expressando sua doutrina prática e sua ideologia. A ideia de regular as relações jurídicas por meio de 
normas gerais, e não de regras válidas caso a caso, coincidiu com o aumento da autoridade do rei, 
sobretudo contra os privilégios do clero e da nobreza.
O soberano deixou de lado sua função de árbitro dos dissídios e fonte das decisões para o papel de 
chefe do governo e chefe do Estado. O rei se comunicava com os seus vassalos por meio do regulamento, 
que reconhecia os direitos do estamento, mas limitava‑os. As leis serviam para ressalvar a supremacia 
real e eram capazes de organizar, por meio dos cargos e privilégios, a ordem política do reino.
As Ordenações Manuelinas (1521) introduziram reformas administrativas e financeiras, que 
modernizaram a administração local. Essas ordenações promoveram uma reformulação de todo direito 
português, mas deixaram de fora a legislação sobre as finanças reais, que foram depois organizadas pelas 
Ordenações da Fazenda. Entretanto, com a descoberta de novos mundos, Portugal logo se ajustou à 
nova realidade, e, em 1603, foram editadas as Ordenações Filipinas, o mais duradouro código legislativo 
de Portugal e do Brasil.
As Ordenações Filipinas são o estatuto da organização político‑administrativa do reino. Contêm 
uma descrição minuciosa das atribuições dos delegados do rei, tanto daqueles que cuidam da justiça, 
quanto dos demais funcionários da corte e da estrutura municipal. Essas ordenações determinaram 
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a intervenção do Estado na economia, nos negócios, no comércio marítimo, nas compras e vendas 
internas, no tabelamento de preços no embargo de exportações aos países mouros e à Índia. Permitiram 
também o predomínio incontestável e absoluto do soberano e a centralização política e administrativa.
Ao mesmo tempo que os mercadores estrangeiros invadiam Lisboa, o comércio vivia à custa dos 
privilégios concedidos pelo rei. Assim, os comerciantes portugueses limitavam‑se à atividade de 
carregar e descarregar as mercadorias importadas, o que começou como um “comércio de trânsito” e 
se expandiu para um “comércio de dinheiro”. Essas atividades não gozavam de nenhuma qualificação 
social, independentemente da importância dos financiadores estrangeiros da aventura da África e da 
Índia e da empresa do Brasil. Não havia nenhuma garantia jurídica dessas atividades. Mesmo os italianos, 
ingleses, alemães e flamengos, que se associavam ao rei em seus empreendimentos, aceitavam que a 
garantia era o próprio rei, e nem ousavam exigir nenhum direito próprio. A disciplina imposta sobre os 
particulares não respeitava a riqueza econômica, era puramente inspirada pela política. Servia ao Estado 
e ao estamento, e não ao comerciante, nem ao comércio lucrativo.
Em uma estrutura de predomínio absoluto das interferências estatais, a realidade jurídica foi sempre 
uma sombra ameaçadora do poder político. As atividades econômicas, os interesses e os contratos 
dentro desse contexto social não podiam expressamente visar ao lucro e às vantagens materiais. Tudo se 
subordinava à glória de Deus e à honra dos nobres, que eram os valores que o estamento corporificava, 
atolado na cobiça, mas com a cabeça nas nuvens.
O Estado, envolvido por esse estamento burocrático, se alimentava da classe comercial, que ele 
desprezava e aviltava. Entre os dois grupos havia as relações em um plano econômico, mas não um 
estilo de vida comum. Só o estamento era aristocrático, só ele pertencia à Corte e influenciava as 
decisões da Coroa. Enquanto o comércio enriquecia, o estamento consumia senhorialmente, pouco 
preocupado com a produção.
Contudo, havia um pacto obscuro e incerto. O estamento e os comerciantes visavam aos inventimentos 
e lucros das navegações, mas tinham propósitos muito diferentes. A corte e os nobres eram os parasitas. 
Os comerciantes cuidavam do lucro que vinha cheio de cobiça e de pecado. Somente o rei, a casa do 
rei e a gente do rei podiam conciliar o comércio com a grandeza moral. O comércio controlado era uma 
obra grata a Deus e necessária à pátria.
O padrão de comportamento do estamento é outra característica percebida por Faoro (2001) e que 
veio também se instalar no Brasil.
5.4 As regras do comércio e da vida do reino
O rei acumulava os títulos de regente e senhor. A regência era a jurisdição sobre todos os que viviam 
no reino, mas o rei era impedido de dar ou vender aquilo que pertencia aos vassalos. Fora do reino, ele 
era senhor das terras e dos mares que eram descobertos.
O comando de Portugal nos continentes novos vinha com o direito de conquista de novas terras, 
e fortalezas militares foram estabelecidas para defender esse direito. Quanto ao comércio, as relações 
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de Portugal tiveram três comportamentos diferentes. O primeiro quando se conquistava uma terra e se 
nomeavam senhorios que contratavam com os povos subjugados uma relação de vassalagem, em que 
o direito maior era da Coroa de Portugal. No segundo modo, eram contratos perpétuos com os reis e 
senhores da terra conquistada, que tinham de respeitar um tabelamento para venderem suas mercadorias 
e comprarem as portugesas. Isso aconteceu principalmente no Oriente, onde osreis dos territórios 
indianos eram senhores das terras nas quais se produziam as especiarias. Somente as especiarias eram 
tabeladas e obrigatoriamente vendidas aos oficiais do rei que ali residiam em suas feitorias. Todas as 
outras coisas que não eram especiarias podiam ser negociadas livremente. O terceiro modo é o comércio 
geral por toda parte, que era feita por livre preço com os outros povos.
Nas terras portuguesas, tanto o comerciante estrangeiro, quanto o português só podiam exercer 
o comércio mediante uma concessão ou delegação real com a outorga de privilégios. Na armada de 
Cabral, o rei mandou dois protegidos seus, além do banqueiro florentino Bartolomeu Marchioni, que 
representava o interesse da família dos Médicis.
O rei comerciante confundia a exploração econômica com a guerra e a administração pública. Para 
Faoro (2001), tudo acabou em grossa corrupção, com o excesso do luxo que uma geração desperdiçou, 
deixando o povo na miséria e o fidalgo avesso ao trabalho. A corte, povoada de senhores e embaixadores, 
tornou‑se o local preferido dos comerciantes, que disputavam os favores econômicos e os pedidos de 
cargos, de capitanias e de postos militares. Para alcançar esses favores, não adiantava só ser nobre.
Nada precisava de merecimento porque a conquista do emprego, do posto e da dignidade se fazia 
à custa da intriga bem tecida e da conversa doce. Não há como não reconhecer no Brasil do século XXI 
ecos desse tipo de comportamento junto ao poder.
Isso criou em Portugal uma imensa burocracia presidida pelo rei. O funcionário estava por toda 
parte, dirigindo a economia, controlando‑a e limitando‑a de acordo com sua vontade própria e seus 
pequenos poderes. A realidade política se entrelaçou na realidade social, e o cargo público conferia 
fidalguia e riqueza. A maldade acompanhava o funcionário, preocupado em se perpetuar no exercício do 
cargo que lhe conferia o pequeno poder que o acompanhava. Para Faoro (2011), a expressão completa 
dessa comédia se revela em uma arte cultivada às escondidas: a arte de furtar. Sua posição pessoal de 
crítica e de censura dessa prática caracterizava o enriquecimento no cargo como atividade ilícita, sem 
respeito nem à ética medieval, nem à ética burguesa.
Onde havia comércio, havia governo. A administração seguia a economia, organizando‑a para 
proveito do rei. Disso resultava uma enxurrada de servidores e pretendentes a servidores, de soldados 
e dependentes, de reivindicadores de pensões para a velhice, todos eles promovendo corrupção que os 
beneficiasse pessoalmente.
Consultado pelo rei Dom João IV sobre a pertinência de ordenar um ou dois capitães‑mores, o padre 
Antonio Vieira não mediu suas palavras:
Digo que menos mal será um ladrão que dois; e que mais dificultosos serão 
de achar dois homens de bem que um [...] Tais são os dois capitães‑mores 
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em que se repartiu este governo: Baltasar de Sousa não tem nada, Inácio 
do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual é maior tentação, se a 
necessidade, se a cobiça (VIEIRA apud FAORO, 2001, p. 100).
Faoro (2001) apontou que tudo isso acabou em uma grande ressaca. Havia ricos e opulentos, mas o 
reino não ficava mais rico nem crescia. As subvenções, os ordenados e as pensões devoravam o Estado 
para o proveito da fidalguia detentora de cargos públicos. O Estado no papel de empresa patrimonial 
não deu apoio à produção doméstica, que eventualmente teria sido capaz de expandir a indústria. 
Outras nações enriqueceram com a indústria, enquanto Portugal ficou congelado no passado de sua 
arquitetura política barroca, sugando o Brasil.
Ainda de acordo com o autor, a organização política do patrimonialismo estava fechada em si 
mesma, formando um estamento burocrático. Essa burocracia não tinha o sentido moderno exposto 
por Weber de aparelhamento racional do Estado, mas visava apenas à apropriação dos cargos.
Cada cargo dispunha de um poder próprio articulado com o rei. O Estado ainda não tinha se tornado 
uma pirâmide autoritária, mas estava estabelecido em um feixe de cargos que, reunidos, mantinham a 
aristocracia longe dos subordinados. Com a adoção do comércio para a base da economia, o dinheiro 
que entrava assegurava o pagamento das despesas e permitia a contratação dos funcionários.
O comércio, controlado ou explorado pelo rei, era a fonte que alimentava o caixa da Coroa. O rei 
era o bom príncipe, preocupado com o bem‑estar dos súditos, premiando os serviços e assegurando a 
participação nas rendas. Em um reino onde todos eram dependentes do rei, surgia a figura do pai do 
povo, voltado para o socorro aos pobres, como no governo de Getúlio Vargas.
O sistema de educação obedecia à estrutura reinante. A função da escola era produzir os funcionários, 
os letrados, os militares e os navegadores. Os funcionários ocuparam o lugar da velha nobreza, adotando 
sua ética e seu estilo de vida. O gosto pelo luxo e a vontade de ostentar levavam à imitação da vida 
aristocrática. Era interessante ser improdutivo, mas ter dinheiro, pois isso dava prestígio, que era 
utilizado como instrumento de poder entre os pares e o rei e sobre as massas, sugerindo‑lhes grandeza, 
importância e força política.
O capitalismo que existiu foi o politicamente orientado. A empresa do rei, para alegria da corte e do 
estado‑maior que viviam dela, podia ser comercial, industrial ou agrícola. Toda a produção era obra do 
soberano, por ele orientada e estimulada do alto, em teórico benefício da nação. Onde havia atividade 
econômica, lá estava um funcionário delegado do rei para compartilhar de suas rendas e lucros. Tudo 
era tarefa do governo, tutelando os indivíduos eternamente menores e incapazes.
Aqui Faoro (2001) indica como se mantém a impossibilidade de participação do povo nos destinos 
da nação. Por semelhança, percebemos que Faoro não estava apenas falando de Portugal do passado, 
mas do Brasil em que viveu.
Toda tentativa de importação de técnicas de produção de bens sofria o efeito triturador e 
nacionalizador do estamento, que retardou a modernização de Portugal. O mercantilismo, que levara o 
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Estado ao comércio, impedia que o setor privado pudesse florescer. Essa solução era uma ameaça aos 
funcinários e nobres sustentados pelo rei, porque qualquer crise que atingisse a entrada de dinheiro 
afligiria a todos no reino. Para Faoro (2001, p. 103): “Nem o açúcar do Brasil, nem o escravo africano, 
nem o ouro de Minas Gerais, nada salvou este mundo condenado à mansa agonia de muitos séculos”.
Essa agonia não matava, mas paralisava. O único segmento da nação que poderia promover um 
renascimento econômico, os judeus portugeses, não estavam submetidos ao controle público, mas 
foram expulsos do país por causa de pretensos brios nacionalistas ou por medo de um monopólio 
do poder político. A fúria da Inquisição expulsou os judeus portugueses, abrindo mão do dinheiro e 
do conhecimento que seria trazido através dos acordos feitos com os ingleses. Os judeus portugeses 
tentavam ser burgueses modernos, que conseguiam compreender os novos tempos. A incompatibilidade 
do português com o espírito capitalista recebeu muitas explicações. Contudo, em todas as tentativas de 
definir o mal que acometeu Portugal, há o reconhecimento de que a nação foi sufocada pela falta de 
modernização de um sistema social, que há dois séculos tinha sido responsável por sua grandeza.
5.5 Como a Revolução Industrial foi combatida em Portugal e como surgiu o 
estamento de funcionários do Estado
A camada superior desdenhava o trabalho e a produção ou qualquer outra

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