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CARACTERIZAÇÃO DE SISTEMAS VIVOS CONCEITOS SISTÊMICOS APLICADOS À BIOLOGIA: O pensamento sistêmico moderno, fundado na Teoria Geral dos Sistemas por Ludwig Von Bertalanffy (1968), cria o conceito “organísmico” (visão organicista da realidade) assumindo que um organismo vivo não é um simples conglomerado de elementos, mas sim um sistema possuindo integração e organização entre esses elementos. O conceito sistêmico dos seres vivos de Bertalanffy é suportado na termodinâmica de sistemas abertos, como explicaremos adiante. Tais sistemas mantêm sua organização por meio de processos autônomos (auto-organizados) e hierarquizados de maneira a sempre operarem longe do equilíbrio termodinâmico. Desta forma, os sistemas biológicos, embora dependentes de influxos de matéria e energia provenientes do meio externo para sua manutenção e crescimento/desenvolvimento, não são entidades que respondem mecanicamente, exclusivamente ou são padronizados por agentes externos. De fato, nesses sistemas, mais do que relações de causa-efeito, a organização é mantida por padrões complexos de interações entre suas partes ou sub-sistemas, permitindo o estabelecimento de ações não locais entre diferentes partes da rede de interações que forma o sistema, possibilitando a sincronização e comportamento coletivo dos componentes, resultando em propriedades emergentes. Em outras palavras, o que acontece nos menores níveis de organização do sistema reflete em níveis maiores. Todas essas características permitem categorizar os sistemas vivos como sistemas complexos. Por sistemas complexos entendemos ser aqueles sistemas formados por elementos, em geral de muitas naturezas diferentes, que possuem relações determinísticas entre si. O conjunto das relações entre os elementos desse tipo de sistema está estruturado na forma topológica, que segue sempre a regra de fluxo de energia no sentido de onde tem mais energia, para onde tem menos energia. Por isso, apesar da complexidade e do caos aparente, que é inerente quando se tem muitos elementos interagindo de forma aleatória, em sistemas vivos existe um determinismo bem definido pela entalpia. Sendo assim, a organização e interação entre os elementos, em qualquer escala hierárquica, irá sempre beneficiar a melhor organização do sistema em relação ao seu ambiente, favorecendo o influxo de energia ou de matéria. Sumarizando, os sistemas vivos são complexos, caóticos, porém com pouca aleatoriedade. Como são determinados por leis termodinâmicas, podem ser caracterizados por grandezas vetoriais de base energética (temperatura, pressão, massa, volume, etc) e, por fim, permitem previsibilidade através de descritores matemáticos e funções. Para abordar a termodinâmica dos sistemas vivos, dividimos o universo em duas partes: a região na qual estamos interessados, tal como uma célula, é chamada de sistema; tudo o mais, como as células vizinhas, ou o planeta Terra, é a vizinhança ou meio ambiente. Ou seja, o ambiente ou vizinhança é formado pelo conjunto de partes que podem, de alguma forma em maior ou menor grau, interagir com o sistema. A determinação ou delimitação do sistema termodinâmico é puramente abstrato do ponto de vista físico- químico; podendo o observador escolher livremente como definir o que será objeto de seu estudo. De maneira geral, podemos dizer, com base em princípios termodinâmicos, que a existência de sistemas vivos está condicionada a uma única regra geral: o sistema existe desde que a entropia do sistema seja menor que a entropia do meio ou da vizinhança. Assim, a vida é possível às custas do aumento na entropia do meio ambiente em relação ao sistema, e que seres vivos obtém ordem interna causando desordem externa. Como sistemas abertos que trocam energia e matéria com o meio ambiente, os organismos vivos nunca estão em equilíbrio. Continuamente consomem materiais às custas dos quais mantém uma maior ordem interna em relação à externa, sendo que as células vivas possuem processos de transformação de energia que são eficientes e que se baseiam na síntese ou quebra, compartimentalização ou transporte de moléculas de modo cíclico e contínuo. Esse processo de transformação e de aproveitamento energético persiste até à morte, quando então é impossível a manutenção de uma maior ordem do sistema em relação ao ambiente. Notas: 1 - Aspectos fundamentais de sistemas biológicos: Sistemas auto-organizados em redes complexas, hierarquizado com múltiplos níveis de organização, com emergência, semi-abertos, topológicos dissipativos, fora do equilíbrio termodinâmico. 2 - O equilíbrio termodinâmico é o ponto de máxima entropia, com máxima desordem, com menor energia (Figura 1): Figura 1 – O equilíbrio termodinâmico é o ponto de menor energia livre, de maior estabilidade, de menor capacidade de realizar trabalho. Tal regra energética de condicionamento existencial da vida permite estabelecer e definir tendências bastante coerentes de comportamento de sistemas vivos. Logicamente, não são padrões, pois um sistema pode modificar as interações entre seus elementos de n maneiras, alterando as redes de interação. Porém, sempre a sim de atender essa regra básica, comentada anteriormente. Portanto, independente das modulações na rede de interações e configurações do sistema vivo, o resultado sempre será a manutenção de maior ordem interna em relação à ordem do ambiente. Podemos assim dizer que existem muitos caminhos possíveis, todos eles levam ao mesmo destino e a preferência sempre será por aquele que favorece o melhor fluxo de energia e o mais simples ou parcimonioso (Figura 2). Diante disso, uma compreensão básica sobre as leis da termodinâmica é fundamental para compreensão do que é vida e dos processos biológicos. Pode-se definir a termodinâmica como a ciência que estuda as propriedades de um sistema e as transformações de energia e matéria por ele experimentadas, sendo que as propriedades de um sistema são o produto do movimento caótico de suas partículas atômicas, seus átomos e suas moléculas, o que por sua vez, é influenciado pelas interações diversas que ocorrem entre os átomos e moléculas e também com o meio. A validade da termodinâmica para compreender a vida está justamente em fazer inferências sobre as propriedades do sistema, baseando-se em seus estados de equilíbrio que precedem ou antecedem uma transformação físico – química e, portanto, biológica, qualquer. A B Figura 2 – A - Considere o ponto de partida verde e o ponto de chegada/destino vermelho nesse sistema. Existem várias interações ou caminhos possíveis. Algumas trajetórias não permitiram a chegada ao destino, são fúteis. No entanto, muitas permitem que a trajetória ocorra de forma rápida. O caminho preferencial é o de menor fluxo de energia, mais simples ou parcimonioso, no entanto, o sistema pode ajustar outras rotas, dependendo das condições do meio a que está sujeito. B – Uma representação simplificada de como seria a rede de interações entre elementos em uma célula. Cada ponto representa um elemento do metabolismo celular. Assim, o esquema é um mapa metabólico mais completo e realista do que os ciclos e rotas bioquímicas mostrados em duas dimensões. Importante observar que existem nós ou hubs centrais (que agregam muitos links da rede), os quais são os elementos de maior valor no metabolismo celular. Esses hubs seriam o ponto verde apresentado na figura A. A VIDA OBEDECE ÀS 3 LEIS DA TERMODINÂMICA: "O mundo tende ao caos"; "a vida contraria a 2ª lei da termodinâmica". Estas são duas frases famosas oriundas da não compreensão dos conceitos embutidos nas leis datermodinâmica. Ou seja: sistemas biológicos são altamente organizados mas seguem as leis da termodinâmica, e fazem isso através da diminuição da entropia interna - superada pelo aumento de entropia no ambiente. Isso faz com que os sistemas biológicos nunca estejam em equilíbrio estático, mas buscando sempre um estado de equilíbrio energético dinâmico! Reações bioquímicas estão ocorrendo a todo momento – literalmente – para manter o equilíbrio dinâmico entre o sistema e o ambiente. A vida é um jogo de equilibrar pratos! Quando o equilíbrio estático for alcançado, ocorre a morte do ser vivo e só então cessam as trocas de matéria e energia com o ambiente, logo, seres vivos são o melhor exemplo de sistemas termodinâmicos semi-abertos. São especialistas em trocar matéria e energia com a vizinhança. Se energia e matéria são a moeda da natureza, então os sistemas vivos são super-economistas. A Primeira Lei: Conservação da Energia / Entalpia “Qualquer que seja a forma de energia ou matéria considerada, a quantidade de energia total de um sistema e no seu ambiente será sempre constante, isto é, a energia ou a matéria nunca desaparece do universo, ela é sempre transformada de um tipo para outro ou compartimentalizada no espaço-tempo.” Esta lei relaciona a conservação de energia e de massa durante os processos de troca entre um sistema com as suas vizinhanças. Em resumo, a energia interna de um sistema é conservada; não pode ser criada nem destruída mas pode ser convertida de uma forma em outra forma de energia desde que seja no sentido: mais energia menos energia. Define- se, então, o conceito da Entalpia. A Entalpia de um sistema é igual à energia liberada ou absorvida pelo sistema. Como os processos de conversão energética se dão em sentido único, a maioria dos processos resulta em processos dissipativos. Pode-se observar que quando transferimos energia para um sistema, como calor por exemplo, a Entalpia do sistema aumenta. Quando a energia deixa o sistema (processo dissipativo), a Entalpia diminui. Como a maioria das reações em sistemas vivos ocorre em fluidos (gases ou líquidos, que iremos estudar em seguida em nossa disciplina), existe uma grande influência das variáveis pressão e temperatura, alterando o volume do sistema. Por isso também o equilíbrio entre sistema e vizinhança é sempre dinâmico, pois os processos espontâneos de dissipação da energia livre sempre ocorrem, o que exige fluxos constantes de matéria e energia entre o sistema e o meio. A Segunda Lei: Entropia “Todo sistema possui uma função de estado extensiva que apresenta as seguintes propriedades: Durante um processo de ganho de energia/matéria a entropia do sistema permanece constante. Para os processos de perda de energia ou de matéria, a entropia do universo aumenta.” A segunda lei define porque algumas coisas ocorrem e outras não. A medida da desordem é a função de estado extensiva chamada Entropia. A Entropia existe porque a eficiência de processos espontâneos de transformação de energia/matéria nunca é total. Ou seja, existe a conservação de energia / matéria no universo, mas sempre que ocorre algum processo de transformação ou transporte, a energia dissipada não é ganhada pelo sistema. A primeira lei diz somente que a energia ou a matéria são conservadas e que processos exergônicos (possíveis de ocorrerem no sentido de maior para menor energia) ocorrem espontaneamente, mas não permite inferências sobre o porquê as coisas acontecem como acontecem na natureza, pois não diz respeito a eficiência de processos que usam energia livre. A segunda lei diz que a energia de um sistema ou permanece constante ou diminui em relação ao seu ambiente, mas nunca aumenta. Por isso, a energia e matéria de um sistema em relação ao seu ambiente exibem uma tendência a se tornar cada vez mais homogêneas, mais estáveis, à medida que os fluxos ou processos entre sistema e ambiente ocorrem. A Terceira Lei: Energia Livre “A Entropia de qualquer sistema é zero quando a temperatura absoluta é zero.” Este é o enunciado físico da terceira lei, que pode ser esclarecido dizendo-se que se estabelece conceitualmente o estado padrão de Entropia, definindo o zero da escala de medição desta propriedade, que aumenta à medida que a temperatura aumenta. Também se introduz um conceito importante que é o do tempo, até então não contemplado nas outras duas leis. No zero absoluto não há Entropia e nem Entalpia, ou seja, não existem as duas primeiras leis, não existem movimentos de partículas ou átomos ou moléculas e, portanto, não ocorrem transformações ou transportes de matéria ou de energia, não existem processos. Em teoria, nesse ponto, como as leis da termodinâmica não se aplicam, pode-se dizer que o tempo para! A medida que a temperatura aumenta, iniciam-se os processos que tendem a elevar a Entropia do sistema. Ou seja, tudo volta a tender para a desordem. Para uma dada transferência de energia, ocorre maior variação na desordem quando a temperatura é baixa que quando é alta. Isso é explicado pois as moléculas de um sistema frio têm pouca agitação: o aumento de energia agita-as mais do que se o sistema já estivesse quente ou a uma maior temperatura. Esta Terceira Lei é, então, um complemento para entendimento do vetor tempo ausente nas 2 primeiras leis: Primeira Lei: Você não pode ganhar e nem perder! - Quando há conversão de uma forma de energia ou de matéria em outra, ou transporte de matéria ou energia entre o sistema e o ambiente, o saldo líquido tem que ser nulo (0). Por isso, é chamada "lei da conservação de energia ou de massa". Segunda Lei: Você nunca pode ganhar nada! - Quando ocorre transformação ou transferência de energia ou matéria num sistema, a eficiência do processo não pode ser maior que 100%. Na verdade, ela sempre é menor que isso, devido aos processos dissipativos! Portanto, qualquer processo em um sistema sempre ocorrerá com uma eficiência menor que a máxima, seguindo um fluxo de energia descendente e homogeneizando a energia e a matéria no universo. Terceira Lei: Quanto maior for a temperatura, mais você irá perder. Como o saldo de matéria e energia entre sistema e ambiente tem que ser nulo e como os processos de transformação ou de transporte nunca tem máxima eficiência pois só ocorrem no sentido descendente, ao longo do tempo (acima do zero absoluto) tudo tende ao estado de menor energia, mais desorganizado e mais estável possível. VARIÁVEIS E FUNÇÕES DE ESTADO: O estado de um sistema pode ser definido como sua condição energética em um determinado instante no espaço. A entalpia e a entropia são funções que definem o estado de um sistema. Isso significa que seus valores dependem somente do estado atual do sistema em relação ao ambiente, e não de como o sistema atinge tal estado. Porque o sistema biológico sempre busca manter maior organização e maior energia que o ambiente, então o seu estado sempre pode ser descrito em função de variáveis do ambiente. A descrição do estado de um sistema biológico pode ser também realizada indiretamente por variáveis relacionadas à sua entropia. Assim, é comum estudarmos sistemas biológicos pela relação R=f (V), onde R é uma variável que descreve o estado do sistema e V é uma variável que descreve o ambiente. Cinco variáveis são especialmente importantes para descrever o estado do sistema e o ambiente: Pressão, Temperatura, Tempo, Espaço e Massa. No entanto, inúmeras outras variáveis podem ser associadas a essas descrições, como por exemplo o pH, a condutividade elétrica, taxas diversas, entre outros. Através da relação entre duas variáveis há a possibilidade de estabelecer modelos empíricos quefornecem tendências de variações de estados do sistema em diferentes condições ambientais. Na biologia, algumas funções matemáticas são amplamente utilizadas para a descrição dessas tendências. São elas: Exponenciais (decaimento e crescimento), Polinomial de segunda ordem com ponto de máxima (parábola), Senóide e Potência. A abordagem da função de estado de sistemas biológicos é realizada por três maneiras, que são: Observação: monitoramento periódico e a longo prazo de um sistema biológico e seu ambiente, sem interferência do observador em um ou outro. Tem objetivo de compreender o comportamento do sistema em seu ambiente natural, dentro dos limites que condicionam tais comportamentos. Experimentação: observação do comportamento do sistema e seu ambiente, através de variações induzidas em um ou outro ou em ambos, com o objetivo de compreender os mecanismos, verificar, detalhar e validar tendências em limites bastante amplos. Modelagem: experimentação do sistema e do ambiente em diversas combinações e em várias situações possíveis estabelecidas a partir de hipóteses que podem ser testadas, levando em consideração as escalas espaciais e temporais que compões as relações sistema e ambiente. Tem como objetivo simular os estados do sistema de maneira dinâmica, prever comportamentos, em função de variações do ambiente. As abordagens raramente são empregadas de forma isolada sendo que mesmo havendo predominância de uma ou de outra forma, sempre será necessário lançar mão de pelo menos duas delas, o que certamente permitirá reduzir as limitações metodológicas do estudo do estado de sistemas biológicos. No caso da modelagem, três tipos de modelos podem ser definidos: os conceituais, os empíricos e os dinâmicos ou mecanicistas. Os modelos conceituais e os empíricos podem ser matemáticos, ou lógicos, ou então serem protótipos, maquetes ou fluxogramas. Já os mecanicistas são apenas matemáticos ou lógicos. Existe uma grande importância no emprego dos modelos do tipo maquetes, especialmente quando se trata de resolver problemas de mudanças de escalas. Através do estabelecimento de fatores de escala e de relações alométricas é possível realizar generalizações de processos observados em outras escalas. Abaixo, segue quadro com algumas características que definem, de maneira favorável ou não, cada uma das formas de abordagem para estudar as funções de estado de sistema vivos. Abordagem Prós Contras Observação 1. Parametrização e validação de modelos 1. Raramente registros de longo prazo são maiores que 50 anos. 2. Permite avaliar respostas da mesma espécie em diferentes condições 2. Tragetórias futuras são incertas. 3. Permite avaliar efeitos de longo prazo 3. Impossível ter uma rede de observadores sem viés. 4. Não se sabe o histórico de longo prazo. Experimentos 1. Ferramenta poderosa para avaliar cadeia de causas e efeitos 1. Geralmente, níveis testados estão longe da realidade 2. Validação e calibração de modelos 2. Pode-se ter, realisticamente, máximo de 3 interações. 3. Permite se ter surpresas! 3. Apenas curto prazo. Modelos 1. Integra o estado da arte do conhecimento 1. Necessário acrescentar respostas plásticas 2. Permite projeções no tempo e no espaço 2. Difícil validação no longo prazo 3. Permite testar conceitos 3. Dificuldade de incorporar variedade de processos
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