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Jose Luis Fiori-O Consenso de Washington

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O Consenso de Washington 
 
 
Palestra proferida pelo professor José Luís Fiori (UFRJ) 
Local: Centro Cultural Banco do Brasil 
Data: 04 de setembro de 1996 
Patrocínio: Federação Brasileira de Associações de Engenheiros - FEBRAE 
 
Quando fui convidado para falar sobre O Consenso de Washington e aceitei, foi porque percebi 
logo que, na hora do convite, o interesse era o de se falar sobre uma época e não propriamente 
sobre o consenso ou o que seja o consenso, o que não quer dizer que eu não vou dizer a vocês o 
que entendo do consenso. 
Afinal, do que se trata? 
Com certeza, não é uma coisa complicada. Eu escrevi alguns artigos onde aparecia essa 
expressão e houve um momento em que um amigo me disse assim: Fiori, se você não se cuidar, 
você vai ficar sendo conhecido por José Luís Consenso de Washington Fiori. 
Aí, eu disse: não falo mais desse assunto. Até porque a expressão não é minha, enfim... 
Pretendo, aqui, abordar três temas: Consenso de Washington, Construção da matriz neoliberal e 
Políticas para a América Latina. 
Devo, aqui, fazer o lamentável papel do contraponto. 
Durante uma semana, nesse seminário, vocês ouviram falar de desenvolvimento, revolução, 
socialismos frustrados ou não, guerrilhas, atos heróicos, enfim, de um continente que, durante 40 
anos, sonhou com o crescimento econômico e com a igualdade social, e coube a mim, porque é o 
que se esconde atrás dessa expressão tão simples e tão misteriosa: Consenso de Washington, mas, 
venho falar de uma época onde a América Latina deixou de se preocupar com a igualdade, deixou 
de se preocupar com o crescimento, deixou de ser herói. 
Então, para efeito didático de nossa conversa eu vou dividi-la em três tópicos: o Consenso de 
Washington, a Construção da matriz neoliberal e como é que esse negócio chega na América 
Latina. 
E, sempre que possível, tentarei ir pautando o desenvolvimento desses temas na forma de 
perguntas e respostas, porque eu acho que facilita a compreensão e facilita conversas posteriores. 
O que é, afinal, esse Consenso de Washington? 
Para quem não o conhece (quem o conhece me desculpe por reapresentá-lo), em primeiro lugar, 
deixemos claro que não se trata de nenhum tipo de maçonaria, nenhum tipo de conspiração 
internacional, porque várias pessoas já disseram pela imprensa (ou acusaram a quem usou a 
expressão) de ter uma visão conspiratória da história, como se esse consenso fosse uma 
macroorganização clandestina que gerisse ou manejasse os instrumentos de poder mundial. 
Não, não é nenhuma maçonaria nem é nenhuma conspiração, não é o resultado de um pacto e 
também não é resultado de reuniões de organizações formais de nenhum organismo de poder 
internacional ou mesmo nacional norte-americano. 
Então, o que é? Trata-se de uma expressão quase acadêmica porque foi cunhada por um 
acadêmico, foi cunhada por um economista, o Sr. John Williamson, um economista menor, sem 
grande expressão. 
Em 1989,o International Institute for Economy, funciona em Washington, que faz parte de uma 
rede – são centros de "pensação" - onde há intelectuais pensando na perspectiva do poder - não 
vou usar a serviço do poder porque vai parecer que estou acusando os caras de vendidos - não, 
eles estão ali pensando, a médio e longo prazos, a perspectiva de poder do país deles, de ser 
comum. 
E, evidentemente, como Washington é a capital do livre império que restou nesse mundo, é óbvio 
que exista uma rede que reúne cérebros de altíssima qualidade; esses institutos recebem também, 
permanentemente, a visita de políticos, de intelectuais e autoridades que circulam pelo mundo, 
que vão àqueles institutos para atualizar suas cabeças, informar-se sobre os últimos dados e, 
eventualmente, passar algumas informações mais atualizadas sobre as suas províncias imperiais. 
Mas, não digo com maldade. Sempre foi assim, em todos os impérios e é assim nessa situação 
imperial que estamos vivendo. Pois bem, esse instituto do Sr. John Williamson promoveu, em 1989, 
uma reunião cujo objetivo era discutir as reformas necessárias para que a América Latina saísse 
da década que alguns chamaram de perdida, da estagnação, da inflação, da recessão, da dívida 
externa e retomasse o caminho do crescimento, do aumento da riqueza, do desenvolvimento, quem 
sabe até - Deus quisesse - da igualdade. 
Nessa reunião, o Sr. John Williamson publicou um "paper" onde cunhou essa expressão. Os 
resultados dessa reunião foram publicados em livro, em 1990. 
Esse livro se espalhou e espalhou-se essa expressão. E, posteriormente, ele mesmo, John 
Williamson, tentou explicar o que queria dizer com essa expressão: "eu fiz, apenas, uma lista das 
políticas e das reformas que estão sendo requeridas na América Latina, em conjunto, 
consensualmente, pelos principais centros e círculos de poder sediados na cidade de Washington 
". 
Em poucas palavras, o que John Williamson estava dizendo em seu "paper" era que a rede onde 
circulavam essas idéias - não é o governo norte-americano, não é o FMI, não é o Congresso 
norte-americano. Não, não, no fundo, há uma rede de burocracias relevantes para o comando e 
coordenação da política econômica mundial dos EUA e para cuidar da América Latina. E, hoje, 
aparentemente, de uma maneira surpreendente, os institutos formadores daquela rede têm as 
mesmas idéias. 
É um fenômeno admirável. As principais burocracias econômicas do Tesouro norte-americano: o 
FAD, o FMI, o BID, o BIRD e, até um pouco as Nações Unidas; a academia que gira em torno de 
Washington, o que é que eu percebo, disse John Williamson? 
Olho para todos os lados, leio, sinto e percebo que todos estão pensando a mesma coisa, isto é, 
todos estão propondo a mesma coisa. 
Há uma forte convergência. E não foi sempre assim. Atenção, não foi sempre assim. 
Então, essa é a primeira coisa que John Williamson percebeu: "em Washington todos estão 
pensando que na América Latina todo mundo tem de fazer a mesma coisa". 
Aliás, não só a América Latina, o Consenso de Washington diz respeito à visão norte-americana 
sobre a condução da política econômica, sobretudo nos países periféricos, no mundo inteiro, mas, 
obviamente, de forma muito mais direta para os países da América Latina que, naquele momento, 
eram os países mais endividados, situados embaixo da zona de hegemonia, de supremacia 
norte-americana. É isso que ele chamava de Consenso de Washington. O consenso era entre essas 
coisas. Congresso, burocracias, burocracias internacionais, aí há um acordo sobre o que? 
Quais eram as idéias do acordo que ele percebia? Ele dizia: "eu dividiria o que sinto, pressinto e 
leio como um grande consenso em três planos: no primeiro plano, de ordem macroeconômica, há 
um acordo completo entre todas as agências econômicas, que todos esses países periféricos estão, 
no momento, sendo convencidos a aplicar um programa em que lhes é requerido um rigoroso 
esforço de equilíbrio fiscal, austeridade fiscal ao máximo, o que passa inevitavelmente por um 
programa de reformas administrativas, previdênciarias e fiscais, e um corte violento no gasto 
público". 
O que é que ele descobria no plano macroeconômico? Há um acordo entre todas essas agências 
com relação a que esses países periféricos deveriam buscar a estabilização monetária, porque a 
prioridade numero 1 é a estabilização e a política fiscal tem que ser submetida à política 
monetária. 
A segunda coisa que percebo, que toda essa gente está pensando: que esses países devem fazer 
políticas monetárias rigidíssimas, porque a prioridade numero 1 é a estabilização e a política 
fiscal tem que ser submetida á política monetária. 
Esse era o primeiro pacote: estabilizar é necessário. E para estabilizar, é necessário uma política 
fiscal austera,com cortes, corte de salários dos funcionários públicos, demissões, flexibilização 
do mercado de funcionários públicos, corte das contribuições sociais, reforma da previdência 
social. 
A segunda ordem de propostas e reformas, que estava naquele "consenso", para usar a palavra de 
ordem deles, eu diria que são de ordem microeconômica: é preciso desonerar fiscalmente o 
capital para que ele possa aumentar a sua competitividade no mercado internacional, 
desregulado e aberto. 
Então, o único caminho de as pequenas empresas situadas nos países da periferia entrarem nesse 
jogo seria por aumento de competitividade, o que passaria por desoneração fiscal, flexibilização 
dos mercados de trabalho, diminuição da carga social com os trabalhadores, diminuição dos 
salários. 
A terceira ordem de coisas que o consenso propunha: nada disso será possível se nós não 
desmontarmos, radicalmente, o modelo anterior que houve nesses continentes, um modelo 
perverso, que funcionou mau, só fez porcarias, que é o tal do modelo de importação de 
industrialização por substituição de importações, que é um conceito pessimamente usado. 
Nessa direção, quais são as propostas? 
As propostas estão no pacote das reformas estruturais, que foram chamadas em algum momento 
de reformas institucionais e, em alguns países, de reformas condicionais. Quais são? 
Primeiro, desregulação dos mercados, sobretudo o financeiro e o do trabalho. E isso já foi feito 
em quase todos os países da América Latina. 
Segundo, privatização, de preferência selvagem. 
Terceiro, abertura comercial. 
Quarto, garantia do direito de propriedade, sobretudo na zona de fronteira, isto é, nos serviços, 
propriedade intelectual etc. 
Pois bem, a verdade é que esse pacote que o Sr. John Williamson descobriu, em Washington, não 
é difícil de ser identificado. Quer dizer, pelo caminho imposto pela renegociação da dívida 
externa ou pelo caminho imposto pelas condicionalidades para se conseguir empréstimo no 
sistema financeiro internacional, a verdade é que os órgãos multinacionais e o sistema bancário 
privado, progressivamente, colocaram como condição de reintrodução de uma América Latina, 
que havia sido afastada pela dívida externa do sistema financeiro internacional, que ela só 
reingressaria ao sistema se botasse em prática essas políticas. 
Não se trata propriamente de uma imposição imperial, nem de uma conspiração, trata-se de um 
condicionamento comercial explícito. Quer dizer, não há confiança para emprestar dinheiro a 
quem não tenha o orçamento fiscal equilibrado, não tenha uma moeda estável, não tenha 
economia aberta, os mercados financeiros desregulados, o comércio desprotegido e o estado 
diminuído ao mínimo. 
O que é que John Williamson descobriu? Eu diria, muito curta e simplesmente, que, nos principais 
centros de poder de Washington, havia-se desenhado um programa compacto de políticas e 
reformas perfeitamente alinhadas com a hegemonia dominante dos países centrais, desde o início 
dos anos 80, isto é, um programa neoliberal traduzido para a América Latina como liberal. 
É isso, o Consenso de Washington não é uma conspiração. Foi um professor de economia, 
medíocre, que olhando ali, em Washington, disse: ué! ei! atenção! Todo mundo está dizendo a 
mesma coisa! E qual é essa mesma coisa que todos estão dizendo? É que a América Latina não vai 
para frente se não fizer isso, isso, isso e isso. 
Duas constatações: 
Um: surpreendentemente, na altura de 1990/1991, para quem quiser se debruçar sobre a América 
Latina como vocês estão fazendo, descobrir: ó, meu Deus, todos os países estão fazendo igual. 
(risos...) Ou a pergunta: como é que chegaram a esse tremendo consenso latino-americano? 
Dois: esse pacote que esse senhor descobriu não é nada mais nada menos do que a versão 
construída, nesses organismos internacionais, ou a tradução do programa de idéias neoliberais, 
que havia sido trazido e hegemonizado do Primeiro Mundo, a partir da vitória da nossa 
maravilhosa dama de ferro, a Sra. Thatcher. 
Segundo tópico: chega de consenso. Não há muito mais o que dizer sobre o tal do consenso. E 
também não procurem muito porque não vão encontrar. 
O fundamental não é o Consenso de Washington, mas, sim, o que está por trás do tal consenso, 
isto é, apenas o Consenso de Washington como uma espécie de expressão emblemática de uma era, 
de uma época. 
Que época é essa? A época em que venceu, se construiu e venceu, do ponto de vista ideológico, a 
matriz neoliberal, que é paralela à época em que avançou célere o que outros economistas 
chamam de processo de globalização financeira. 
Como se formou essa matriz neoliberal? 
Essa, sim, é uma pergunta um pouco mais complicada de se responder. Para enfrentar o segundo 
tópico do tema dessa nossa conversa, é fundamental fazer um brevíssimo flashback, do tipo 
histórico, para que possamos acompanhar, minimamente, o movimento decisivo da ascensão 
política ideológica neoliberal. 
Vamos por partes, para descobrir como o consenso keynesiano foi, de repente e, milagrosamente, 
atropelado e, aparentemente, vencido facilmente, por esse novo consenso, o Consenso de 
Washington, não há como não retroceder ao momento em que hoje, todos os analistas e 
historiadores já consideram (....risos e falas incompreensíveis). 
Eu diria que já há poucos historiadores e analistas que não se sintam, com relação ao 
reconhecimento, de que, entre 1968 e 1973, ocorreram um conjunto de fatos, nos planos 
ideológicos, militar e econômico, que acabaram provocando uma verdadeira ruptura histórica na 
trajetória dessa segunda metade do século. Por volta de 1968, isto é, do ponto de vista de 
referências mais visíveis, digamos assim, entre a revolução de maio dos estudantes e dos 
sindicatos, em Paris, e o fim do padrão dólar, para usar duas coisas bem, aparentemente, 
desconectadas, estava-se fazendo uma rachadura na história contemporânea. 
E a verdade é que, a partir de 73, o mundo central, e entenda-se por mundo central a reunião dos 
países mais ricos e nós, paulatinamente, depois, mas, agora estarei falando do mundo central. 
Esse mundo entra em crise, esse mundo perde suas referências anteriores e entra numa longa 
transição, que ainda não acabou nem se sabe como acabará, e estamos em 1996. 
O importante para nós, entretanto, é relembrar quais foram as referências perdidas e o que ficou 
para trás. Como é essa ruptura? Eu diria que o que ficou para trás foi uma era muito especial do 
século 20 e, talvez, da história moderna. Uma era muito especial no plano da história econômica, 
política e social da humanidade. 
O período que vai do fim da segunda guerra mundial até 1973 é o que, quase todos hoje, chamam 
de a era de ouro do capitalismo. E é a era de ouro da democracia. E é a era de ouro desses países 
do ponto vista do avanço dos patamares possíveis de igualdade social. 
Nesse período, como se acontecesse um milagre, porque cada vez mais se parece um milagre, 
durante alguns anos, todos nós pensávamos, será uma conjuntura ruim e voltaremos para lá, mas, 
quanto mais os anos passam mais parece que aquilo foi completamente excepcional na história do 
capitalismo. 
O que é que aconteceu ali? A economia cresceu continuamente e a taxas muito altas e universais 
ou quase universais. 
Nós também crescemos aqui no sul. E os países socialistas, que, hoje, estão em degradação 
econômica e social, cresceram mais do que ninguém nesse período. Houve aumento da 
produtividade do trabalho. Houve pleno emprego. Houve crescimento da renda per capita. 
Constituiu-se o sistema de proteção social e solidariedade republicana mais sofisticado que a 
humanidade já conseguiu construir. E conseguiu-se manter funcionando os sistemas 
democráticoscom participação maciça da população por meio da intermediação dos partidos 
políticos. 
Pois bem, essa era de ouro do capitalismo, muito rapidamente, eu diria, esteve sustentada e vou 
dizer quais os pilares em que acho que esteve sustentada, porque quero mostrar, exatamente, a 
hora em que a coisa neoliberal avança. 
Pois que essa é uma era rigorosamente antineoliberal. É uma era, do ponto de vista ideológico, 
predominantemente social-democrata ou keynesiana, como dizem alguns. 
Pré -73: aí, os grandes objetivos que a humanidade se colocou foram: crescimento, eqüidade e 
pleno emprego. 
E vocês verão mais lá na frente, quando venceram as idéias do neoliberalismo, que os objetivos 
serão outros. Serão equilíbrio macroeconômico, eficiência e competitividade. Completamente 
diferentes. 
Mas, nessa hora, dos anos 50/70, eu diria que foi possível esse sucesso, e já penso nisso e jogo isso, 
na nossa conversa, para, inclusive, refletir se há possibilidade, no futuro, de voltarmos a fazer 
esse milagre. 
Em primeiro lugar, porque houve uma espécie de grande consenso ideológico promovido pelo 
próprio efeito da guerra, da social- democracia e dos liberais keynesianos, em torno a esses 
objetivos dos quais lhes falei. 
Em segundo lugar, mesmo os liberais dessa época, reconheceram a necessidade e a 
indispensabilidade de um papel ativo do estado, nos países centrais, no controle das crises 
econômicas, e nos países periféricos, no comando do desenvolvimento. 
Em terceiro lugar, esta época esteve assentada em um pacto implícito, explícito e, rigorosamente, 
antiliberal; entre o capital, o trabalho e o estado, que se chamou, na época, de neocorporativismo. 
Em quarto lugar, esse pacto, esse grande acordo, foi possível graças, sem dúvida nenhuma, à 
existência de uma ordem mundial, política, ideológica, que é bipolar, conflitiva e, ao mesmo 
tempo, de uma ordem econômica, do lado ocidental, do outro lado capitalista, perfeitamente 
regulada pelos acordos de Bretton Woods, e, perfeitamente, conduzida pelo comportamento 
hegemônico dos EUA, que, durante esse tempo, por generosidade ou por interesse, pensou os 
interesses dos outros seus pares antes de pensar os seus próprios. 
Os senhores podem dizer que, nesse momento, os EUA tinham tanto poder que se podia dar a essa 
generosidade, como vocês podem achar. Que nesse momento, seu medo do mundo comunista era 
tão grande que foi impelido a essa generosidade. Dá no mesmo; dá no mesmo. 
Pois bem, se era assim, o que passou em torno de 73 que rompeu esse mundo de sucesso? 
Alguns fatos e conseqüências importantes: eu destacaria, muito rapidamente, em primeiro lugar, 
as revoluções políticas e sindicais européias, isto é, a rebelião dos sindicatos - fim do pacto, fim 
do pacto. 
Em segundo lugar, a derrota americana no Vietnã e de Israel, parcial, na guerra do Ion Quipur e, 
como conseqüência, a formação da OPEP e a chantagem em torno do preço do petróleo, isto é, o 
questionamento da hegemonia norte-americana. 
Em terceiro lugar, no plano econômico, o choque do preço do petróleo e o fim da paridade 
ouro/dólar, isto é, o fim do Bretton Woods, o fim do acordo pós 2a guerra mundial. 
Como vocês podem ver, de uma só tacada, em três anos, rompe-se o pacto do capital com o 
trabalho, põe-se em dúvida a hegemonia militar norte-americana e entra ladeira abaixo a 
hegemonia econômica e o dólar norte-americanos. 
Como conseqüência, meus amigos, entre 73 e 80, a economia e a política mundial passam a ver 
uma situação de crise e instabilidade. Esse é o período em que as coisas ficam completamente 
destrambelhadas nas relações entre as grandes potências. Nós aqui em baixo, até que nos damos 
bem, é o período em que aproveitamos e demos um salto no sentido industrializador. 
Mas, entre eles, digo entre eles as grandes potências, a situação é muito má. E eles passaram a 
viver, pela primeira vez, desde a 2a guerra mundial, um período de recessão prolongada: 
desaceleração do crescimento, aumento da inflação, aumento do desemprego, aumento do gasto 
público de natureza social e as políticas de estabilização implementadas não funcionaram. Isso é 
73/79. É esse impasse. É esse impasse que explica a virulência da virada conservadora, que 
ocorrera no mundo, exatamente, entre 1979 e 1982. O que é que aconteceu ali nesses anos? No 
plano econômico sim, o segundo choque do petróleo os senhores sabem; mas, no plano da 
iniciativa norte-americana, o que alguns chamaram de a 2a guerra fria. Isto é, colocar o mundo 
socialista contra a parede. 
E, em terceiro lugar, a subida da taxa de juros norte-americana e a revalorização da moeda 
norte-americana. 
Isto é: ei, parceiros e subalternos, nós estamos a fim de recompor a nossa supremacia nesse 
mundo. E o fizeram, e o fizeram, muitos seguiram falando de crise da hegemonia americana, até 
hoje falam. Mas, é cada vez mais difícil dar ouvidos a essa discussão, dadas as dimensões que a 
presença norte-americana vai adquirindo no mundo, 
Pode-se discutir se é supremacia, hegemonia, império, mas, isso é perfeccionismo de intelectual. 
Pão-pão, queijo-queijo, há uma relação hierárquica de poder com um centro de poder único no 
mundo, com baixa capacidade de contestação dos demais centros, quanto a isso não ha dúvidas. 
Agora, nesses momentos de 79 e 82, acontece, para efeitos dessa nossa conversa e desse tópico (a 
matriz neoliberal), o fato mais importante, mais importante: quer dizer, em conjunto com essas 
mudanças geopolíticas, monetárias, acontece a chegada ao poder, a vitória, no eixo 
anglo-saxônico, das idéias liberais, conservadoras. 
E, já aí, aparecem traduzidas na forma de um programa de governo, cuja experiência, 
seguramente mais paradigmática, mais radical e para todos os efeitos das futuras teses de 
doutorados, das pessoas que venham a fazer isso com os anos, será o estudo da Sra. Thatcher. Na 
Inglaterra é onde se fez o experimento máximo de consistente aplicação do receituário neoliberal 
completo, não nos EUA. Não com o Reagan. 
Mas, isso foi como um efeito dominó. Se vocês se lembram bem, ganhou a Sra. Thatcher na 
Inglaterra; ganhou o Sr. Reagan nos EUA; logo depois ganhou o Sr. Kohl, na Alemanha; sim, 
ganhou o Sr. Mitterrand na França, em 81, e experimentou uma política do tipo keynesiana; teve 
que recuar, portanto, entrou também. 
E, quando em 1982, o jovem carismático e brilhante líder, socialista europeu, Felipe Gonzalez, 
chegou ao governo da Espanha, já chegou com a cabeça devidamente ajustada ao que ele 
chamava, na época, de os requerimentos realistas do mundo que nós estávamos vivendo. Isto é, 
chegou com um programa liberal de governo. 
A partir daí, na Europa e nos países centrais, o que vocês vão ter é um processo de difusão 
crescente. E olhe, eu estou usando a palavra difusão, não dizendo para vocês, em nenhum 
momento, verbos que soem a imposição ou coisa do gênero; não, não. Uma difusão desse mesmo 
pacote, dessas mesmas idéias neoliberais, sobre as quais já direi três palavras, essa matriz 
neoliberal é transformada num programa político de governo, que vai se difundindo, como ondas 
ou como dominó, até alcançar, enfim, o momento apoteótico da derrota do mundo, da implosão do 
mundo socialista e da invasão, finalmente, das terras, até então, reticentes às idéias liberais e à 
adesão, frenética, das suas elites a esse programa. 
Essa é um pouco a trajetória pela qual, politicamente, aliás, foi nesse momento, em que o leste 
europeu aderiu às teses neoliberais, que Fukuyama, um japonês do Departamento de Estado 
Norte-americano, com uma certa razão, mas, ao mesmo tempo, um quanto vesgo, naquele 
momento, olhou assim, e disse: é verdade, venceram, acabou-se a história. 
O que é que ele queria dizercom acabou-se a história? Ele queria dizer que as três grandes 
bandeiras ideológicas em que eram coordenados os conflitos da modernidade, isto é, socialismo, 
nacionalismo e liberalismo, entre esses três estava declarada a vitória definitiva, cabal, radical 
do liberalismo, e os outros dois que fossem para casa. 
Durou muito pouco tempo para que começassem a aparecer por todos os lados fenômenos dos 
tipos nacionalistas da pior espécie, mas, nacionalistas, e eis que, aqui, lá, acolá, alguns 
intelectuais começam a tentar ressuscitar o tal de socialismo. Parece que esse bicho dura mais do 
que a gente possa imaginar. 
Mas, o Fukuyama, olhando de Washington, disse: a vitória é tão acachapante que é melhor, vou 
logo tacar um livro sobre o assunto - que fez o maior sucesso. 
A verdade é que vendeu para danar, eu me lembro que fui assisti-lo aqui, no Intercontinental, 
quando ele passou aqui, e ele, com a máxima sinceridade, disse: eu não sei porque tenho tanto 
sucesso. Eu escrevi isso aí e, de repente, me chamam do mundo inteiro. O que não conseguiu 
impedir que eu lembrasse aquela piada em que um japonês preparava-se para puxar a descarga 
da privada ao mesmo tempo em que caiu a bomba atômica e ele ficou pensando que havia sido ele 
o causador daquele estrago. E eu fiquei achando que o Sr. Fukuyama estava precisando ir a um 
analista para lhe explicar: olha não foi o seu livro que fez isso, não se preocupe (risos...). 
Pergunta: o que se propõe? Aqui vimos, um pouco, o movimento de ascensão da matriz e como é 
que ela ganha politicamente e como é que ela se difunde pelo mundo. 
Mas, o que é que ela difunde? Afinal, que matriz é essa? O que propõe esse neoliberalismo que 
chegou tão abrupta e vitoriosamente entre nós? Qual a sua novidade, por exemplo? 
Essa é uma boa pergunta, sobretudo para quem estuda os pensamentos políticos. Qual é novidade 
desse neoliberalismo, com relação ao velho liberalismo? 
Qual éh a novidade? Por que "neo"? Bem, antes de chegar ao ponto por que "neo", o que é que 
tem "neo" e o que é que tem de velho, eu diria que, do ponto de vista acadêmico e teórico ou das 
idéias, antes de elas virarem argumentos da Sra. Thatcher, antes disso, a trajetória desse 
neoliberalismo passou, pelo menos, por quatro etapas. 
Como estamos aqui no meio de uma conversa para socializar informações, os que já sabem, 
lamento, mas vou rapidamente dizer: o que é considerado a origem teórica desse onda neoliberal 
é um famoso livrinho de um economista austríaco, que viveu parte de sua vida nos EUA e que 
chamou de " O Caminho da Servidão", publicando-o em 1944, e que foi, de largada, já uma 
porrada em tudo que era wellfare state, intervenção do estado.Por isso essa obra ficou como 
referência quase bíblica do movimento neoliberal. 
Pois bem, nessa primeira etapa, que chamaria de 44 a 60, esse movimento neoliberal não passou 
de ser, aí sim, aí sim, de uma pequena maçonaria. E que me poupem outros intelectuais, mas, 
criaram na Suíça um movimento chamado MONT PELLERIN, e eles se reúnem até hoje, todo ano, 
mas, nessa época, se reuniam, meio clandestinamente, para falar mau desse negócio keynesiano, 
social- democrata, que era dominante no mundo. 
Muito bem, entre 60 e 80, já dava para perceber que as coisas estavam mudando, porque esses 
homens, eram homens que viviam, mais ou menos, isolados nas suas cavernas, excelentes 
cavernas , mas, de qualquer maneira (risos...) - é o que eu ando pedindo agora que passei a ser 
solitário, quase maçom - gostaria de ter as cavernas que eles tinham na Suíça para analisar, para 
resistir. 
Um dia eu ouvi o Perry Anderson, que é um historiador inglês, aqui, em um seminário sobre 
neoliberalismo, onde ele disse: Há que reconhecer esses homens, que foram resistentes, jamais 
fizeram concessão nenhuma. 
É verdade, nunca concederam nada, não sei se por inteligência ou burrice, nunca concederam 
nada, nada, nenhuma vírgula. Abaixo o wellfare state, não concessões. E depois até brinquei com 
alguns, as cavernas em que eles estavam são as que eu quereria agora, para ficar resistindo a essa 
onda neoliberal que está aí. Mas, não temos essas condições. 
Entre 60 e 80 já dava para notar a mudança. Aí foi quando o neoliberalismo assumiu uma 
formatação mais científica. Em várias escolas econômicas e políticas adquire status cientifico e 
começa a tomar as universidades norte-americanas. Entre 60 e 80 eles já ganham uns três ou 
quatro prêmios Nobel. Isto é, já estava, mais ou menos claro que, na academia, o liberalismo 
estava ganhando a queda de braço com os keynesianos. 
Pois bem, 80/90, eles chegam ao poder. Eu diria que de 90 para frente eles viram quase santos 
(risos...). 
Quais os ideais centrais dessa nova utopia, meus amigos? Eu diria, muito resumidos, as mesmas 
do velho liberalismo. Os ideais centrais são, exatamente, os mesmos. Há variações na forma de 
implementação, mas os ideais são os mesmos. 
Quais são os ideais centrais que definem a utopia liberal desde o século XVIII e voltam a definir a 
utopia neoliberal no final do século XX? 
Primeiro, a despolitização da economia. 
Segundo, a desregulação de todos os mercados, em particular os mercados do dinheiro e do 
trabalho. 
E, terceiro, por derivação, o mínimo de estado possível. Sempre foi, sempre foi. 
Quarto, a idéia de igualdade é aceita, apenas, como condição, desculpa, como condições iguais 
para todos, na largada. (risos...). 
Não é possível discutir, cientificamente, o conceito de justiça social, não existe esse conceito para 
os liberais, para os neoliberais. Não há como determiná-lo, para usar outras palavras. Então, o 
que você pode é criar condições iguais, na largada, daí para frente, cada cavalo por si. 
O problema que eles nunca enfrentaram é: dado que os cavalos já estão todos aí, como é que a 
gente consegue botar eles na largada de novo? (risos...). Isso é um problema que eles nunca 
enfrentaram, mas, deixa pra lá. 
Pois bem, se isso aí é tão velho quanto o século XVII, vocês vejam, para quem não conhece 
história econômica, houve uma escola de pensamento econômica, na França, no século 
XVII/XVIII chamada "OS FISIOCRATAS". 
É a primeira formulação mais teórica da economia, eles tinham uma idéia muito clara, eles 
achavam que a sociedade seria perfeita se tudo fosse mercado. 
Eles eram muito mais radicais. Eles achavam que a vida toda dos homens se se movesse pelo 
mercado, ficaria igual à natureza e seria o equilíbrio universal, mas, aí, os fisiocratas diziam: tem 
um problema que impede que isso aconteça. 
Qual é o problema? Chama-se política. A política. A política, coisa que os senhores ouvirão, 
ouvirão e ouvirão, 300, 400 anos depois. É a política. Mas, os fisiocratas, que eram meio 
chegados a analisar, examinando a nossa espécie, chegaram à conclusão que a política não dava 
para amputar. Que a negada gostava mesmo de política. Então, eles chegaram a uma solução 
original. 
Século XVIII: para conseguir que os mercados funcionem, nós precisamos de um tirano 
esclarecido, porque se nós maximizarmos o poder num tirano esclarecido (esclarecido em que 
sentido?), que sabe que os mercados é que têm que funcionar e que os políticos têm que ser 
eliminados - menos ele (risos...), menos ele - então, nós poderemos chegar a uma economia de 
mercado perfeito. 
Muitos anos depois, houve pessoas que acharam que o Sr. Pinochet era discípulo dos fisiocratas, 
mas, enfim... 
Segunda pergunta: se essas são as coisas não novas, quais são as coisas que essa nova matriz traz 
de novo? O que é que eles trazem de novo? Eu diria, em primeiro lugar que, no século XVIII, eles 
estavam combatendo contra o estado absolutista e, portanto, nesse sentido, na essência do 
combate, eles eram pró ou protodemocratasHoje, o combate dos neoliberais foi muito menos 
contra o totalitarismo socialista, coisa que eles sempre consideram uma coisa de menor 
relevância e já derrotado, e o objeto central de seu combate é o estado do bem estar social. 
É outra coisa, quer dizer, se na luta contra o absolutismo, no século XVIII, poder-se-ia dizer que 
eles eram germes democratas, na luta contra o estado do bem estar social, no fim do século XX, a 
gente pode dizer, com todas as letras, que eles são radicalmente antidemocratas. 
Em segundo lugar, eu acho que a outra grande novidade e que acabou dando um impulso enorme 
ao neoliberalismo, transformando o neoliberalismo numa coisa quase implacável, inevitável, a 
linguagem da natureza, foi a combinação, a articulação " virtuosa " que ocorreu nos anos 80, 
entre a progressão das idéias neoliberais, por um lado nos governos, nas políticas, e a progressão, 
por outro lado, do fenômeno da globalização. 
Esse casamento entre idéias, políticas e reformas neoliberais e avanço da globalização, fez da 
globalização o cavalo que levou as idéias neoliberais até o oriente, e fez das idéias neoliberais o 
cavalo que está levando a globalização aos espaços mundiais que ainda não aplicaram as 
reformas devidas e requeridas, como disse o Sr. John Williamson. 
Pois bem, se essa é a novidade, como eu vejo a força política deles? Por que adquiriram forca 
política tão rapidamente, nos países centrais, não aqui; aqui também, mas, foi um pouquinho 
depois, na segunda metade dos anos 70? Eu diria que a grande força política deles, na segunda 
metade dos anos 70, decorreu do fato de que a economia mundial estava em recessão, estava em 
crise, havia inflação, aumentava o desemprego e aumentava o gasto social do estado, 
evidentemente, pois se o estado do bem estar social era para gente desempregada, entre outras 
coisas, então, tinha que aumentar o gasto. 
Diagnóstico liberal: isso é resultado do excesso de democracia, do excesso de estado, do excesso 
de regulação e do excesso de força dos organismos sindicais. Enfim, os neoliberais tinham a 
coragem de dizer que a culpa da crise eram, exatamente, os pilares em que se sustentou o sucesso 
do wellfare state, nos países centrais, e já direi, um pouco mais à frente, o sucesso muito pouco 
social democrata do desenvolvimentismo em alguns países latino-americanos. 
O que é que eles propunham no plano prático? Propunham no plano prático, e aí pensem na Sra. 
Thatcher antes que ninguém, primeiro, no plano social, à restrição dos direitos e das atividades 
do movimento sindical. 
Esse foi o primeiro ataque da Sra. Thatcher, muito antes de privatizar. Atenção, privatização é 
uma coisa muito tardia, no governo da Sra. Thatcher. Agora, a destruição dos sindicatos foi 
imediata, foi imediata. O direito de greve, o direito de organização, e por aí vai. 
Em segundo lugar, no plano político, a redução radical da presença estatal na economia e na 
sociedade, via desregulação, privatização e abertura comercial. 
Em terceiro lugar, no plano econômico, o que os economistas chamaram de supply side economy, 
isto é, o que alguns economistas chamam de política monetária restrita, política fiscal austera, a 
diminuição da carga fiscal sobre o capital para que o capital possa ficar mais competitivo e a 
flexibilização do mercado de trabalho para que o capital possa contratar o trabalho de maneira 
mais acorde com as exigências da competitividade global. 
Em síntese, do ponto de vista que nos interessa aqui, a política concreta do neoliberalismo, 
quando feita a governos dos países centrais, passou pela desmontagem do wellfare state, até onde 
foi possível, e pela devolução do trabalho à condição de uma mera mercadoria, cujo preço e cujo 
nível de ocupação deve ser determinado, segundo os neoliberais, exclusivamente pelo mercado. 
Uma nova pergunta: quais os resultados mais notórios dessa terapia depois de 15 anos de 
aplicação? Atenção, nós estamos há quase 20 anos em era neoliberal, porque, às vezes, as 
pessoas falam como se estivéssemos ontem. Não, não, não, essas idéias e essas políticas 
neoliberais comandam os principais países, as principais economias e, a partir de certos órgãos, 
eu diria a direção geral da economia mundial, há uns 15 anos. 
Quais são os resultados? Qual é a avaliação que se pode fazer dessas políticas liberais? 
Eu diria, primeiramente, que, nesses 15 anos, essas políticas neoliberais geraram um crescimento 
extremamente medíocre, extremamente medíocre. Quer dizer, comparado com o período de ouro 
do capitalismo, do keynesiano perverso, intervencionista, distributivista, pouco competitivo, onde 
cresceram a produtividade, os salários e a produção muito mais, muito mais; o dobro e o triplo do 
que cresceram no período neoliberal. 
Nesse período, as inflações foram contidas. Se esse era o objetivo, foram contidas. A inflação está 
a nível baixíssimo em quase todos os países da OCDE. 
Terceiro lugar, se era o objetivo, os gastos sociais foram reduzidos, os gastos sociais públicos 
foram reduzidos. 
Em quarto lugar, se esse era o objetivo, os organismos sindicais perderam imensamente o poder. 
Em quinto lugar, se era necessário reduzir os salários para subir os lucros e diminuir os direitos 
trabalhistas para diminuir a carga fiscal do capital, também foi extraordinariamente bem 
sucedido. 
Foi um projeto bem sucedido. Em compensação, esse mesmo projeto, nesses países, não 
conseguiu fazer com que a economia voltasse a crescer. 
A produtividade nunca mais cresceu como anteriormente. Os salários nunca mais recuperaram a 
sua participação na riqueza nacional. A riqueza concentrou-se de uma forma nunca dantes vista 
na história do capitalismo. Por um lapso de dez anos, a riqueza concentrou-se em regiões e por 
pessoas, por pessoas (outro dia, O Globo publicou que 380 pessoas, no mundo, detém 43% da 
riqueza...). Por outro lado, se os gastos sociais caíram, os gastos públicos não caíram, 
mantiveram-se iguais na maioria dos países centrais, ou aumentaram. 
O que houve foi uma redefinição do gasto. Isto é, aumentou a quantidade de recursos gastos com 
a dívida financeira e diminuiu a quantidade de gastos com saúde, educação, 
sei lá... 
Por fim, essa longa era neoliberal nos deixou um desemprego, médio, de 11% da população, 33 
milhões de desempregados na OCDE. E, só no país que foi, um pouco, a menina dos olhos da 
década passada, na Espanha do senhor Gonzalez, o desemprego da população adulta estava em 
24% e da população jovem até 20 anos estava em 34%. E isso porque adotou-se os contratos de 
trabalhos flexíveis, modernos. "Flexíveis", vocês sabem como é que é: trabalha hoje à noite, 
amanhã não trabalha, uma semana, tchau, passar bem, aparece outro dia. E o desemprego 
aumenta e só aumenta. 
Pois bem, terceiro tópico: como é que isso chegou na América Latina e que efeito têm essas 
políticas neoliberais na América Latina? 
Eu diria que, se, também, fizéssemos um flashback factual e das idéias, esse quadro internacional 
de ruptura da ordem mundial, em 73, e, depois, de recomposição conservadora, em 89, nos atinge, 
evidentemente que nos atinge. Atinge como? Atinge, primeiro, em 73, liquidando, de vez, com 
várias pretensões desenvolvimentistas e outras do socialismo democrático. É dali, daquele 
momento, que dois países latino-americanos aderem, de imediato, ao programa neoliberal. 
Nesse sentido, há que se dizer em homenagem à América Latina: em alguma coisa foi precursora, 
em inventar o tirano de mercado. O Chile virou neoliberal muito antes do Consenso de 
Washington. De certa maneira, se poderia dizer que o Consenso de Washington, que o senhor 
John Williamson escreveu, estava copiando, um pouco, o modelo do Chile. E nisso ele é sincero; 
quandoeu digo que essas idéias são dominantes aqui, em Washington, eu não digo que elas foram 
produzidas em Washington, podem ser produzidas por intelectuais, sei lá o que, de outras praças, 
de outras praças. 
O Chile, nisso, tem um aporte decisivo como laboratório de experimentação. A Argentina também 
entrou aí, nesse momento, em particular em 77/78, e parte para um projeto enlouquecido, de 
liberalização ao trânsito, da noite para o dia, dos mercados financeiros, cambiais e, com isso, 
provocou uma carga descomunal. 
Mas, o que eu queria chamar mais atenção é para o fato de que assim como a era 50/73 ou se 
vocês quiserem 50/79 foi a era dos países centrais, a era de ouro, a era do wellfare, sucedida, 
pelas razões que tentamos sugerir, ainda que de forma embrionária, por esse novo modelo 
neoliberal, aqui embaixo, nos trópicos, essa era de sucesso correspondeu ao que se chamaria, 
usando, de maneira bastante flexível a palavra, a era do desenvolvimentismo. 
Quer dizer, eles fizeram o wellfare; nós, não todos, não todos, nem sempre, tentamos a trajetória 
desenvolvimentista. Os que se mantiveram até mais tarde, até entrar nos anos 80, foram o México 
e o Brasil, até porque o Chile e a Argentina já tinham desembarcado antes, na crise dos anos 
60/70, do modelo de substituição de importações. 
Então, o que aconteceu na virada de 80 quando nós, aparentemente, aí quando digo nós, já estou 
falando de brasileiros, nós navegávamos com o endividamento externo, naquele momento, nós já 
estávamos com as nossa finanças internacionalizadas, levamos o impacto de 79/82. 
Como é que esse impacto de 79/82 acaba de matar o desenvolvimentismo latino-americano? No 
primeiro momento, por meio de quatro choques, quatro choques; e só nós tivemos, os asiáticos 
não tiveram. Sim, o do preço do petróleo, todo mundo teve. Sim, o das altas taxas de juros 
norte-americanos, que, depois, se generalizaram e chutaram nossa dívida lá para cima. Todo 
mundo teve. Sim, a queda dos preços das nossas commodities, no mercado internacional, porque a 
política americana gerou uma recessão mundial e os nossos preços foram para baixo na hora em 
que nossa dívida ia para cima. 
Mas, tem um 4o choque que a Ásia não sofreu e já antecipa qualquer pergunta posterior: por que 
é que a Ásia não seguiu a mesma trajetória nossa? 
Já começa por aí, que foi o afastamento do sistema financeiro internacional, durante uma década, 
para uma economia como a nossa, que tinha os financiamentos das suas atividades internas e, 
cada vez mais, o próprio estado, internacionalizados. E isso nos foi cortado. 
Isso foi cortado no momento da moratória do México, em 1982. Isso não aconteceu com a Coréia, 
não aconteceu com os tigres asiáticos. O Japão teve uma outra condução na dívida dos asiáticos, 
Muito bem, esse afastamento do sistema financeiro internacional, no meu entender, 
rigorosamente, é a causa principal pela qual nós fomos jogados na chamada década perdida, da 
estagnação, da recessão, de mil planos de estabilização e, também, evidentemente, uma década 
não perdida pelo processo da redemocratização. 
Pergunta: nesse contexto de crise dos anos 80, como foi que esse programa de políticas e 
reformas neoliberais chegou e venceu, também, na América Latina? 
A partir de 82 - estou chegando ao final - (risos...) e sobretudo a partir de 85, praticamente, o eixo 
central da política econômica latino-americana, sobretudo nos países que já não haviam 
naufragado, passa a girar em torno da renegociação da dívida externa, pela razão que lhes havia 
dito, ela era decisiva para o financiamento da nossa dívida econômica interna, privada e pública. 
Não dava, o modelo que nós tínhamos montado era um modelo incapaz de viver sem 
financiamento externo, portanto, a suspensão, privada, discreta, " não politicamente decidida ", 
do financiamento externo, teve um efeito sobre nós, diria eu, quase análogo ao bloqueio comercial 
contra Cuba. Nós fomos bloqueados pelo lado que mais nos podia matar, que era o do 
financiamento. 
No caso brasileiro, ficamos bloqueados de 82 até quando o senhor Malan, finalmente, fechou o 
acordo da dívida externa, que eu acho que foi em 92 ou 93; é uma década, exatamente. 
Pois bem, nesse período, o fru-fru da democratização chamava a atenção dos nossos olhos; em 
particular das pessoas que haviam vivido o autoritarismo ou tinham estado contra o 
autoritarismo, me incluo entre essas pessoas, pela questão democrática. 
Evidentemente que os avanços e retrocessos da democratização quase que ocupavam a cena 
inteira da política-espetáculo, mas, por baixo do pano, o que, realmente, estava contando sobre a 
viabilização de retomada do velho modelo desenvolvimentista ou de mudança, do velho modelo 
desenvolvimentista, era a volta ao financiamento internacional. 
Pequeno detalhe; na negociação da volta ao sistema financeiro internacional é que começa a 
aparecer, sobretudo a partir de 1985/1989, um novo pacote de condicionalidades, isto é, essas 
grandes agências internacionais emprestadoras sempre emprestaram mediante condiconalidades. 
Isto é, eles diziam assim: eu dou tanto para o senhor fazer o seu sistema elétrico (na época em que 
o BIRD era desenvolvimentista), eu financio seu sistema de construção de energia elétrica, mas, 
em compensação, eu quero saber qual vai ser o preço da tarifa, como é que vai equilibrar o 
orçamento, quem é que o senhor vai subsidiar, enfim, condicionalidades. 
Eu quero saber como é que está sua conta externa, como é que estão suas reservas, essas coisas 
assim. A novidade do pós 85/86 é que surge sobre a mesa um pacote de condicionalidades um 
pouco mais frondoso do que era antes. 
Já não era mais a exigência de equilíbrio fiscal, austeridade monetária, não. Sim equilíbrio fiscal, 
austeridade monetária, estabilização monetária, mas, vocês não conseguirão fazer isso se vocês 
não se desfizerem completamente do modelo anterior. E, portanto, voltamos às reformas políticas 
institucionais, das quais nos falava naquele seu modesto paper o Sr. John Williamson, nada mais 
do que isso, nada mais do que isso. 
Não há possibilidade de os senhores voltarem ao sistema financeiro internacional e não há 
possibilidade de os senhores voltarem a querer crescer se os senhores insistirem com esse modelo 
desenvolvimentista, com o estado imperativo, com a economia fechada, com mercados de 
trabalho regulados, com os mercados financeiros regulados, não dá, não dá. 
Para que os senhores voltem ao sistema financeiro internacional as condições são: desregulação, 
privatização, abertura comercial, desmontagem do estado desenvolvimentista. 
Como vocês podem perceber, guardadas as devidas proporções, aquele mesmo diagnóstico que os 
liberais faziam sobre o wellfare state, recessivo, interventor, regulador, gastador, reaparece em 
países que nunca tiveram wellfare state ou tiveram wellfare state tremendamente vagabundos, 
mas, aí, o problema não é esse, seguem dizendo: recessivo, interventor, gastador, porém, em 
atividades econômicas produtivas. 
Quer dizer, fez-se um ajuste, os intelectuais servem para isso, todos nós. Alguns resistem, mas, 
fizeram uma reciclagem no discurso liberal, para facilitar, (não é bem assim?) o da Sra. Thatcher, 
só porque ela é uma boa cabeça para dizer as coisas como são. 
Ela fez uma retradução disso para um continente cheio de misérias, sem o wellfare state, sem 
gastos sociais, muito poucos gastos sociais, mas, aí é que o gol entra por outra janela: vocês são 
gastadores; estufaram de gastos em Petrobras, em Vale do Rio Doce, nessas empresas, excesso de 
presença produtiva do estado e não excesso de presença protetora. 
Pois bem, isso já é a segunda metade dos anos oitenta, início dos anos 90, é nesse período que a 
Argentinaacerta a renegociação da sua dívida, o México acerta a renegociação da sua dívida e 
nós, brasileiros, acertamos a renegociação da nossa dívida e temos a honra de receber ingresso 
para voltar ao sistema financeiro internacional, apenas, numa exata hora em que o sistema 
financeiro internacional estava em uma explosão da bolha financeira, a chamada financeirização 
capitalista ou globalização financeira. 
Quer dizer, entramos por uma porta na expectativa de encontrarmos investimentos produtivos que 
nos reconduzissem ao sucesso, ao crescimento e o que nós encontramos foram capitais 
"sobrantes" e, absolutamente entusiasmados com as nossas taxas de juros, com as nossas 
vantagens em termos de investimento, de portfolio, enfim, uma maravilha. 
Foi um feliz casamento. Nós resolvemos o nosso problema e voltamos ao sistema financeiro 
internacional; quando entramos nos bancos percebemos que nem eram os bancos que mandavam 
mais. Quem mandava no sistema financeiro internacional não eram os bancos, era outra coisa. 
Negociamos dez anos com os bancos e quando conseguimos entrar na porta era outra coisa, era 
outro negócio. Eram fundos de seguros, fundos de pensão, outros tipos de agentes financeiros que 
jogavam o jogo financeiro internacional. 
Paralelo a isso, eu diria que, nessa virada dos 80/90, duas coisas acontecem: essas 
condicionalidades externas perdem a cara de imposição, na medida em que várias forças políticas 
latino-americanas, de todos os matizes ideológicos e de todos os partidos vão se convencendo de 
que o único caminho para a América Latina passa mesmo pela destruição do modelo 
desenvolvimentista e pela construção desse novo negócio. Então, as forças internas desses países 
começam a fazer coalizões e mesmo que digam alguma coisa em eleições acabam ganhando e 
acabam aplicando o mesmo programa do Dr. Williamson. Que não é dele. 
E a segunda coisa importante, que passa nessa virada, é que, no contexto desse retorno ao sistema 
financeiro internacional, e pela porta financeira, viabiliza-se essa nova geração de planos de 
estabilização argentino, mexicano e brasileiro e que causaram tamanho entusiasmo na sua 
primeira hora; porque parecia que estabilizava, crescia, o povo comia feijão. Não, no Brasil, 
acho que era galinha, até outro dia, e a classe media podia ter os carros que gosta, em geral. E 
era festa, parecia que era festa. 
Foi o momento em que algumas pessoas olhando para esse continente pensaram: acho que de fora 
é difícil, mas aqui de dentro sim, os latino-americanos tinham virado gênios, tinham descoberto o 
segredo e quebrado o círculo quadrado da estabilização, do crescimento, do consumo e consumo 
para todos. Pois bem, a história é recente, os senhores todos sabem, isso acontece com o Salinas. 
No México, o plano já tinha começado, mas, o Salinas é quem implementa, rigorosamente, essa 
nova inserção, essa inserção passiva, e o faz de maneira tão brilhante que o México foi conduzido 
a membro da OCDE - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, isto é, o 
organismo internacional que reúne as potências mais ricas, clube exclusivo dos países do 
primeiro mundo. 
Então, para aquela turma que discute credibilidade etc, o México é um verdadeiro espetáculo de 
credibilidade, pois foi aceito no OCDE, foi aceito na NAFTA, o seu ministro da fazenda era 
candidato a prêmio Nobel de economia e o seu Presidente da República, o Salinas, hoje, 
desaparecido, era candidato a membro da Organização Mundial do Comércio. 
Então, em matéria de credibilidade, se eu fosse uma pobre viuvinha suíça e dissesse: onde é que 
eu boto meu dinheiro? No México, com essa quantidade de luminares e com os Estados Unidos ali 
atrás, boto no México, boto no México. 
Depois da crise mexicana, quando ficou absolutamente óbvio, alguns vinham dizendo, mas, 
sempre fomos taxados de catastrofistas, que esse modelo não andava, que não era possível crescer 
por esse modelo, que ia bater na balança comercial, nessas questões economicistas, ou na questão 
fiscal, como de fato está batendo. 
Mas foi no México, como havia muito dinheiro envolvido, que os intelectuais do mundo inteiro 
foram obrigados a sair com mangueiras, pelo mundo, dizendo que nada daquilo tinha 
importância, que, no fundo, nessas horas, queima-se o mais fraco, era culpa da má condução do 
Sr. Salinas, do seu ministro candidato ao Nobel e de toda aquela turma que estava já com a fita no 
pescoço e o pessoal já estava querendo apertar as fitas nos pescoços deles. 
Eu acho que, a partir daí, a gente podia dizer três palavras finais sobre as incertezas que estão na 
frente desse modelo neoliberal, que está na América Latina. Eu, por exemplo, cunharia três ou 
quatro, mais do que isso seria acabar com a paciência de vocês e a minha resistência. 
A primeira grande incerteza que eu diria, depois de ouvir entrevistas de autoridades daqueles 
centros de "pensação" de Washington, do circuito de poder de Washington, que, na verdade, deixa 
os alunos deles aqui desesperados, mas, que, na verdade, ou os caras estão querendo tirar o deles 
da reta como prestígio, porque como investimento imagino que já retiraram, mas o que eles 
disseram é muito simples: esse negócio não anda sem crescimento. É tão simples quanto isso. Não 
anda. Essa estabilidade não se sustenta mais três, quatro anos, mas, isso é uma questão de o 
investidor saber o tempo de saltar fora, o problema é de viabilidade, de consistência lógica. 
O que eles disseram foi que não tem consistência, é inconsistente. É óbvio que eles deram uma 
saída: deve-se mexer no câmbio. Ao que todos os nossos discípulos daqueles institutos de 
"pensação" (afinal, estudaram neles), responderam: não se pode mexer no câmbio de uma 
economia que tem uma tradição de auto-regulação e no momento que você disser "oba!" - todo 
mundo some. 
Não quero dizer que um ou outro esteja com a razão. O que posso dizer é que esse modelo é um 
círculo quadrado. Não há crescimento nessa estabilização. Pode haver espasmódicos, como no 
Brasil já foi promovido, como houve no início na Argentina e no México, como poderá ser 
promovido no ano que vem. 
Você pode, sim, usar as reservas e induzir um crescimento não consistente para atender vários 
motivos, principalmente eleitorais. 
Em segundo lugar, estamos obrigados, no plano econômico, também, a perceber o processo 
acelerado de desindustrialização que a Argentina já sofreu, o Chile já viveu, porém, no nosso caso, 
a estrutura industrial resistiu mais tempo. 
É onde vem o desemprego. E a idéia de que você vai conseguir emprego requalificando mão de 
obra é uma tremenda balela. E isso tende a aumentar, a menos que o país volte a crescer. No 
plano social, o que se observa depois dessa década de políticas neoliberais é como na Europa: 
crescimento do desemprego e aumento da concentração da renda. Em todo lugar, o modelo tem o 
mesmo efeito. Nesse sentido é consistente o modelo. 
E, no plano político, eu diria que tem duas coisas complicadas pela frente, na continuação desse 
modelo e eu suponho que continuará; as nossas elites querem, os países dominantes querem, 
portanto, suponho que continuará. Primeiro, é como resistir mais tempo à paralisia crescente do 
estado em todos os seus níveis federativos. Os governos estão cada vez mais paralisados pelas 
suas dívidas. Os governos dos estados brasileiros e creio que dos argentinos, há já algum tempo 
idem, estão cada vez mais paralisados pelas suas dívidas, ainda não tiveram a ousadia, as 
províncias argentinas, de criar moeda provincial própria e estão alinhados na estratégia de que 
precisamos de equilíbrio fiscal. 
Eu escrevi, em algum momento, um artigo na Folha de São Paulo, onde eu dizia, os moderados 
querem o equilíbrio fiscal.Quando nós alcançarmos esse equilíbrio fiscal, com perdão da péssima 
figura literária, enfim, não será mais necessário porque os contribuintes já morreram. 
Segunda questão que eu vejo com enorme preocupação, no horizonte desse final de milênio, na 
trajetória das políticas neoliberais na América Latina, é, e vejo isso escrito em vários lugares, há 
alguns anos, só que agora a coisa está ficando mais visível, uma indiscutível lógica autoritária 
implícita, no projeto. 
Não é que os seus líderes sejam autoritários. Espero que não. Não boto a mão no fogo pelo Sr. 
Fujimori, mas, os outros, enfim, gostarão de se reeleger três vezes. O Sr. Fujimori já conseguiu. O 
nosso, aqui, vai para a segunda. O argentino já foi para a segunda. E se o Sr. Fujimori já foi três 
vezes e se os demais seguirem o seu exemplo, logo, logo, eles terão ficado mais tempo no poder 
que os militares. E, de repente, essa triste, se não fosse tão dramática, percepção: é como se a 
América Latina não pudesse ser democrática; inventa formas, esvazia a política. 
Foi o que eu disse a uma entrevista à Veja: os presidentes não precisam mais ser derrubados, já 
foram esterilizados. Diante disso, uma pergunta final e um comentário final: 
Pergunta final: o que dizem os neoliberais frente a esses efeitos negativos das suas políticas, a 
esses resultados não muito positivos das suas políticas? A nível internacional e a nível nacional o 
que eu consigo ler das principais cabeças, que tentam pensar e racionalizar esse projeto, a 
resposta é sempre a mesma: aprofundar e aprofundar. 
Então, é comum alguns editorialistas de jornais escreverem: há que ser fundamentalistas senão, 
não teremos estabilização e há que avançar e avançar. 
Recentemente, um representante das instituições financeiras internacionais, em reunião realizada 
no Brasil, disse: há que se alcançar o equilíbrio fiscal a qualquer custo e os representantes do 
governo neoliberal brasileiro, prontamente, responderam: estamos batalhando, tentando; 
estamos tentando vender as estatais, estamos tentando subir a carga fiscal. 
Ao que o representante das instituições internacionais respondeu: "vender estatais não resolve e 
subir a carga fiscal os senhores não podem, porque diminui a competitividade da sua economia. 
Os senhores têm de seguir cortando e cortando e cortando gastos". 
Eu não sei de onde os senhores são, eu sou de uma universidade, freqüento uma universidade onde 
nada mais funciona, nem as luzes, nem as lâmpadas; se seguirmos essa linha, nem o sistema de 
saúde funciona e chegamos àquela idéia: teremos, um dia, o equilíbrio fiscal. 
No meu comentário final, eu diria, mais ou menos, assim: se não parece haver dúvidas, numa 
consideração muito ampla, dos acontecimentos, de que essa era neoliberal tem sido desenvolvida, 
em todo o mundo, como a era de indiscutível vingança pelo mercado do capital contra o trabalho, 
no mundo desenvolvido, e eu não sei se isso terá retorno, se a história é cíclica e voltaremos de 
novo a uma revitalização do trabalho, não sei, porque a verdade é que, olhando em perspectiva, a 
era de ouro keynesiana, social-democrata, com relação aos trezentos anos de capitalismo, é 
rigorosamente excepcional. 
Isso que nós estamos vivendo, agora, é muito parecido com o capitalismo que o Marx escreveu. É 
uma sensação assim: bom, o Sr. Marx perdeu como estrategista do socialismo mas, parece que 
vem ganhando pontos, a cada dia e a cada hora, como teórico do capitalismo. 
Por outro lado, eu pergunto: se isso, no mundo do capitalismo, pode ser entendido como uma 
vingança, definitiva ou passageira, do capital sobre o trabalho, contra o trabalho, o que se pode 
esperar, meus amigos, no final dessa vingança do capital contra o trabalho, num continente como 
esse, latino-americano, onde, há muito e muito tempo, o trabalho nunca teve vez, nem voz? 
Obrigado. 
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