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4 Teoria Geral do Processo - jurisdição (1)

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Teoria Geral do Processo
Prof. Nauê Bernardo
Bibliografia recomendada
• CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo – 31ª edição,
revista e ampliada. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. Capítulo 12:
Jurisdição: conceito e princípios fundamentais. Pg. 165 a 175.
• J. E. Carreira Alvim. Teoria geral do processo – 21. ed. rev. e atual. –
Rio de Janeiro: Forense, 2018. Capítulo 4: Jurisdição. Pg. 111 a 137
Jurisdição
• jurisdição é a atividade estatal mediante a qual o Estado se substitui
aos titulares dos interesses em conflito para, de forma imparcial,
buscar a pacificação do conflito com justiça.
• Tal pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito
objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser
solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o
processo, seja ao expressar imperativamente o preceito concreto
pertinente ao caso (por meio de uma sentença de mérito), seja ao
realizar ou fazer com que se realize no mundo das coisas o que o
preceito estabelece (por meio da execução forçada).
• Jurisdição é, ao mesmo tempo, poder, função e atividade.
• Como poder, é manifestação do poder estatal, conceituado como
capacidade de decidir imperativamente e impor decisões.
• Como função, expressa o encargo que tem os órgãos jurisdicionais de
promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a
realização do direito justo e por meio do processo.
• E como atividade ela é o complexo de atos do juiz ou do árbitro no
processo, exercendo o poder e cumprindo a função que a lei designa.
O poder, a função e a atividade somente transparecem legitimamente
por meio de processo estruturado adequadamente – devido processo
legal.
• A jurisdição exercida pelo árbitro tem as mesmas características
fundamentais e a mesma eficácia da jurisdição do Estado, com
exceção dos atos de constrição sobre pessoas ou bens.
• Além disso, há a possibilidade de uma sentença arbitral ser desfeita
por meio de ação anulatória processada e julgada pelo juízo estatal
(corresponde a ação rescisória).
• Atualmente o conceito puramente jurídico de jurisdição foi vencido
(apesar de não ter deixado de ser importante), uma vez que a
processualística moderna busca a legitimidade de seu sistema na
utilidade que o processo e o exercício da jurisdição possam oferecer à
nação e às suas instituições.
• Hoje a caracterização jurídica da jurisdição pode ser definida
adequadamente a partir dos critérios adotados por Chiovenda, quer
sejam: a) caráter substitutivo; b) escopo de atuação do direito.
Carnelutti também oferece importante definição, uma vez que
caracteriza a jurisdição pela circunstância de ser uma atividade
exercida sempre com relação a uma lide.
• O caráter substitutivo fica exposto a partir do momento em que o
Estado ou o árbitro, exercendo a jurisdição, substituem com suas
atividades as atividades daqueles envolvidos no conflito levado à
apreciação. No processo civil, há algumas exceções (como os casos de
autotutela). No processo penal, é de caráter absoluto.
• Como a atividade do Estado é exercida por pessoas físicas, é esperada
dessas a imparcialidade, como exigência da lei. Não deve atuar no
processo o juiz, o árbitro ou o auxiliar da Justiça (escrivão,
depositário, contador, oficial de justiça) que tiver interesse próprio no
litígio ou razões para comportamento favorável/desfavorável a uma
ou outra parte.
Escopo jurídico de atuação do direito
• A partir do exercício da função jurisdicional, o Estado pretende fazer
com se atinjam, em caso concreto, os objetivos das normas de direito
substancial. Ou seja, o escopo jurídico da jurisdição é a atuação,
cumprimento, realização, das normas de direito substancial (direito
objetivo).
• Segundo Chiovenda, a norma concreta nasce antes e
independentemente do processo. Outra posição digna é a de
Carnelutti, segundo a qual só existiria um comando completo, com
referência a determinado caso concreto (lide) no momento em que a
sentença a respeito é dada.
• O escopo do processo, segundo o autor, seria a justa composição da
lide, ou seja, o estabelecimento da norma de direito material que
disciplina o caso e dá razão a uma das partes.
• A ideia de que o Estado procura a realização do direito material por
meio da jurisdição é muito pobre em si mesma, uma vez que resulta
de uma visão puramente introspectiva do processo.
• Por isso, há de se coordenar com a ideia superior de que os objetivos
buscados são, antes de tudo, objetivos sociais: trata-se de garantir
que o direito objetivo material seja cumprido, o ordenamento jurídico
preservado em sua autoridade e a paz e a ordem na sociedade
favorecias pela imposição da vontade do Estado.
• O interesse mais elevado que se satisfaz por meio do exercício da
jurisdição é o interesse da própria sociedade. Ou seja, do Estado
enquanto comunidade.
• Isso não quer dizer que seja o interesse da comunidade a mesma
motivação que leva ao processo os sujeitos envolvidos em um
conflito. Não há intenção altruística, mas busca pelo interesse
próprio, em virtude de existência de pretensão perante outra pessoa,
de onde nasce o conflito.
• A realização do direito objetivo e a pacificação social são escopos da
jurisdição em si mesma, não das partes. E o Estado aceita a
provocação do interessado e sua cooperação, instaurando um
processo e conduzindo-o até o final, na medida apenas em que o
interesse deste em obter a prestação jurisdicional coincidir com
aquele interesse público de atuar a vontade do direito material e,
com isso, pacificar e fazer justiça.
Outras características da jurisdição (lide, inércia, 
definitividade)
a) Lide
• A função jurisdicional se exerce em grande número de casos com
referência a uma lide que a parte interessada deduz ao Estado,
pedindo providências. A existência da lide é uma característica
constante na atividade jurisdicional quando se trata de pretensões
insatisfeitas que poderiam ter sido satisfeitas pelo obrigado. É a
existência do conflito de interesses que leva o interessado a dirigir-se
ao juiz e pedir a ele uma solução, e é exatamente a contraposição dos
interesses em conflito que exige a substituição dos sujeitos pelo
Estado.
b) Inércia
• O exercício espontâneo da atividade jurisdicional acabaria sendo
contraproducente, pois a finalidade que informa toda a atividade jurídica
do Estado é a pacificação social, e isso viria a fomentar, em muitos casos,
conflitos e discórdias. Além disso, quando o próprio juiz toma a iniciativa
do processo, possivelmente se liga psicologicamente de tal maneira à ideia
contida no ato de iniciativa, que dificilmente teria condições para julgar de
maneira imparcial.
• Por isso, geralmente fica a critério do próprio interessante a provocação do
Estado-juiz ao exercício da função jurisdicional. Assim como os direitos
subjetivos são em princípio disponíveis, podendo ser exercidos ou não,
também o acesso aos órgãos da jurisdição fica entregue ao poder
dispositivo do interessado (mesmo em casos de direitos indisponíveis a
regra da inércia jurisdicional prevalece).
• ATENÇÃO! Em alguns casos é possível a exceção à regra da inércia da
jurisdição, como quando o juiz tem o poder determinado por lei de
executar atos de ofício (ex officio). Exemplos: conversão da
recuperação judicial em falência (art. 73 e 74 da Lei Falências);
instauração de execução trabalhista por ato do juiz (art. 878 da CLT);
concessão de ofício de habeas corpus (art. 654, § 2º do CPP); início da
execução penal (art. 105 da LEP).
c) Definitividade
• Os atos jurisdicionais tem como característica a suscetibilidade a se
tornarem imutáveis, não podendo ser revistos ou modificados. A
Constituição em vigor define que “a lei em vigor não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e acoisa julgada" (art. 5o,
XXXVI). Coisa julgada é a própria imutabilidade dos efeitos de uma
sentença judicial ou arbitral, de forma que nem mesmo as partes
podem repropor a mesma demanda em juízo ou se comportar de
modo diferente daquele determinado. Também não podem os juízes
voltarem a decidir a respeito e nem o legislador definir preceitos que
contrariem para as partes o que ficou definitivamente julgado.
• Apenas os atos jurisdicionais, em um Estado de Direito, podem chegar
a esse ponto de imutabilidade. Ou seja, o conflito individual só se
considera solucionado para sempre, sem que se possa voltar a
discuti-lo, depois que tiver sido apreciado e julgado pelos órgãos
jurisdicionais. A última palavra cabe ao Poder Judiciário (ou ao
árbitro, conforme o caso).
• Obs.: atenção às diferenças entre sentença que extingue o processo
materialmente e sentença que extingue o processo em seu mérito!
Atenção também à AÇÃO RESCISÓRIA.
Princípios inerentes à jurisdição estatal
a) Princípio da investidura
• Corresponde à ideia de que a jurisdição será exercida somente por
quem tenha sido regularmente investido na autoridade do juiz. A
jurisdição é monopólio do Estado, e este precisa exercê-la por meio
de pessoas físicas que sejam seus órgãos ou agentes – os juízes.
b) Princípio da aderência ao território
• Princípio por meio do qual se estabelece limitações territoriais à
autoridade dos juízes, que só podem exercer a jurisdição nos limites
definidos por lei. Caso o processo deva ser praticado fora dos limites
territoriais em que o juiz exerce a jurisdição, dependerá da
cooperação do juiz do lugar.
c) Princípio da indelegabilidade da jurisdição
• O Poder Judiciário não pode delegar sua competência jurisdicional,
assim como não pode um juiz, por critério próprio, delegar funções a
outro órgão.
d) Princípio da inevitabilidade
• A autoridade dos órgãos jurisdicionais, por serem emanação do
próprio poder estatal soberano, impõe-se por si mesma,
independentemente de vontade das partes ou combinação para
aceitar o resultado do processo. A situação das partes perante o
Estado-juiz é de sujeição, o que impossibilita evitar que sobre elas e
sobre sua esfera de direitos se exerça a autoridade estatal.
e) Princípio da inafastabilidade
• Também conhecido como princípio do controle jurisdicional, está
expresso no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, e garante a
todos o Poder Judiciário, o qual não pode deixar de atender a quem
venha a juízo demandar. Pelo mesmo princípio se justifica a vedação
ao non liquet (não pode o juiz deixar de decidir a pretexto de ausência
de normal legal sobre o assunto).
f) Princípio do juiz natural
• É o princípio que garante que ninguém pode ser privado do
julgamento por juiz independente e imparcial, indicado de acordo
com as normas constitucionais e legais vigentes. É materializado na
Constituição a partir do art. 5º, inciso XXXVII, que veda os tribunais de
exceção.
Jurisdição e suas divisões
• A jurisdição, considerada em si mesma, é emanação da soberania do
Estado, pelo que, sendo única a soberania, também é única a
jurisdição.
• Quer decida um conflito de interesses de natureza civil, quer penal ou
trabalhista, o Estado exerce a jurisdição, pois a diversidade de lide
não determina a diversidade de função jurisdicional. Neste sentido,
afirma-se que a jurisdição é una, quer dizer, não comporta divisões.
• A doutrina, no entanto, costuma classificar a jurisdição, segundo
vários critérios, quando se fala, então, em espécies de jurisdição, a
saber:
I) Quanto à gradação dos seus órgãos: jurisdição inferior e jurisdição
superior.
A jurisdição inferior é a que se exerce na primeira instância, por juízo
que conhece e julga, originariamente, as causas; a jurisdição superior é
a exercida nos tribunais, por força de recurso interposto em causa já
sentenciada, como consequência do duplo grau ou por força de
remessa necessária.
II) Quanto à matéria: jurisdição penal e jurisdição civil.
• A jurisdição penal tem por objeto as lides de natureza penal; a jurisdição
civil compreende as causas de natureza extrapenal, como as civis,
comerciais, administrativas, tributárias, constitucionais etc.
III) Quanto à origem: jurisdição legal e jurisdição convencional.
• A jurisdição legal é permanente, nasce da investidura do juiz no cargo com
as atribuições próprias de seu ofício, de dizer ou declarar o direito; a
jurisdição convencional é momentânea, exercida pelo árbitro ou tribunal
arbitral, por força de compromisso assumido pelas partes.
IV) Quanto aos organismos judiciários que a exercem: jurisdição
especial e jurisdição comum.
• A jurisdição especial tem o seu campo de atuação assinalado pela lei,
como a militar, eleitoral e trabalhista; e a jurisdição comum tem
competência sobre todas as causas que não estejam expressamente
atribuídas a outras jurisdições, como a jurisdição comum federal e a
estadual.
V) Quanto à forma: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.
• A jurisdição contenciosa é exercida em face de litígio, quando há
controvérsia (inter nolentes), e a jurisdição voluntária, quando o juiz
se limita a homologar a vontade dos interessados, ou quando o juiz
decide, mas em face de interesses não litigiosos (inter volentes).
Gráfico da Jurisdição (Alvim)

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