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Unidade II
5 RAYMUNDO FAORO E A IDEOLOGIA DO ESTAMENTO
Apresentamos aqui um resumo do livro Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, para que você 
consiga entender melhor como os pensamentos jurídico e histórico descreveram a formação do povo 
brasileiro. É importante ler Faoro, pois ele tem uma visão também weberiana das características da 
formação do povo brasileiro.
5.1 A Formação Histórica e Social de Portugal
Um longo período, que vai do Mestre de Avis a Getúlio Vargas, valoriza 
as raízes portuguesas de nossa formação política. A Península Ibérica 
foi formada e sua sociedade constituída sob o império da guerra 
(FAORO, 2001, p. 10).
Ela começa sua história, com as lutas contra o domínio romano, foi o teatro 
das investidas dos exércitos de Aníbal, viveu a ocupação das tribos dos 
visigodos, de origem germânica, e foi finalmente dominada pelos mouros 
(FAORO, 2001, p. 13).
As civilizações ocidental e oriental guerrearam dentro de suas fronteiras pela hegemonia da Europa. 
Das ruínas do Império visigótico, dilacerado em pequenos reinos, foi gerada uma nova realidade que 
chegou aos tempos modernos. Do longo predomínio da guerra, nasceu, nas praias do Oceano Atlântico, 
o reino de Portugal com a revolução da independência e da conquista.
“O reino de Portugal” — dirá, já com anacrônica arrogância, um anônimo 
escritor do século XVII — “é tão guerreiro, que nasceu com a espada na 
mão, armas lhe deram o primeiro berço, com as armas cresceu, delas vive, 
e vestido delas, como bom cavaleiro, há de ir para a cova no dia do juízo” 
(FAORO, 2001, p. 13).
Entre os séculos XI e XIII, eram travadas batalhas diárias contra o sarraceno e o espanhol ao mesmo 
tempo, o que garantiu a existência de um condado convertido em reino. Os dois fragmentos do condado, 
um sob o domínio do reino espanhol de Leão e o outro dominado pelos sarracenos, criaram a nova 
monarquia. Do elemento leonês veio a formação social do povo, e dos sarracenos, vestígios na forma de 
se comportar e de pensar. Essa mistura foi a fonte da civilização portuguesa. Acima da sociedade, o rei, 
que era chefe da guerra, um general em campanha que conduzia seus guerreiros, soldados obedientes, 
a uma missão e em busca de um destino.
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A singular história portuguesa, caracterizada pela supremacia do rei, determinou as bases e a moldura 
das relações políticas e das relações entre o rei e seus súditos. O rei, como senhor do reino, era único 
proprietário da terra, instrumento de poder em uma época em que as rendas eram predominantemente 
derivadas do solo.
A Coroa conseguiu formar, desde as primeiras batalhas da Reconquista, um imenso patrimônio 
rural, cuja propriedade se confundia com o domínio da casa real. As riquezas oriundas da terra eram 
utilizadas para cobrir as necessidades coletivas ou pessoais sob circunstâncias que mal distinguiam o 
bem público do bem particular do príncipe. Toda conquista contra os sarracenos ou o inimigo espanhol 
se incorporava ao domínio do rei e ao reinado.
Entretanto, mesmo essas conquistas respeitaram a propriedade individual. Os antigos cristãos 
arabizados, chamados moçárabes, também os descendentes dos colonos da África e da Ásia, assim como 
os descendentes de espanhóis, tiveram seus bens reconhecidos. Sobravam ainda largos domínios para 
apropriar: as terras dos mouros, reduzidas pela guerra a terras sem dono. Essas eram as terras dos reinos 
sarracenos e reservadas a empresas de colonização ou a objetivos vinculados à estrutura do Estado. 
Contava o rei também os territórios confiscados aos particulares, em represália a crimes ou traições, 
além das terras que caíam sob o poder do rei pelo direito da Coroa em herdar os bens dos vilões (vilani) 
que morriam sem filhos.
Do patrimônio do rei, que era mesmo maior do que o do clero e, até o século XIV, três vezes maior 
que o de toda nobreza, saía o dinheiro para sustentar os soldados, os delegados monárquicos em todo 
o país e os primeiros servidores ministeriais que estavam sediados na corte. O rei também fazia grandes 
doações rurais em recompensa aos serviços prestados pelos seus caudilhos, que eram recrutados entre 
os aventureiros de toda a Europa.
Para Faoro (2001), essas duas características unidas, do rei senhor da guerra e do rei senhor de terras 
imensas, determinaram a história do reino de Portugal. A crise de 1383‑1385, que permite que uma 
nova dinastia, a dinastia de Avis, tome o poder, fecha o primeiro ciclo de formação do reino.
O rei como o maior proprietário, além de comandante geral, permite a transformação do domínio 
das terras na soberania. Por ser o centro supremo das decisões, a figura de rei todo poderoso impediu 
que Portugal tivesse o poder real disperso em domínios, como no feudalismo da Europa central; não 
se constituiu uma camada autônoma, formada de nobres proprietários. Em Portugal, não havia entre o 
rei e os súditos nenhum intermediário. O rei comanda e todos obedecem. Qualquer reclamação contra 
a palavra suprema era considerada traição, rebeldia contra a vontade de quem tomava as deliberações 
superiores. O rei não admitia nem aliados nem sócios, pois acima dele só a Santa Sé, o Papa, mas não o 
clero. Abaixo dele, só havia delegados sob suas ordens, seus súditos e subordinados.
Excepcionalmente, mais por atenção ao costume dos soldados estrangeiros que existiam desde a 
Idade Média na França, a concessão de terras determinava, além da propriedade, a soberania em suas 
terras, o que demonstrava certa tradição feudal. Com o tempo, essas concessões foram deixadas de lado 
e todos voltaram a obedecer ao rei.
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A concessão de senhorio ou de vila não significava nenhuma atribuição de poder público. A Coroa 
separava nos nobres a qualidade de funcionário da qualidade de proprietário. O poder dos nobres, 
quando havia, derivava da riqueza e não das funções públicas. Nos dois primeiros séculos do reino de 
Portugal, foram estabelecidos limites claros entre o exercício de um cargo e a propriedade privilegiada. 
O país era dividido em circunscrições administrativas e militares, as “terras” ou “tenências”, governados 
por um chefe, o “tenens”. Dentro dessas terras, constituíam‑se os distritos, os “prestamos”, administrados 
por um prestameiro designado pelo rei. A principal função da administração pública cabia a um nobre, 
que, eventualmente, podia não ser o senhor da terra. Também as circunscrições judiciais (julgados) e as 
circunscrições fiscais (almoxarifados) eram administradas por pessoas que o rei escolhia. Os funcionários 
recebiam a remuneração das rendas dos casais, das aldeias, das freguesias e dos estabelecimentos que 
não eram beneficiados com alguma imunidade fiscal. Todos os cargos eram determinados pelo príncipe 
e dependiam da sua riqueza e de seus poderes.
Nesse sentido, Portugal exibia uma estrutura diferente da Europa medieval, pois o absolutismo 
centralizador ainda era uma modernidade. Quando ordenava o serviço militar da nobreza territorial, o 
rei a contratava como um funcionário. Esse contrato era chamado de soldada e criava um vínculo de 
subordinação, que foi a origem das futuras quantias, uma renda periodicamente distribuída pelo rei. 
Quando, no século XIV, o tesouro real empobreceu, o pagamento aos soldados foi feito em terras doadas 
por um rei aparentemente pródigo.
Entretanto, entre a compreensão da história e a realidade das guerras e das intrigas, há uma 
distânciae muitas discordâncias. Esses laços de subordinação entre o rei, a nobreza territorial e o clero 
só aconteceu depois de muita briga e resistência. A fraqueza dos nobres proprietários de terras derivou 
das regras para a transferência da terra, mas os nobres avançaram na expansão dos seus poderes com 
a exploração das imunidades dos domínios. Essa disputa entre a Coroa e a nobreza terminou com a 
derrota da última, que viu desaparecer seus direitos feudais.
As doações de terras dadas como pagamento dos serviços de guerra privilegiavam os nobres com a 
jurisdição privativa sobre os moradores e a completa isenção de tributo. A imunidade tributária continuou 
valendo durante séculos, com exceção do imposto chamado sisa, tornado obrigatório para todos no 
século XIV. Contudo, o mesmo não aconteceu com a jurisdição privativa. A realeza percebeu que o poder 
de julgar envolvia, em última análise, o poder de criar uma camada intermediária e autônoma. Sem a 
jurisdição total sobre o país, o súdito (o povo) ficaria liberto da obediência, preso apenas a uma lealdade 
indireta. Daí a doutrina imposta a todos: “O direito e costume geral do reino, dizia el‑rei dom Dinis em 
1317, eram e tinham sido sempre que em todas as doações régias se entendesse reservada para a Coroa 
a justiça maior, a suprema jurisdição, em reconhecimento ao maior senhorio” (FAORO, 2001, p. 17).
Como a atribuição jurisdicional era exclusiva do rei, ele conquistava o povo, que procurava fugir dos 
desmandos da nobreza e do clero. Todos os trabalhadores simples eram aliados da Coroa. Seus laços 
eram reforçados pela solidariedade da organização municipal, os concelhos.
O velho direito de Castela, consolidado no Fuero Viejo, vigente em Portugal, 
reservava ao rei, nas doações ou nos senhorios, certas prerrogativas (justiça, 
moeda, fossado ou jantar), tidas como inerentes à sua preeminência 
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na sociedade política. Para fazer demagogia, o rei abria mão de suas 
prerrogativas, o que encantava o povo (FAORO, 2001, p. 17).
Para limitar os excessos dos privilégios da nobreza territorial e do clero, os reis reinstituiram uma 
pretensa regra da ordem romana. O município, que era usado pelos reis da Europa como estratégia 
política, foi estimulado. Os concelhos, forma antiga de município, tinham sido conservados pela tradição 
e tinham pouca significância.
Com medo da autonomia do clero e da nobreza, o rei criou uma nova base de sustentação, 
inaugurando comunas e estimulando as existentes, proporcionando suporte político, fiscal e militar. O 
trono tentou, assim, uma aliança submissa e servil com o povo.
Os forais – a carta de foral – pacto entre o rei e o povo, asseguravam o 
predomínio do soberano já apontando o caminho do absolutismo, ao 
estipularem que a terra não teria outro senhor senão o rei. Com a instituição 
dos concelhos o rei logrou desmontar a política medieval e atacar a 
prepotência eclesiástica, num meio que levaria a subjugar a aristocracia 
(FAORO, 2001, p. 18).
Havia também outro motivo de origem militar que facilitava a conexão com o fundamento político 
para a adoção da forma municipal. Uma vez decretada a criação de um concelho para organizar uma 
povoação ou para reconstruí‑la, o rei também impunha o dever de defesa militar contra os inimigos 
mouros ou contra os espanhóis. Assim, o rei conseguiu criar uma milícia gratuita, que era obediente à 
monarquia. Isso evitou eventuais manipulações políticas da nobreza ou do clero e instituiu o cargo de 
alcaide, palavra de origem árabe.
Surgiu em Portugal um campo neutro contra os privilégios aristocráticos, como a isenção da 
prestação militar, que, como vimos, era paga pelo rei se dela necessitava.
A guerra, a ascendência do rei com a rede de seus agentes cobrindo o país, controlando‑o e 
dirigindo‑o, domesticando sem aniquilar a nobreza, foram os traços que imprimiram o caráter da 
sociedade nascente. Isso fez do povo uma força cada vez mais vigorosa, amparada nos concelhos, com 
a aplicação da velha tradição romana.
Um jogo de pressões e influências recíprocas associava a presença do rei tanto nas rendas mais altas, 
quanto entre as rendas dos mais humildes. Havia uma enorme confusão do que era propriedade do rei, 
pois terras e tesouros se confundiam como patrimonio público e particular. Toda renda era aplicada nas 
despesas, sem nenhuma legislação clara, para saldar os gastos da família do rei, ou usada nas obras e 
serviços públicos.
O rei, na verdade, era o senhor de tudo, pois tudo dependia dele para ter legitimidade. Sua autoridade 
era incontestável, o que vem da tradição visigótica e do sistema militar. Teria sido necessário especificar 
a fonte das rendas da realeza para entender a estrutura econômica do reino.
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Uma análise da base do poder supremo demonstra sua estrutura e profundidade, desde a fonte das 
remunerações aos guerreiros, funcionários, homens da corte e letrados.
Havia um ganho fixo e previsível dos rendimentos do príncipe, que era um senhor territorial 
como outro qualquer: os lucros da propriedade fundiária. Também havia contribuições da nobreza 
e do clero, tanto para pagar as contas do chefe do Estado, como também para ser destinado às 
obras públicas. A propriedade territorial sofria uma exploração indireta e outra direta. A exploração 
indireta gerava uma renda que poderia ser entendida atualmente como um arrendamento, que era o 
cultivo temporário da propriedade. A outra renda vinha de uma espécie de imposto de transmissão, 
quando o lavrador que detinha o uso do solo passava‑o para outro lavrador; esse pagamento, 
chamado foro, era feito ao rei.
Quando detinham a gestão da terra, os colonos prestavam gratuitamente alguns dias de trabalho 
por ano ao rei, o que podia ser pago em dinheiro ou em produtos. Essa era a regra para a pecuária, mas 
também podia ser adotada para as culturas das vinhas e dos olivais.
Assim, o rei era o “principal lavrador da nação”, com celeiros e adegas que recolhiam produtos por 
todo canto de seus domínios. Seus mordomos atuavam na cobrança de foros e rendas. Dessa forma, a 
monarquia portuguesa se tornou uma “monarquia agrária”. No mesmo período, as rendas do soberano 
derivavam em sua maior parte da terra, mas as garras reais desde cedo também se estenderam ao 
comércio, com olhos cobiçosos para o comércio marítimo. Já em meados do século XII, estimulado pela 
conquista de Lisboa em 1147, o comércio marítimo mostrava os sinais do seu futuro próximo. Havia 
um grande comércio marítimo com as trocas dos produtos da Inglaterra, Flandres, França, Castela e 
Andaluzia. Além disso, Portugal dispunha de sal, pescado, vinhos, azeite, frutas, couros e cortiça, que 
eram trocados por têxteis flamengos e italianos, pelo ferro da Biscaia, pelas madeiras do Norte, pela 
prata da Europa central e oriental, pelas especiarias e pelo açúcar. Além disso, Portugal promovia feiras, 
que eram ativas na promoção do comércio interno.
O comércio e a indústria dependiam das concessões régias, das delegações graciosas e dos 
arrendamentos onerosos, que, a qualquer momento, poderiam ser substituídos por empresas 
monárquicas. Essas foram as sementes do mercantilismo lançadas em chão fértil. Com os privilégios 
concedidos para exportar e para importar, o rei arrecadava sua parte, numa apropriação de renda que 
só analogicamente se compara aos modernos tributos. No fim do século XIV, a sisa, imposto devido 
ao tesouro pelos consumidores na compra e venda e na troca de mercadorias, ocupava o primeiro 
lugar no orçamento. Todos eram obrigados a pagar, não havendo nenhumadispensa para os nobres, 
os eclesiásticos ou os plebeus.
O comércio que alcançava todas as camadas da população era estimulado na organização dos 
concelhos, criando renda para o soberano. Assim, a monarquia agrária se tornou mais ficção do que 
realidade, pois os rendimentos tributários da Coroa logravam maior lucro.
Para entendermos como Faoro (2001) intui que Portugal antigo influencia o Brasil até hoje, vejamos 
a lista de impostos que já naquela época eram cobrados da população:
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a) os réditos com origem na agricultura e no pastoreio —cânones, porções, 
direituras e miunças dos herdamentos régios, jugadas dos herdamentos dos 
herdadores peões, o montado pago sobre certas pastagens, as vendas da 
produção direta; b) réditos provenientes da circulação interna e do mercado 
— portagens, açougagem, alcavalas; c) os réditos provenientes do comércio 
externo — dízimas, portagens; d) as multas judiciais, ou calúnias e coutos; 
e) réditos provenientes da atividade industrial — vieiros e minas, dízima do 
pescado, taxa de mesteres; f) serviços prestados ao rei ou aos oficiais régios 
— geiras de malados júniores e outros, almocreverias e carretos, serviço de 
remadores na frota real [...] ou suas compensações monetárias; g) jantar ou 
colheita; h) emissões de moeda (FAORO, 2001, p. 22).
Havia ainda as rendas colhidas da dízima eclesiástica (imposto sobre a religião), das pensões de 
tabelionato e da justiça civil. Todos esses impostos compunham os tesouros reais em moedas, que 
aparecem nos testamentos dos soberanos em uma indicação da nascente economia monetária. A 
simplificação da cobrança levou ao calculado incremento da ordem municipal. A Coroa criava rendas 
com seus bens, cobrava impostos do patrimônio particular e manipulava o comércio para sustentar a 
corte e garantir a segurança de seu domínio.
O súdito nobre e o súdito comum não pagavam serviços, tangíveis ou abstratos, como o contribuinte 
moderno. O rei era um poderoso sócio e patrão, submetendo todo proprietário a cuidar da produção. A 
nobreza tentava defender os velhos privilégios, se mantendo como aliada do soberano, mas logo ela vai 
preferir se juntar à burguesia. O Estado patrimonial não respeitou os privilégios dos nobres.
Assim, Faoro deixa claro como a estrutura da formação econômica de Portugal apresenta contornos 
que podem ser comparados com as demais fases da história do Brasil.
Contudo, a constituição política pode ser situada, segundo Faoro (2001), na constituição do 
imperador Diocleciano (285‑305). A estrutura do direito vem do imperador Justiniano (527‑565), cujas 
codificações se propagaram no Ocidente como a forma principal de pensamento jurídico. Assim, esses 
imperadores romanos criaram a organização política e o conjunto de regras jurídicas que perduraram 
por sete séculos. Depois disso, na Idade Média, de acordo com as circunstancias sociais, foram utilizados 
pedaços de codificações para estruturar a ideologia da fé cristã.
Essa ideologia entende que o Estado consagra a supremacia ao príncipe para manter a unidade do 
reino e a submissão dos súditos ao poder mais alto, na figura de coordenador das vontades. As bases 
sobre as quais assentaria o Estado português estavam elaboradas no direito romano. O príncipe, na 
qualidade de senhor do Estado, proprietário eminente ou virtual sobre todas as pessoas e bens, está 
definido como ser dominante desde a monarquia romana. A figura do rei era a de comandante militar 
supremo, e sua autoridade era exercida na administração e na justiça, tal como no período clássico da 
história imperial romana. O racionalismo formal do direito, com toda a sua infinidade de leis, serve para 
disciplinar a ação política e o rumo da ordem social sob o comando e o magistério da Coroa.
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Exemplo de aplicação
Raymundo Faoro está comparando a forma original de constituição do reino de Portugal com o 
desenvolvimento do Estado brasileiro. Compare os privilégios atuais dos políticos, dos juízes e dos 
militares, que, juntamente com a classe dominante, pretendem ainda hoje a manutenção de um modelo 
de inspiração arcaica.
Para Faoro (2001), a Common Law, que rege o direito anglo‑americano, vem dos costumes das 
tribos dos godos, que muitas vezes se sobrepunham à ordem jurídica formalizada. Isso teria origem na 
dispersão da autoridade, um fenômeno geral na Idade Média.
O direito romano justificava legalmente os privilégios do rei, revelando‑se o instrumento ideal para 
afirmar o predomínio. A Península Ibérica, unida ao pensamento dos Papas, aprendeu o direito romano 
com as lições dos clérigos‑juristas, que se espalharam pela Europa sobretudo a partir dos séculos XI e 
XII. Esse movimento inclusive contestou a supremacia do clero a partir das obras jurídicas e legislativas 
de Afonso X (1267‑1272), rei de Castela, e do rei português Afonso III (1246 ou 1248‑1279), com a 
promulgação da ordenação sistemática sobre os processos.
O direito romano, modificado com as legislações ibéricas, permitiu e justificou que o rei dominasse 
o clero e a nobreza. Assim, a influência da obra dos juristas e imperadores romanos serviu a fins opostos 
aos previstos pelo clero, criando uma nova ideologia. Essa luta obedece aos padrões acabados e perfeitos 
do jurismo do imperador Justiniano. A batalha estimulada pelos soberanos portugueses buscou nos 
municípios romanos a forma adequada à instituição dos concelhos.
O município português se filia à origem romana e à sua feição ideológica. A forma, o modelo e a 
estrutura são romanos, mas os fins a que se destina e as funções que desempenha são modernos. Essa 
foi a influência romana na organização de Portugal.
Contudo, mesmo combatendo os privilégios da nobreza territorial, o direito romano não favorecia 
os interesses comerciais. O rei era titular dos poderosos e possuía extensos interesses econômicos. 
O comércio já tinha conseguido criar durante a Idade Média um direito específico, o que serviu de 
fundamento para o moderno direito comercial. Assim, era necessário adaptar o direito e lidar com as 
sociedades comerciais e os títulos de crédito. A Inglaterra, mãe do capitalismo moderno, desenvolveu 
seus instrumentos legais de relações econômicas sem utilizar quase nada do direito romano.
O direito romano serviu para a disciplina dos servidores ao Estado e para a expansão dos súditos 
ligados ao rei e regidos por regras racionais, pelo menos no sentido formal. O novo estilo de pensamento 
jurídico não acabou com o comando irracional ditado pela tradição ou pela vontade caprichosa do 
príncipe, que tentou o tempo todo mudar as regras que davam poder aos nobres.
O renascimento jurídico romano foi estimulado a reforçar o Estado patrimonial e serviu de estatuto 
para a ascensão do quadro administrativo do soberano, quando surgiu a figura do ministro. Em Portugal, 
os antigos funcionários romanos se transmutaram na aristocracia goda e, assim, deixaram no passado sua 
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ambição clara pela riqueza territorial. A política real limitou a autonomia dessa aristocracia, agrupando 
na corte os nobres que receberam funções públicas que os atrelavam ao poder do soberano.
A Reconquista revalorizou as baronias territoriais, compostas dos principais oficiais da monarquia, 
dos magistrados superiores e dos civis e militares. Nas baronias se fundiram a antiga aristocracia 
burocrática da época dos romanos e os militaresgodos. O recrutamento, que era determinado pela 
tradição, obedecia à liberdade do rei, que chamava os servos de sua casa para servirem ao lado de 
senhores territoriais.
Em Portugal, o barão não se baseou no feudalismo porque as populações só aceitavam, hipnotizadas 
por um estilo antigo, a predominância do rei, chefe dos exércitos. O barão português se define como 
funcionário e não como senhor. Havia um traço do feudalismo, mas não o feudalismo como instituição. 
Por causa dessa realidade, Faoro (2001) contesta a ideia instituída por pensadores de esquerda, por 
exemplo, Caio Prado Júnior, que encontrou nas capitanias hereditárias um feudalismo tardio. Segundo 
Faoro (2001), não pode ter existido no Brasil algo que tampouco existia na história portuguesa, pois os 
portugueses nem saberiam como legislar com ideias medievais.
O direito público que definia as relações entre o rei e os súditos continuava visigótico, assegurando 
as prerrogativas do rei. No século XV, essa linha de pensamento levaria um rei a se reconhecer como 
titular do poder absoluto. A própria organização ministerial renasceu do resgate das ideias da monarquia 
visigótica, impregnadas de legislação romana. Todos os cargos eram exercidos sob o direto de comando 
do rei, sem nenhuma possibilidade de serem herdados. Em tempos de guerra, na ausência do rei, era 
nomeado o alferes‑mor como comandante do exército.
Portanto, segundo Faoro (2001), existe uma linha ideológica contínua entre o Império de Diocleciano 
e o reinado da Reconquista.
Os fundamentos sociais e espirituais reuniram‑se para formar o Estado patrimonial. Com a economia 
se monetizando e o surgimento do mercado com relações de troca pagas em dinheiro, o Estado 
patrimonial, que já era latente desde as navegações comerciais da Idade Média, tornou‑se realidade. 
O uso da moeda, padrão no início da Idade Moderna e medida de todos os valores, tornou Portugal 
aberto ao progresso do comércio. Isso promoveu a renovação das bases da estrutura social, política e 
econômica no reino. Muito antes da descoberta do Mundo Novo, a cidade tomou o lugar do campo. 
A moeda, que passou a circular nas economias até então fechadas do mundo medieval, preparou o 
caminho de uma nova ordem social. Em Portugal, o capitalismo comercial e monárquico, guiado por 
uma oligarquia governante audaz e empreendedora, acabou se libertando de qualquer tradição feudal.
Isso permitiu que o príncipe organizasse o Estado como uma obra de arte, uma criação calculada e 
consciente. A moeda permitiu que o exército fosse livremente recrutado e que os letrados se tornassem 
funcionários da Coroa. Assim, foram desenvolvidas formas mais flexíveis de ação política, criando o 
Estado moderno, que precedeu ao capitalismo industrial projetado sobre o Ocidente.
Faoro (2001) percebe que nessa aparente sequência que parte da guerra e amadurece no comércio, 
com o rei senhor da espada e das trocas, há um sério problema histórico. Teria sido a nova construção 
política do Estado absolutista moderno um acontecimento só possível depois da ruína do feudalismo? 
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Ou teria o Estado moderno uma linha própria de crescimento, sem vínculo necessário com o sistema 
feudal da Europa central?
Para o autor, o ponto importante que caracteriza a economia da Idade Média, identificada como 
feudalismo, reside na propriedade dos meios de produção. Feudalismo e economia natural seriam 
termos correlatos.
Antes do capitalismo, havia uma pequena indústria, baseada na propriedade do artesão sobre os 
meios de produção. No campo, a agricultura estava limitada a plantar apenas um pouco mais do que 
as suas necessidades. Para Faoro (2001), os meios de produção, como a terra, os implementos agrícolas, 
a oficina e as ferramentas, devem ser considerados meios de trabalho dos indivíduos, já que eram 
destinados ao uso individual. Portanto, a possibilidade de produção era pequena e limitada, o que seria 
o motivo pelo qual pertenciam apenas ao próprio produtor. Na Revolução Industrial, o tear individual 
deu lugar ao tear coletivo. A máquina de fiar substituiu a roca e, assim, a produção perdeu o caráter 
individual. A força de trabalho coletiva, que converte o trabalho em mercadoria, resultou na perda da 
identidade do homem trabalhador. Contudo, Faoro (2001) sugere que, na economia medieval, não havia 
nada além de um momento idealizado adequado para se opor à cruel realidade do capitalismo.
Outra consequência do modelo marxista é que o capitalismo, teoricamente responsável pela ruína 
feudal, teria sido o capitalismo das manufaturas, que foi a primeira fase do capitalismo industrial. 
Em vários países, o capitalismo industrial se beneficiou do capitalismo comercial: troca de produtos 
manufaturados por mercadorias, na sua maioria produtos agrícolas ou minérios.
Para Faoro (2001), a historiografia marxista segue um curso linear, embora reconheça a ausência de 
feudalismo nos Estados Unidos e a não peculiaridade de certas relações sociais tidas como específicas da 
Idade Média na formação sócio‑histórica do Brasil. Mas ele afirma que essa doutrina construída sobre 
uma tradição histórica, e ensinada sem exame crítico de profundidade, infiltrou‑se na teoria acadêmica, 
ganhando o prestígio dos lugares‑comuns. O marxismo teria contaminado os estudos do século XX, 
empenhado, sobretudo nos países subdesenvolvidos, a descobrir uma “estrutura feudal” perdida em um 
mundo há muito tempo capitalista. Os estudos do século XIX, sobre os quais nasceu a tese marxista, 
pareciam apoiá‑la, e poucos tiveram coragem de não concordar com esse ponto de vista.
Contudo, Faoro insiste que, como Portugal era patrimonial e não feudal, os efeitos que até hoje 
estão presentes na sociedade brasileira, principalmente naquilo que diz respeito às relações entre o 
homem e o poder, são de outra ordem. Também a forma econômica que organiza a economia do Brasil 
até hoje não é de origem feudal. Quando o patrimonialismo é dominante, há uma ordem burocrática 
que determina que o soberano é sobreposto ao cidadão na qualidade de chefe para funcionário: “manda 
quem pode, obedece quem tem juízo”.
Além disso, o capitalismo dirigido pelo Estado, que impede a autonomia da empresa e a própria 
formação do mercado livre, anula as liberdades públicas, que são fundadas sobre as liberdades econômicas, 
de livre contrato, de livre concorrência e de livre profissão. Tudo isso vai contra o estabelecimento dos 
monopólios e das concessões reais, assim como é o caso das atuais concessões públicas no Brasil.
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O feudalismo não criou, no sentido moderno, um Estado. O sistema feudal é um conjunto de poderes 
políticos divididos entre a cabeça e os membros, separados de acordo com o objeto do dominação e 
controle. Não havia no feudalismo uma unidade de comando, que é a raiz da soberania. Na Idade Média, 
a homogeneidade nacional, para além da língua, eram os privilégios contratualmente reconhecidos de 
uma camada autônoma formada por senhores territoriais, os nobres.
Não há feudalismo sem a ideia de que uma camada da população tem poder sobre as demais, cada 
uma com sua cultura própria. O feudalismo não foi um fenômeno exclusivamente europeu, mas foi 
um desvio na formação da nação politicamente organizada. Ele não existia no mundo grego ou no 
mundo romano, onde podemos encontrar uma linha histórica sem interrupção desde a tribo até o 
Estado soberano. Há uma incompatibilidade entre o sistema feudal e a apropriação pelo rei dos recursos 
militares e fiscais, que são os fatores que levaram a racionalizar o Estado.
Para Faoro:[...] o chamado feudalismo português e brasileiro não é, na verdade, 
outra coisa do que a valorização autônoma, truncada, de reminiscências 
históricas, colhidas, por falsa analogia, de nações de outra índole, sujeitas 
a outros acontecimentos, teatro de outras lutas e diferentes tradições 
(FAORO, 2001, p. 34).
No feudalismo, a camada dominante dos nobres proprietários de terra se associava ao rei por convívio 
fraternal e de irmandade. Mas os nobres dispunham de poderes administrativos e de comando; para se 
aliarem ao rei, exigiam algumas negociações e acordos. O serviço devido ao rei e aos senhores pelo conceito 
de vassalagem não constituía uma obrigação ou um dever e podia ser retirado em qualquer tempo.
Situado teórica e historicamente, o sistema feudal foi incompativel com o mundo português desde 
os primeiros momentos da Reconquista. Em Portugal, a terra obedecia a um regime patrimonial e era 
doada sem a obrigação de serviço ao rei. Ele, sempre que concedia terras, fazia como em uma alienação 
moderna, pois assim conservava o direito de tomá‑las de volta. O serviço militar prestado ao rei português 
era pago. O domínio da terra não fazia do seu titular uma autoridade pública, nem beneficiário de um 
monopólio real.
Assim, Faoro (2001) conclui que, desde a Idade Média, Portugal era um Estado patrimonial e não 
feudal. Esse Estado patrimonial tinha uma direção pré‑traçada, organizado pelo direito romano e pela 
tradição das fontes eclesiásticas e renovado pelos juristas da Escola de Bolonha. Faoro (2001) evoca 
também a lembrança de Maquiavel, que reconhecia dois tipos de principado, o feudal e o patrimonial. 
Em uma monarquia patrimonial, o rei está acima de todos os súditos. É senhor da riqueza territorial 
e dono do comércio. O reino tem no rei um titular da riqueza eminente e perpétua, capaz de gerir as 
maiores propriedades do país, dirigir o comércio e conduzir a economia, tudo como se fosse sua empresa.
Ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações fixamente determinados do feudalismo, inclusive 
para o rei, no sistema patrimonial todos estão presos ao soberano em uma rede patriarcal, pois os 
senhores representam a extensão da casa real.
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Os auxiliares do príncipe viriam a compor em Portugal uma nobreza própria, muitas vezes mais 
importante do que a nobreza territorial. Os legistas, doutores e letrados se tornariam funcionários comuns. 
Só a vontade do rei poderia lhes conceder grandezas. Mas, enquanto o mundo não foi inteiramente 
dominado pelo capitalismo industrial, pensava‑se que havia o risco de se voltar a um feudalismo.
Portugal teve desde o início um destino patrimonial de preponderância comercial. O comércio definiu 
o destino do reino e foi a forma de financiamento da Reconquista dos árabes e da independência da 
Espanha. O comércio se converteu no modo próprio de expandir suas atividades, tanto que Portugal 
abandonou a cultura do trigo para adquiri‑lo em mercados estrangeiros por um preço melhor do que o 
produzido em suas terras.
Essa trajetória, iniciada com as exportações para Flandres, Inglaterra e Mediterrâneo, culminou nas 
grandes navegações. Mesmo que a maior parte da população portuguesa na Idade Média vivesse da 
agricultura, o traço característico da vida econômica não era dado pela exploração do solo. A atividade 
comercial e marítima, que resultou do povoamento da costa e da exploração do mar, é que representou 
o elemento decisivo e definidor da forma de vida nacional portuguesa baseada na pesca, na produção 
de sal e nas trocas dos produtos comerciáveis da terra.
Entre o período do comércio medieval, de trocas costeiras, e o comércio moderno, com as navegações 
longas, houve o aparecimento da burguesia comercial desvinculada da terra, capaz de financiar a 
compra das mercadorias. O rei enquanto dirigente centralizador conduzia as operações comerciais como 
se fosse uma empresa. Nenhuma exploração industrial e comercial estava isenta de seu controle. Por 
isso, mantinha comando imediato em todos os setores mais lucrativos e concedidos e autorizados à 
burguesia nascente, que em Portugal sempre esteve presa às rédeas da Coroa.
É a estrutura patrimonial que permitirá a estabilização da economia. Ela permitiu a expansão do 
capitalismo comercial e fez do Estado uma gigantesca empresa comercial, que impediu o desenvolvimento 
em Portugal e no Brasil do capitalismo industrial até o século XX. Até hoje Portugal não se tornou uma 
nação fortemente industrial.
Enriquecida pelo comércio, a burguesia foi reduzida ao papel de intermediária do comércio. Assim, a 
atividade industrial, quando existiu, resultou de estímulos, favores ou privilégios. A empresa individual, 
baseada racionalmente no avanço tecnológico e no cálculo do lucro, completamente independente 
da intervenção governamental, nunca pode existir. A atividade comercial e sua finalidade especulativa 
impediu a liberdade econômica, que foi a base da Revolução Industrial. Daí surgiram as consequências 
econômicas e os efeitos políticos que, segundo Faoro (2001), se prolongam no século XX e, em sua ótica, 
até os nossos dias.
Os portugueses herdaram o comércio dos árabes, que já tinham definido a vocação marítima do 
país, geograficamente condicionada pela convergência entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. 
Foram os moçárabes e os muçulmanos que prepararam, com o comércio pelo mar, a jornada ultramarina 
e a grandeza de uma camada popular, a burguesia comercial. Os documentos do século XII demonstram 
que, na concessão de privilégios para os oficiais de navios e nas mercadorias reexportadas, o comércio 
marítimo era uma atividade antiga que entrou em expansão após a Reconquista.
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Os direitos reais, que definiam a apropriação de renda dos negócios, enriqueceram o tesouro real com 
as taxas das alfândegas. O rei era o banqueiro da nação, seu maior sócio e estimulador das exportações.
A burguesia, tendo tomado conta da administração municipal, sobretudo em Lisboa e no Porto, 
tinha voz nas Cortes através de seus delegados e procuradores. Foram duas as medidas que favoreceram 
diretamente o comércio marítimo em benefício dos armadores: os privilégios concedidos “aos mercadores, 
moradores e vizinhos de Lisboa” para o fomento da construção de navios; e a genial criação dos seguros 
marítimos, em 1383. A primeira medida tinha um cunho nacionalista, pois “melhor seria se o lucro 
que os navios estrangeiros recebiam dos fretes fosse recebido pelos seus naturais”. A segunda medida 
visava ao estabelecimento “de uma associação de todos os donos das naus, pela qual tais perdas se 
remediassem e seus donos não caíssem em áspera pobreza” (FAORO, 2001, p. 49).
A alta burguesia, presa aos vínculos do soberano que outorgava as concessões de comércio, foi 
arrastada ao centro do furacão. O Regedor e Defensor do Reino, em dois anos de guerra, se converteu 
em Dom João I, primeiro rei da dinastia de Avis (1385‑1580). A guerra contra os espanhóis foi lançada 
por Castela com o apoio da ala mais extremada da aristocracia portuguesa. Essa guerra aconteceu no 
contexto da guerra civil, que definiu a reestruturação do reino de Portugal. Nascia nesse momento a 
forma astutamente e sagaz do mando portugues (e brasileiro):
Álvaro Pais escreve na Crônica de Dom João I: Senhor, fazei por esta guisa: 
dai aquilo que vosso não é, prometei o que não tendes, e perdoai a quem 
vos não errou, e ser‑vosá de mui grande ajuda para tal negócio em que sois 
posto (FAORO, 2001, p. 51).
Esse conselho realista é seguido, e Dom João I faz doações de terras aos militarescombatentes, 
tomando os bens da aristocracia que tinha apoiado a Espanha. Concedeu os privilégios à burguesia 
comercial e trouxe para as Cortes os letrados legistas. As três categorias se projetaram no círculo 
ministerial e nos conselhos do novo dirigente, dando nova feição à aristocracia portuguesa. Nuno Alvares 
Pereira, o general da campanha militar, tornou‑se o maior proprietário do reino, não sem a oposição 
dos legistas, preocupados em manter a supremacia do rei, inclusive na grandeza do senhorio territorial.
Coube ao jurista João das Regras conciliar as facções, incorporando‑as ao Estado. Sua primeira obra 
foi institucionalizar a dupla chefia do governo, com a prevalência do poder revolucionário. Com seus 
sofismas, pode o rei ser aclamado Regedor e Defensor do Reino e reivindicar o trono com argumentos 
de legitimidade. Os nobres fidalgos resolveram reconhecer o bastardo Dom João I, aceitando a duvidosa 
nulidade dos casamentos de onde provinham os demais pretendentes.
Assim triunfou o direito romano, com sua maneira retórica de raciocínio, consagrando as Cortes 
de Coimbra e o novo príncipe, mas não podemos esquecer que isso só foi possível pela força que 
seu exército representava. A sociedade urbana e popular tinha um rei que era resultado da revolução 
burguesa, da força da espada e dos argumentos dos juristas. Os burgueses e os legistas cuidavam para 
que Portugal não se tornasse uma confederação de senhores territoriais, enriquecidos com as doações 
de terras feitas como pagamento pelos serviços da guerra.
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Nuno Alvares, dono da metade do país, sofreu dura restrição para desfrutar suas propriedades, o que 
se atribuiu na época à inveja. Mas os juristas insisitiam que ninguém, salvo o rei, tivesse vassalos. O rei, 
então, aceitou indiretamente essa ideia, ao adquirir parte das terras doadas. Procurava‑se defender a 
idéia do Estado favorável à burguesia e contra esse súbito alastramento do regime senhorial.
A autoridade legal e racional, filha dos argumentos, raciocínio e subtilezas de João das Regras, serviu 
apenas de moldura intelectual. Quando conseguiu obter o poder extraordinário, Dom João I ergueu 
seu domínio acima da burguesia e rebaixou‑a de patrocinadora da monarquia a servidora. A nobreza, 
enriquecida com novas linhagens, deixou de sonhar com os castelos feudais e preferiu ficar presa às 
rédeas do trono; ainda, absorveu grande parte da burguesia comercial que era voltada para o campo e 
pagou caro pela insensata tentativa de conquistar privilégios que podiam ameaçar o poder real.
Fernão Lopes, cronista e historiador que relatou esses acontecimentos, relatou as transformações 
sociais e econômicas que a revolução consagrou. Com ele, nasceu uma história nova, ajustada ao tempo, 
preocupada com a realidade profunda e com a ideologia, alheia à tradição narrativa romana. Por ele, 
sabemos que a revolução não quis emancipar o povo envolvido no alto comércio marítimo e urbano. Ela 
tornou nobre apenas os burgueses ricos, que era uma camada longamente preparada para a ascensão 
social e política. As conquistas burguesas perseveram nos anos seguintes. A sisa, que nesses tempos era 
o principal imposto, quebrou as imunidades aristocráticas, sendo cobrada em todas as transações de 
compra, venda e troca. Os armadores foram beneficiados, fazendo germinar a conquista ultramarina.
A nobreza também não desapareceu, nem perdeu totalmente seu poder; foi transformada em 
elite nominal sem influência. Ao seu lado instalou‑se a grande burguesia, com a função de conduzir a 
economia e partilhar a direção da sociedade. A burguesia é que foi transformada de grupo de pressão 
em fator do poder. Não se limitava mais a atuar, perdida nos concelhos municipais, nas pressões urbanas, 
sobretudo em Lisboa, no Porto e em Santarém, ou raramente nas Cortes. A burguesia passou a formar 
o Estado.
A burguesia tinha conquistado seu lugar, mas acima dela havia o rei, proprietário virtual de todo 
o comércio, capaz de conceber projetos e planos encomendados aos juristas cheios de armadilhas e 
sofismas e capazes de erguer a forca por toda parte. A monarquia portuguesa foi definida na crise 
de 1383‑1385, e a realidade do Estado patrimonial necessitou de uma confederação política, que 
amadureceu em um quadro administrativo de caráter ministerial. A direção dos negócios da Coroa 
exigia a administração da empresa econômica, que já estava definida em direção ao comércio marítimo 
e requeria um grupo de conselheiros e executores, sob as ordens incontestáveis do soberano.
O rei deixou de ser apenas o senhor virtual do território e tomou o Estado para torná‑lo um agente 
econômico extremamente ativo. Forçava as casas senhoriais a lançarem‑se nos empreendimentos 
comerciais marítimos. Isso acontecia para que a contração econômica fosse contornada com as 
rendas advindas da navegação oceânica e seu comércio, bem como de algumas atividades industriais, 
principalmente da mineração. Para isso, o Estado desenvolveu, de acordo com sua necessidade, uma 
organização político‑administrativa, juridicamente escrita, racionalizada e sistematizada pelos juristas.
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Para Faoro (2001), nesse momento surgiu aquilo que melhor explica a formação sócio‑histórica 
do Brasil: o estamento. Segundo ele, essa corporação de poder se estruturou de forma diferente das 
categorias de classe social ou casta. Faoro entende que a estratificação social, embora economicamente 
condicionada, não resulta na absorção do poder pela economia. O grupo que comandava, no qual se 
instalou o núcleo das decisões, não era, nas circunstâncias históricas de Portugal, uma classe, da qual o 
Estado seria mero delegado, uma espécie de comitê executivo.
Pelo sentido clássico marxista, a classe social se forma a partir da apropriação de interesses econômicos, 
determinados pelo mercado. A propriedade e os serviços oferecidos no mercado, que podem ser pagos 
em dinheiro, determinam a emergência de uma classe social. Assim, surge logo a diferença entre quem 
é positivamente ou negativamente privilegiado. Em Portugal, nenhuma classe e seus membros, por mais 
poderosa que fosse, conseguia dispor de poder político. Ao contrário, uma classe rica podia ser repelida 
pela sociedade e marcada pelo preconceito, como os financistas e banqueiros judeus dos séculos XV e 
XVI em Portugal.
O estamento é, primariamente, uma camada social e não econômica, embora possa repousar, em 
conexão não necessária real e conceitualmente, sobre uma classe social. O estamento político que Faoro 
conceitua é constituído de uma comunidade que faz seus membros pensarem e agirem conscientes de 
pertencer a um mesmo grupo, a um círculo elevado, qualificado para o exercício do poder. A situação 
estamental proposta seria a do indivíduo que aspira aos privilégios do grupo, e se fixa no prestígio 
da camada e na honra social que ela infunde sobre toda a sociedade. Em outras palavras, é como um 
operário moderno que prefere votar em políticos que são patrões.
A estabilidade econômica favorece uma sociedade de estamentos, assim como as transformações 
bruscas da técnica ou das relações de interesses enfraquecem os estamentos. Por isso, representam um 
freio conservador pela preocupação em assegurar a base de seu poder. Ainda segundo Faoro (2001), 
há estamentos que se transformam em classes sociais e classes sociais que evolvem para o estamento, 
mesmo que sejam coisas diferentes. Os estamentos governam, as classes negociam: “Os estamentos são 
órgãos do Estado, as classes são categorias sociais (econômicas)” (FAORO, 2001, p. 60).
A partirdessa formulação, Faoro vai buscar comprovar suas ideias examinando a história de Portugal 
e a história do Brasil. Prossegue com a descrição de como se organizou esse estamento em Portugal. O 
absolutismo e o funcionalismo estavam nascendo no Estado patrimonial de estamento, sem com elas 
se identificar. O estamento era uma comunidade de dependentes do tesouro da Coroa e se converteu 
na burocracia. Era uma burocracia de caráter aristocrático, com uma ética e um estilo de vida próprios, 
impregnados do espírito pré‑capitalista. No Estado absoluto, o estamento vivia atuante e seus privilégios 
estavam condicionados pela vontade do soberano. O estamento, que era o estado maior da autoridade 
pública, apressou e consolidou a separação entre a coisa pública e os bens do príncipe. O reino não era 
mais o domínio do rei, e o soberano tornou‑se o domínio da nação.
A tradição, apoiada no direito romano, ganhou caráter racional e consciente graças à palavra, acatada 
e respeitada, dos juristas. Desde a segunda metade do século XIII, as funções públicas se diferenciaram 
por competências estereotipadas, com a distinção básica entre a administração pública e a administração 
do serviço doméstico do rei.
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No século XVI, os legistas formavam uma espécie de casta. Os cargos da magistratura superior eram 
geralmente desempenhados por famílias mais ou menos ligadas entre si pelos laços do parentesco. Os 
cargos subalternos da administração judicial eram preenchidos comumente por pessoas que dependiam 
dos empregados superiores.
Os legistas não tinham constituído uma casta. Eles se agregaram em uma comunidade onde todas 
os funcionários se representavam. O estamento no século XVI zelava pela supremacia do poder nacional, 
que era ao mesmo tempo um poder civil de oposição à nobreza e contra o controle do poder econômico.
A nobreza perdeu a imunidade fiscal. Os legistas golpearam os senhores territoriais. Firmaram o 
princípio da inalienabilidade dos bens da Coroa e deixaram claro que as doações de terras se fariam com 
a reserva de reversão, se não fossem preenchidas certas condições na sucessão. O rei ainda podia reaver 
a terra que tinha sido doada durante uma guerra, pagando à nobreza os salários das jornadas militares. 
O serviço militar tornou‑se assim um serviço público obrigatório, remunerado pelo dinheiro do rei. A 
nobreza perdia todos os seus privilégios ancestrais e, no futuro, só lhe restariam ser cortesãos.
Contudo, o soberano foi também despojado de atribuições. Perdeu a marca de proprietário do 
reino e foi convertido em seu administrador, defensor e zelador, pois o principado elevou‑se acima 
do príncipe. O conceito de imperium substituiu o conceito de dominium, sem desvirtuar o princípio 
patrimonial, exacerbado em seguida pelas jornadas ultramarinas. Os direitos e privilégios do estamento 
obrigaram o rei a se amparar nele. A ação real acontece por meio de pactos, acordos e negociações. 
Dentro do estamento, se instalou uma luta permanente na caça ao predomínio de uma facção sobre 
outra. A teia jurídica que envolve o estamento não tem o caráter moderno da impessoalidade e da 
generalidade. A troca de benefícios era a base da atividade pública, reunida na convergência de tomar 
o poder e o tesouro do rei.
5.2 Como aconteceram as navegações
Portugal teve alguns benefícios que possibilitaram a aventura ultramarina. Contando com vários 
portos para promover o comércio europeu, nos séculos XIII e XIV, o comércio atlântico de troca de 
produtos locais ou no trânsito de especiarias vindas do Mediterrâneo concentrava‑se por lá. Nos dois 
extremos, tanto no Mediterrâneo como em Flandres, as atividades marítimas se expandiram para o norte 
da África e para a França e a Inglaterra, ligando os dois extremos, Flandres e o comércio do Mediterrâneo. 
Houve, em paralelo, o desenvolvimento de legislações que estabeleceram seguros marítimos e as 
participações acionárias em empresas de navegação. O Estado patrimonial, articulado pelo estamento, 
foi o elemento que permitiu o alargamento do mundo comercial europeu, pois seu crescimento não 
cabia na capacidade dos financistas particulares, que era a forma do modelo genovês de comércio.
Portugal nunca conheceu o predomínio da economia agrária, que teria sido capaz de elevá‑lo à 
quase soberania da nobreza territorial. Foi o Estado patrimonial que orientou o comércio marítimo e a 
formação territorial.
Entre a conquista de Ceuta e a viagem de Vasco da Gama, por oitenta anos, a mentalidade não 
mudou. O comércio exigia lucros maiores, rendas maiores e vantagens maiores. Mas que esteja claro 
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que o comércio era conduzido pelo rei, herdeiro do Estado patrimoniale e cercado pelo estamento, que 
discutia razões e objeções. Dentro desse contexto, era impossível manter a nobreza alheia ao comércio, 
pois era essa a atividade que enriquecia a nação.
A religião, no século XV, em Portugal, era a expressão ardente da causa nacional, da independência 
e da missão do reino. Ela não congregava apenas homem e Deus, mas homem e pátria.
Entretanto, o espírito da religião era a guerra das cruzadas, ou seja, a rapina, a pirataria, o comércio e 
a dilatação do império e da fé. Depois de Ceuta, deu‑se início ao projeto da escola de Sagres, e a aventura 
continou agora convertida em empresa. O infante Dom Henrique (1394‑1460) não foi o pai do comércio 
e da expansão ultramarina. Ele dirigiu a empresa marítima, racionalmente planejada e racionalmente 
expandida. Nos tempos de Dom Henrique, organizou‑se o comércio africano, que foi o modelo do futuro 
comércio ultramarino, patrimônio inalienável da Coroa e reconhecido pelas bulas papais. Esse comércio 
podia ser feito por conta do príncipe ou mediante delegação régia.
Era fácil encontrar banqueiros italianos, flamengos e alemães na capital do reino e nas feitorias. Os 
venezianos, transferindo suas atividades para Portugal, tornaram‑se a principal fonte de financiamento 
das expedições ultramarinas. Sua importância cresceu ainda mais depois da expulsão dos judeus de 
Portugal. Os judeus portugueses tinham sido os primeiros que financiaram o comércio intercontinental. 
O mercado principal de compra era a Europa, cujo centro era a feitoria de Antuérpia, para onde se 
transferira, em 1496, a feitoria de Flandres. O comércio europeu, com os metais do Norte e as mercadorias 
necessárias à troca de produtos asiáticos, era a condição fundamental do comércio ultramarino.
A Coroa não delegava a soberania, mas apenas o governo, para poder retomá‑lo a qualquer instante. 
Assim, o rei podia delegar a exploração do comércio mediante uma concessão graciosa, como no caso 
da concessão ao infante Dom Henrique, ou determinar um arrendamento oneroso, como a concessão 
do comércio de pau‑brasil a Fernão de Noronha. A Coroa nunca perdia o monopólio da sua propriedade, 
podendo retomá‑la quando quisesse.
No ultramar, voltaram a encontrar‑se o colono, o militar, o mercador e o missionário. Ao lado do 
forte militar, desenvolviam‑se a feitoria comercial e a igreja. Portugal crescia com a ocupação militar, 
com a exploração mercantil e com a evangelização; as três constantes da história ultramarina. Como 
atributo da sua soberania, o rei conserva o “quinto”, imposto cobrado pela proteção militar.
O Estado inchou com servidores ramificados na África, Ásia e América, mas sobretudo concentrados 
no reino e que engrossaram o estamento. Tal como no Brasil atual, havia uma multidão de “pensionistas” 
e dependentes, fidalgos e funcionários, todos sôfregos de ordenados, pensões e favores. O rei pagavatudo, abusos e roubos, infortúnios comerciais e contratos fraudados.
A atividade mercantil portuguesa, desenvolvida até o delírio, mas sempre dentro das raias que lhe 
assinalavam a ordem econômico‑política, nunca alcançou a forma do capitalismo industrial. Nem mesmo 
o artesanato conseguiu ganhar expansão em Portugal. Toda a atividade econômica se concentrava nas 
mercadorias importadas para a troca com outras mercadorias importadas. Umas vinham da África, da 
Ásia e da América, e outras, dos países marítimos da Europa. No interior agrícola português, cuja produção 
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era limitada ao azeite, ao vinho e às frutas, a produção não conseguia suprir sequer as necessidades 
nacionais. O trigo, cujo cultivo tinha preocupado a corte de Dom Fernando I, passou a ser adquirido no 
exterior, pois seu plantio era pouco lucrativo.
A Coroa era dona de todos os monopólios comerciais: da pimenta, do pau‑brasil e dos escravos. 
O capitalismo era politicamente orientado para servir o estamento. Não havia nenhuma vontade de 
permitir a livre iniciativa, pois o rei constituía seu capital graças ao imposto sobre as atividades comerciais 
e industriais privadas. Sua riqueza e prosperidade era comandada pelo florescimento dessas atividades, 
mas, como também ele exercia o comércio, ficava com a maior parte dos lucros e, portanto, restringia 
o campo de atuação dos particulares. Mas esse real empreendimento comercial não organizou a sua 
gestão conforme faziam as empresas privadas. Como os privilégios na Corte queriam usufruir dos lucros, 
não se poupava para permitir o financiamento com capital próprio ou para realizar novos investimentos. 
Uma vez que o Estado não tinha outras rendas como as derivadas da agricultura, mas mantinha uma 
ordenação jurídica que permitia o usufruto do estamento, as rendas dos empreendimentos iam sobretudo 
para o clero e para os senhores. Isso criou um atraso na estruturação capitalista da própria sociedade 
portuguesa, quando parecia que o Estado tinha enveredado por esse caminho.
No século XV, com a subida ao poder da dinastia de Avis, a aliança do rei com a burguesia, que 
servia para domesticar o poder da nobreza, parecia ter alcançado seu grau extremo, com a emancipação 
econômica e política do comerciante. O grande burguês de Lisboa e do Porto, trazendo junto o povo 
das ruas, foi o principal fator da revolução de 1383‑1385. Havia um órgão do Estado, integrado por 
comerciantes que tinham um papel importante, mas não eram decicivos para as deliberações do soberano. 
Não tivessem havido certos elementos históricos, a tendência do momento teria levado Portugal a criar 
das ruínas da nobreza, um sistema político burguês, ao estilo genovês ou no futuro estilo holandês. Mas 
a realidade desmentiu as promessas da história.
Nem a ordem política, nem a ordem ideológica favoreceram o crescimento da burguesia. Depois de 
pouco tempo de expansão autônoma, os comerciantes, que tinham sido os principais colaboradores 
da magna revolução da história portuguesa, recolheram‑se aos seus bairros sem prestígio, insultados 
pelos brios fidalgos da nova dinastia. Contudo, percebe‑se que houve uma traição. O mercador, que 
tinha enriquecido com os transportes, as exportações e os empréstimos, tornou‑se nobre, muitas vezes 
renunciando ao negócio e se radicando na terra, tentando reviver o velho estilo aristocrático.
A burguesia comercial dependia do rei e continuou presa a esse vínculo, subjugada ao papel de 
órgão delegado do rei mercador. Ao lado dele havia uma camada de letrados, para cujo recrutamento 
a origem nobre não tinha nenhum peso. Essa camada era formada principalmente de filhos de famílias 
burguesas que tinham como pagar para os filhos uma educação universitária. Percebe‑se hoje em dia 
que não foi a burguesia que renegou sua posição. Parte dela se acomodou ao estado‑maior dirigente, 
que moldou um novo estilo de vida. Essa estratificação social impediu que a burguesia se tornasse 
autônoma. A burguesia preferiu adotar uma aversão e mesmo desprezo ao trabalho, fosse comercial 
ou manual, para preferir como valor maior a ociosidade letrada. Para Faoro (2001), isso mostra a força 
da ideologia do estamento, que não permitia a ascensão de outra ideologia que pudesse permitir um 
pensamento social novo.
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Segundo o autor, a adoção de hábitos supera e questão econômica na determinação do estamento. 
Por esse motivo, pessoas ligadas ou oriundas de um estamento vão ter a mesma ideologia. Podemos 
dessa forma entender porque algumas pessoas vivem uma realidade econômica muito distinta da 
ideologia que proferem e, até os dias de hoje, acabam votando de acordo com a ideologia e não de 
acordo com sua realidade econômica.
Ao adotarem o mercantilismo, os portugueses não pensaram nos moldes da realidade. Havia sempre 
a tentação de permanecerem defendendo as idéias religiosas medievais, que tornavam o dinheiro e 
o comércio instrumentos da usura. Os interesses econômicos tinham de continuar se subordinando 
à salvação da alma, que era o verdadeiro sentido da vida. A atividade econômica determinava uma 
suspeita da conduta moral do indivíduo, ditada pela moral teológica. Qualquer motivação econômica, 
que não contivesse inspirações éticas, era suspeita de pecado. No século XV, se o comerciante vendia 
íntegra e intransformada uma mercadoria, ou seja, apenas especulava com sua compra e venda, devia 
ser expulso do templo de Deus por ser praticante da usura (a agiotagem).
A ética medieval sobreviveu, no pensamento dos letrados e da corte, durante toda a aventura 
ultramarina. Essa ideologia explica porque o reino expulsou sem motivos e de repente a riqueza judaica 
em nome de valores obsoletos, não ajustados ao comércio do século XV. O poder do dinheiro era visto 
como estranho, anormal, perturbador, sem articulação na ordem estatal, controlado pelo estamento 
e não merecia reconhecimento. Excluído do corpo da nação, os judeus tentavam criar uma categoria 
burguesa independente, a única camada autônoma se afastava da solidariedade da nobreza política que 
vivia na corte. Portanto, se voltaram contra eles os interesses dos que se beneficiavam sem trabalhar, 
recebendo os lucros do comércio da Coroa.
Somente no século XVIII, já em plena decadência do comércio ultramarino, que o mercantilismo praticado 
de fato conquistou o espírito da sociedade portuguesa. Antes disso, houve apenas o capitalismo politicamente 
orientado, que era o único que podia existir à margem da lei que condenava explicitamente a usura. Podia‑se 
emprestar dinheiro ao rei e cobrar juros desse empréstimo para que a Coroa assegurasse as subvenções 
aos nobres e ao clero, os reais detentores do pensamento oficial. Até às reformas pombalinas, a concepção 
dominante em Portugal e no Brasil era a escolástica, aristotélica e tomista. Os problemas econômicos eram 
pensados dentro de um quadro de princípios éticos do tomismo, conforme o pensamento medieval.
Os comerciantes que se revoltavam contra o estado das coisas em Portugal, e em particular contra 
certos princípios dominantes, eram homens que tinham vivido muito tempo no estrangeiro e que também 
escreveram as suas obras no estrangeiro, não publicadas em Portugal até a revolução pombalina. O 
próprio Pombal foi um diplomata e a sua estadia no estrangeiro, particularmente em Londres, exerceu 
grande influência na orientação que deu ao seu governo. Essa tradicional discrepância entre a prática 
e o pensamento fomentou a hipocrisia nas camadas dominantes, pois se, de um lado defendiam ideais 
éticos, de outro, tinham os pés afundados nocomércio. A ideologia coerente com a realidade teria sido 
o mercantilismo só tardiamente aceito pelos portugueses.
Faoro (2001) percebe que esse mercantilismo prático português foi herdado pelo Estado brasileiro. 
Assim, vemos que no Brasil a ideologia continua separada da realidade das necessidades do comércio e 
da indústria e, principalmente, da valorização do trabalho.
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Isso acentuou claramente o papel diretor, interventor e participante do Estado na atividade econômica. 
O Estado organizava o comércio, incrementava a indústria, assegurava a apropriação da terra, estabilizava 
os preços, determinava os salários, tudo para o enriquecimento da nação e o proveito do exclusivo do 
grupo dirigente. O mercantilismo operava como agente unificatório e centralizador. O Estado, dessa 
forma, ganhou poder internamente contra as instituições e as classes sociais e, externamente, se 
estruturou como a nação em confronto com outras nações. Assim, nasceu o absolutismo português, 
consagrado como razão de estado.
Entretanto, a atividade mercantil, desvinculada da agricultura e da indústria, não permitiu 
a acumulação de capitais no país. A prata e o ouro, depois de passarem pelo reino, acabavam nas 
manufaturas das outras cidades europeias. O conhecimento científico serve para desenvolver técnicas 
de fabricação, uma das bases da expansão do capitalismo industrial. Mas em Portugal e no Brasil, esse 
conhecimento sempre foi importado.
Quem estudava ciência não estava interessado em transformar o conhecimento cientifico em algo útil 
para a nação. Para viver uma vida voltada para o passado, não havia nenhuma necessidade da aplicação 
da ciência para suprir as necessidades materiais de Portugal, o que impediu o desenvolvimento da 
indústria e mesmo das formas de agricultura. Restou ganhar dinheiro com o comércio de especulação. 
Podemos dizer que as classes dominantes monopolizavam a cultura espiritual. Quem se opusesse a isso 
era forçado a emigrar para a distante Europa.
5.3 Questões do direito
O direito português também serviu quase exclusivamente à organização política. Para Faoro (2001), o 
direito articulou‑se no Estado de estamento, como elo de união, cimento de solidariedade de interesses, 
expressando sua doutrina prática e sua ideologia. A ideia de regular as relações jurídicas por meio de 
normas gerais, e não de regras válidas caso a caso, coincidiu com o aumento da autoridade do rei, 
sobretudo contra os privilégios do clero e da nobreza.
O soberano deixou de lado sua função de árbitro dos dissídios e fonte das decisões para o papel de 
chefe do governo e chefe do Estado. O rei se comunicava com os seus vassalos por meio do regulamento, 
que reconhecia os direitos do estamento, mas limitava‑os. As leis serviam para ressalvar a supremacia 
real e eram capazes de organizar, por meio dos cargos e privilégios, a ordem política do reino.
As Ordenações Manuelinas (1521) introduziram reformas administrativas e financeiras, que 
modernizaram a administração local. Essas ordenações promoveram uma reformulação de todo direito 
português, mas deixaram de fora a legislação sobre as finanças reais, que foram depois organizadas pelas 
Ordenações da Fazenda. Entretanto, com a descoberta de novos mundos, Portugal logo se ajustou à 
nova realidade, e, em 1603, foram editadas as Ordenações Filipinas, o mais duradouro código legislativo 
de Portugal e do Brasil.
As Ordenações Filipinas são o estatuto da organização político‑administrativa do reino. Contêm 
uma descrição minuciosa das atribuições dos delegados do rei, tanto daqueles que cuidam da justiça, 
quanto dos demais funcionários da corte e da estrutura municipal. Essas ordenações determinaram 
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a intervenção do Estado na economia, nos negócios, no comércio marítimo, nas compras e vendas 
internas, no tabelamento de preços no embargo de exportações aos países mouros e à Índia. Permitiram 
também o predomínio incontestável e absoluto do soberano e a centralização política e administrativa.
Ao mesmo tempo que os mercadores estrangeiros invadiam Lisboa, o comércio vivia à custa dos 
privilégios concedidos pelo rei. Assim, os comerciantes portugueses limitavam‑se à atividade de 
carregar e descarregar as mercadorias importadas, o que começou como um “comércio de trânsito” e 
se expandiu para um “comércio de dinheiro”. Essas atividades não gozavam de nenhuma qualificação 
social, independentemente da importância dos financiadores estrangeiros da aventura da África e da 
Índia e da empresa do Brasil. Não havia nenhuma garantia jurídica dessas atividades. Mesmo os italianos, 
ingleses, alemães e flamengos, que se associavam ao rei em seus empreendimentos, aceitavam que a 
garantia era o próprio rei, e nem ousavam exigir nenhum direito próprio. A disciplina imposta sobre os 
particulares não respeitava a riqueza econômica, era puramente inspirada pela política. Servia ao Estado 
e ao estamento, e não ao comerciante, nem ao comércio lucrativo.
Em uma estrutura de predomínio absoluto das interferências estatais, a realidade jurídica foi sempre 
uma sombra ameaçadora do poder político. As atividades econômicas, os interesses e os contratos 
dentro desse contexto social não podiam expressamente visar ao lucro e às vantagens materiais. Tudo se 
subordinava à glória de Deus e à honra dos nobres, que eram os valores que o estamento corporificava, 
atolado na cobiça, mas com a cabeça nas nuvens.
O Estado, envolvido por esse estamento burocrático, se alimentava da classe comercial, que ele 
desprezava e aviltava. Entre os dois grupos havia as relações em um plano econômico, mas não um 
estilo de vida comum. Só o estamento era aristocrático, só ele pertencia à Corte e influenciava as 
decisões da Coroa. Enquanto o comércio enriquecia, o estamento consumia senhorialmente, pouco 
preocupado com a produção.
Contudo, havia um pacto obscuro e incerto. O estamento e os comerciantes visavam aos inventimentos 
e lucros das navegações, mas tinham propósitos muito diferentes. A corte e os nobres eram os parasitas. 
Os comerciantes cuidavam do lucro que vinha cheio de cobiça e de pecado. Somente o rei, a casa do 
rei e a gente do rei podiam conciliar o comércio com a grandeza moral. O comércio controlado era uma 
obra grata a Deus e necessária à pátria.
O padrão de comportamento do estamento é outra característica percebida por Faoro (2001) e que 
veio também se instalar no Brasil.
5.4 As regras do comércio e da vida do reino
O rei acumulava os títulos de regente e senhor. A regência era a jurisdição sobre todos os que viviam 
no reino, mas o rei era impedido de dar ou vender aquilo que pertencia aos vassalos. Fora do reino, ele 
era senhor das terras e dos mares que eram descobertos.
O comando de Portugal nos continentes novos vinha com o direito de conquista de novas terras, 
e fortalezas militares foram estabelecidas para defender esse direito. Quanto ao comércio, as relações 
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de Portugal tiveram três comportamentos diferentes. O primeiro quando se conquistava uma terra e se 
nomeavam senhorios que contratavam com os povos subjugados uma relação de vassalagem, em que 
o direito maior era da Coroa de Portugal. No segundo modo, eram contratos perpétuos com os reis e 
senhores da terra conquistada, que tinham de respeitar um tabelamento para venderem suas mercadorias 
e comprarem as portugesas. Isso aconteceu principalmente no Oriente, onde osreis dos territórios 
indianos eram senhores das terras nas quais se produziam as especiarias. Somente as especiarias eram 
tabeladas e obrigatoriamente vendidas aos oficiais do rei que ali residiam em suas feitorias. Todas as 
outras coisas que não eram especiarias podiam ser negociadas livremente. O terceiro modo é o comércio 
geral por toda parte, que era feita por livre preço com os outros povos.
Nas terras portuguesas, tanto o comerciante estrangeiro, quanto o português só podiam exercer 
o comércio mediante uma concessão ou delegação real com a outorga de privilégios. Na armada de 
Cabral, o rei mandou dois protegidos seus, além do banqueiro florentino Bartolomeu Marchioni, que 
representava o interesse da família dos Médicis.
O rei comerciante confundia a exploração econômica com a guerra e a administração pública. Para 
Faoro (2001), tudo acabou em grossa corrupção, com o excesso do luxo que uma geração desperdiçou, 
deixando o povo na miséria e o fidalgo avesso ao trabalho. A corte, povoada de senhores e embaixadores, 
tornou‑se o local preferido dos comerciantes, que disputavam os favores econômicos e os pedidos de 
cargos, de capitanias e de postos militares. Para alcançar esses favores, não adiantava só ser nobre.
Nada precisava de merecimento porque a conquista do emprego, do posto e da dignidade se fazia 
à custa da intriga bem tecida e da conversa doce. Não há como não reconhecer no Brasil do século XXI 
ecos desse tipo de comportamento junto ao poder.
Isso criou em Portugal uma imensa burocracia presidida pelo rei. O funcionário estava por toda 
parte, dirigindo a economia, controlando‑a e limitando‑a de acordo com sua vontade própria e seus 
pequenos poderes. A realidade política se entrelaçou na realidade social, e o cargo público conferia 
fidalguia e riqueza. A maldade acompanhava o funcionário, preocupado em se perpetuar no exercício do 
cargo que lhe conferia o pequeno poder que o acompanhava. Para Faoro (2011), a expressão completa 
dessa comédia se revela em uma arte cultivada às escondidas: a arte de furtar. Sua posição pessoal de 
crítica e de censura dessa prática caracterizava o enriquecimento no cargo como atividade ilícita, sem 
respeito nem à ética medieval, nem à ética burguesa.
Onde havia comércio, havia governo. A administração seguia a economia, organizando‑a para 
proveito do rei. Disso resultava uma enxurrada de servidores e pretendentes a servidores, de soldados 
e dependentes, de reivindicadores de pensões para a velhice, todos eles promovendo corrupção que os 
beneficiasse pessoalmente.
Consultado pelo rei Dom João IV sobre a pertinência de ordenar um ou dois capitães‑mores, o padre 
Antonio Vieira não mediu suas palavras:
Digo que menos mal será um ladrão que dois; e que mais dificultosos serão 
de achar dois homens de bem que um [...] Tais são os dois capitães‑mores 
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em que se repartiu este governo: Baltasar de Sousa não tem nada, Inácio 
do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual é maior tentação, se a 
necessidade, se a cobiça (VIEIRA apud FAORO, 2001, p. 100).
Faoro (2001) apontou que tudo isso acabou em uma grande ressaca. Havia ricos e opulentos, mas o 
reino não ficava mais rico nem crescia. As subvenções, os ordenados e as pensões devoravam o Estado 
para o proveito da fidalguia detentora de cargos públicos. O Estado no papel de empresa patrimonial 
não deu apoio à produção doméstica, que eventualmente teria sido capaz de expandir a indústria. 
Outras nações enriqueceram com a indústria, enquanto Portugal ficou congelado no passado de sua 
arquitetura política barroca, sugando o Brasil.
Ainda de acordo com o autor, a organização política do patrimonialismo estava fechada em si 
mesma, formando um estamento burocrático. Essa burocracia não tinha o sentido moderno exposto 
por Weber de aparelhamento racional do Estado, mas visava apenas à apropriação dos cargos.
Cada cargo dispunha de um poder próprio articulado com o rei. O Estado ainda não tinha se tornado 
uma pirâmide autoritária, mas estava estabelecido em um feixe de cargos que, reunidos, mantinham a 
aristocracia longe dos subordinados. Com a adoção do comércio para a base da economia, o dinheiro 
que entrava assegurava o pagamento das despesas e permitia a contratação dos funcionários.
O comércio, controlado ou explorado pelo rei, era a fonte que alimentava o caixa da Coroa. O rei 
era o bom príncipe, preocupado com o bem‑estar dos súditos, premiando os serviços e assegurando a 
participação nas rendas. Em um reino onde todos eram dependentes do rei, surgia a figura do pai do 
povo, voltado para o socorro aos pobres, como no governo de Getúlio Vargas.
O sistema de educação obedecia à estrutura reinante. A função da escola era produzir os funcionários, 
os letrados, os militares e os navegadores. Os funcionários ocuparam o lugar da velha nobreza, adotando 
sua ética e seu estilo de vida. O gosto pelo luxo e a vontade de ostentar levavam à imitação da vida 
aristocrática. Era interessante ser improdutivo, mas ter dinheiro, pois isso dava prestígio, que era 
utilizado como instrumento de poder entre os pares e o rei e sobre as massas, sugerindo‑lhes grandeza, 
importância e força política.
O capitalismo que existiu foi o politicamente orientado. A empresa do rei, para alegria da corte e do 
estado‑maior que viviam dela, podia ser comercial, industrial ou agrícola. Toda a produção era obra do 
soberano, por ele orientada e estimulada do alto, em teórico benefício da nação. Onde havia atividade 
econômica, lá estava um funcionário delegado do rei para compartilhar de suas rendas e lucros. Tudo 
era tarefa do governo, tutelando os indivíduos eternamente menores e incapazes.
Aqui Faoro (2001) indica como se mantém a impossibilidade de participação do povo nos destinos 
da nação. Por semelhança, percebemos que Faoro não estava apenas falando de Portugal do passado, 
mas do Brasil em que viveu.
Toda tentativa de importação de técnicas de produção de bens sofria o efeito triturador e 
nacionalizador do estamento, que retardou a modernização de Portugal. O mercantilismo, que levara o 
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Estado ao comércio, impedia que o setor privado pudesse florescer. Essa solução era uma ameaça aos 
funcinários e nobres sustentados pelo rei, porque qualquer crise que atingisse a entrada de dinheiro 
afligiria a todos no reino. Para Faoro (2001, p. 103): “Nem o açúcar do Brasil, nem o escravo africano, 
nem o ouro de Minas Gerais, nada salvou este mundo condenado à mansa agonia de muitos séculos”.
Essa agonia não matava, mas paralisava. O único segmento da nação que poderia promover um 
renascimento econômico, os judeus portugeses, não estavam submetidos ao controle público, mas 
foram expulsos do país por causa de pretensos brios nacionalistas ou por medo de um monopólio 
do poder político. A fúria da Inquisição expulsou os judeus portugueses, abrindo mão do dinheiro e 
do conhecimento que seria trazido através dos acordos feitos com os ingleses. Os judeus portugeses 
tentavam ser burgueses modernos, que conseguiam compreender os novos tempos. A incompatibilidade 
do português com o espírito capitalista recebeu muitas explicações. Contudo, em todas as tentativas de 
definir o mal que acometeu Portugal, há o reconhecimento de que a nação foi sufocada pela falta de 
modernização de um sistema social, que há dois séculos tinha sido responsável por sua grandeza.
5.5 Como a Revolução Industrial foi combatida em Portugal e como surgiu o 
estamento de funcionários do Estado
A camada superior desdenhava o trabalho e a produção ou qualquer outravirtude burguesa. A 
Revolução Industrial passou longe de suas praias, incompreendida pelo lucro fácil das especulações 
ultramarinas ainda no século XVIII. Os servidores públicos, nobres e burocratas, vestiam‑se com as roupas 
das fábricas inglesas, cobriam as mulheres de joias feitas na Holanda, comiam o trigo importado, tudo 
à custa do ouro do Brasil, que não durava em suas mãos. Quando o pessimismo apontava para a crise 
e a miséria que se aproximavam, exigia‑se uma solução do Estado. Assim nasceu a ideia ainda presente 
entre nós de que o Estado é a fonte de todas as desgraças e de todos os benefícios.
Uma fábrica, uma oficina, uma exploração agrícola ou mineira, eram atividades impróprias da nossa 
fidalguia. Por isso, as melhores indústrias nacionais estão nas mãos dos estrangeiros, que com elas 
se enriquecem. Havia (talvez haja até hoje) um preconceito universal contra o trabalho manual, que 
sempre foi caracterizado como uma atividade servil. Faoro (2001) percebe que, apesar de o trabalho 
permitir a democracia em todo o mundo, e enriquecer as nações, nós preferimos ser uma aristocracia de 
pobres ociosos do que ser uma democracia próspera de trabalhadores. Para ele, é o fruto que colhemos 
de uma educação secular de tradições equivocadas.
A perda da independência de Portugal em 1580 estava na lógica dos acontecimentos. A União Ibérica 
assegurava uma melhor exploração por parte da nobreza das oportunidades oferecidas pelo Estado.
A nobreza, o alto clero, o grande comércio, todos preferiram levar Portugal falido ao florescente 
Império espanhol, mas isso foi feito pela nobreza dos funcionários que viviam do tesouro. Nesse 
período, a Espanha se apropriou da soberania nacional portuguesa e controlou o governo sem conceder 
autonomia do reino. A Inquisição tornou‑se um instrumento de poder contra a expansão de forças 
econômicas que tentavam se desvincular do Estado. Daí por diante o mundo barroco aprisionou 
Portugal e a colônia brasileira.
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O estamento, o quadro administrativo e o estado‑maior de domínio configuravam o governo de 
uma minoria. Poucos dirigiam, controlavam e impingiam seus padrões de conduta aos demais. O grupo 
dirigente não exercia o poder em nome da maioria, nem mesmo inspirado pela confiança que irradiava 
do povo. Assim, a própria soberania se tornou privilégio de uma camada restrita, sem nenhum respeito 
pela maioria.
De acordo com Faoro (2001), a história de Portugal e do Brasil é um cemitério de elites. As brigas pelo 
poder não dizem respeito ao povo; são disputas entre funcionários do Estado. Assim, a classe dirigente 
de hoje nunca será a mesma de ontem.
Em uma linha progressiva, a classe dirigente no Estado moderno tomaria maior consistência com o 
desenvolvimento da burocracia, que, no final do século XX, se transformou em tecnocracia. Os valores 
da supremacia política, cujas raízes teriam sido plantadas por Maquiavel, por força da própria dinâmica 
de controle pelos funcionários do Estado, se desumanizariam para se tornarem eficientes no controle do 
governo. Isso impediu por muitos anos a convivência democrática.
Conforme Faoro (2001), o governo dessas elites, em substituições sucessivas, negaria todo o conteúdo 
de representatividade das forças sociais. O autor reconhece que essa crítica partiu do campo marxista, 
no qual, a despeito da concepção do Estado como expressão da classe dominante, o elitismo também 
conquistou indisfarçáveis posições. Dessa forma, Faoro (2001) consegue explicar a falência da República 
Velha, do Estado Novo, do período democrático, da Ditadura Militar, da crise econômica do governo 
Fernando Henrique Cardoso e a destituição do poder do Partido dos Trabalhadores. Por baixo de todos 
esses movimentos políticos persistiu a ideia do estamento de funcionários do Estado brigando pelo 
poder, não para estimular o trabalho e o crescimento econômico, mas simplesmente para poder se 
beneficiar das rendas do Estado.
A classe dirigente, a elite ou a classe política seria sempre uma consequência de qualquer sistema, 
aristocrático ou democrático. Suas características são dependentes da cultura que a gerou; uma 
deturpação dos mecanismos representativos, uma distorção necessária para o exercício da soberania 
popular. Contudo, essa soberania seria combatida sempre que se tentasse reivindicar qualquer autonomia 
social e independência política.
Faoro escreveu que o nosso modelo, o Estado português prolongado no Brasil, não conheceu nunca um 
período verdadeiro de soberania popular. O poder minoritário adquiriu um caráter pétreo, independente 
da forma de governo da nação. Sua hipótese afirma que, como consequência do isolamento do povo, 
os funcionários mantiveram sempre o mesmo conteúdo ideológico. Dessa ideologia de manutenção da 
própria existência, eles nunca se afastaram, mesmo quando se tornaram intermediadoras do pensamento 
universal em um círculo nacional. É o caso que percebemos quando ouvimos grupos de funcionários 
ou políticos modernos defendendo regras e ideologias externas apenas para poderem arrecadar mais 
dinheiro em seu benefício próprio. Um grupo restrito tenta prover a sociedade de sua concepção do 
mundo, unificando as tendências e as correntes em curso em uma constelação coerente de idéias, 
sentimentos e valores.
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Para Faoro (2001), o estamento é seu conceito fundamental, mas podemos chamá‑lo de elite, de 
classe dirigente, classe política ou intelligentsia. É quase uma casta, sem nunca se tornar de fato uma 
classe social, como a grande burguesia industrial.
A consequência dessa estruturação autônoma, que evita manter contato com as categorias sociais 
na base da pirâmide, é que os funcionários mantêm um caráter escolástico, acadêmico, no sentido de 
viverem afastados dos problemas concretos da vida e da sociedade. Preocupam‑se mais em preservar sua 
unidade de pensamento, em uma sistematização nem sempre dogmática, do que com a reelaboração 
teórica dos fatos da história. Seu pensamento político tem sempre caráter abstrato, voltado para as 
doutrinas universais e sufocado no idealismo das fórmulas.
5.6 Como Portugal dominou o Brasil
Segundo Faoro (2001), o primeiro ato da abordagem americana, no qual o Brasil figura como uma 
conquista, segundo o esquema de João de Barros, pouco difere do sistema africano ou asiático. Havia, 
na terra nova, uma mercadoria similar à das mercadorias orientais, o pau‑brasil. Esse comércio derivado 
da extração se prolongaria na estrutura comercial portugesa, sem a quebra do monopólio real.
Surgiu uma aliança entre a atividade econômica do rei e a dos comerciantes, unindo a força militar 
das armadas com a exploração comercial. O monopólio real não era exercido diretamente, mas mediante 
concessão. O rei permaneceia comerciante sem envolvimento imediato no negócio, mas vigilante com 
o aparelhamento estatal a serviço de seus interesses. O primeiro concessionário, um cristão‑novo, 
Fernão de Loronha (chamado de Fernando de Noronha hoje em dia), associou à empresa os mais ricos 
comerciantes de Lisboa. A concessão se fez mediante uma carta de privilégio, na forma das antigas 
praxes portuguesas, com respeito aos comerciantes estrangeiros.
O rei garantia a integridade do comércio com suas armadas e suas forças civis de controle do território. 
O contratador, geralmente um armador de naus, estava vinculado aos investidores europeus, interessados 
na redistribuição da mercadoria na Europa. No Brasil, a feitoria largamente utilizada na Índia e na África foi 
reduzida a armazéns para coleta e proteção das diferentes mercadoriasà espera de transporte.
Assim, adotou‑se no País uma forma que articulava o controle político, comercial e territorial, segundo 
o modelo estabelecido pelos venezianos e genoveses desde a Idade Média. Essas três componentes 
perduraram aqui por três séculos, com pequenas alterações. Em dado momento, os comerciantes não 
puderam mais ser estrangeiros. As feitorias se tornaram estabelecimentos produtivos, primeiramente 
com o açúcar, mercadoria adequada à demanda universal. O rei, através do estamento, permaneceu 
vinculado ao capitalismo comercial europeu.
O plano inicial, de confiar a defesa territorial aos arrendatários, não protegia a colônia da cobiça 
internacional, já que o testamento de Adão, lavrado pelo papa em favor da Península Ibérica, tinha 
dividido o Novo Mundo entre Espanha e Portugal. Repetindo o sistema estabelecido no Oriente, o Estado 
veio em socorro do seu negócio. A feitorização não evitava as incursões francesas, frequentes desde 
1504. Também não repelia a cobiça espanhola, presente na imensa costa brasileira, e que era capaz de 
alimentar um comércio lucrativo. A feitoria brasileira sofreu também com a instabilidade dos habitantes 
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da terra, os índios, que não ofereciam nenhuma obediência aos colonos ou aos tratados e recusavam a 
escravidão. Os franceses tentavam acertar alianças, mas que se mostravam tão passageiras quanto as 
portuguesas. Sem a disciplina do elemento humano, a América era presa fácil para qualquer aventureiro 
que a colonizasse e que conseguisse estabelecer núcleos habitacionais estáveis.
O governo português evoluiu para um sistema misto composto de uma armada guarda‑costa e exploradora 
e de uma expedição colonizadora. A primeira foi comandada por Martim Afonso de Sousa (1530‑1532). Isso 
não resolveu o problema de tomar posse do território com o estabelecimento de colônias, que seria a única 
maneira de fechar o comércio brasileiro ao estrangeiro. Diogo de Gouveia, português que residia na França, 
percebeu o perigo. Atento ao comércio internacional, sabia que o comércio com os estrangeiros fragmentaria 
a conquista do território, e seu conselho foi criar povoações junto das bases de exploração do pau‑brasil.
A chegada de colonos, degredados, desertores e náufragos, longe das regiões administrativas vigiadas 
pela burocracia real, também não resolvia o problema. A maioria se misturava aos índios, assimilava sua 
cultura, com muitas mulheres, esquecendo‑se até o uso da língua europeia. O pau‑brasil, mercadoria 
que alcançava grande demanda no contexto mercantil europeu, obrigou uma mudança na ocupação do 
território. Havia também a esperança, quase uma promessa, de se encontrar ouro e prata, o que só seria 
possível com a posse do território, como tinha acontecido nas colônias da América espanhola.
O modelo de controle português utilizado no Oriente precisou sofrer adaptações, já que o indígena 
não comerciava nos moldes da Índia, país que já estava acostumado ao comércio árabe e italiano, 
trocando mercadorias por mercadorias ou mercadorias por ouro. O selvagem americano tinha de ser 
subjugado para se integrar à rede mercantil. Sem essa providência, o pau‑brasil estaria perdido, bem 
como toda a esperança de se conseguir metais preciosos.
Aqui Faoro (2001) percebe uma novidade: o motivo pelo qual a realeza montaria um novo esquema 
de colonização, que foi a plantação da cana‑de‑açúcar. Dom João III (1521‑1557) tinha inaugurado o 
sistema americano de exploração mercantil contra a concorrência europeia e a perda territorial do litoral. 
O Brasil, como tinha sido a Índia, tornou‑se um negócio do rei. Foi integrado à estrutura patrimonial, 
gerido pela realeza, controlado pelas armas e destinado ao comércio.
Essa origem da colonização impôs, segundo Faoro (2001), um destino. Para o autor, assim como para 
Caio Prado Júnior (apud FAORO, 2001), o ciclo do pau‑brasil será o mesmo do açúcar, do ouro e do café. 
Sua expansão sempre aconteceu pelos interesses do comércio internacional, que acabou por controlar 
os destinos do Estado brasileiro.
 Observação
Há uma repetição nos ciclos produtivos que proporcionaram o 
desenvolvimento do Brasil, desde a colônia até hoje em dia. O País insiste 
em manter atividades de exportação para os países dominantes. No século 
XXI, como há 500 anos, a forma de pensar a economia é sempre atrelada a 
capitais estrangeiros e a uma política de exportação.
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Um dado comprovaria a tese, pois o açúcar era uma mercadoria vinculada ao movimento comercial 
e encontrava‑se já nas duas primeiras décadas do século XVI em crise de superprodução nos mercados 
portugueses. Na verdade, o açúcar aparece palidamente nos preparativos e debates acerca da colonização. 
A carta do doutor Diogo de Gouveia, escrita em 1532, faz supor que a colonização não se vinculava aos 
engenhos, mas apontava apenas para a defesa do pau‑brasil, que era o produto mais importante do 
comércio da Coroa e cobiçado pelos franceses.
Primeiro o pau‑brasil e a defesa do caminho das Índias, depois o açúcar. No meio disso, a esperança 
das minas, que já eram buscadas por Martim Afonso de Sousa. O açúcar, depois de inaugurado o primeiro 
engenho em São Vicente, entrou nessa corrente mercantil portuguesa. Só mais tarde é que se percebeu que 
os engenhos financiados pelos capitalistas de Lisboa, portugueses e estrangeiros, eram um bom negócio.
Varnhagen, pondo em dúvida a primazia de São Vicente, voltou para Lisboa em 1526 com algum 
açúcar de Pernambuco e Tamaracá. Quando depois foram dadas as concessões das donatárias, já se sabia 
com segurança da possibilidade do cultivo da cana‑de‑açúcar. Essa certeza permitiu que donatários e 
colonos pudessem levantar recursos e financiamentos para sua exploração.
A elevação dos preços, que aconteceu na segunda década de 1500, seria responsável pelo predomínio, 
já quarenta anos depois, do açúcar brasileiro no mercado europeu. A empresa colonizadora fundou as 
capitanias, que foram a primeira expressão de grande envergadura e de nítido caráter capitalista. Para 
Faoro (2001), situavam‑se no contexto do capitalismo comercial, politicamente orientado, do Portugal 
de Avis. Essa suposta regressão feudal das capitanias hereditárias aponta para um paradigma inexistente, 
um falso paradigma do feudalismo português. O próprio trabalho escravo era um empreendimento 
capitalista por excelência.
A povoação não podia acontecer sem a presença de mulheres. Desde a Reconquista que era permitido 
que a gente portuguesa se casasse com as mulheres nativas, fazendo cristãs as que eram livres; as que 
eram escravas, eram compradas de seu senhor. Isso para povoar as terras tomadas aos árabes.
O povo, logo no princípio, quando Afonso d’Albuquerque lhes tomava as filhas, via nisso um 
escândalo, pois era feito à força. Contudo, viram as filhas honradas e, por causa delas, eram bem tratados, 
destacando‑se de outros gentios. Assim, quem tinha mais filhas para oferecer a alguém de posses, tinha 
a vida mais segura.
A aptidão portuguesa para os casamentos inter‑raciais foi um jogo de conveniências. A conveniência 
intencional do colonizador e a conveniência do soldado, que se transformava em colono, mediante o 
auxílio do rei. A falta de mulheres portuguesas e a riqueza do conquistador permitiu a mistura das raças. 
A matéria‑prima desse jogo era a “gente baixa”, gente sem fortuna e sem brasões, o súdito refém dos 
capitães, mas isso não aconteceu sem a censura cortante da nobreza.
O sentido da colonização estava claro: era o povoamento como obra auxiliar da conquista. O 
casamentoreligioso devia torná‑lo estável; este seria o núcleo da lealdade ao país, confundido pelos 
portugueses com a fé. A terra seria absorvida pelos colonos, uma gente sem escrúpulos de diferenças 
de classe e de honra. A oposição dos fidalgos acontecia porque para eles a conquista era uma aventura 
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comercial da qual cumpria extrair rapidamente todo o lucro. O povoamento que promovia a mistura 
de raças só era aceitável pela gente baixa, mais preocupada com uma vida melhor do que com honras 
sociais. Esse fato se confundia com a organização das cidades que surgiam e com os cargos locais 
atribuídos à gente do povo.
De acordo com Faoro (2001), as relações raciais se submetiam a um quadro maior, tecido pelas 
relações sociais. Não havia uma disputa entre as camadas sociais, que teriam sido fonte provável de 
conflito e hostilidade. Talvez isso explique porque não houve miscigenação entre os brancos e os índios 
na colonização norte‑americana.
A colonização, implantada por Dom João III, não se desvinculou do momento europeu, nem da 
rota mercantil portuguesa. Significou um ajuste, um aperfeiçoamento do sistema das feitorias. Essas 
feitorias primeiro negociavam pau‑brasil e depois começaram a plantar cana e desenvolveram o 
engenho de açúcar.
Segundo Faoro (2001), tudo foi consequência da imensa empresa comercial exercida pelos países 
da Europa a partir do século XV; não teve outro caráter a exploração da costa africana e a descoberta 
e colonização das ilhas pelos portugueses, o roteiro das Indias, a descoberta da América e, finalmente, 
a exploração e a ocupação de seus vários setores. Nessas condições, a colonização ainda era feita 
da mesma forma praticada em Portugal desde a Reconquista. Essa colonização não era mais que o 
estabelecimento de feitorias comerciais, como os italianos vinham praticando no Mediterrâneo, a 
Liga Hanseática no Báltico, e mais recentemente os ingleses, holandeses e outros no extremo norte 
da Europa e no Oriente Médio.
No Brasil, a situação era diferente, pois o território era habitado por uma população indígena 
incapaz de fornecer qualquer coisa que pudesse ser comercializada. Para os fins mercantis pretendidos, 
a ocupação era a mesma de outras feitorias, nas quais um pessoal reduzido era incumbido apenas do 
negócio, da administração e da defesa armada. Era preciso ampliar essas bases, criando um povoamento 
capaz de abastecer e manter as próprias feitorias e organizar a produção dos gêneros que pudessem ser 
de interesse para o comércio. Essa é a ideia que faz surgir o povoamento brasileiro.
Vista no plano mundial e internacional, a colonização do Brasil tomou o aspecto de uma vasta 
empresa comercial, mais complexa que a antiga feitoria. Mas permaneceu o caráter de explorar os 
recursos naturais de um território virgem em favor do comércio europeu. Para o autor, este é o verdadeiro 
sentido da colonização tropical da qual o Brasil é uma das resultantes. A necessidade comercial pode 
explicar os elementos fundamentais econômicos e sociais da formação e da evolução histórica dos 
trópicos americanos.
Para a continuidade do empreendimento, seriam necessários recursos que o rei não possuía e que 
o reino não conseguiria obter dos financiadores, já que os produtos naquele tempo pareciam pouco 
rentáveis. Assim, promoveu‑se uma reforma de sistema, e cada feitoria seria um departamento de 
distribuição de terras com a cobrança de tributos, acumulando o poder administrativo com as funções 
bancárias. O meio para conceder os benefícios seria o mesmo empregado para animar o comerciante: os 
privilégios extraordinários para uma aventura fora dos padrões usuais.
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Se é verdade que, quando foram instituídas as capitanias, o comércio com a Índia não estava 
ainda falido, e o tesouro real também ainda não estava vazio, também não se pode contestar que 
faltavam capitais para o novo projeto. Todos os capitais estavam comprometidos com o Oriente. 
Quanto maior a empresa, maiores os proveitos, mas também maiores eram os compromissos de 
pagamento e o endividamento junto aos banqueiros europeus. Não sobrava nenhum recurso 
excedente para a empresa com retornos de cinco e dez anos, que só eram possíveis se o empresário 
fosse também o financiador ou se pudesse não pagar os impostos ao Estado. Uma vez definido 
que a capitania era uma concessão real, ela foi aberta à iniciativa particular. O poder público não 
investia, mas mantinha a vigilância e o controle.
Sem produção própria para a troca dos produtos orientais, Portugal estava condenado à especulação. 
Depois de pagos os financiamentos aos banqueiros e os luxos aos produtores de tecidos e artigos 
manufaturados, só restava ao Estado o papel de intermediário. Assim, o momento sugeriu uma forma 
diferente do esquema da Índia. Havia um território para conquistar sob as garras dos guerreiros, capitães 
e juristas. A ordem política, administrativa e jurídica, representadas pelas forças armadas e pelos 
burocratas, orientariam mais essa conquista econômica.
A capitania hereditária seria um estabelecimento militar e econômico, voltada para a defesa externa 
e para o incremento de atividades capazes de estimular o comércio português. A autoridade pública se 
constituia sempre que havia produtos para exportar e plantações para fixar. As capitanias tornaram‑se a 
base do sistema político‑administrativo do reino, com as adaptações sugeridas pela extensão brasileira 
e concedidas com uma carta de doação e o foral.
A capitania era inalienável e indivisível, sujeita à sucessão mesmo de “fêmeas, bastardos, transversais 
e ascendentes”. O “capitão e governador” representava os poderes do rei, como administrador e 
delegado, com jurisdição sobre o colono, português ou estrangeiro, mas sempre católico. As terras eram 
distribuídas aos moradores, que deviam fazê‑las render em certo prazo, com o mesmo espírito da velha 
Lei das Sesmarias de Dom Fernando. Ao governador cabia um número amplo de léguas, dez a dezesseis, 
como terra livre e isenta, distribuída a porção em lotes não contíguos. Qualquer negócio lucrativo que 
pudesse ser vinculado ao comércio internacional ou conquistado no capitalismo comercial dependia da 
licença do governador, que tratava a coisa como se fosse monopólio pessoal.
Desse domínio derivavam suas funções públicas, o que tornava a capitania diferente de uma fazenda, 
equiparando‑a a uma província. Independentemente da hereditariedade do cargo e das atribuições 
amplas, ele agia em nome do rei. Não era mais uma simples concessão de privilégios econômicos, mas de 
competência pública, restrita pelas ordenações do reino ou pelos poderes centralizadores do soberano.
Esse contexto geral da estrutura de governo, desenvolvida desde Avis, explica a contradição 
aparente entre as capitanias e a organização político‑administrativa do reino. O capitão podia criar vilas, 
nomear ouvidores, dar tabelionatos de notas e judiciais; porém, tudo estava sujeito à alçada vigilante 
do monarca. Os direitos fiscais do capitão eram exercidos em nome do rei. O agente local participava 
desses rendimentos, mas não tinha poder de criar tributos, nem aumentar o valor dos existentes. Assim, 
o rei se resguardava dos abusos dos senhores territoriais.
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A Coroa não confiou as capitanias a homens de negócios, que visavam unicamente ao lucro e à 
produção. Selecionou pessoas próximas do trono, burocratase militares, letrados ou guerreiros provados 
na Índia, e a pequena nobreza, sedenta de glórias e riquezas. Em uma faixa de 195 léguas de litoral, de 
Itamaracá (Pernambuco) a São Vicente (São Paulo), é que se desenvolveu toda a vida do século XVI. A 
defesa da costa e o desbravamento dos sertões foi feita lentamente mediante autorização administrativa.
A colonização era negócio pessoal, sob o controle financeiro da Coroa. Sobre as capitanias havia o 
controle do soberano, pronto, ao menor sinal de desvio, para anular com uma penada o contrato escrito 
e a palavra empenhada. Muitos anos se passaram antes que os potentados rurais ganhassem substância 
e consciência para romper essas correntes; um fato sempre adiado, uma veleidade impedida inclusive 
pela manutenção da Coroa depois da Independência.
Os navios traziam os donatários das capitanias e os colonos funcionários que comandavam e 
guerreavam; eles estavam ligados a uma empresa comercial, cuja administração ficava em Lisboa. Os 
capitães fundavam as vilas para formar um núcleo de vigilância das atividades comerciais e cobrar 
impostos. O controle da arrecadação tributária era feito em algumas capitanias pelo governador, mas 
na maioria dos locais cabia aos funcionários de Lisboa.
Havia a preocupação em Lisboa com os piratas franceses; contra estes e contra os índios, procurava‑se 
defender o território. Assim, eram cobrados impostos para bancar os custos de proteger os negócios da 
coroa. As vilas eram criadas antes da povoação, e a organização administrativa precedia a chegada 
das populações. Essa prática, que é um modelo da ação do estamento, foi repetida no Brasil Império e 
na República. O estamento inventou a criação da realidade pela lei e pelo regulamento. A economia e 
a sociedade precisam se amoldar ao abstrato império das ordens régias. Caso ocorra algum desvio, o 
soberano deveria corrigir as distorções com a espada, com a sentença e a punição.
Faoro (2001) nota que Hegel já tinha percebido essa diferença, ao notar que a América do Norte 
saxônica tinha sido colonizada mantendo o Estado em um papel periférico. Na verdade, o impulso inicial 
do sistema britânico e do português seguia a mesma inspiração mercantilista. O propósito de fixar, longe 
da pátria, o excedente demográfico teve um papel secundário.
Portugal e Inglaterra esperavam conseguir das colônias produtos para os mercados metropolitanos. 
Entretanto, a Irlanda enviou para a América as populações expulsas do campo em virtude da transformação 
do cultivo em pastagens, passo que caracterizou o despertar do capitalismo manufatureiro.
Portugal, na era seiscentista, estava sufocado pelo Estado absoluto, centralizador, armado de um 
estamento que consolidava a supremacia e o controle da realeza em todos os negócios, empresas, 
aventuras e planos.
Logo que, em curtos anos, os produtos de exportação ganharam o primeiro plano, a terra só conseguia 
ser trabalhada com grossos investimentos, sobretudo com a compra do escravo africano.
Num quadro válido para o açúcar e o café, no curso de trezentos anos, 
a terra representaria o valor de um décimo do valor da escravaria. Este 
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trânsito sugeria os capitais para o financiamento da empresa — com os 
banqueiros e negociantes de toda a Europa mobilizados nos empréstimos e 
adiantamentos (FAORO, 2001, p. 151).
Com a mudança de rumo ditado pelo contexto comercial da economia, houve reflexos sobre o 
sentido da propriedade territorial, que deixou de ser mera concessão administrativa para se tornar 
posse de fato.
Faoro recolheu testemunhos sobre esse início de colonização:
Nada mais surpreendente — dirá um escritor deslumbrado com a grande 
vida dos primeiros colonos — do que o estudo da vida e dos costumes da 
aristocracia rural do Sul e do Norte, durante os primeiros séculos coloniais, 
principalmente nos seus dois centros mais vivazes: Pernambuco e São 
Paulo. Dir‑se‑ia um recanto de corte europeia transplantada para o meio 
da selvageria americana. Tamanhas as galas e louçanias da sociedade, o 
seu maravilhoso luxo, o seu fausto espantoso, as graças e os requintes do 
bom tom e da elegância. [...] Da nobreza de Pernambuco, nos começos do II 
século, diz o autor do Valeroso Lucideno, que por miserável é tido entre ela 
quem não tem um serviço de prata, e que as damas são tão ricas nas vestes e 
nos adereços, com que se adornam, que parecem “chovidas em suas cabeças 
e gargantas as pérolas, rubis, esmeraldas e diamantes” [...] Entre os senhores 
de engenho é, ao que parece, por esse tempo, a vida uma perpétua festa, 
uma ininterrupta troca de folganças e prazeres (FAORO, 2001, p. 154).
O senhor de engenho, proprietário de latifúndios e escravos, opulento e liberal nos gastos, se 
incorporou a uma categoria social, a aristocracia ou a nobreza, de ordem rural. O fazendeiro, sempre 
vinculado ao açúcar, se transmutou em nobre, por analogia com o aristocrata europeu, que era também 
proprietário de terras.
Uma vez nobre, procurou educação e passou a exigir o poder político, que a Independência traria 
depois da manutenção por quatro séculos das acanhadas municipalidades. Há um trânsito entre essas 
estratificações, da riqueza à aristocracia e da aristocracia ao poder político. Contudo, uma simplificação 
completará a explicação do sistema: a nobreza territorial será sempre nobreza feudal. Faoro (2001) se 
pergunta se a colonização se processou sob o sistema feudal, com as chamadas colônias de plantação, ou a 
colonização brasileira, devido às circunstâncias, teria retrocedido à era feudal, estimulada pelas capitanias.
O caráter aristocrático teria origem nos donatários, realmente vinculados a pequenas casas nobres de 
Portugal. A conjugação de todos esses fatores, a forma de colonização, o enriquecimento, o transplante 
da nobreza e o retrocesso para um modelo histórico da sociedade portuguesa aconteceram por causa 
da dispersão territorial dos capitães e colonos. Como o rei estava distante, os donatários ganharam 
autoridade política. O primeiro século teria sido “o nosso século feudal de colonização” (FAORO, 2001, p. 
256), como o batizou Sílvio Romero, período que se prolongaria até o século XVIII, opinião generalizada 
de muitos até hoje em dia.
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Os direitos dos colonos livres e os deveres dos trabalhadores escravos eram ditados pela vontade e 
atos do donatário, na sua qualidade de chefe militar e chefe industrial, senhor das terras e da justiça, 
distribuidor de sesmarias e de penas, fabricador de vilas e empresário de guerras contra os índios.
Acima dos capitães‑governadores estava, de certo, o rei, naqueles poderes 
de que não havia feito cessão e outorga, e estavam as Ordenações e leis 
gerais do reino naquilo que não tinha sido objeto de determinações especiais 
nas cartas de doação e foral. Mas ficou visto e constatado que estas cartas 
deixavam quase completa soberania política aos donatários, nas respectivas 
circunscrições enfeudadas (FAORO, 2001, p. 156).
O autor pondera que os capitães‑governadores teriam sido os troncos de um novo sistema feudal, 
consolidado pela transmissão hereditária da propriedade e mantendo em suas mãos a soberania e a 
propriedade. Dessa base inicial, constituída da baixa nobreza portuguesa, o sistema teria sido adotado 
pelos senhores de terras, os latifundiários, sob o argumento de que a terra era o principal e mais 
importante meio de produção, mas não era.
A empresa de plantação da cana‑de‑açúcar tinha um nítido cunho capitalista, inserido dentro do 
capitalismo mercantil e politicamente orientado dentro do séculoXVI português. As relações entre 
os capitães‑governadores e o rei, como mais tarde entre os latifundiários e o governo, tiveram um 
cunho patrimonial, pré‑moderno. O donatário se caracterizava pela dupla qualificação de fazendeiro e 
autoridade, mas sem a fusão de ambas, pois essa fusão era incompatível com a ordem legal portuguesa 
que estava em vigor no século XVI.
O rei tinha delimitado as vantagens da colonização: reservava para si o dízimo das colheitas e do 
pescado; o monopólio do comércio do pau‑brasil, das especiarias e das drogas, e o quinto das pedras e 
metais preciosos pertenciam a ele. O governo português não punha no negócio das capitanias hereditárias 
o seu capital, que naquele momento estava comprometido em outras aventuras. Servia‑se dos nobres e 
ricos, com suas clientelas e parentes pobres, prometendo a opulência e o lucro fácil, típicos do pensamento 
capitalista, como também era capitalista a venda da ilusão de vida fácil na colônia para convencer os 
pobres. “Finalmente a propriedade rural brasileira tomou fôlego e se expandiu para a exploração de artigos 
exportáveis, ligados ao mercado mundial, pela via de Lisboa” (FAORO, 2001, p. 158).
A dívida, típica do processo de monocultura, indicava a projeção do sistema econômico da plantação. 
Como foi dito, a terra em si pouco valia no conjunto da empresa, valor relativo no século XVI e, ainda, no 
século XIX. A riqueza necessária para a empresa era o escravo. A maior parte da riqueza dos lavradores 
brasileiros consistiu por séculos em muitos escravos. A face econômica e mercantil do engenho, 
monocultor desde as suas origens, era a produção para exportação. Nesse sentido, lembramos aqui um 
dos slogans do Governo Militar do final do século XX: exportar é o que importa (FAORO, 2001).
Os primeiros donatários de capitanias não pretendiam povoar e colonizar, mas arrecadar depressa e 
de golpe a riqueza sem suor e com muita audácia. A plantação de cana‑de‑açúcar seria em outra escala 
o que fora antes o comércio da Índia e o que seria a febre do ouro mais tarde. Os donatários usavam 
a terra não como senhores, mas só para a desfrutarem e a deixarem destruída. A meta era o retorno 
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a Portugal, para a vida mansa e opulenta da corte, nas glórias de mandar e se fazer respeitado. Eram 
mercadores e agricultores provisórios, com vontade de voltar com títulos e brasões.
5.7 A política de sustentação do poder de Portugal
A política de rédeas curtas imposta aos potentados rurais aspirantes à autonomia da autoridade, 
por meio do sistema do governo‑geral, foi acompanhada de várias medidas. Uma carapaça burocrática 
que os prendia à metrópole e ao rei criou a cúpula da ordem política. Os reis buscaram, com as tradições 
portuguesas, as correntes de controle da vida local, instituindo conselhos e municípios. O município 
tinha sido criado como uma medida para controlar os excessos da aristocracia e arrecadar tributos e 
rendas. Como os senhores de engenho e fazendeiros ameaçavam se comportar de forma semelhante, 
a solução foi a mesma. O modelo serviu também ao povoamento, com a disciplina dos moradores. Esse 
velho mecanismo de luta do rei contra a nobreza se fortaleceu na colônia. Havia um paradoxo aparente, 
pois, para dominar as populações dispersas, foi fixado o estatuto do governo local.
Essa organização local tinha muitos pontos favoráveis, como a valorização do povo contra 
o aristocrata, a coleta de cobrança de rendas e tributos, a organização povoadora e, por último, o 
recrutamento de soldados para as necessidades de defesa. Todas essas virtudes eram úteis e tinham a 
aprovação histórica de muitos séculos.
Os primeiros municípios fundados no Brasil com o nome de vilas foram São Vicente e Piratininga 
(hoje em dia, Santos e São Paulo). A organização jurídica modelou o estabelecimento social e a 
empresa econômica.
A colonização e a conquista do território avançam pela vontade da burocracia, expressa na atividade 
legislativa e regulamentar. Desde o primeiro século da história brasileira, a realidade foi feita e construída 
com decretos, alvarás e ordens régias. “A terra inculta e selvagem, desconhecida e remota, recebia a 
forma do alto e de longe, com as ordens administrativas da metrópole” (FAORO, 2001, p. 174).
O conquistador não era, na verdade, um funcionário público, nem o plano expansionista tinha forma 
do planejamento moderno. Esse conquistador exercia atribuições públicas contratualmente fixadas, 
equipando a sua tropa, na maioria das vezes, à sua custa ou por conta do Estado. O primeiro ímpeto dos 
bandeirantes paulistas se deveu ao estímulo do sétimo governador‑geral do Brasil (1591‑1602), Dom 
Francisco de Sousa, que buscava descobrir pedras e metais preciosos. Ele dotou as expedições de uma 
estrutura oficial, com soldados, ouvidores do campo e escrivães, seguindo trajetos preestabelecidos. 
O governador Dom Luís de Sousa manteve a mesma política. “Enquanto o ouro e os diamantes não 
apareciam, a captura de índios para a escravidão custeava as expedições, capaz de remediar a pobreza 
da agricultura policultora e de subsistência do planalto paulista” (FAORO, 2001, p. 184).
Na primeira metade do século XVII, as proibições reais impediam a escravização, aceita somente caso 
houvesse uma “guerra justa”. Contudo, isso era fácil de justificar, pois os jesuítas tinham organizado os 
índios da bacia do Rio da Prata contra as ordens do rei. São Paulo começou uma vigorosa corrente de 
comércio de escravos indígenas que alcançava o Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. O valor do escravo 
índio era de um quinto do escravo negro, valor que subiu um pouco quando as guerras holandesas 
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fecharam as fontes africanas de mão de obra. A escravidão ainda não enriquecia os paulistas, pois os 
bandeirantes não poderiam se equiparar, pela riqueza, aos senhores de engenho. A opulência só viria no 
século XVIII, com a mineração.
A vida indômita do conquistador bandeirante, entrando na mata, pagando com seu dinheiro o 
equipamento da tropa, criou uma forma especial de sociabilidade e um contexto próprio de relações 
com o poder público.
Por parte da Coroa, o recrutamento era fácil, tendo em conta o amor dos colonos pelos títulos 
militares e honrarias que eram prometidos em troca de serviços. Formou‑se, assim, uma poderosa 
camada de potentados, cujo poder não vinha do engenho de açúcar, nem da riqueza do latifúndio, mas 
da força militar. A pobre sociedade policultora paulista não criava senhores ricos como no Norte, mas 
experimentados cabos de guerra em um momento em que a terra pouco valia.
A origem do poder estava na quantidade de gente armada ou na capacidade de organizar uma 
companhia ou uma bandeira. Os conquistadores e bandeirantes foram os caudilhos coloniais que tentaram 
se equiparar à aristocracia. A nobreza paulistana era, antes de tudo, uma nobreza guerreira. Apenas nos 
séculos XVIII e XIX, com o gado, as minas e o café, que ela se tornou rica. Essa aristocracia de guerreiros do 
sertão tinha, por isso, a preferência nos cargos da governança. Os relatos feitos à Sua Majestade exageravam 
seus grandes feitos no sertão. As notáveis lutas dos bandeirantes resultavam em um grande número de 
índios aprisionados, tribos inteiras destruídas ou castelhanos escondidos que tinham sido postos em fuga. 
O fato de serem pobres ou ricos pouco importava para isso. Nesse ponto, os paulistas antecipam em dois 
séculos o que foi depois a rude aristocracia dos pampas do Rio Grande do Sul.
O rei Dom Afonso VI escreveu ele mesmo a Fernão Dias Pais, em 1664, incitando‑o a ajudarum 
enviado na descoberta das minas, prometendo que: “hei de ter muito particular lembrança de tudo que 
obrardes nesta matéria, para fazer‑vos a mercê e honra que espero me sabeis merecer” (FAORO, 2001, 
p. 191). Essa carta era parecida com a “carta de mercê”, na qual Mem de Sá comissionou Vasco Roiz de 
Caldas para uma expedição mineradora, um século antes. Fernão Dias Paes Leme, de 1664, é o mesmo 
de 1672 que, mediante carta patente conferida pelo governador, saiu em busca das esmeraldas, com o 
título de “governador das esmeraldas”. As bandeiras, com exceção de raras iniciativas não autorizadas 
de aventureiros, eram recrutadas e organizadas pelo governo, sobretudo nos cinquenta anos que 
precederam à descoberta das minas de ouro.
O chefe e os oficiais saíam com patentes assinadas pelo governador. Chamava‑se adjunto 
aquele que, como substituto no comando, reunia também o caráter de sucessor do chefe caso 
este morresse ou abandonasse a comitiva. Essa patente conferia o posto de tenente‑general. 
Nesses empreendimentos, a bandeira era do rei, entregue solenemente ao chefe ou governador, 
que ficava consagrado como seu representante.
As próprias bandeiras de Raposo Tavares, que vararam o Brasil do Rio Grande do Sul ao Pará, tiveram 
o caráter de “oficialidade explícita ou implícita”, com aprovação dos seus atos. Não seria crível que a 
Coroa tolerasse profundas incursões no território, sem reação. Portanto, a cumplicidade do rei existia, 
pois, mesmo quando não estava expressa, era manifesta.
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A administração local, a única parcialmente brasileira, era autônoma para pequenas obras, como uma 
ponte ou uma estrada vicinal. Segundo Faoro (2001), a sociedade brasileira não se tornou portuguesa 
em seu processo de tomada de consciência, mas também não se apropriou do papel do governo. Para o 
autor, a sociedade local criou uma dependência passiva de Portugal. O Estado não era percebido como 
o protetor dos interesses da população, nem defensor das atividades dos particulares. Faoro (2001), 
descreve o Estado como um monstro sem alma, titular da violência e impiedoso cobrador de impostos. O 
Estado atuava como recrutador de homens para empreitadas com as quais ninguém se sentia solidário. 
Ninguém colaborava com o Estado, só aqueles que buscavam benefícios escusos e de cargos públicos, 
considerados adesistas a uma potência estrangeira. Aqui, o autor tenta identificar como o brasileiro 
comum reage à presença do Estado, sempre visto como uma ameaça mais do que como algo em que a 
população está incluída.
Os “homens bons” compreendiam, com liberdade de expressão, além dos nobres de linhagem, os 
senhores de terras e engenhos, a burocracia civil e militar e, paulatinamente, os burgueses comerciantes. 
Os Livros da Nobreza, guardados pelas Câmaras em Portugal, recebiam novos registros e inscrições 
progressivas, sem eliminar a categoria aristocrática. Não demorou muito para que os títulos de nobreza 
fossem vendidos para a burguesia enriquecida, ato que sofreu indignação das velhas linhagens nobres.
Os senhores de engenho e os moradores locais se entrosavam no governo como auxiliares e agentes, 
mas só podiam atuar regionalmente para que não fugissem do controle dos superiores. Eles eram 
integrados na administração municipal na figura de vereador para atender aos interesses comuns. Com 
a progressiva autonomia do poder doméstico, a outorga de autoridade se constituiu como uma ameaça 
à disciplina das ordens de Lisboa. Quando isso acontecia, a camada governante intervinha com uma 
repressão violenta e impiedosa. Também tentavam o caminho conciliador, com o ajuste dos rebeldes 
à ordem política. Esses dois movimentos foram uma constante do período colonial, e essa forma de 
fazer política, para Faoro (2001), foi legada ao Império e à República como mecanismo permanente de 
ajustamento das tensões.
O rei Dom João IV (1640‑1656) começou uma centralização repressiva, que o regime de exploração 
das minas de ouro, na virada do século XVIII, veio consolidar. Essa permissão complacente da metrópole 
com as câmaras municipais e com os caudilhos rurais chegou bruscamente ao fim. Seus interesses 
tinham mudado, inspirados politicamente pelo absolutismo vitorioso na Europa e pela volta da política 
mercantilista, movida pelo comércio comandado pela nobreza burocrata. As câmaras municipais e 
seus “Senados da Câmara” se converteram em órgãos menores da administração geral das capitanias, 
subordinados verticalmente a Lisboa. O capitalismo comercial português passou os primeiros cem anos 
de exploração da costa brasileira aliado ao latifundiário e ao senhor de engenho. Durante a União 
Ibérica, esse capitalismo afastou os comerciantes portugueses do Brasil com um elenco de medidas 
econômicas que favoreceram outras camadas, os cristãos‑novos e o próprio Estado.
O mais poderoso instrumento da política portugesa foi a Companhia Geral do Comércio para o Estado 
do Brasil, criada em 1647 por sugestão do padre Antônio Vieira, que associou à empresa os capitais dos 
cristãos‑novos de origem portuguesa espalhados pela Europa. A Inquisição se opôs à Companhia com 
medo do que as ameaças dos interesses puramente mercantis pudessem causar contra o estamento 
eclesiástico e aristocrático.
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Por conta desses privilégios e restrições, o sistema sufocava qualquer iniciativa colonial, atrelando 
sua economia à metrópole, o que atingiu o ponto extremo de opressão com a descoberta das minas e 
dos diamantes. Faoro (2001) percebe que a centralização colonial começou muito antes das descobertas 
das minas, impulsionada pelo absolutismo e pela necessidade de trazer recursos a Portugal libertado da 
União Ibérica. A metrópole só não faliu por causa do ouro brasileiro.
Ainda de acordo com o autor, os portugueses simplesmente viam a costa brasileira como um 
prolongamento de Portugal, uma expressão do seu domínio do Oceano Atlântico. A agricultura brasileira 
dos primeiros séculos, cultivada à beiramar, estava ligada ao movimento dos comerciantes de Lisboa 
e do Porto, associados à burocracia que vivia agarrada ao manto do rei. Essa dependência, que Faoro 
percebe que em nossa historiografia, foi escondida em favor do brilho enganador da opulência tropical 
do senhor de engenho e do latifundiário e decorria da própria situação de colônia do Brasil, presa e 
sugada pela economia barroca da época.
5.8 A burocracia, os militares e os padres moldaram o Brasil
Os jesuítas que Tomé de Sousa tinha trazido na sua expedição não se deixaram seduzir pela imagem 
cristã da inocência, sugerida pela carta de Pero Vaz de Caminha. Seu primeiro feito foi reduzir o índio 
à paz, pela persuasão ou pela força, porque deixá‑los viver à sua maneira significava uma afronta aos 
ensinamentos de Cristo e uma desonra à nobreza portuguesa. Para Faoro (2001), até Anchieta acreditava 
que os índios haviam de se converter mais por temor do que por amor. A catequese só seria possível, 
diante das resistências dos índios, com a colaboração do poder militar. O plano da colonização, no 
qual se integrava o amansamento do indígena e a expansão escravizadora, supunha que os colonos se 
armassem, tal como recomendava o Regimento de Tomé de Sousa. Contudo, a projetada aliança entre 
missionários e colonos não vingou, rompida por interesses divergentes e minada pela supremacia do 
poder civil, ao qual os conquistadores se mantiveram mais próximos. Era necessário um passo a mais: a 
conquista territorial do sertão e o domínio dos indígenas de natureza hostil, assim como dos bichos e 
terrores que habitavam a floresta.Esse passo coube à iniciativa oficial, diretamente voltada aos sertões 
do Rio São Francisco, que deveriam trazer as riquezas alimentadas pelas lendas e pela crendice.
O bandeirante conquistador foi basicamente um militar, comissionado nessa categoria ou com seu 
cargo atribuído à milícia. O militar era mais um guerreiro do que burocrata no sistema dos séculos 
XVI e XVII. Suas iniciativas obedeciam a uma vontade das Cortes, mas se alimentava das vantagens 
pessoais, capazes de equipar a tropa e assegurar o lucro da atividade. Não seria difícil de acreditar que 
o desbravamento dos sertões e a escravização do índio, atos que, em princípio, requeriam autorização 
real, pudessem ter acontecido sem a anuência das autoridades.
Mesmo que a forma da unidade guerreira lembrasse francamente o sistema empregado contra os 
árabes, com a força militar confiada aos barões e às vilas, a vigilância e o comando central impediam 
qualquer resquício do anacrônico feudalismo. Desde a Idade Média que Portugal conhecia a bandeira, 
composta de 36 homens, e as várias bandeiras agregadas, que constituíam uma companhia. Contudo, 
sua atuação dispersa no território sugeria alguns traços de autonomia mal tolerada; portanto, havia 
a clara noção de que, nas bandeiras, o chefe e comandante era o rei em pessoa. Essa foi a origem do 
exército português, com o serviço de ordenança ou de milícias, introduzido por Dom Manuel. Mais 
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tarde, o termo bandeira se confundiu com a companhia. Diogo do Couto (apud FAORO, 2001, p. 189), no 
século XVI, conta que, em Goa, na Índia, onde os soldados recebiam uma matrícula, se deveriam fazer 
“bandeiras de ordenanças”, cujos capitães seriam recrutados entre os “mais velhos e honrados fidalgos”, 
que escolheriam os “sargentos, caporais e mais oficiais”.
Essa organização foi melhorada com o Regimento dos capitães‑mores e mais capitães e oficiais das 
companhias de cavalo e de pé, editado em 1570, por Dom Sebastião, uma verdadeira lei básica da milícia 
portuguesa, adotada na Índia e no Brasil. A bandeira tomou, por ordem das prescrições régias, o caráter 
de companhia militar, passando a caracterizar no Brasil a bandeira sertanista.
Em São Paulo, a partir do final do século XVI, os capitães das milícias ou dos soldados da ordenança 
eram também os capitães das entradas. Essa forma militar se adaptou à colônia, primeiro para a defesa, 
e depois para a conquista. O grosso da tropa era compostao de indígenas. De local, a bandeira só tinha 
o contingente humano, com o aproveitamento do espírito guerreiro das tribos tupi.
A origem do poder estava na quantidade de gente armada e na capacidade de organizar uma 
companhia ou uma bandeira. Esses conquistadores e bandeirantes formaram os caudilhos coloniais, 
que, por liberade de linguagem, se equiparam à aristocracia. Essa “nobreza paulistana” era antes de tudo 
uma nobreza guerreira.
O episódio Castelo Branco‑Borba Gato mostrou como eram as relações entre a administração da 
Coroa e os conquistadores. Em 1677, o soberano, desconfiado de que as minas já eram uma realidade 
por causa das informações enviadas por Fernão Dias, nomeou um administrador geral das minas, o 
fidalgo espanhol Dom Rodrigo Castelo Branco, assessorado por um tesoureiro‑geral. Sua missão foi 
disfarçada de assistência ao bandeirante paulista, mas consistia realmente em assumir ele próprio a 
direção das pesquisas para que a iniciativa oficial com dinheiro privado se sobrepusesse à ação da 
Coroa. Quando o funcionário chegou ao sertão, Fernão Dias já tinha morrido e sucedido no comando da 
expedição por seu genro, Borba Gato. A discórdia cresceu entre os dois quando Rodrigo Castelo Branco 
levantou suspeitas sobre a competência da administração de Borba Gato.
Dom Rodrigo foi morto pelos pajens de Borba Gato em um encontro no qual estava combinado que ninguém 
levaria armas. Faoro (2001) menciona outro movimento pouco evidente dessa sociedade nascente: era de se 
esperar que os caudilhos paulistas rompessem com a metrópole, solidários com o bandeirante. Mas, na verdade, 
os chefes paulistas, atemorizados com a repressão da Coroa, abandonaram Borba Gato, que passou a vagar nos 
sertões remotos acolhido pelas tribos indígenas. A própria Câmara de São Paulo, tão altiva nas questões menores, 
votou uma denúncia formal contra o bandeirante, o que o deixou perdido e abandonado.
Foi negociado um perdão, desde que Borba Gato revelasse o local das minas. Assim, a Coroa esqueceu 
o crime e reincorporou o fugitivo com honras e sesmarias e transformou o bandido em herói.
Em 1720, a revolta de Vila Rica contra a Coroa por causa da proibição do comércio do ouro em pó 
foi a resposta ao desligamento dos caudilhos de suas funções públicas; a reação da Coroa foi cassar 
os títulos militares. Os paulistas já não serviam aos propósitos da metrópole, pois tinham se aliado aos 
mineradores, já que eles próprios eram mais mineradores do que funcionários da Coroa.
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O Estado estava fascinado pelos tributos e pelos 20% de imposto, o quinto, que era sua parte nos 
metais. A obrigatoriedade de fundir o ouro nas casas de fundição do rei foi a forma de fiscalizar a 
produção do ouro. O conde de Assumar, com os dragões de cavalaria a seu serviço, que eram soldados 
recrutados em Portugal, impôs aos chefes locais o seu declínio. A ordem foi restabelecida, pois a lei é a 
lei do reino e não a dos sertões.
Onde havia riqueza e agitação, para lá se deslocava a autoridade. Em 1710, foi constituída a 
capitania de São Paulo, separando‑se a de Minas Gerais em 1720, com a criação intermediária, em 
1713, da capitania do Rio Grande do Sul. Em cada capitania, o poder armado obediente a Lisboa calava 
os rebeldes e velava pela parte do rei na exploração das minas de ouro. No norte do País, houve uma 
reprodução do que acontecia com a administração do sul. O senhor de engenho e o fazendeiro não 
eram mais os aliados do soberano. Os comerciantes tinham mais atenção por parte das autoridades, 
e os grandes senhores perderam os antigos privilégios, pois tinham se tomado de comportamentos 
perigosamente próximos dos usos aristocráticos. O rei queria súditos e não senhores, soldados e não 
caudilhos. As minas aceleraram a disciplina no Brasil, já que o soberano mantinha as rédeas firmes e 
curtas. O patrimônio real, preservado pelo estamento burocrático, esqueceu os antigos serviços e adotou 
novos aliados para espalhar seus tentáculos pela imensa colônia. A máquina administrativa se tornou 
um órgão de controle com feições de polícia, que usava a espionagem para seus fins. Isso era feito para 
levar dinheiro a Portugal e alimentar a corte e os nobres, os funcionários e os mercadores portugueses. 
Para tanto, eram enviadas tropas portuguesas para o Brasil.
Esse ímpeto do controle fiscal e do patrimônio real determinou o fim de todas as autoridades 
de origem brasileira. As milícias de recrutamento nas vilas e nos sertões cederam lugar aos efetivos 
portugueses a partir de 1709. O Senado da Câmara Municipal foi reduzido a um departamento auxiliar 
dos senhores que governavam a capitania, determinados pelo poder central e escravos do rei.
Os senhores territoriais brasileiros e a plebe urbana cultivavam, na insubmissão impotente, um 
oposicionismo difuso, calado, temeroso da reação violenta da Coroa. Faoro (2001), então, conclui que 
naquele momento criou‑se em toda parte um sentimento de rebeldia, que aparecia na forma de um 
estranho conflito interior, pois a vontade animosa na propaganda e na palavra tornava‑se fraca na ação 
e arrependida na hora das consequências.“O inconfidente teria sido na sua visão o protótipo do homem 
colonial: destemperado e afoito na conspiração, tímido diante das armas e, frente ao juiz, um herege 
que renunciava ao pecado, saudoso da fé” (FAORO, 2001, p. 197).
De norte a sul, os centros de autoridade eram sucursais obedientes de Lisboa. O Estado, que tinha 
sido imposto à colônia antes que ela tivesse povoação, permanecia íntegro, reforçado pela força militar 
portuguesa toda vez que a sociedade brasileira ousasse romper a casca do ovo que a aprisionava.
Entretanto, a colônia preparou nos séculos seguintes uma herança que as leis, os decretos e os 
alvarás não conseguiram deter. Os golpes contra a burocracia, ao mesmo tempo que bradavam contra a 
corrupção, fizeram nascer um embrionário nacionalismo no Brasil. Os protestos tinham fundamento na 
repulsa da burguesia comercial e nos interesses brasileiros, já conscientes da exploração metropolitana. 
Em todos as revoltas, a denúncia queria mostrar que o domínio do funcionário real se dava contra os fins 
ideais do soberano, mas era coerente com o patrimonialismo que ele dirigia. Faoro (2001) percebe que o 
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burocrata no Brasil furtava e drenava o suor do povo porque a seu cargo estavam também os interesses 
materiais da colônia e do reino. O súdito não era apenas o contribuinte, mas a vítima do empresário que 
cobrava os tributos, a vítima dos monopólios e das atividades da metrópole. Dessa percepção estava 
afastado apenas o padre, que, em princípio, era meramente um recebedor de subsídios.
Um problema de domínio se tornou um problema de conciliação. A conciliação entre a unidade 
do governo e a tendência regionalista e desintegradora foi resolvida pela camada dos fiéis agentes do 
rei e dos funcionários. Esse círculo de privilégios e honras confere mando, superioridade e fidalguia. O 
cargo público transformou seu titular em portador de autoridade. Acabou também conferindo a esses 
funcionários a marca de nobreza por um fenômeno de interpenetração inversa de valores, o que se deu 
porque o emprego público era, ainda no século XVI, uma atribuição exclusiva do nobre de sangue e 
seu exercício infundia o acatamento aristocrático aos súditos. Segundo as Ordenações Filipinas, para a 
investidura em muitas funções públicas era condição essencial que o candidato fosse “homem fidalgo, 
de limpo sangue” ou de “boa linhagem”. Nas Câmaras Municipais, se exigia igual qualificação para a 
escolha dos vereadores entre os “homens bons”, embora na realidade essas exigências fossem muitas 
vezes ignoradas.
Faoro (2001) percebe que, com esse sistema, a burguesia não subjugou, nem aniquilou a nobreza, mas 
incorporou a nobreza à burguesia, aderindo‑a a sua consciência social. O que no início gerava tensão 
entre essas duas camadas, com o tempo se tornou uma forma de ascensão social, com os burgueses 
se tornando nobres. O caminho que atraiu todas as classes, fundindo‑as ao estamento que dominou 
Portugal, foi o cargo público, instrumento de composição e controle das conquistas pelo soberano.
O autor desenha um esquema vertical da administração pública colonial: no topo está o rei, depois 
o governador‑geral (vice‑rei), os capitães (capitanias) e as autoridades municipais. Contudo, mesmo que 
os assuntos brasileiros estivessem entregues a essa burocracia, havia uma larga parcela de arbítrio do 
setor privado, que usurpava as funções públicas. Houve um espaço entre a autoridade real e ministerial 
e seus distantes e abandonados oficiais da Coroa no Brasil, espaço que foi ocupado pelo setor privado. 
Mas isso não deu origem a nenhuma forma de governo autônomo local ou ao exercício de liberdades 
municipais. Criou‑se de fato um governo local, sem lei e sem obediência, que ensinou ao setor público a 
discrição, a violência e o desrespeito ao direito. Para Faoro (2001), esse foi mais um dos hábitos criados 
pela forma de administrar a colônia.
Com a ineficiência do poder público na colônia, o privatismo e o arbítrio burlaram essa autoridade. 
Isso aconteceu no Brasil por muitos séculos, criando a tradição do exercício privado de funções públicas 
e o exercício público de atribuições não legais. Segundo Faoro (2001), o déspota colonial e o potentado 
privado nascem dessa falta de controle sobre eles. Ainda que primeiro o governador‑geral e, a partir 
de 1640, o vice‑rei tivessem poderes escritos de grande profundidade e alcance, eles não conseguiam 
subjugar as capitanias e as autoridades locais. A transferência do governo‑geral para o Rio de Janeiro, 
em 1763, só completou um ciclo da perda de domínio sobre os municípios e as capitanias.
A vila era a base da pirâmide de poder, administrada pela Câmara ou pelo Senado da Câmara. As 
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas regularam essa unidade de governo, nascida das preocupações 
fiscais do soberano, com o estímulo dos militares e da defesa, mas sempre sem demonstrar nenhuma 
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vontade de autonomia da colônia, como aconteceu finalmente no Estados Unidos. Faoro denuncia que 
há, desde o século XIX no Brasil, muitas lendas criadas pelos historiadores e pela doutrina liberal, que 
embelezaram a história do Brasil, mas esquecendo‑se de fato como funcionava a monarquia portuguesa.
A eleição da câmara municipal, feita pelo povo, assegurava o vínculo entre este e a administração 
pública, toda ela obediente ao rei. O colégio eleitoral se compunha de “homens bons e povo, chamado 
a Conselho”, o que supunha um número restrito de eleitores, reduzido aos tais “homens bons”. Essa 
expressão, de significado incerto, usada em vários sentidos nas leis portugesas, tem origem muito antiga. 
Segundo Alexandre Herculano citado por Faoro (2001), o vocábulo “homens‑bons” (boni‑homines), 
quando não especificava os nobres, era aplicado aos indivíduos não nobres que possuiam hereditariamente 
a propriedade livre; essa expressão pode ser encontrada em atos judiciais, qualificando tanto os indivíduos 
mais respeitáveis das classes nobres, quanto privilegiados. Os homens bons e as pessoas do povo que 
podiam votar eram qualificados em cadernos, nos quais se escreviam seus nomes e qualificações com 
todos os detalhes possíveis, para que fosse possível verificar se eram pessoas idôneas, de acordo com as leis 
e os costumes da época. Juízes e corregedores verificavam quem estava apto para concorrer às eleições.
Para Faoro (2001), a designação de “homens bons” manteve uma escolha da superioridade 
institucional que tanto tinha inspirado no passado os conselhos portugueses, pois era necessário 
qualificar os proprietários e burocratas em domicílio na terra, bem como seus descendentes, nos “Livros 
da Nobreza”, ligando‑os assim à máquina política e administrativa do Império.
O quadro administrativo da colônia se completava com a presença de quatro figuras que acentuavam 
e reforçavam a autoridade metropolitana: o juiz, o cobrador de tributos e rendas, o militar e o padre. 
Com a máquina judiciária, entraram em cena os advogados, dos quais um documento colonial se queixa 
pelo “tanto trocar, tanto mentir, tanta trapaça, que só faziam acarretar bacharéis à pobre província”. O 
advogado, o letrado por excelência do ordenamento jurídico da metrópole, seria o mais fiel agente da 
rede centralizadora e a manifestação hostil contra eles demonstrava o ponto vulnerável da administração 
colonial (FAORO, 2001, p. 222).
Em Minas Gerais, os Dragões de Cavalaria, tropa portugesa de primeira linha, recebia seu soldo 
dos dízimos reais, cujo contrato vinculava expressamente o resultado da cobrança de impostos ao 
destino dessa despesa.O soldado foi, assim, obrigado a se tornar um burocrata profissional. A nova 
estrutura militar, ao profissionalizar o soldado, liberou o rei da última dependência dele com a nobreza, 
transformando o exército em organização permanente. Na reserva desses militares remunerados, e daí 
surgiram profundas consequências para o Brasil, formou‑se um corpo de soldados não pagos, cujas 
origens foram as milícias não nobres das localidades, mas que deviam obediência ao soberano, em linha 
reta. Eram as companhias de ordenança, com os oficiais escolhidos por eleição dos soldados, sistema que 
depois foi substituído pela nomeação dos governadores.
No século XVIII, as milícias ocuparam o lugar de forças brasileiras, braço longo dos governadores, ao 
lado e sob o comando da tropa regular. Foram o início e a explicação das atuais polícias militares estaduais, 
que até hoje atuam como força armada. Quando aconteceu a Independência, a velada rivalidade entre a 
tropa oficial portuguesa, leal à metrópole, e as milícias de formação e origem nacionais se transformou 
em luta aberta. A Divisão Auxiliadora do Rio de Janeiro e o Exército de Madeira na Bahia, forças militares 
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oficiais de Portugal, foram um eficaz obstáculo à Independência, enquanto os milicianos de São Paulo 
e Minas Gerais marcharam de suas províncias para socorrer o príncipe Dom Pedro, como haviam feito 
algum tempo antes nas lutas do sul contra os espanhóis. Desse início comum, nasceu um novo exército 
e uma nova força auxiliar, o Exército e a Guarda Nacional, que, a partir de 1831, incorporam as milícias 
e as ordenanças.
O corpo militar, nos seus graus de oficial, infundia nobreza, equiparando a milícia, e depois a Guarda 
Nacional, às tropas regulares para os efeitos de honras aristocráticas. Os filhos dos oficiais podiam 
ingressar na tropa regular como cadetes, privilégio antes reservado à nobreza. A tropa auxiliar servia 
ao comando dos governadores, que a utilizavam para o despotismo e para marcar a autoridade, muitas 
vezes transformada em autoritarismo. A organização militar constituiu uma “casta privilegiada”, com 
poderes para fugir da justiça comum, pois foi confiada aos militares a tarefa de exigir o pagamento de 
tributos, quintos e contribuições. A tropa regular e os auxiliares, segundo um documento da época, ao 
encontrarem um oficial de justiça, passavam a cumprir com gosto suas obrigações.
Sem as milícias, o tumulto teria se instalado nos sertões afastados, nas vilas e nas cidades. Por 
outro lado, o mandonismo local aumentou, ocasionado por uma precária vigilância superior dos 
dirigentes da capitania. A nobilitação das milícias era motivo de zombaria dos fidalgos e dos letrados 
incorporados à aristocracia. As prescrições antigas de sangue limpo, de avós de linhagem pura, de 
pele branca, perderam o vigor. Muitos mulatos conquistaram postos elevados, e até mesmo negros, 
graças às suas proezas na guerra pernambucana contra os holandeses. O mulato ganhava atestado de 
brancura com o posto de capitão‑mor.
A organização militar constituiu a espinha dorsal da colônia, elemento de ordem e disciplina, força 
auxiliar na garantia da cobrança dos tributos e dos privilégios reais. O caráter, a postura vertical e 
os padrões europeus de ética foram infundidos pelos padres, sobretudo pelos jesuítas. O missionário 
tinha duas tarefas diante de si, a conquista espiritual do indígena e o domínio do branco, contendo o 
deslumbramento do português diante da presa sexual e da presa apta ao trabalho não pago.
A obra do missionário era domar o indígena e promover com a catequese sua integração à cultura 
europeia para assegurar a submissão da raça inferior. Junto com o padre, aparecia o soldado e, em seguida, 
o colono traficante de escravos. A conversão ao catolicismo tinha como meta integrar o índio à fazenda 
agrícola, ao engenho e à servidão doméstica. O colono queria o índio convertido em mão de obra barata, 
em escravo, mas escravo com os sentimentos humildes do bom cristão, modelado pelo missionário. Isso era 
feito principalmente pelos padres franciscanos, menos intransigentes que o jesuíta. A colonização sempre 
acompanhava a catequese e, posteriormente, os índios cristãos eram sujeitos aos brancos.
Contudo, os jesuítas não tardaram a perceber o engano fundado em duas hipóteses falsas, que 
eram a mansidão do indígena e a moderação do colono. O colono queria braços e concubinas. O índio, 
arrancado de seus costumes, reagia com ferocidade contra o branco. Para os jesuítas, aquela solução 
era apenas a barbarização do branco e a degradação do indígena. O isolamento do índio, entregue 
a si próprio, vinculado ao português por meio de alianças militares e com a divisão das tribos rivais 
para equilibrar seu poder, parecia traição à missão de Deus. Os jesuítas resolveram, então, promover 
uma segregação vigiada, por exemplo, com os aldeamentos. Para poder alcançar os sertões e invadir o 
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interior, sem esperança de que consiguiriam isso pela persuasão pacífica, decidiram abrir o caminho à 
força, com um plano em que estava implícita a obediência do soldado ao padre, cabendo a este legitimar 
o cativeiro. O Padre Manuel da Nóbrega, em 1558, lançou as bases de seu plano colonizador, no qual a 
espada tinha papel de destaque.
Na teoria, a obra missionária buscava evitar que o indígena comesse carne humana, mantivesse uma 
guerra permanente contra os portugeses e vivesse livre no sertão. Os índios teriam de se vestir e adotar 
a monogamia, com o afastamento das crianças do mau exemplo paterno. Muitos, uma vez crescidos, 
fugiam para o sertão, abandonando a fé e os preceitos cristãos. Entretanto, os colonos não queriam 
cristãos, mas escravos. Tudo o que os padres jesuítas não deixavam acontecer com os índios, permitiam 
que fosse feito com os negros africanos.
Assim começou a maior disputa colonial entre os jesuítas e os colonos, entre os jesuítas e os 
bandeirantes, entre os jesuítas e as câmaras municipais, entre os jesuítas e as milícias e, por fim, entre 
os jesuítas e o governo do rei. Os jesuítas reclamavam com o rei que a adoção de constumes indígenas 
pelos colonos era devido à sua baixa extração social. Então, pediam ao rei para mandar ao Brasil homens 
de melhor origem. Segundo Faoro (2001), os jesuítas pediam por “melhor gente”, gente rica capaz de 
comprar escravos importados da África. Isso fez com que nas regiões onde só haviam colonos brancos 
pobres, que não tinham como adquirir escravos negros, a luta contra os jesuítas fosse constante, até 
conseguirem a sua expulsão.
Os jesuítas perderam a batalha para libertar o índio. O Estado português não permitia outro poder 
senão o de sua administração e acabou com os planos de uma teocracia no sertão. Também os jesuítas 
não conseguiram evitar a adoção de costumes indígenas pelo branco, nem seu desenfreado gosto por 
muitos braços escravos, nem a submissão às superstições, nem a conquista de muitas mulheres com o 
puritano modelo de família. Contudo, eles venceram a guerra, pois o padrão europeu e católico de moral 
se transplantou na conquista portuguesa, padrão na verdade nem sempre obedecido na consciência, mas 
respeitado na sua conduta pública. A cultura nativa deixou traços, reminiscências e resíduos. Segundo 
Faoro (2001), a conciliação das duas culturas seria impossível, como também teria sido impossível uma 
permanência separada dos indígenas no Brasil. Segundo ele, em todos os tempos, as culturas, quando 
se encontram, combatem; uma perde, e, em um permanente processo de trituramento interior, sobra a 
nostalgia idealizadada civilização perdida e soterrada, longínqua e morta.
Faoro (2001) evidencia sua posição, pois acredita que os costumes indígenas e negros nada puderam 
contra o núcleo europeu de cultura que a língua e a ética expressaram. Para o autor, os jesuítas criaram 
uma barreira à desintegração da herança cultural portuguesa e cristã de que eram depositários e de 
que foram, na colônia, os mais autorizados representantes e os propagadores mais ardentes. Contudo, 
reconhece que, apesar de todo o esforço, não conseguiram neutralizar as influências que foram enormes 
das duas culturas, a indígena e, sobretudo, a africana. Afirma, ainda, que os jesuítas conseguiram contê‑las 
bastante para que a unidade cultural não se dissolvesse ou quebrasse sob a pressão permanente de uma 
extraordinária diversidade de elementos heterogêneos.
A influência da Igreja teve um preço que a cultura brasileira paga até hoje. A espontaneidade da 
criação artística, a incorporação da ingenuidade literária na obra culta e o vínculo vivo entre povo 
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e os letrados ficaram comprometidos. O padre, embora impelido para uma constelação autônoma 
de valores, e relutante a se subordinar à ordem civil, contribuiu para reforçar a tendência de 
concentrar, em poucas mãos e em uma camada homogênea de comando, a direção da vida espiritual, 
autoritariamente fixada e congelada.
O autor nos lembra que uma outra corrente, aberta à ciência experimental e engrossada pelo 
liberalismo, já nos dias da Independência, tentou desacreditar essa influência. Contudo, prevaleceu um 
embate entre a cultura popular e a disciplina culta, o que, segundo Faoro (2001), permitiu até hoje que 
o mundo da cultura permaneça importando ideias culturais mais novas e mais vistosas.
Uma imensa cadeia, formada desde o rei até a colônia, penetrou em todas 
as atividades. O plantio de cana, a extração de madeiras, a lavra das minas, 
tudo obedeceu aos interesses fiscais do Estado. A consciência do homem e 
suas expressões políticas eram controladas pelos censores informais, que 
eram o padre e o funcionário. Se burguesia se enobreceu com a compra de 
cargos públicos, os pardos e os negros se afidalgaram com o uniforme das 
forças paramilitares. O cargo público domesticou as turbulências, obrigando 
a submissão ao soberano. O velho e tenaz patrimonialismo português 
desabrochou na ordem estamental, cada vez mais burocrática no seu estilo 
e na sua dependência. O rei, através de seus delegados e governadores, 
dominou as vontades. Como escreveu o padre Antônio Vieira, “neste Estado 
há uma só vontade e um só entendimento e um só poder, que é o de quem 
governa”. O poder é o poder, e esta era a fórmula dominante ainda no 
reinado de Pedro II, que foi o primeiro que falou em nome de uma ficção: o 
povo (FAORO, 2001, p. 242).
 Observação
Faoro (2001) chama o povo de “ficção”, pois considerava que ele nunca 
pode participar de fato dos destinos do País.
5.9 A descrição da Independência do Brasil
Depois de dois séculos ocupada em produzir açúcar, lavrar ouro, cultivar cana e tabaco, pastorear 
gado, junto com as funções militares e burocráticas, a própria estrutura da empresa rural tomou outro 
aspecto. O grande senhor converteu‑se em senhor de rendas, e a fazenda monocultora assumiu o caráter 
de latifúndio quase fechado. O prestígio das delegações de autoridade se transformou no prestígio do 
senhor de um pequeno reino, que produzia quase tudo.
Nos últimos vinte e cinco anos do século XVIII, uma crise determinou a mudança de rumo. A exportação 
caiu, em termos absolutos e em termos per capita, por efeitos que não podem ser apenas atribuídos ao 
esgotamento das minas. Junto com o colapso da produção do ouro, veio uma diminuição das exportações 
do açúcar. A renda per capita teria caído de 30 libras‑ouro em 1600 para 3 libras em 1800.
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A participação percentual da exportação na renda interna, que era de 80% em 1600, tinha caído, 
demonstrando uma moderada expansão do mercado interno. Mais tarde, o café, no Sul, traria, a 
partir de 1850, outra mudança no mapa econômico. A consequência direta dessa brusca mudança 
foi o retraimento da empresa agrícola aos próprios recursos. O tráfico de escravos seguiu a tendência 
econômica com a perda de influência dos mercadores e financiadores batidos pela crise.
A existência da grande quantidade de mão de obra escrava em poder dos engenhos, minerações e 
fazendas forçou a mudança de rumo. De setor exportador, engenhos e fazendas tornaram‑se o setor de 
subsistência, em uma estrutura econômica incapaz, pelas dependências ao crédito e aos compromissos 
a curto prazo, de transformar‑se rapidamente.
A proibição de criar indústrias restringiu a reorganização da economia do Brasil ao mundo rural. 
As fazendas, dotadas do foco exportador e do foco interno, tenderam a se organizar como movimento 
autônomo, longe da vontade do rei. Não havia diferença entre a unidade agrária da cana e a unidade 
agrária do café no aspecto do cultivo e da lavoura. A prosperidade cafeeira também voltada para a 
monocultura, tal como a cana de 1600, vivia uma situação em que a nação importava tudo: a carne 
seca e o milho do Rio da Prata, o arroz da Índia, o bacalhau da Noruega, o azeite de Portugal, o trigo de 
Baltimore, a manteiga de França, o pinho do Báltico, os tecidos de Manchester, e tudo o mais, exceto 
exclusivamente os gêneros de imediata deterioração.
A importação resolvia as necessidades materiais da população toda, ao passo que a exportação 
representava o trabalho apenas de uma classe. O antigo minerador, o senhor de engenho, o lavrador e o 
pastor ampliavam as culturas de subsistência, preocupados em adquirir de fora o mínimo possível de bens, 
como o sal, o ferro, o chumbo e a pólvora. Sob essa pressão da conjuntura adversa, o fazendeiro sentiu 
dificuldades com o fiscalismo, a tirania e os entraves do governo português à atividade econômica. Esse 
mal‑estar foi associado com as idéias francesas do liberalismo, que eram idéias disponíveis para justificar 
a revolta. Ao fator econômico somava‑se o fator geográfico. As fazendas distantes do Rio de Janeiro, de 
Salvador e do Recife tendiam para o sistema autárquico, pressionadas pelas dificuldades de transporte, 
entregue totalmente às tropas de burro. O processo de autonomia com a multicultura estava determinado 
pelas peculiaridades locais. Enquanto a cana do Nordeste sofria com a tradição exportadora, a fazenda 
paulista se acomodava melhor aos novos tempos, voltada para a lavoura de subsistência.
Os viajantes do começo do século XIX relatavam, nas fazendas próximas ao Rio de Janeiro, a 
passagem progressiva da categoria de chácaras e quintas para a de grandes propriedades. A influência 
da cidade acabava a pouco mais de 20 quilômetros da costa. À medida que se avança para o interior, 
as acomodações e o mobiliário eram cada vez mais rústicos, e o vestuário era feito de panos grosseiros 
tecidos dentro do latifúndio.
O feijão e a mandioca se associam e disputam a vizinhança da cana e do algodão, com prejuízo 
dos lavradores e dos comerciantes, mais interessados nas culturas lucrativas de exportação. Este fato 
teria contribuído para o descontentamento sobre o qual eclodiu a Revolução Pernambucana de 1817. 
As diferenças começaram no começo do século XIX, com um conflito entre as propriedades agrárias e 
a cúpula burocrática, vinculada ao comércio urbano e internacional de raízes portuguesas. A aliança 
entre propriedade agrária e liberalismo, visível nos demagogos letrados, entrelaçada pelos padres cultos, 
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pelos leitores dos enciclopedistas e pelos admiradores da emancipação norte‑americana, ensaiava seus 
primeiros passos, que terminaram nos dias agitados de 1822 e na expulsão do imperador em 1831.
Em 1817, não aconteceu um movimento malogrado, mas a amostra de uma tendência possível, como 
possível foi o processo de independência e de fragmentação do mundo americano espanhol. Buscando 
conservar o estatuto do reino unido, os mecanismos de controle político se reordenaram para manter o 
rei no poder e assegurar o convívio com as forças locais de produção, povoamento e intercâmbio social. 
A opressão expressa nos altos tributos e nos recrutamentos forçados precisava ser reformulada por uma 
corte que era sensível ao espírito conciliatório.
Enquanto a reforma não alcançou o interior e demais cidades, o Recife lançou um brado “Viva a 
Pátria! Mata marinheiro”. A pátria era, na verdade, uma ideia que reunia o descontentamento fluído 
de muitas categorias: os militares, os comerciantes e, sobretudo, os agricultores. “Mata marinheiro” 
era a forma simples de atingir os portugueses, que eram os marinheiros das viagens transatlânticas, 
sugadores da economia local, e o alto comércio preso à metrópole.
Era em Pernambuco a capitania onde mais pronunciados e enraizados senhores se encontravam, 
especialmente desde a Guerra dos Mascates. A rivalidade entre os colonos nascidos no Brasil e os nascidos 
em Portugal datava desde o primeiro século da conquista e tinha sido transmitida de geração em geração. 
Os filhos dos primeiros conquistadores, aventureiros e cavalheiros viam‑se pobres e dependentes dos 
que chegavam e que, em poucos anos, enriqueciam em virtude de sua sobriedade e economia.
As lojas maçônicas apareceram na história brasileira como associações que reuniam os descontentes. 
Eram pessoas da colônia, principalmente os padres das cidades, que sofriam com o despotismo da 
corte; até o dinheiro do dízimo era gasto na corte, sem que sua destinação principal, o investimento 
na catequese e nas festas religiosas, fosse realizado. No centro da conspiração e da revolta, atuaram os 
latifundiários, feridos pela voracidade do comércio exportador e financiador e que dispunham de maior 
autonomia para organizar a revolta.
O contribuinte sentia que o imposto não era uma aplicação em benefício geral, mas um pagamento 
forçado feito à pessoa do soberano, que dele dispunha sem prestar contas. O sistema colonial, baseado 
no trânsito de mercadorias e nas extorsões da renda dele derivada, apresentava as suas deficiências 
percebidas claramente por uma quase integrada rede de produtores rurais brasileiros. Os interesses 
entre o comércio e a produção se opunham cada vez mais, aumentando o conflito entre a colônia e a 
corte, mesmo que depois de 1816 esta estivesse de fato no Brasil. O comércio era quase exclusivamente 
português e agia em nome do rei até nas cobranças do fisco.
A Revolução Pernambucana definiu um ideário que durou todo o período do Império, apoiando o 
liberalismo com energia republicana. Essas ideias criaram uma elite própria, mal assimilada às categorias 
de poder institucionalizado naquele tempo, e uniu fazendeiros, padres, comerciantes sem dependência 
portuguesa, advogados e funcionários de segunda linha, todos eles atuantes na maçonaria e nas milícias.
A classe média e os escravos sentiam que o movimento não lhes pertencia, pois era voltado para 
interesses conservadores. Essa parcela só apoiava os movimentos para negar a ordem estabelecida, sem 
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nenhuma identificação com a motivação que os geravam. A composição do governo de 1817 formou o 
quadro dessa gente sequiosa de poder e indiferente à nobreza que vivia do tesouro de Dom João VI, no 
Rio de Janeiro.
O pacto colonial estava mortalmente ferido, com seu modelo de fornecer à colônia todos os produtos 
de seu consumo, produzidos nos campos e nas indústrias de Portugal ou, principalmente, buscados 
na Europa, África e Ásia. A proibição de abrir manufaturas coloniais desapareceu em 1808, mas essa 
liberdade foi de pouco proveito diante da concorrência inglesa favorecida pela tarifa privilegiada de 
1810. Com uma economia especializada no trânsito e no transporte das necessidades do Brasil, Portugal 
perdeu seu principal mercado, que representava cinco sextos do seu comércio internacional, trazendo 
dúvida sobre a própria sobrevivência da nação.
A ideologia liberal, propagada nas lojas maçônicas e alimentada pela agricultura, seria uma ponte 
enganadora que romperia os laços. As capitanias se tornaram províncias, comandadas por juntas de 
governo. O arbítrio dos capitães‑generais sufocava os anseios da nascente aristocracia agrária, pois os 
senhores territoriais aspiravam à nobreza. O poder que lhes interessava não era o dos municípios, mas 
as chefias das províncias, com os instrumentos militares das milícias e das tropas regulares. Entre as 
câmaras municipais e as juntas governativas, entre o núcleo local e a circunscrição geral, formou‑se 
um elo de solidariedade e de proteção recíproca, que, em 1822, incorporou como líder da conspiração 
o príncipe Dom Pedro.
Com Dom João VI tinham regressado a Portugal cerca de três mil pessoas, os mais graduados 
servidores da monarquia e nobreza funcionária, que retiraram todos os fundos do recém‑fundado Banco 
do Brasil. A despesa pública, orçada em 5.000 contos, só contava com a receita certa do Rio de Janeiro, 
de 2.400 contos. As províncias se recusavam a fornecer fundos, porque os liberais brasileiros, instruídos 
pela maçonaria, desconfiavam do ministério escolhido pelo príncipe, cuja principal figura era o conde 
de Arcos, ministro do Reino e Estrangeiros.
A fraqueza da burocracia civil e a anemia do comércio luso permitiram aos senhores de terra tomarem 
o poder. Organizados em São Paulo e em Minas Gerais nos governos provinciais, buscaram aproximação 
com o príncipe contra as tentativas das medidas recolonizadoras das Cortes. Assim nasceu uma nova 
aliança entre Dom Pedro, a agricultura e o comércio inglês, que teriam sido banidos do Brasil se tivesse 
sido vitorioso o novo estatuto colonial.
As Cortes Constituintes de 1820 foram o primeiro parlamento português no sentido moderno do 
conceito. Essa constituinte foi consequência da Revolução Liberal do Porto, que forçou a elaboração de 
uma constituição para Portugal. As Cortes Constituintes aconteceram em Lisboa entre janeiro de 1821 
e novembro de 1822, e a nova legislação impôs profundas alterações no regime politico português. Os 
trabalhos das Cortes Constituintes culminaram com a aprovação da Constituição Portuguesa de 1822. 
Dos enviados brasileiros entre deputados e suplentes, os padres eram 30% do total, confrontados com 
30% de fazendeiros, advogados e médicos, 20% de magistrados, 10% de militares e a última parcela 
composta de funcionários e professores. A integridade do reino, sob a estrutura básica da união de 1815, 
dominava o documento, refletindo as opiniões mais gerais da época.
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Os burocratas portugueses no Brasil foram os primeiros a perder seus empregos com a extinção dos 
tribunais. Logo se tornaram patriotas exaltados, como se tivessem sido transformados por um agente 
sobrenatural. Todos aqueles burocratas que durante a maior parte de sua vida estavam entre os mais 
baixos na hierarquia do poder se tornaram imediatos defensores da independência.
Quem negociou os diversos interesses com Dom Pedro foi José Bonifáciode Andrada e Silva 
(1763‑1838), que, desde 1819, regressara da sua participação nas Cortes Constituintes ao Brasil. 
Filho de abastada família de São Paulo, mas desvinculado de interesses agrários, sua participação no 
governo provincial garantia a transição ordeira entre o estado colonial e o sistema constitucional, com 
a imparcialidade do homem ausente do País há longos anos e mentalidade formada na burocracia 
portuguesa, temperada de liberalismo, mas fiel à ordem monárquica. Era um homem da ordem e avesso 
à anarquia. Sendo um realista imune ao romantismo político dos deputados paulistas, adotou, no final 
de 1821, a opinião do Rio de Janeiro, Minas Gerais e da sua província: a tese da ruptura com o governo 
português, desde que Dom Pedro permanecesse no Brasil.
Em 1° de janeiro de 1822 advertiu Dom Pedro do risco “do rio de sangue que decerto vai correr pelo 
Brasil”, lembrando‑lhe o risco de “perder para o mundo a dignidade de homem e de príncipe”. O príncipe 
percebeu que, atrás dos agitadores das ruas do Rio, havia uma nação em nascimento, que o recebeu 
como um rei no dia 9 de janeiro de 1822, o dia do Fico.
Esse sopro inesperado, renovador e subversivo veio ao encontro das vontades emancipacionistas, 
que, desde as agitações mineira, baiana e pernambucana, pairavam sobre o País. O enciclopedismo e a 
influência da Revolução Americana e Francesa tinham preparado o País para acomodar a nova onda. 
Faoro (2001) identifica as duas correntes ideológicas que iriam dividir as opiniões até a República. Havia 
a corrente da soberania popular, filiada a Rousseau e esboçada em torno das tentativas democráticas 
dos últimos anos do século XVIII, que consideravam o rei e a autoridade uma qualidade do País e 
não da tradição, nem de Deus. Essa corrente convivia com outra, que acreditava que a monarquia 
e o imperador podiam conviver com uma Constituinte. As duas vertentes, nomeadas à época de 
democrática e de liberal temperada, concordavam, porém, que a autoridade teria seu fundamento e 
seu limite em um documento, um pacto social que fixava as garantias de liberdade. Os democratas 
suspeitos de republicanismo, acuados pela autoridade de Dom Pedro I e de José Bonifácio, se calaram, 
esmagados com a desconfiança de que eram demagogos e desorganizadores. Contudo, o convívio entre 
as forças nacionais e o novo imperador brasileiro exigia órgãos representativos, segundo um dogma do 
sistema liberal. O grupo liberal do Rio de Janeiro, o chamado grupo de Ledo, congregado na maçonaria, 
e do qual participavam o cônego Januário Barbosa, o brigadeiro Muniz Barreto e José Clemente Pereira, 
presidente do Senado da Câmara, reclamavam, de acordo com as vontades das províncias, a convocação 
de uma assembléia constituinte. O príncipe e José Bonifácio não abriam mão dos seus poderes de dirigir, 
controlar e retificar os caminhos populares, ingenuamente glorificados pelos democratas. A Assembléia 
Constituinte foi aceita pelo príncipe depois de muitas exigências negociadas.
O pragmatismo de José Bonifácio queria a unidade do Império, um objetivo que não se alcançaria pela 
adesão das províncias a um pacto fluidamente confederativo, mas por imperativo de lealdade ao imperador. 
Com a imprensa censurada e as prisões repletas, foi aberta a Assembléia Constituinte de 1823, convocada 
antes da declaração de independência. A primeira Constituição do Brasil desvinculou a democracia da 
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liberdade, com um estilo teórico e prático que a restauração de Luís XVIII impusera às monarquias velhas. 
Esse esquema manteve a igualdade sem a democracia, e o liberalismo longe do alcance popular.
Dom Pedro I, amado pelo seu povo, como sentira em São Paulo e nas ruas do Rio de Janeiro, dispensou 
a ajuda da política repressiva e implacável de José Bonifácio. O velho paulista, que tinha sido necessário 
na hora de definir a política monárquica, e cuja energia foi a mola mestra da expulsão das tropas 
portuguesas, era agora um incômodo nas relações emotivas entre o povo e o rei. Em uma conspiração na 
Assembléia Constituinte, decide Dom Pedro pela queda dos Andradas. A minoria democrática, composta 
do clero subalterno e de proprietários de pequenas fortunas, ávidos de liberdade, sentia que José 
Bonifácio era a muralha de resistência aos seus planos e uniu‑se à maioria realista, formada quase que 
exclusivamente de magistrados, juízes de primeira instância, jurisconsultos e altas dignidades da Igreja.
Uma terceira força seguia os Andradas, mas desaprovava seu exclusivismo de comando. Por sua vez, 
os Andradas não souberam afrouxar as rédeas para construir uma corte nacional dentro dos moldes do 
tradicionalismo. A queda dos Andradas, em julho de 1823, modificou o roteiro político, mas não quebrou 
o molde tradicionalista traçado por eles. Não subiram os ultraliberais, o que permitiu que se mantivessem 
na oposição, ficando mantida também sua coerência de idéias. Os liberais exaltados, partidários do 
antiportuguesismo em seus namoros republicanos, não alcançaram nenhum poder político de fato.
A doutrina dos Andradas, com o apoio de Dom Pedro, seguiu seu curso. A orientação conservadora, 
que prosseguiria no futuro Partido Conservador, continuou a predominar. A soberania foi apropriada 
pelo imperador em nome de uma aclamação popular, sem precisar conciliar, articular e dirigir as forças 
centrífugas, perigosamente envolvidas nos princípios ultraliberais. O Estado se organizou na cúpula, e a 
Constituinte organizou o governo das províncias com um presidente nomeado pelo imperador, esquema 
que, com as modificações da Constituição de 1824 e o Ato Adicional, vigorou até o fim do Império. Não 
vingou uma federação, mesmo com as províncias unidas ao centro e com o gozo dos cidadãos de todas 
as liberdades teoricamente então reconhecidas. Finalmente, os homens do interior, com os meios de 
domínio econômico e social dados pelas fazendas, teriam agora todas as condições de exercer o poder 
político em uma projeção nacional.
Faoro (2001) percebe que, para controlar essa força, Dom Pedro I logo lançou mão de um velho 
mecanismo conhecido desde tempos antigos em Portugal: ao tempo que se declarava inimigo do 
despotismo e das arbitrariedades, reconhecia as pessoas dotadas de poder econômico e social e as 
convertia em titulares de honras e de prestígio político. Com títulos, cargos e medalhas, o rei se sobrepôs 
às ideias democráticas e liberais, controlando seu império e formando um novo estamento.
Para evidenciar essa tese, Faoro (2001) cita um jornalista da Aurora Fluminense que escreveu que, 
depois de 736 anos de existência, a monarquia portugesa possuía 16 marqueses, 26 condes, 8 viscondes 
e 4 barões, enquanto a monarquia brasileira, depois de existir por apenas oito anos, já dispunha de 28 
marqueses, 8 condes, 16 viscondes e 21 barões. Lá estavam domadas todas as famílias que anos antes 
tinham sonhado com a República.
Dom Pedro I usou a corrupção aumentando o funcionalismo, em que o ordenado era renda que 
podia ser vitalícia se o servidor mantivesse a obediência. Essa política de cúpula foi incapaz de conciliar 
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as correntes discordantes e, sobretudo, incapaz de resolver o problema da unidade nacional. Os cargos 
de nobreza dariam resultados a longo prazo, mas não resolveram os problemas imediatos.
5.10 As conclusões de Faoro sobre a formação do Brasil independente
Para Faoro (2001), o regime colonial não se extinguiu, apenas se modernizou. Houve uma continuidade 
entre a distância do Estado, monumental, aparatoso, pesado, e a nação, informe, indefinida, inquieta. A 
ordemmetropolitana foi reorganizada no estamento de aristocratas improvisados, servidores nomeados 
e conselheiros escolhidos, e se superporia ao País, calado e distante.
O soberano e o País eram realidades diversas e separadas, cujo encontro se daria pela adesão ou pelo 
contrato, sempre desconfiando uns dos outros. O imperador tendia ao despotismo, e os representantes 
da nação, à anarquia. Para resolver esse impasse de posições contraditórias, nascia a aclamação popular, 
pela qual o soberano precederia ao pacto e à própria nação.
A monarquia criou, no texto constitucional, o Poder Moderador. Era um poder minoritário, 
concentrado na aristocracia em construção e na alta burocracia, que servia para vigiar, disciplinar e 
educar o poder majoritário com uma reformulação absolutista da realidade.
A Constituição de 1824 situou o Poder Moderador como a chave de toda a organização política, 
poder delegado privativamente ao imperador como chefe supremo da nação e seu primeiro 
representante, para que, incessantemente, velasse sobre a manutenção da independência, equilíbrio 
e harmonia dos mais poderes políticos. O Poder Moderador apropriado pelo chefe do poder executivo 
comandou, e até hoje comanda, a administração e a política na forma da Medida Provisória. No âmbito 
do atual direito constitucional brasileiro, a medida provisória permanece como um ato unipessoal do 
presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que 
somente é chamado a discuti‑la em momento posterior. Isso até hoje gera constante contestação por 
parte das correntes liberais.
No fundo, para Faoro (2001), o Brasil permaneceu organizado por uma estrutura que disfarça 
seu cunho autoritário, com o aproveitamento vertical dos elementos políticos cevados nas áreas 
permitidas de influência. O estamento se rearticulou com tintas liberais, mas com cerne absolutista 
no controle do País.
Na extrema direita, em oposição à extrema esquerda, permaneceu o grupo preocupado com a 
centralização e o domínio dos instrumentos estatais para controlar o comércio, a indústria e o povo. 
Atualmente, percebemos que os mecanismos gerais para governar o País não mudaram.
5.11 Como Faoro entendeu o Brasil
O capitalismo politicamente orientado, também conhecido como capitalismo político, ou 
pré‑capitalismo, moldou a realidade estatal. Para sobreviver, ele incorporou o capitalismo moderno, do 
tipo industrial, baseado na liberdade do indivíduo. Foi conquistada a liberdade de negociar, de contratar e 
de gerir a propriedade sob a garantia das instituições. Contudo, a comunidade política conduz, comanda 
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e supervisiona os negócios como se fossem negócios privados na origem e transformados cinicamente 
em negócios públicos. Desde que o reino de Portugal foi fundado, o rei sempre foi chefe supremo da 
nação, e seus funcionários dividiam os benefícios do poder.
Dessa realidade se projeta a forma de poder, institucionalizada em um tipo de domínio: o 
patrimonialismo, cuja legitimidade se assenta no tradicionalismo do “assim é porque sempre foi”. É o 
comércio que dá caráter à expansão do patrimonialismo, uma forma mais flexível do que o patriarcalismo 
e menos arbitrária que o sultanismo. Quem deseja trazer inovações tecnológicas para o país é combatido, 
pois a tecnologia não serve em uma sociedade que não é educada para utilizá‑la. Assim, inovações e 
adaptações que transformem a sociedade são combatidas pelos que detêm o poder.
Foi nos moldes comerciais da atividade econômica que se desenvolveu a agricultura de exportação, 
do início da colônia até os dias de hoje. Na indústria, a partir do manufaturismo do Marquês de Pombal 
até a política de substituições das importações, que perdurou da República Velha até o Governo Fernando 
Collor, foi o patrimonialismo estatal o incentivador do setor financeiro da economia no desenvolvimento 
econômico. O comando político tinha de ser mantido para satisfazer os privilégios ditados pelo quadro 
administrativo, que sempre incluiu um componente civil e outro militar.
Na tentativa de transição entre o exclusivo predomínio do capitalismo comercial e o capitalismo dito 
moderno, racional e industrial, o único ganho dos indivíduos no Brasil foi deixar de ser súdito para passar 
a ser cidadão. De todas as liberdades que um povo moderno precisa, a liberdade de comércio, de indústria, 
na educação, de ir e vir, nunca foram contempladas. Apenas a propriedade privada figura como uma das 
liberdades republicanas necessárias para um país capitalista moderno. O Estado brasileiro garante apenas a 
propriedade privada, todas as demais garantias do indivíduo, no Brasil, não são garantidas.
No Brasil, as críticas de origem liberal e neo‑liberal juntam‑se, paradoxalmente, no mesmo sentido 
à crítica marxista. O capitalismo comercial, identificado por simplificação escolar ao feudalismo, foi 
substituído pelo modelo do capitalismo industrial. Os pensadores liberais e marxistas, ao admitirem 
a realidade histórica do Estado patrimonial, com sua alma no capitalismo politicamente orientado, 
partiram do pressuposto da transitoriedade desse fenômeno e o consideraram resíduo anacrônico ou 
fase de transição.
As duas correntes, neoliberal e marxista, comparam ideais à realidade. As correntes mantêm 
sempre a referência ao capitalismo moderno, tal como descrito por Adam Smith, Marx e Weber, que 
acreditavam que os estilos divergentes de capitalismo eram desvios, atalhos ou vestígios evanescentes. 
Tanto neo‑liberais como marxistas não percebem que o capitalismo de fato ainda não chegou ao Brasil.
Faoro (2001) insiste que a realidade histórica brasileira demonstrou a persistência secular da estrutura 
patrimonial, resistindo a todo desenvolvimento capitalista, além de adotar do capitalismo a técnica, as 
máquinas e as empresas, sem aceitar a vontade de mudança. O Estado não fornece as condições para que 
possamos pesquisar e fabricar máquinas e equipamentos eletrônicos. Prefere que tudo seja importado 
e que as utilizações sejam regulamentadas através de leis que garantam a cobrança de impostos. O que 
importa é arrecadar para o Estado, e não educar o povo de fato.
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A característica principal da história do Brasil como consequência direta da história de formação de 
Portugal e que impacta a realidade econômica e cultural é o predomínio do quadro administrativo junto 
ao foco superior de poder. Esse quadro administrativo, chamado por Faoro (2001) de estamento, nasceu 
aristocrático, mas desde o século XVI se burocratizou progressivamente para uma melhor acomodação 
e não modificou sua estrutura.
O domínio tradicional se configurou no patrimonialismo. O patrimonialismo está presente quando 
aparece o estado‑maior do chefe em comando, que mantém poder sobre o território, subordinando 
muitas unidades políticas. Sem contar com esse quadro administrativo, o pequeno chefe local assume 
um caráter patriarcal, que podemos reconhecer no mando do fazendeiro, na ideologia do senhor de 
engenho e nos coronéis.
 Observação
A ideia do patrimonialismo é que prefere‑se dominar a terra e seu 
patrimônio ao invés de produzir. Como as disputas dos funcionários 
públicos e dos empreendedores liberais sempre foi por conta desse domínio, 
Faoro (2001) identifica que não importa quem mande em determinada 
região do país ou no próprio país. O interesse maior é sempre o controle do 
patrimônio, o que permite aos controladores viverem de renda dos tributos 
ou aluguéis cobrados.
Desde o início da historia de Portugal, e por toda a historia do Brasil, odomínio patrimonial se 
apropria das oportunidades econômicas oferecidas pelas concessões e cargos, em uma confusão entre o 
setor público e o privado. Quando a estrutura melhora, é organizada em competências fixas burocráticas, 
separando‑se o setor fiscal do setor pessoal. A escolha pela burocracia em etapas entremeadas por 
compromissos e transações não desfigura a estrutura, avessa às mudanças. O patrimonialismo pessoal 
se converte em patrimonialismo estatal. No passado histórico, adotou‑se o mercantilismo como a 
técnica de gestão da economia. Com o mercantilismo, inicou‑se o capitalismo político, ou capitalismo 
politicamente orientado.
Para Faoro (2001), a compatibilidade do capitalismo moderno com esse quadro tradicional é uma das 
chaves da compreensão do fenômeno histórico português‑brasileiro, que, ao longo de muitos séculos de 
assédio dos países centrais ao capitalismo, aguentou a pressão de fora para dentro.
O patrimonialismo consegue se amoldar às transições e às mudanças. Isso acontece porque 
os mecanismos de intermediação, com suas manipulações financeiras, propostas monopolistas de 
concessão pública, controle do crédito e do consumo e privilégios da produção, ficam concentrados no 
corpo estatal, variando entre a gestão direta das empresas estatais e a regulamentação da economia.
No alto da sociedade, há uma camada controlada por políticos, que mesmo sem uma clara articulação 
de alianças entre os partidos, formam uma camada social a parte. Essa camada de políticos governa em 
favor de si mesma e cria defesas poderosas contra o povo. Os políticos mudam, mas nunca representam 
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a nação. Com o tempo, substitui moços por velhos, aptos por inaptos, em um processo que forma e 
torna nobre o recém‑chegado, imprimindo‑lhe os seus valores.
A doutrina liberal, mais compatível com Marx do que com Engels, nega o papel autônomo da 
burocracia e a considera a expressão formal do domínio racional do Estado e da empresa moderna. Já o 
estamento burocrático, que nasce do patrimonialismo, procura se perpetuar em outro tipo social; assim, 
é capaz de absorver e adotar as técnicas burocráticas como simples instrumentos. Daí seu caráter não 
transitório na cultura brasileira.
Segundo Faoro (2001), não é a burocracia profissional que assegura o funcionamento do governo 
e da administração (Berufsbeamtentum), mas o estamento político (Beamtenstand). A burocracia 
profissional é um aparelhamento neutro em qualquer tipo de Estado, mas o domínio do estamento foi 
compatível com a monarquia absoluta e também com o parlamentarismo. O estamento político não 
se converte nunca em governo da soberania popular; elege, no máximo, a autocracia com técnicas 
democráticas, o que aparentemente vem acontecendo no Brasil desde a Nova República de 1985. Na 
cúpula, graças ao desequilíbrio ou à impotência das classes sociais, o governo assume o papel de árbitro 
para equilibrar as bases.
O estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, assim, dirige a esfera 
econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática determinam desde 
as regras financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas estatais, incluindo aí o regime 
das concessões e a legislação trabalhista. Atuar diretamente ou mediante incentivos é uma técnica 
desenvolvida para a finalidade do poder.
O estamento diretor provê as oportunidades de ascensão política. Quem tenta romper o esquema 
de controle é reprimido. Na política, o quadro de comando se centraliza em uma tentativa de coesão 
monolítica, tentando criar a hegemonia, ou homogeneidade de consciência, que se identifica com as 
forças de sustentação do sistema de governo.
Por estar acima das classes sociais e separado da sociedade, o estamento desenvolve um movimento 
pendular que engana o observador. O cidadão ingênuo supõe que ele se volta contra o latifundiário, a 
favor da classe média, contra ou a favor do proletariado. Essas ilusões de ótica, que acontecem através 
de um mecanismo de projeção de realidades e ideologias modernas em uma forma antiga de visão de 
mundo, mantêm‑se historicamente consistentes.
Para Faoro (2001), as formações sociais funcionam para a estrutura patrimonial estamental como 
pontos de apoio móveis. São valorizadas formações sociais que melhor a sustentam, principalmente 
quando são capazes de fornecer‑lhes os recursos financeiros para sua expansão. O estamento se alia às 
classes de forma especulativa, lucrativa e não proprietária e mantém sempre o predomínio dos interesses 
estatais, pois sabe que estes são capazes de conduzir e deformar a sociedade. O estamento interfere 
também no funcionamento das leis, que acabam por não ter correspondência com o mundo que regem.
Historicamente, à medida que o estamento deixou de ser aristocrático e se burocratizou, ele 
promoveu um sistema monocrático, com a diminuição da quantidade de pessoas que participava do 
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poder. Em outras palavras, a corte se transformou em políticos: independentemente de quem está no 
poder, um rei absolutista, um ditador militar ou um presidente da república, o sistema obriga sempre 
que tudo que se decide tenha a sua assinatura. Isso permite que o mandatário continue a conceder os 
favores aos políticos e articule os interesses daqueles que mandam no poder, fazendo com que só eles 
ganhem dinheiro. A distribuição desse dinheiro fica por conta da nomeação das pessoas para cargos 
públicos, onde vão ajudar a manter esse sistema corrupto. Também desse chefe de Estado se espera que 
faça uma justiça relativa, beneficiando sempre quem participa dele.
Nesse soberano se concentram todas as esperanças de pobres e ricos, porque o Estado se torna o 
condutor da sociedade. O súdito prefere proteção e não participação arriscada de uma vontade coletiva. 
Uma falsa proteção une os mais pobres aos mais ricos, espelhando uma ambiguidade essencial desse 
tipo de dominação.
O estamento apoia o chefe que não se submete à aristocracia territorial, aos latifundiários ou à 
burguesia, já que deve governar em nome do estamento e se reportar diretamente à nação. Esse chefe 
precisa ser capaz de falar ao povo, e não com os representantes eleitos por ele. Ele é o pai do povo, nem 
sempre como mito carismático, nem como herói, nem como governo constitucional e legal, mas como o 
bom príncipe. Encontramos essa figura desde Dom João I, mas também em Dom Pedro II, Getúlio Vargas 
ou Lula da Silva. Isso permite empreender em certas circunstâncias uma política social de bem‑estar 
para assegurar a adesão das massas.
O estamento investe no providencialismo estatal, apelando aos poderes que a tradição lhe confere. 
O Estado é dono de tudo, pode tudo e paga altos salários a quem o defende através da burocracia. Em 
casos extremos defende até um suposto socialismo que sacia as aspirações populares, mas que impede 
de fato essas aspirações com uma política de pão e circo. O bom príncipe, ou o pai do povo, guarda a sua 
prudência de generalizar a aparência de poder, sem permitir nenhuma participação verdadeira.
Na base da pirâmide, o povo espera, pede e venera. Confundindo as súplicas religiosas com as 
políticas, o pobre aguarda o providencialismo ofertado pelo aparelhamento estatal. Com um entusiasmo 
fanático dos supersticiosos, confunde o político com o taumaturgo, que transforme pedras em pães, e 
o pobre no rico.
Enquanto o povo espera, o estamento burocrático desenvolve a sua política, superior e autônoma, 
remediando as crises com as revoluções de cima para baixo. “Da ordem tumultuada, da anarquiafomentada, as massas cheias de esperanças e alimentadas de entusiasmo, incensam o oculto deus 
ex‑machina, que remediará todos os males e mitigará todos os sofrimentos” (FAORO, 2001, p. 876).
Na ideia de Faoro (2001), o estamento, implantado na realidade estatal do patrimonialismo, não se 
confunde com a elite econômica, acadêmica ou com a chamada classe política. No Brasil, uma minoria 
de burocratas públicos governa sempre, em todos os tempos e em todos os sistemas políticos. Os poucos 
eleitos ou cooptados asseguram um estatuto próprio de comando, que não é autônomo. No governo 
estamental, tal como se estrutura no pensamento de Faoro, há necessariamente, como sistema político, 
uma autocracia de caráter autoritário e não uma autocracia de forma totalitária. Podemos verificar 
essa diferença na deposição da presidente Dilma Rousseff, quando o autoritarismo não quis substituir o 
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governo através de um golpe de estado, implantando uma ditadura, mas preferiu a substituição por um 
governo fraco e corrupto para manter seu controle.
 Lembrete
O estamento, para Faoro (2001), é a autocracia autoritária dos burocratas 
que consegue operar sem que o povo perceba seu caráter ditatorial.
O detentor do poder impõe à comunidade sua decisão política fundamental, isto é, exerce o poder 
contra o povo. O termo “autoritário” refere‑se mais à postura governamental do que à ordem social. 
Em geral, o regime autoritário se satisfaz com o controle político do Estado sem pretender dominar 
a totalidade da vida socioeconômica da comunidade. Esse sistema é compatível com a existência de 
órgãos estatais, como assembléias ou tribunais, vigiados por uma ordenação formalmente jurídica. Por 
outro lado, esse tipo de regime autoritário convive com as diversas Constituições, sem que a própria 
legislação (que ele finge obedecer) o atinja em seu poder. É um constitucionalismo nominal, no qual a 
Carta Magna tem validade jurídica, mas não se adapta ao processo político. Pode também se apresentar 
como um constitucionalismo semântico, quando o ordenamento jurídico apenas reconhece o poder dos 
detentores autoritários.
A autocracia autoritária dos burocratas consegue operar sem que o povo perceba seu caráter 
ditatorial, que só aparece nos conflitos e nas tensões políticas quando a legislação cede espaço ao 
real. Novamente percebemos como esse estamento opera, como no recente caso de impeachment 
de Dilma Rousseff. A soberania popular não existe, senão como farsa ou engodo. Em uma sociedade 
normativamente constitucional e democrática, todos os participantes do poder atuam na formação das 
decisões estatais, inclusive através de mecanismos de controle que permitem a participação popular. 
Mesmo em sociedades na quais o encadeamento que vai da cúpula à base é controlado por minorias 
dirigentes, é importante que o poder percorra uma escala vertical até o povo. Nesse tipo de sistema, 
normativamente constitucional e democrático, o estamento se ajusta ao quadro das elites, mais ou 
menos sujeitas ao controle e sempre preocupadas com as instâncias de comando. Não importa se 
precisam controlar os círculos eleitorais, ou mesmo as oligarquias estaduais, entrosadas às municipais 
através de partidos, como aconteceu na República Velha.
A astúcia, a habilidade e a sagaz manipulação são qualidades psicológicas ajustadas às 
eleições. No estamento, prevalece a decisão de utilizar a violência, com uma direção voltada à 
eficiência, e as intervenções sobre os mecanismos jurídicos. Dessa forma, a elite das democracias 
não consegue se consolidar, pois um estrato privilegiado admite mudar as pessoas, mas continua 
estruturalmente fechado.
No patrimonialismo, quando uma classe sobe ao poder, o estamento procura apropriá‑lo para 
que se dilua na elite. Para o estamento, o conflito está presente quando precisa conviver com o 
capitalismo industrial, seja por pressão externa, seja por causa do expansionismo do capitalismo 
internacional. A elite política do patrimonialismo é o estrato social com efetivo comando político, 
sempre com pretensões aristocráticas.
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A elite burocrática e a intelligentsia que absorve as técnicas do capitalismo industrial, preocupada 
com a eficiência da modernização econômica e social, tenta se tornar autônoma. Desdenha dos políticos, 
pois esses são para ela simples incapazes e corruptos.
Um administrador egresso de uma universidade americana ou europeia se espanta ao ver um político 
que nunca frequentou um curso de pós‑graduação orientar o planejamento econômico. Isso porque a 
forma de controle de um Estado industrializado acaba se tornando uma extensão da burocracia oficial, 
uma vez que depende dela juridicamente e acaba servindo às suas necessidades. A separação entre o 
campo econômico e o estatal diminuem. A dinâmica do mercado aberto, próprio do liberalismo, se altera 
na direção de um mercado administrativamente controlado, com demandas políticas seletivas de caráter 
militar e político. Quando isso acontece, ou quando veleidades tecnocráticas ameaçam seu poder, o 
estamento busca o campo internacional para enfraquecer a força de atração do capitalismo liberal, 
geralmente impedindo que os capitais estrangeiros cheguem ao Brasil. Por outro lado, exageram a noção 
do nacionalismo, apresentando a convicção de que existem caminhos próprios de desenvolvimento, 
muito diferentes dos modelos que deram certo. Geralmente isso acontece com manipulações de câmbio.
Conforme Faoro (2001), o estamento burocrático desenvolve padrões típicos de conduta ante 
qualquer tentativa de mudança interna ou para os ajustamentos à ordem internacional. Gravitando 
em órbita própria não atrai, nem para fundir‑se, nenhum elemento de baixo. Em lugar de integrar, 
comanda; não conduz, mas governa. Incorpora sempre os mais jovens ao seu serviço, cooptando‑os com 
a marca de seu cunho tradicional.
Ainda, o autor afirma que todo brasileiro que se distingue há de ter prestado sua colaboração ao 
aparelhamento estatal. Não são honrados os donos de empresas particulares, nem aqueles que obtiveram 
êxito dos negócios ou nas contribuições à cultura. Bons são apenas aqueles que apresentam uma carreira 
administrativa pública aprovada de cima para baixo. Pessoas que se fazem por conta própria, conseguindo 
construir empresas a partir do trabalho e de uma proposta de inovação, são consideradas idiotas. Esse 
desprezo social nasce da mediocridade daqueles que são incapazes de entender que o desenvolvimento 
vem justamente de um constante desenvolvimento tecnológico e social (como aconteceu nos Estados 
Unidos, Inglaterra, Rússia e China).
Quando a mobilização de ideais manipulados não consegue manter o poder, baixa a repressão. 
Logo, o estamento exagera os perigos das ideologias estrangeiras. O povo prefere a proteção do Estado, 
parasitando‑o. Portanto, o Estado deve manter a menoridade popular, imperando sobre ela. Do ponto de 
vista da psicologia social, surge uma dualidade que oscila entre a decepção e o engodo.
Para o estamento, é importante construir com leis bem elaboradas e, em outro momento, utilizar um 
planejamento decorativo. A legalidade teórica sempre apresenta um conteúdo diferente dos costumes, 
da tradição e das necessidades dos destinatários daquela lei. A consequência para o povo é que ele 
sempre age de forma errada e fora da lei.
Por ação do estamento, a vida social será sempre antecipada pelas reformas legislativas, que até 
podem ser esteticamente sedutoras. Toda a atividade econômica é criada a partir de um planejamento 
ideal, que sai do papel para arealidade. Esse caminho é antagônico ao pragmatismo político. A base são 
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as teses, e não os fatos. O material são as idéias, e não homens. A situação sempre é o mundo, e não o 
país, pois governa‑se para as gerações futuras, e não para as atuais. Daí resultam as reformas constantes 
da previdência social.
Isso não significa que o estamento impeça a mudança social, seja para um acomodamento ao cenário 
internacional, seja para o desenvolvimento interno. A permanência da estrutura exige o movimento através 
de uma incorporação contínua de ideias importadas, adquiridas intelectualmente ou pelo contato com 
civilizações mais desenvolvidas. As mudanças são experimentadas apenas por uma camada minoritária 
da sociedade, mais rápida em adquirir novas atitudes. Seria um desastre se alguma alteração atingisse 
o conjunto da sociedade, gerando um impacto indiferenciado. Inicialmente, experimenta‑se a mudança 
apenas em uma faixa social, e, através de medidas autoritariamente coercitivas, transmite‑se a mudança 
filtrada às outras faixas de população. Isso cria um movimento social que, ao se modernizar, se marginaliza 
em relação aos países desenvolvidos, pois atua de forma a imitar comportamentos, mas nunca para criá‑los.
O estamento forma um elo que se comunica com o mundo externo. Quando pressiona pela adoção 
de novos padrões, incorpora os hábitos das novas forças sociais. Esse papel, reservado nos momentos 
de crise do sistema às elites, será desempenhado em outros sistemas sociais pela burguesia, próxima do 
mundo capitalista. Esse é o papel reservado à burguesia estrangeira com ramificações nacionais ou à 
burguesia nacionalmente emergente.
Na peculiaridade histórica brasileira, todavia, a camada dirigente burocrática sempre atua em nome 
próprio. Para tal, se serve dos instrumentos políticos, policiais e jurídicos que controlam o aparelho 
estatal. Quando precisa se defender do impacto de novas forças sociais, a categoria estamental as 
amacia e domestica, geralmente através da corrupção, o que faz diminuir o ímpeto transformador e 
tem como consequência a incorporação dos valores tradicionais pelos descontentes. Vimos isso também 
recentemente nas manifestações entre 2013 e 2016. O estamento chega mesmo a adotar uma ideologia 
diversa do tradicionalismo, quando aquela se torna compatível com o esquema de domínio, pretendendo 
falsas modernizações sociais ou econômicas. As respostas às exigências apresentadas pela população 
tornam‑se uma negociação de compromissos, até que o antagonismo se dilua perdendo a força. Faoro 
(2001) deixa claro o maquiavelismo da atuação.
As classes sociais são manipuladas para que a burocracia do Estado mantenha o poder. De fato, 
as classes sociais nunca conseguem orientar qualquer mudança. Todas as mudanças que ameaçam 
o estamento são combatidas ou estimuladas se o favorecem. O sistema sempre se compatibiliza ao 
imobilizar as classes sociais, os partidos, as elites e também os grupos de pressão. Sua tática costumeira 
é oficializar os grupos de pressão para que percam força. Opera‑se o tempo todo uma mudança 
econômico‑social que se mantenha ajustada à estrutura política.
Como escreve Faoro:
Nessa incorporação de retalhos, na qual se juntam peças anacrônicas e 
idéias de vanguarda, a conduta vai desde o macaquear imitativo até ao 
cuidado de dotar o país dos benefícios técnicos das nações adiantadas, com 
meios próprios de sustentação (FAORO, 2001, p. 883).
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O processo gera mal‑estar íntimo, com os modernizadores atuando sob o pressuposto da incultura 
ou da incapacidade do povo. O povo acaba se distanciando deles quando não estão presentes os 
vínculos de solidariedade espiritual. O processo de modernização, quando reajusta o anacrônico e o 
conduz à atualidade, sofre uma alteração no momento em que o povo sente a consciência de que pode 
caminhar sobre os próprios pés para um destino próprio. Geralmente, as crises se manifestam através 
do nacionalismo, desde o autonomismo da década de 1820 até a ingênua adoção de nomes indígenas, 
o jacobinismo antiportuguês do começo da República e o nacionalismo surgido na República Velha, que 
se cristalizou no movimento de 1937. Hoje não é diferente.
A camada dirigente se divide em tais emergências, desejando capturar a vontade dos que reclamam 
para que o sistema continue controlando autoritariamente o país e não se destruir. Se o nacionalismo 
ocupa um papel importante, nem sempre acentua as caractísticas estatizantes. O estatismo é voltado 
mais para a modernização do desenvolvimento do que para o fechamento das influências externas. Um 
tipo de modernização pode acabar vinculada ao exército, cuja atividade política adquiriu importância 
na Era Republicana, depois do longo ostracismo imperial. Aliás, para Faoro (2001), o papel do exército é 
mal avaliado pelos historiadores durante a fase colonial. A força armada é interpretada como expressão 
de classe, ou mesmo de camadas sociais, e dessa forma sua função é incompreensível. O exército não 
compõe apenas um ramo da burocracia, não constitui uma classe social e tampouco representa uma 
ideologia. Alguns de seus componentes pertencem ao estamento condutor e têm participação ostensiva 
nos momentos de divisão no comando superior. Qualquer divisão do poder para a estrutura estamental 
sugere a anarquia.
O estamento, ao mesmo tempo que preenche o vácuo de poder, transforma as instituições 
de cima para baixo, promovendo um reajuste capaz de gerar um novo desenvolvimento. As três 
intervenções militares verificadas no curso de tempo que o livro de Faoro abarca, 1889, 1930‑1937 e 
1945, sempre resultaram em uma nova configuração política e jurídica na esteira dos movimentos. Na 
primeira intervenção, houve um esquema de transição do Império para a República que assegurou a 
unidade nacional, mantendo a homogeneidade das forças armadas, única instituição que não atuava 
exclusivamente de forma regional na esfera de domínio. A segunda intervenção foi proposta com o 
objetivo do desenvolvimento, de restaurar o vigor do Estado para gerar a indústria básica e o controle 
de forças sociais que discordavam da direção superior. Em 1945, a rigidez nacionalista e estatizante 
atrapalhou a colaboração direta de indústria estrangeira, experimentada no convívio da guerra, para 
que entrasse em acordo com as empresas nacionais. Tentar encontrar a causa de tais movimentos na 
estrutura interna do Exército, ou na composição de suas fileiras superiores, conduz a enganos de muitos 
historiadores e sociólogos. A mesma coisa podemos ajuntar hoje em dia aos militares da Ditadura Militar 
de 1964‑1985. Em nome do perigo do comunismo, o exército promoveu a completa renovação do 
sistema bancário nacional, financiando a formação de um mercado interno. Ao mesmo tempo, criou 
as bases para a absorção da indústria mecânica internacional, estimulando o transporte rodoviário, e 
negociou com a indústria do petróleo a expansão da indústria dos plásticos.
A legitimidade é outro sintoma da prevalência da teoria sobre o fato, o que beneficiou a criação 
de leis oportunistas sobre a realidade. O longo período histórico que compõe a história de Portugal e 
do Brasil demonstra repetidamente que a independência do estamento no controle do Estado sobre a 
nação é a regra de governo. Para Faoro:
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O estamento burocrático, fundado no sistema patrimonial do capitalismopoliticamente orientado, adquiriu o conteúdo aristocrático da nobreza, da 
toga e do título. A pressão da ideologia liberal e democrática não quebrou, 
nem diluiu, nem desfez o patronato político sobre a nação, impenetrável 
ao poder majoritário. O patriciado, despido de brasões, de vestimentas 
ornamentais, ou de casacas ostensivas, governa e impera os demais. O poder, 
a soberania nominalmente popular, tem donos que não emanam da nação, 
da sociedade, nem da plebe ignara e pobre (FAORO, 2001, p. 885).
O chefe maior não é um delegado ou mandatário, mas um gestor de negócios. O Estado tenta, 
sempre que possível, resistir a todos os assaltos ao poder, seja pela cooptação, seja pela violência quando 
necessário. Os conflitos são reduzidos à conquista dos membros graduados dos líderes revoltosos. Assim, 
podemos entender como líderes sindicais combativos se tornaram posteriormente corruptos bancados 
por empreiteiras. E o povo?
Para o estamento, o povo oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação 
política e a nacionalização do poder. Está sempre mais preocupado com os novos senhores, filhos 
do dinheiro e da corrupção, do que com os comandantes do alto, paternais e, como o bom príncipe, 
dispensados de justiça por especial proteção, fornecida pela atenção especial da Suprema Corte 
àqueles que têm foro privilegiado. A lei, retórica e elegante, não interessa ao alto funcionário pela 
imunidade parlamentar, mas principalmente pelo corporativismo dos altos burocratas. A eleição, mesmo 
formalmente livre, sempre apresenta escolhas entre opções que o povo não formulou, como na atual 
proposta de listas fechadas para votação (FAORO, 2001, p. 886).
A cultura, que poderia ser brasileira, frustra‑se na sufocante carapaça administrativa, trazida pelas 
caravelas de Tomé de Sousa e reiterada na travessia de Dom João VI. A terra misteriosa povoada de 
homens sem lei, nem rei, não conseguiu se libertar dos cavaleiros de El‑Rei. Esses cavaleiros são os 
herdeiros da lealdade de Vasco da Gama, um herói burocrata. A máquina estatal resistiu a todas as 
investidas e ao contato de qualquer novo desafio, mantendo‑se portuguesa. Suas qualidades visíveis são 
a hipocrisia da castidade, a forma dura de administrar e a pretensão de ser aristocraticamente superior. 
“Em lugar da renovação, o abraço lusitano produziu uma vastidão social, na qual os velhos quadros e as 
instituições anacrônicas frustraram o florescimento deste país” (FAORO, 2001, p. 886).
 Saiba mais
Leia mais sobre a biografia de Raymundo Faoro em:
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Raymundo Faoro: biografia. Rio de 
Janeiro, [s.d.]. Disponível em: <http://www.academia.org.br/academicos/
raymundo‑faoro/biografia>. Acesso em: 18 maio 2017.
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6 ENTENDENDO O PENSAMENTO DE CELSO FURTADO
Celso Furtado foi um importante cientista social brasileiro. Sua participação nos governos dos 
presidentes Juscelino Kubitschek (1956‑1961) e João Goulart (1962‑1964) criou superintendências de 
desenvolvimento das regiões Norte e Nordeste. Naquele momento, Furtado acreditava que era possível 
ao Estado subsidiar uma série de iniciativas que poderiam industrializar estas regiões.
Nos anos 60, pensava‑se que o mercado nascia da organização da produção exclusivamente. Isso 
decorria de uma ideia que até os anos 50 tinha funcionado para o capitalismo internacional e também 
para o socialismo de estado de modelo soviético. A construção de fábricas e também o investimento na 
agricultura de exportação gerava empregos para os trabalhadores. Isso permitia a inclusão de pessoas 
na sociedade formal através dos salários pagos. Criava‑se, assim, o mercado de bens de consumo. Com 
esse mercado seria possível, portanto, que as economias ainda notadamente agrárias se tornassem 
economias industrializadas. Isso seria suficiente para o desenvolvimento de uma economia nacional.
Celso Furtado (2005) pensou sobre quais eram os obstáculos ao desenvolvimento das economias dos 
países pobres e formulou várias interpretações históricas sobre a formação econômica latino‑americana 
e brasileira. Ele também acreditava que o motivo do subdesenvolvimento dos países latino‑americanos 
era devido ao legado do período colonial. O autor também insistia que existia uma continuidade das 
famílias que sempre conseguiram controlar o território latino‑americano e, portanto, não tinham forte 
tradição do pensamento colonial, até porque, na modernidade do século XX, Espanha e Portugal não 
eram os grandes exemplos de países industrializados. As antigas metrópoles teriam sido substituídas 
principalmente pelos Estados Unidos, França, Inglaterra e Alemanha.
Furtado não foi um economista convencional. Acreditava que os problemas econômicos não podiam 
ser separados das suas condicionantes socioculturais e políticas. Pensava que essas condicionantes 
controlavam a possibilidade de livre concorrência, que seria propulsora do processo de incorporação 
social do progresso tecnológico. Para ele, o Estado Nacional seria a grande unidade de referência da sua 
teoria do desenvolvimento econômico.
Respondendo àqueles que apregoam o fim do Estado Nacional, em seu livro Transformações e Crise na 
Economia Mundial ele adverte que um sistema econômico é um conjunto de dispositivos de regulação, que 
são voltados para o aumento da eficácia no uso de recursos escassos. Ele pressupõe a existência de uma 
ordem política, ou seja, uma estrutura de poder fundada na coação e/ou no consentimento. No presente, a 
ordem internacional expressaria essas relações, consentidas ou impostas, entre poderes nacionais.
Somente teria sentido falarmos de racionalidade econômica se nos referirmos a um determinado 
sistema econômico nacional. Uma suposta racionalidade mais abrangente que emergiria a partir de uma 
empresa transnacionalizada não somente seria de natureza estritamente instrumental, como também 
tenderia a ignorar os custos das várias formas de organização pelos sistemas nacionais em que ela se 
insere. Em outras palavras, a forma lógica que uma economia nacional encontra para se organizar não 
é a mesma com que uma empresa multinacional opera. E quando essa empresa opera com essa lógica 
dentro de um país, ela tende a criar desequilíbrios na economia desse paí.
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Celso Furtado pensava como homem da sua geração e alcançou a maioridade intelectual depois da 
Segunda Guerra Mundial. Teóricos como ele criaram a ideia do desenvolvimentismo latino‑americano. Furtado 
em princípio pensava entender as condições com que se poderia beneficiar as populações desses países 
latino‑americanos a partir de um mecanismo de negociação com as iniciativas capitalistas internacionais.
Dentro da ideia do desenvolvimentismo havia a crença de que era possível estabelecer bases 
técnicas e econômicas que permitissem a incorporação do progresso, de forma que estas, de fato, 
viessem a melhorar as condições civilizatórias dos povos latino‑americanos. Para Furtado (2005), a 
questão primordial era a da acumulação capitalista e ele sugeria mecanismos que pudessem melhorar 
a distribuição dessa renda acumulada. Através dessa distribuição, seria possível não apenas modernizar 
um país latino‑americano, como também melhorar o bem‑estar geral da população.
 Lembrete
O desenvolvimentismo é uma corrente de pensamento econômico 
típico da América Latina. Sua síntese é sugerir que os países aprendam a 
se industrializar sem depender do capital ou das tecnologias estrangeiras.
Celso Furtado não era um intelectual marxista; assim como Fernando Henrique Cardoso, ele utilizavabasicamente um pensamento social weberiano e um pensamento econômico keynesiano. Muitas de 
suas ideias a respeito do desenvolvimento nacional foram incorporadas pelo regime militar instalado no 
Brasil a partir de 1964.
Furtado (2005) construiu uma metodologia de análise histórica própria onde a Teoria da Demanda 
Efetiva de Keynes e a Teoria das Decisões de Weber e Mannheim se estruturavam a partir da ideia da 
relação entre centro e periferia exposta por Prebisch. Para ele, a espinha dorsal dos sistemas econômicos 
nacionais decorria de uma racionalidade econômica que deveria orientar o processo de industrialização. 
Segundo ele, havia relações de causa e efeito entre a expansão de forças produtivas e a modernização 
dos padrões de consumo. Portanto, o cerne do problema consistia em entender os mecanismos que 
elevam a produtividade do trabalho e verificar os seus reflexos na capacidade de consumo da sociedade.
Na medida em que se trabalha com mais técnica e com o auxílio de máquinas mais poderosas, haveria 
um aumento exponencial na produtividade que poderia gerar renda suficiente para que a sociedade 
pudesse viver melhor. Então, tratava‑se simplesmente de examinar e definir as estruturas que permitiriam 
um equilíbrio entre o capital e o trabalho. Para Furtado (2005), isso podia estar identificado nos mecanismos 
de acesso à propriedade rural, aos meios de produção e ao mercado de trabalho e sua regulação.
Na análise de Furtado (2005), o estado de desenvolvimento é a condição ideal que uma sociedade 
capitalista assume quando incorpora o progresso técnico e adquire uma dinâmica própria. Assim, o 
estado de subdesenvolvimento seria um estado onde haveria dificuldade na incorporação do progresso 
tecnológico, e isso impediria tal dinâmica. Um dos problemas desse impedimento seria justamente a 
dificuldade de socialização da renda obtida pelo capital, que não estaria sendo distribuída de forma 
justa aos trabalhadores.
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Aquilo que parece uma ideia de fundo exclusivamente marxista, na verdade, não é: o próprio Henry 
Ford tinha como uma das suas ideias básicas a crença de que seus operários deveriam ganhar bem o 
bastante para comprar os automóveis que fabricavam. Por outro lado, os automóveis fabricados tinham 
de ser bons e baratos suficientemente para que os operários pudessem comprá‑los. Portanto, o próprio 
mercado começava pela possibilidade de os operários adquirirem o produto que estavam fabricando.
 Saiba mais
Para entender melhor o projeto de desenvolvimento do qual Celso 
Furtado participou, leia:
SILVA, S. B. da. O Brasil de JK > 50 anos em 5: o Plano de Metas. FGV 
CPDOC, [s.d.]. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/
artigos/Economia/PlanodeMetas>. Acesso em: 18 maio 2017.
Para Furtado (2005) havia a ideia de que é contínua transferência dos aumentos na produtividade 
física do trabalho transformado em ganho real de salário real, que impulsionaria a dialética da inovação e 
da difusão do progresso tecnológico. Com o aumento progressivo da riqueza da nação, automaticamente 
haveria uma crescente elevação do bem‑estar do conjunto da população.
Para alcançar o estágio de desenvolvimento, uma nação requer uma situação de equidade social. 
Essa equidade social, porém, não era pensada por ele de uma forma marxista, visando uma distribuição 
igualitária do capital. Ele acreditava que na medida em que houvesse um desenvolvimento industrial, 
esse desenvolvimento iria permitir o desenvolvimento de uma quantidade cada vez maior de empresas, 
e essas empresas iriam absorver, cada vez mais, mão de obra especializada. Em determinado momento, 
iria acontecer uma escassez de mão de obra, e isso finalmente faria aumentar a renda dos trabalhadores 
e o bem‑estar geral da população.
Em Pequena Introdução ao Desenvolvimento, Furtado sintetizou a questão nos seguintes termos:
A pressão no sentido de reduzir a importância relativa do excedente – decorrente 
da crescente organização das massas assalariadas – opera como acicate 
(acelerador) do progresso da técnica, ao mesmo tempo que orienta a tecnologia 
para poupar mão de obra. Dessa forma, a manipulação da criatividade técnica 
tende a ser o mais importante instrumento dos agentes que controlam o sistema 
produtivo, em sua luta pela preservação das estruturas sociais.
Por outro lado, as forças que pressionam no sentido de elevar o custo de 
reprodução da população conduzem à ampliação de certos segmentos do 
mercado de bens finais, exatamente aqueles cujo crescimento se apoia em 
técnicas já comprovadas e abrem a porta a economias de escala (FURTADO, 
2005, p. 6).
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A teoria de Furtado (2005) sobre o desenvolvimento parte da ideia de que as premissas históricas 
que viabilizam o desenvolvimento não estão presentes nas economias subdesenvolvidas. Por estarem 
na periferia dos países centrais e por haver grande assimetria social interna, seria necessário identificar 
esses bloqueios à inovação e à difusão do progresso tecnológico que impediu o próprio capitalismo 
nesses países. Para ele, a dificuldade decorreria da impossibilidade de se organizar os conhecimentos 
técnico e científico de forma a beneficiar diretamente a economia local. Isso deveria acontecer por conta 
da grande dependência histórica que a produção das antigas colônias tinham com suas metrópoles.
Mesmo mudando o vínculo de dependência das nações ibéricas para outros países, as economias locais 
mantiveram‑se como exportadoras de produtos de baixa rentabilidade, notadamente as commodities, 
que incluem produtos agrícolas para alimentar pessoas e rebanhos estrangeiros, além dos minérios que 
são enviados em sua forma bruta para o exterior e acabam retornando aos países exportadores na forma 
de bens industrializados.
Assim, todo o movimento de incorporação de conhecimentos técnicos seria sempre imposto de fora 
pra dentro, apenas para, por um lado, melhorar sua produção ou, por outro, para facilitar a adoção desses 
bens de consumo de forma a beneficiar os países desenvolvidos. Dessa maneira, as formas produtivas 
das economias subdesenvolvidas estariam sempre na dependência desses produtos fornecidos pelas 
economias desenvolvidas.
Quando olhamos a realidade brasileira de hoje em dia, verificamos também que desde as sementes aos 
fertilizantes utilizados para impulsionar toda a exportação agrícola brasileira, incluindo aí a tecnologia 
de tratores e de controle da área plantada através de satélite, percebemos que, tal como nos anos 1960, 
há evidência de que essa forma de pensar de Furtado não estava de todo equivocada.
As economias latino‑americanas do México até a Argentina tendem a montar desde automóveis 
a telefones celulares, mas do projeto ao bem de consumo final, tudo é desenvolvido nos países ricos. 
Assim, por mais que exista de fato a possibilidade de geração de emprego local, e que isso aumente a 
economia, principalmente, das cidades onde as fábricas estão instaladas, sentimos falta, até hoje, de 
uma fábrica de automóveis completamente brasileira ou de uma indústria farmacêutica completamente 
brasileira. Sabemos como fabricar, mas, até hoje, não participamos do grupo que sabe desenvolver o 
progresso tecnológico.
Furtado (2005) acreditava que seria possível que as sociedades periféricas pudessem decidir 
politicamente o ritmo e a intensidade com que se deseja assimilar as novas tecnologias. Mas elas 
estariam sendo, o tempo todo, impelidas para o aumento e a expansão da sociedade capitalista a partir 
dos países centrais. Isso porque a situação de subdesenvolvimento seriao resultado de um processo 
histórico e teria dividido o mundo nessa estrutura centro‑periferia, e que apenas uma decisão política 
nacional seria capaz de negociar o processo de incorporação do progresso tecnológico, permitindo, 
eventualmente, que as nações periféricas viessem a incorporar os estilos de vida das economias centrais.
O autor acreditava que havia uma impossibilidade das economias periféricas aumentarem a 
produtividade do trabalho, impedindo, desta forma, que os estilos de vida importados pudessem ser 
efetivamente instalados. Isso causaria uma forte pressão na sociedade dos países periféricos. Percebe‑se 
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que as classes que efetivamente alcançassem algum grau de acumulação do capital tenderiam a adotar 
as modificações nos hábitos de consumo, e subsequentemente nos hábitos sociais. Isso seria impedido 
tanto pela escassez de bens de consumo mais modernos dentro dos países periféricos, quanto pela 
resistência da população em relação à mudança de comportamento, devido, principalmente, à baixa 
escolaridade e à falta de informação.
Mesmo lançando mão da importação de produtos, as elites que monopolizam a renda acabariam 
por separar a sociedade entre aqueles que vivem de acordo com estilos e hábitos dos países centrais e 
aqueles que, impedidos pela falta de renda de fazerem o mesmo, estariam submetidos a formas mais 
simples de consumo e de comportamento. As classes mais pobres estariam limitadas a terem acesso 
exclusivamente aos bens de primeira necessidade em moradias precárias.
A teoria do subdesenvolvimento de Furtado (2005) pode ser vista como uma crítica à forma racional 
que as elites dominantes dos países periféricos fazem da incorporação do progresso tecnológico, 
causando, assim, uma eterna dependência externa dos bens de consumo e, ao mesmo tempo, uma 
grande assimetria social interna. Portanto, o seu trabalho de pesquisa se esforça, o tempo todo, para 
identificar e explicar o processo histórico da constituição das bases técnicas nas economias nacionais 
subdesenvolvidas. Também se detém sobre as dificuldades das classes menos favorecidas. Fala da 
construção de centros internos de decisão pelas elites, na forma de leis e de instituições de poder, que 
acabam desenhando os projetos de construção dos sistemas econômicos nacionais.
Para ele, a espinha vertebral de uma economia nacional era a industrialização. Furtado (2005) percebia 
que uma política econômica voltada para a defesa dos interesses nacionais espelhava exclusivamente 
o colonialismo cultural das classes dominantes. Assim, seria impossível controlar os centros internos de 
decisão, pois seu instrumento maior de controle sobre a população seria a regulação da paridade cambial 
entre a moeda brasileira e as moedas estrangeiras, principalmente o dólar. Isso afetaria diretamente a 
qualidade da moeda nacional, criando o tempo todo uma inflação, que, por sua vez, serviria de pretexto 
para a reprodução de relações cada vez mais assimétricas. Essa desigualdade incidiria não apenas sobre 
as classes trabalhadoras, mas também sobre as próprias elites regionais, na medida em que determinadas 
cidades e regiões se esforçariam por impedir a distribuição por igual de riquezas e o desenvolvimento.
 Observação
Até hoje, o conhecimento brasileiro está limitado na área industrial. 
Ainda temos dificuldades no desenvolvimento técnico, principalmente, 
devido ao baixo investimento nacional em pesquisa e tecnologia. Vivemos, 
agora, a transição da importância da indústria para os serviços, e ainda 
temos dificuldades em regular as relações de trabalho e a contribuição 
efetiva das empresas para a política de bem‑estar da população.
Seu livro Formação Econômica do Brasil foi escrito no final da década de 1950, quando as lutas 
sociais no Brasil pediam reformas da base da sociedade brasileira. O livro expôs as raízes históricas 
do nosso subdesenvolvimento e deixou claro quais obstáculos bloqueavam a formação da economia 
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nacional. Também, tinha Furtado (2005), uma noção histórica do acúmulo de mazelas impostas pela 
condição de colônia, responsável pelo atraso na formação do mercado interno, e pela crença de que a 
substituição das importações iria modernizar o acesso aos bens de consumo modernos.
Deixava claro a forma como que, dentro do país, tinha sido reconstruída a mesma ideia de centro e 
periferia, de forma que o Sudeste mantivesse as demais regiões brasileiras como a periferia da periferia, 
aumentando, assim, as desigualdades regionais. Furtado (2005) não era um pessimista, e via no processo de 
industrialização o mais importante elemento formador da economia nacional. Isso numa época em que a 
indústria de bens de capital começava a desenhar as bases do sistema econômico em que vivemos até hoje.
As oportunidades de emprego em atividades de elevada produtividade e a expansão das forças 
produtivas contribuiu não apenas para legitimar o modelo brasileiro, como também para cristalizar a 
própria unidade nacional. A acelerada expansão do mercado interno na década de 1960 foi decisiva para 
aumentar a relação de trocas econômicas entre as diferentes regiões do país e tornar viável a mobilidade 
do trabalho no território nacional. Assim, o modelo brasileiro conseguiu conciliar desigualdade social e 
crescimento econômico.
A crise da industrialização na década de 1980 fez Furtado ter uma nova opinião. Quando em 1982 
escreveu A Nova Dependência da Dívida Externa e o Monetarismo, ele alertou que a transnacionalização 
do capitalismo estaria diminuindo a possibilidade de independência das economias periféricas:
A enorme concentração de poder que caracteriza o mundo contemporâneo 
[...] coloca a América Latina em posição de flagrante inferioridade, dado o 
atraso que acumularam as economias da região e as exíguas dimensões 
dos mercados nacionais. Dessa observação podemos inferir dois corolários. 
O primeiro é que o encontro dos povos latino‑americanos em um destino 
comum se imporá cada vez mais como ideia‑força a todos aqueles que 
pretendem lutar contra o subdesenvolvimento e a dependência de nossos 
países. O segundo é que a ideia de reproduzir nesta parte do mundo a 
experiência de desenvolvimento econômico no quadro das instituições 
liberais se configura cada vez mais como uma quimera para os observadores 
lúcidos de nosso processo histórico. Em face da transnacionalização da 
economia, a opção do laissez‑faire significa, hoje em dia, em subsistemas 
dependentes, renunciar a ter objetivos próprios, aceitar progressivamente 
a desarticulação interna, quiçá a perda mesma do sentido de entidade 
nacional (FURTADO, 2005, p. 6).
Em 1992, Furtado publicou Brasil, A Construção Interrompida, onde tentou explicar a forte 
desnacionalização crescente da economia e a maior concentração de renda. Numa espécie de manifesto 
final do seu pensamento, expôs, de uma forma normalmente atribuída aos pensadores de esquerda, que 
era necessária uma ruptura com a situação de dependência externa:
Em meio milênio de história, partindo de uma constelação de feitorias, de 
populações indígenas desgarradas; de escravos transplantados de outro 
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continente, de aventureiros europeus e asiáticos em busca de um destino 
melhor, chegamos a um povo de extraordinária polivalência cultural, um 
país sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade linguística 
e religiosa. Mas nos falta a experiência deprovas cruciais, como as que 
conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E 
nos falta também um verdadeiro conhecimento de nossas possibilidades, 
e principalmente de nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo 
histórico se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra nós.
Trata‑se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção 
do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em 
interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado‑nação 
(FURTADO, 2005, p. 10).
Para termos um exemplo melhor do pensamento de Furtado vamos resumir sua forma de narrar do ciclo 
do café. Furtado (2005) nos conta que, na última década do século XIX, ocorreu uma situação muito favorável 
à expansão da cultura do café no Brasil. As culturas de café na Ásia tinham sido fortemente prejudicadas por 
pragas, criando, assim, uma escassez do produto em todo o mundo. Com o início da República, a autonomia 
legislativa aos estados da união permitiu que a questão da imigração fosse resolvida pelos estados e, 
principalmente, pelo estado de São Paulo, através dos grandes fazendeiros, o que ditou a norma de importação 
de mão‑de‑obra principalmente da Itália, mas também da Espanha e do Japão.
Também havia um excesso de capital internacional acumulado, que, fornecendo crédito barato, 
beneficiou especialmente o desmatamento de novas terras para a plantação de café. A desvalorização 
da moeda nacional permitiu um grande ganho na economia da exportação do café cuja produção 
cresceu cinco vezes entre 1880 e 1902. A grande oferta de mão de obra e a abundância de terras 
caracterizavam os países produtores de café. Estava claro que a longo prazo o preço do café deveria 
baixar no mercado internacional. Também, o melhoramento introduzido pelas estradas de ferro e a 
modernização dos portos, facilitando o aumento dessa produção, tornavam a economia do país cada 
vez mais dependente da exportação em moeda estrangeira.
Assim, o número de empresários dedicados a plantar e exportar café cresceu em cima desse tripé 
de crédito, terras desmatadas e mão de obra abundante. Em determinado momento, o Brasil chegou 
a ofertar 3/4 da produção mundial de café. Ainda, nos primeiros anos do século XX, os empresários 
brasileiros perceberam que podiam se defender contra a baixa dos preços no mercado internacional 
estocando parte da produção. Dessa maneira, eles poderiam controlar artificialmente a oferta.
Fazia parte dos instrumentos de controle da oferta a manipulação cambial. Mas o controle artificial 
do mercado não conseguiu ser exercido por muito tempo na medida em que a produção superava em 
muito as necessidades.
Criou‑se então a base de uma política econômica que veio a ser seguida com variações ao longo 
do século XX. Para estabelecer um equilíbrio entre oferta e procura do café, o governo intervinha no 
mercado para comprar a produção excedente. O dinheiro para comprar essa produção era obtido com o 
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financiamento de empréstimos estrangeiros. O pagamento desses empréstimos era feito com o imposto 
calculado com um padrão estabelecido pelo preço do ouro, que incidia sobre cada saca de café exportada. 
A ideia deste imposto estabelecido com um valor em ouro visava manter a paridade entre o volume 
exportado e o custo dos pagamentos dos empréstimos internacionais, de forma que este imposto não 
exercesse uma pressão inflacionária no país (FURTADO, 2005).
Por último, para tentar impedir que o café fosse plantado por todo mundo, o governo federal permitiu 
que os estados pudessem limitar a permissão para a plantação de café. A República operou, durante 
o período de 1890 a 1930, uma forte descentralização nas decisões políticas e econômicas brasileiras. 
Por outro lado, surgia uma crescente classe média urbana, formada principalmente pela burocracia 
civil que tinha sido estabelecida durante o império de D. Pedro II, e uma burocracia militar que vinha se 
fortalecendo desde a Guerra do Paraguai. Para essa classe média urbana, toda desvalorização cambial 
implicava uma piora dos padrões de vida. Porque naquela época os bens de consumo eram basicamente 
importados. Também os comerciantes importadores desses bens e os primeiros industriais brasileiros 
se opunham aos interesses dos fazendeiros de café. Esses comerciantes e industriais descobriram, nas 
cidades, formas de aumentar o seu poder político.
Mas a Constituição Brasileira de então permitia aos Estados grande liberdade, inclusive a de cobrar 
impostos e de contratar empréstimos no exterior. Assim, o interesse dos produtores de café acabou sendo 
beneficiado, na medida em que sua força econômica e financeira conseguia fazer a moeda brasileira 
oscilar de acordo com os seus interesses. Essa era a base econômica da famosa Política Café com Leite 
na República Velha.
Mas a crise mundial de 1929 acabou atrapalhando o sucesso dessa política. Isto porque, apesar 
de todos as medidas para controlar o aumento da produção do café, entre 1925 e 1929 o aumento 
da produção foi de 100%. Por outro lado, esse aumento da produção do café não encontrava uma 
expansão no mercado consumidor internacional. Enquanto aumentava a produção interna, o lucro com 
as exportações permanecia o mesmo, porque a quantidade do volume exportado permanecia a mesma.
Todos os esforços de exportação conseguiram vender apenas 60% da produção entre os anos de 1927 
e 1929. Os fazendeiros que lucravam com café não entenderam que o mercado tinha alcançado sua 
capacidade máxima de expansão naquele momento. Eles insistiam em aumentar a sua área plantada e a 
sua produção. Isso acontecia por causa desse mecanismo de garantia de compra da produção excedente 
pelo Governo Federal. Quando os produtores não conseguiam exportar, o governo simplesmente garantia 
a compra do café.
O consumo de café nos Estados Unidos, por exemplo, manteve‑se estável mesmo depois que os 
trabalhadores americanos conquistaram um aumento de 35% de renda real ao longo de 20 anos. 
Portanto, havia um problema que era um desequilíbrio estrutural entre oferta e procura. No mundo 
inteiro a oferta de café era maior do que a quantidade de pessoas consumindo café. Por isso, também 
não havia a possibilidade, naquele momento, de se aumentar o consumo do café através de uma baixa 
dos preços. O preço do café já era convidativo suficiente, para que os operários do mundo europeu e 
norte‑americano o consumissem sem problema.
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Enquanto isso, no Brasil, os estoques dos excedentes da produção do café que eram adquiridos 
pelo governo não tinham mais nenhuma função econômica. Apenas geravam um gasto público 
desnecessário e uma pressão sobre a paridade cambial da moeda brasileira. Assim, a situação era cada 
vez mais insustentável (FURTADO, 2005).
Furtado (2005) acredita que o erro básico de toda essa política era que tanto fazendeiros quanto 
políticos estavam insistindo numa atividade econômica de natureza tipicamente colonial. Nos tempos 
coloniais, o equilíbrio entre a oferta e a procura dos produtos coloniais sempre era regulado pelo custo 
das terras e da mão de obra. Também, durante a colônia, a saturação do mercado era controlada pela 
metrópole, o que tornava todo o tipo de investimento nas colônias limitados no tempo. No momento 
em que os preços dos produtos coloniais baixavam, a metrópole simplesmente abandonava aquela parte 
da colônia e ia buscar outra cultura agrícola ou alguma fonte de minério, principalmente o ouro, para 
continuar tendo lucro.
Mas quando os fazendeiros de café viram suas contas bancáriascrescerem, não tinham nenhuma 
outra oportunidade de investimento, senão aumentar a própria produção de café. Furtado (2005) 
imaginava que tinha sido aberta uma janela de oportunidade, e com o excedente do capital do café, 
teria sido possível considerar a possibilidade para os fazendeiros de investirem numa outra produção 
que pudesse também gerar uma renda, senão igual, pelo menos, boa suficiente para manter o interesse 
dos fazendeiros.
Então a política de alta produtividade com controle de internacional de preços através da compra 
de estoques reguladores, que originalmente visava defender os interesses dos fazendeiros de café, e que 
elevou o Brasil a uma posição de quase monopólio internacional do produto, foi a mesma que acabou 
levando à crise da economia cafeeira no Brasil.
Como diz Furtado (2005), o financiamento dos estoques que não eram vendidos, realizados em 
grande parte com empréstimos estrangeiros, serviram para a expansão dos meios de pagamento 
destinados à compra do café que era retirado do mercado. Esse mecanismo se transformava numa 
pressão inflacionária, que se manifestava imediatamente no crescimento das importações. Em outras 
palavras, quanto mais café era vendido, mais dinheiro entrava no país, e as pessoas passavam a desejar 
mais bens de consumo, que na época eram todos importados.
Mas quando houve a crise de 1929 nos Estados Unidos, a Grande Depressão, todas as reservas 
acumuladas à custa dos empréstimos externos sumiram, no momento em que os capitais nacionais e 
internacionais fugiram do país. Então aquela legislação que permitia os empréstimos diretos de capitais 
internacionais para financiar a produção dentro do Brasil foi também o mecanismo que permitiu que o 
capital fosse embora, no momento em que a crise se internacionalizou.
Quando finalmente se decidiu por uma taxa sobre a exportação de capitais, todas as reservas já 
tinham evaporado. O pior é que os fazendeiros tinham continuado a plantar café. Mas já não era 
possível para o Governo do Estado de São Paulo, nem mesmo para o Governo Federal do Brasil, obter 
empréstimos externos para manter a política de estoques reguladores do preço. A crise de 1929 teve 
como maior efeito uma gigantesca inflação sobre o mundo industrializado, gerando, assim, forte perda 
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de capitais. Dessa maneira, não havia quem estivesse disposto a investir dinheiro numa política de 
controle de preços de um produto que vinha sendo mantido caro artificialmente (FURTADO, 2005).
Então os fazendeiros de café tiveram de encontrar quem viria a pagar pelo custo da perda da sua 
produção e das suas receitas com exportação. Procuraram encontrar uma solução para transferir para 
a maioria da população, o prejuízo com a queda do preço do café. A forma mais fácil de fazer isso foi 
através da taxa cambial. Com a queda do preço do café no mercado internacional, a desvalorização 
da moeda nacional foi a forma encontrada para que os produtores continuassem a receber a mesma 
quantidade em dinheiro brasileiro que vinham recebendo anteriormente.
As classes médias urbanas foram obrigadas a pagar mais caro por todos os produtos que importavam. 
Mas isso não mudou a política de compra dos estoques excedentes do café, financiados, dessa vez, pela 
simples expansão da base monetária nacional, fazendo com que a nação viesse a pagar aos produtores 
pelo seu excesso de produção. E como, mesmo assim, nada melhorava a situação econômica, chegou‑se 
ao cúmulo de destruir os estoques de café comprados pelo governo, para que o preço não despencasse 
ainda mais no mercado internacional.
Mesmo que o governo aumentasse a base monetária do país, causando inflação para pagar aos 
produtores de café, o excesso da produção que não conseguia ser exportada, estocada nos armazéns do 
governo, era destruído, pois não havia quem o comprasse ou consumisse. Dessa forma o equilíbrio da 
economia do café foi mantido à custa de todo país.
Quando, depois de 1933, houve uma recuperação da economia internacional, fazendo, por exemplo, 
o preço do açúcar aumentar em 140%, o preço do café continuou estável até as vésperas da Segunda 
Guerra Mundial. A explicação disso é, de fato, que o preço do café tinha sido mantido de forma artificial 
desde os anos 1920. Seu consumo internacional estava estabilizado há muito tempo, e os lucros obtidos 
pelos fazendeiros de café jamais foram socializados.
A sociedade brasileira financiou a riqueza dos fazendeiros. A vantagem, percebida na época, era 
que o nível de emprego tinha permanecido estável com essa política. Mas isso causou uma pressão 
sobre toda a estrutura do sistema econômico nacional. O financiamento dos estoques de café com 
recursos externos tinha evitado o desequilíbrio na balança de pagamentos. Com a defesa dos interesses 
cafeeiros, houve uma diminuição da possibilidade de importações. Essa diminuição das importações 
deu‑se basicamente por causa de uma forte desvalorização cambial. O poder de compra da moeda 
brasileira no exterior caiu cerca de 50% (FURTADO, 2005).
O problema é que quando se tenta corrigir um desequilíbrio externo, normalmente se converte esse 
problema em desequilíbrio interno. Como o Brasil da década de 1930 dependia de uma quantidade muito 
grande de bens importados, isso criou uma forte demanda por produtos que não eram fabricados aqui. 
Já que as importações caíram 60%, os brasileiros tiveram de se satisfazer com os produtos disponíveis 
ofertados pela indústria brasileira.
Essa situação ajudou a produção de bens de consumo no próprio país e durou apenas até o final da 
Segunda Guerra Mundial, em 1947. A população brasileira queria voltar a consumir bens importados da 
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mesma forma que tinha consumido nos anos 20. Pressionada por uma grande quantidade de importações 
que, na prática, não era possível de ser realizada, a solução foi o controle seletivo das importações. Proibindo 
a importação desse ou daquele produto, pensava‑se em evitar a adoção de uma forte desvalorização 
cambial. Outra forte desvalorização cambial poderia, de alguma forma, alarmar a população. Portanto, o 
controle acabou recaindo sobre o volume das importações, que, através do controle seletivo daquilo que se 
pode importar, acabou beneficiando o desenvolvimento da indústria brasileira.
Segundo Furtado (2005), foi cometido, nesse momento, um erro político na maneira de se conduzir 
a economia. Dentro da lógica capitalista, teria sido necessário dar total liberdade às importações de bens 
de consumo, para que dessa forma se pudesse aumentar sua oferta dentro do país. Com um excesso 
de bens ofertados dentro do país, automaticamente os seus preços cairiam, desde que fosse mantida a 
taxa de câmbio.
Mas a política escolhida visava, principalmente, manter o nível de emprego. Assim, as importações 
que foram permitidas foram as de bens de capital (máquinas) e as matérias‑primas que favoreceram 
duplamente o setor industrial nacional. Por um lado, esse setor não sofreria mais a concorrência dos 
produtos externos e por outro, as matérias‑primas e os equipamentos para fabricação de bens de 
consumo no Brasil se tornaram relativamente baratos.
Frutado (2005) percebeu que até a atualidade a agricultura é o maior setor da economia brasileira, 
logo, o país depende, desde o século XX, tanto dos produtos agrícolas quanto dos mercados importadores. 
Essa dependência torna a economia brasileira instável. Quando há uma alta nos preços de exportação 
de produtos agrícolas, estes são exportados diminuindo a oferta e aumentando os preços no país. Isso 
cria um movimento inflacionário,na medida em que, com a renda derivada das exportações entrando 
na economia, força a demanda no mercado pelos mesmos produtos que são vendidos para fora, pelo 
mesmo preço.
Mas, no momento em que os preços no mercado internacional mudam e a exportação deixa de 
ser interessante para os produtores, surge um problema: os lucros que antes estavam sendo feitos no 
mercado internacional, pela vontade dos produtores, devem ser conseguidos, agora, na venda desses 
mesmos produtos dentro do mercado nacional. Porém isso cria uma situação de superprodução e, 
portanto, de excesso de oferta no mercado nacional. Na época de Furtado, e até hoje, o mercado interno 
não é capaz de absorver 100% da produção destinada ao mercado externo.
Percebendo esse mecanismo básico da economia de Estado, Furtado (2005) revelou um dos grandes 
problemas que até hoje afligem as políticas de desenvolvimento econômico no Brasil. No momento 
em que os produtores agrícolas deixam de exportar ocorre, imediatamente, uma diminuição do ritmo 
de crescimento da economia brasileira e, consequentemente, um aumento na inflação dos preços dos 
produtos que eles vendem.
Essa inflação sempre beneficiou fortemente a industrialização do país:
A elevação contínua do nível dos preços internos foi, destarte, o instrumento 
que favoreceu a apropriação pelos empresários – particularmente os 
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industriais – de uma parte crescente do aumento de produtividade 
econômica de que se estava beneficiando a economia com a melhora na 
relação de preços do intercâmbio externo. Assim, para que a inflação pudesse 
desempenhar um papel positivo, no sentido de intensificar as inversões e o 
crescimento da economia, foi necessário que houvesse algo a redistribuir, 
cuja origem independia dela. Mas é indubitável que ela pôs em marcha um 
mecanismo que canalizou para as mãos do empresário uma parte crescente 
da massa de renda real que a melhora na relação de preços do intercâmbio 
externo havia formado na economia. Esse processo de transferência teria de 
chegar a um fim, pois, uma vez alcançada certa composição de importações, 
a participação dos bens de capital e das matérias primas já não poderia 
crescer, pelo menos a curto prazo (FURTADO, 2005, p. 222).
Alcançado esse ponto, a elevação relativa dos preços internos já não teria nenhum efeito positivo 
sobre o processo de capitalização através do estímulo às importações de equipamentos.
O autor também formula uma hipótese a respeito da diferença do controle das importações para o 
sucesso da agricultura e da indústria. Para ele, enquanto no setor industrial o aumento de renda monetária 
é seguido de perto pelo aumento de oferta real de bens produzidos, no setor agrícola, o aumento de 
oferta depende do aumento das importações. Como as importações costumam ser controladas com o 
objetivo de dificultar a entrada de bens de consumo, fica evidente que o aumento de renda, por parte 
da população, pressiona a demanda por esses bens de consumo.
O Brasil aprendeu uma determinada política de controle seletivo de importação de bens de consumo, 
esquecendo que esse controle seletivo tem sempre como resultado o aumento geral dos preços. Portanto, 
toda vez que o Brasil controla a importação de bens de consumo, automaticamente, gera também 
inflação. Teoricamente, a inflação significa a expansão da quantidade de dinheiro distribuída no país 
entre todas as classes sociais. Mas quando essa inflação acaba determinando quais os bens importados 
que podem ser consumidos pela população, isso automaticamente transfere para aqueles que fabricam 
esses produtos no país um ganho extra.
Ao invés de a inflação beneficiar, por igual, todas as camadas sociais, ela acaba determinando uma 
transferência de renda da população em geral, para aqueles que fabricam os bens de consumo. Então, 
ao invés de a inflação significar, de fato, uma redistribuição de renda, como nos países da Europa, acaba 
significando apenas um aumento de renda para aqueles que já tinham altos ganhos de capital.
Quem mais ganha com isso é o setor bancário, que através do financiamento das atividades agrícolas e 
industriais também lucra, na medida em que a população precisa de crédito para consumir. Segundo Furtado 
(2005), a forma mais simples de se controlar a inflação seria, simplesmente, impedir que determinados 
setores da economia nacional fossem beneficiados por uma política seletiva de importações.
O autor concluiu que o final da economia escravista do Brasil, no século XIX, foi substituído por uma 
economia que beneficiou o crescimento do mercado interno. Mas, como esse crescimento do mercado 
interno estava diretamente ligado à possibilidade da exportação de produtos agrícolas e, em menor 
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parte, de minério, cada vez que foi necessário controlar a política de controle cambial para ajudar os 
setores exportadores, automaticamente, também se criaram condições para que houvesse uma expansão 
da substituição dessas importações através do crescimento da indústria nacional.
 Saiba mais
Veja a biografia de Celso Furtado em:
CELSO Furtado. Ebiografia. 2016. Disponível em: <https://www.
ebiografia.com/celso_furtado/>. Acesso em: 8 maio 2017.
 Resumo
Quem manda no Brasil é sempre um gestor de negócios, e não uma 
pessoa interessada de fato no bem‑estar social. O Estado tenta destruir 
aqueles que resolvem tomar o poder. Primeiro, tentam a cooptação pela 
corrupção. Quando não conseguem, usam a violência. Todos os conflitos 
no Brasil são reduzidos à corrupção dos líderes revoltosos. Dessa forma, 
podemos entender como líderes sindicais combativos se tornaram 
posteriormente corruptos bancados por empreiteiras. E o povo?
Para o estamento, o povo deve ser tratado como criança, recebendo 
benefícios para não reclamar. Assim, acontecem as mobilizações sem uma 
participação política e uma nacionalização do poder. Os políticos estão 
sempre mais preocupados com quem é eleito para exercer o poder e, assim, 
corrompê‑lo. Todos os políticos que compõem o estamento querem se 
manter com foro privilegiado, acima da lei. Como os juízes também fazem 
parte desse conluio, tendem a julgar sempre em favor das negociatas dos 
altos burocratas. Mesmo que as eleições sejam formalmente livres, os 
candidatos não representam os interesses do povo, como está acontecendo 
de novo com a proposta feita pelos partidos políticos de listas fechadas 
para votação.
O que poderia ser uma nova cultura brasileira, é de fato combatida pela 
tradição histórica da forma antiga de governar de Portugal, que existiu 
desde as caravelas de Tomé de Sousa, e se manteve quando Dom João VI 
chegou ao Brasil. Mesmo sendo o país chamado de terra misteriosa povoada 
de homens sem lei, nem rei, não conseguimos nos libertar da figura de um 
rei, hoje em dia chamado de presidente. Os políticos são os herdeiros da 
lealdade que Vasco da Gama, um herói burocrata, tinha às cortes de Lisboa. 
A máquina estatal resiste até hoje a qualquer modernização, mantendo 
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sua origem histórica portuguesa. Quem controla o Estado brasileiro tem 
a qualidade visível de ser hipócrita, fingindo‑se de honesto. Na prática, 
esses controladores do estado mantêm uma forma violenta de administrar, 
e se pretendem aristocraticamente superiores. “Em lugar da renovação, o 
abraço lusitano produziu uma vastidão social, na qual os velhos quadros e 
as instituiçõesanacrônicas frustraram o florescimento deste país” (FAORO, 
2001, p. 886).
Já Celso Furtado procurou descrever a evolução da economia brasileira, 
dentro do paradigma latino‑americano, pela análise da estrutura 
produtiva de cada período histórico da sociedade brasileira. Sua ênfase 
está em conceitos analíticos, como a visão da economia internacional 
baseada nas relações entre países centrais e industrializados versus países 
periféricos e agrícolas. Essa sua visão mereceu, por parte dos militares, 
a acusação de esquerdista, o que Furtado nunca foi. Ele desejava o 
desenvolvimento da indústria brasileira, sem dependência das grandes 
empresas transnacionais.
 Exercícios
Questão 1. Leia o trecho a seguir:
Análise das mais penetrantes, e que surge em 1958 rompendo por dentro da linha de interpretação 
dos ideólogos da Cultura Brasileira, é a de Raymundo Faoro, sobre a formação do patronato político 
brasileiro intitulada Os Donos do Poder. De inspiração weberiana, sua história se constitui a partir do 
enfoque em que privilegia o estamento burocrático na sequência da História do Brasil, estamento esse 
responsável pela montagem e persistência de instituições anacrônicas, frustradoras de secessões que 
poderiam conduzir a “emancipação política e cultural”.
Fonte: MOTA, C. G. Ideologia da cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1978. p.178.
Raymundo Faoro em sua obra discute a formação do Estado patrimonial brasileiro. Sobre isso 
podemos afirmar que:
A) As raízes desse Estado patrimonial e do poder do estamento burocrático podem ser encontradas 
na herança da colonização portuguesa.
B) De acordo com Faoro, a origem do Estado patrimonial estaria na maneira como o poder feudal se 
estabeleceu no Brasil e em Portugal.
C) Para Raymundo Faoro, a estrutura patrimonial do Estado não se vincula à expansão comercial 
portuguesa no início da modernidade.
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D) A maneira como se organizou a expansão econômica aliada ao poder do Estado trouxe a precoce 
industrialização a Portugal e a suas colônias.
E) As classes sociais viriam a ser a forma da organização social predominante no Estado patrimonial.
Resposta correta: alternativa A.
Análise das alternativas
A) Alternativa correta.
Justificativa: para Faoro, as relações entre o homem e o poder no Brasil estariam marcadas pelo 
patrimonialismo à maneira como isso se desenvolveu em Portugal desde os tempos feudais.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: não podemos falar em feudalismo no Brasil já que nossa origem já nos situa na modernidade. 
E também, para Faoro, o poder em Portugal não se caracterizou como feudal, mas patrimonial.
C) Alternativa incorreta.
Justificativa: ao contrário, o Estado patrimonial seria o responsável pela estabilização da economia 
o que permitiu essa expansão.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: na verdade, o Estado formado como uma gigantesca empresa comercial, no contexto de 
sua organização em moldes patrimoniais, teria afastado tanto Portugal quanto o Brasil da implantação 
da indústria, o que viria a ocorrer tardiamente nesses países.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: a formação socio‑histórica do Brasil seria composta a partir dos “estamentos” criados 
pelo Estado patrimonial e não de classes sociais propriamente ditas.
Questão 2. De acordo com Raymundo Faoro, o sistema patrimonialista brasileiro não seria refratário 
às mudanças e às transições. Sobre seu entendimento quanto a isso podemos afirmar que:
A) Foi apenas a partir da ruptura com o patrimolialismo que se iniciou a industrialização no país.
B) A condição que permite essa possibilidade de mudança está contida nos mecanismos de 
intermediação e controle operados pelo Estado.
C) O capitalismo moderno não se ajustou ao quadro tradicional brasileiro.
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D) A burocracia estatal consolidou‑se como resistente às mudanças.
E) No Estado patrimonial há uma extensa separação entre o campo político e o econômico.
Resolução desta questão na plataforma.

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