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sa ú d e da f a m íl ia saúde da família 401 1 O processo saúde–doença e os modelos de prevenção em saúde Para pensar: Diagnosticar, manejar e tratar uma “doença”, em seu sentido mais amplo, remeterá o profissional de saúde a pen- sar em um conjunto dinâmico de alterações que modificam o status individual ou da coletividade de “saudável” para “doente”; um ponto primordial para a Medicina é explicar e organizar as relações do agente, do indivíduo sus- cetível e do meio ambiente, ou seja, entender desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio, passando pela resposta do indivíduo ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte. Conheça, neste capítulo, os modelos que sintetizam o estudo do processo saúde–doença. 1. Os conceitos de saúde e de doença A conceituação de saúde proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1948, refe- re-se a esta não apenas como a ausência de doença, mas também como o completo bem-estar físico, mental e social. Embora antiga, essa definição continua a ser utilizada pelo órgão (OMS, 2011). Segre e Ferraz (1997) avaliam que essa definição, até avançada para a época em que foi realizada, é, no momento, qualificada como irreal, ultrapassada e unilateral, uma vez que atingir o “completo” refere uma utopia, assim a definição da OMS pode ser tratada mais como um símbolo ideal, um compromisso ou um horizonte “ideal” a ser buscado. O chamado conceito ampliado e positivo de saúde foi defendido e registrado na 8ª Conferência Nacional de Saúde, denominada Conferência Pré-Constituinte, realizada de 17 a 21 de março de 1986. Saúde seria a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a ser- viços de saúde. Seria assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produ- ção, as quais podem gerar notáveis desigualdades nos níveis de vida (BRASIL, 1987). Essa definição procura resgatar a importância das dimensões econômica, social e política na produção da saúde e da doença nas coletividades. Contrapõe-se à concepção biomédica, baseada na primazia do conhe- cimento anatomopatológico e na abordagem mecanicista do corpo, cujo modelo assistencial está centrado no indivíduo, na doença, no hospital e no médico (BATISTELLA, 2007; CARNEIRO, 2010). A Constituição de 1988 expressa que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garanti- do mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e re- cuperação” (BRASIL, 1988). O grande mérito dessa concepção reside justamente na explicitação dos determinantes sociais da saúde e da doença, muitas vezes negligenciados nas concepções que privilegiam as abordagens individual e subindividual. O conceito de doença, sob a ótica médica está atrelado ao conceito de saúde da mesma ideo- logia, a chamada teoria negativa do processo saúde–doença. Segundo essa doutrina, a distinção entre o normal e o patológico se dá de maneira quantitativa, tanto para os fenômenos orgânicos quanto para os mentais. A doença constitui falta ou excesso de excitação dos tecidos abaixo ou acima do grau que constitui o estado normal (COELHO; ALMEIDA FILHO, 1999). Do ponto de vista social, a melhor forma de comprovar empiricamente o caráter histórico da doença não é conferida pelo estudo de suas características nos indivíduos, mas sim quanto ao processo que ocorre na coletividade humana. A natureza social da doença não se verifica no caso clínico, mas no modo característico de adoecer e morrer nos grupos humanos. Ainda que provavelmente a “história natural” da tuberculose, por exemplo, seja diferente hoje do que era 402 revalidaSIC Resumão há 100 anos, não é nos estudos dos tuberculosos que se apreende melhor o caráter social da doença, mas sim nos perfis patológicos dos grupos sociais (LAURELL, 1976). Doença não é mais que um constructo que guarda relação com o sofrimento, com o mal, mas não lhe corresponde integralmente. Quadros clínicos semelhantes, com os mesmos parâmetros bio- lógicos, prognóstico e implicações para o tratamento, podem afetar pessoas diferentes de forma distinta, resultando em diferentes manifestações de sintomas e desconforto, com comprometimen- to diferenciado de suas habilidades de atuar em sociedade. O conhecimento clínico pretende balizar a aplicação apropriada do conhecimento e da tecnologia, o que implica que seja formulado nesses termos. No entanto, do ponto de vista do bem-estar individual e do desempenho social, a percepção individual sobre a saúde é o que conta (EVANS; STODDART, 1990; OLIVEIRA; EGRY, 2000). 2. Os modelos explicativos A - Modelo biomédico O discurso da Medicina, via de regra, apoia suas observações e formulações, exclusivamente, a partir da perspectiva do modelo biomédico. Esse modelo, refletindo o potencial técnico-instru- mental das biociências, exclui o contexto psicossocial dos significados, dos quais uma compreensão plena e adequada dos pacientes e suas doenças depende de formas alternativas de compreensão de saúde e doença. A formação do médico, bem como a de outros profissionais da saúde, está anco- rada no modelo biomédico, fato que favorece a construção de uma postura de desconsideração aos aspectos psicossociais tanto dele próprio quanto do seu paciente (DE MARCO, 2006). De acordo com o modelo biomédico (Figura 1), as doenças advêm de agentes externos (quí- micos, físicos ou biológicos) que causam mudanças físicas no homem. O modelo biomédico vê o corpo humano como uma máquina largamente complexa, com partes que se inter-relacionam, obedecendo às leis natural e psicologicamente perfeitas, e pressupõe que a máquina complexa (o corpo) precise constantemente de inspeção por parte de um especialista. Historicamente, há 2 perspectivas da doença no modelo biomédico. A Patologia, que conside- ra o mecanismo etiopatogênico, e, desta forma, existiriam 2 categorias de doenças: infecciosas e não infecciosas; e a Clínica, que privilegia a abordagem dos sinais e sintomas, caracterizando por sua vez as doenças em agudas e crônicas. Esse modelo remete o pensamento ao início dos estu- dos cursados na faculdade de Medicina. Nesse sentido, o estudante deve conhecer a Anatomia e a Fisiologia e, após, a Patologia e a Clínica, pois, sem conhecer os aspectos fisiológicos ou normais, não seria possível identificar aqueles ditos diferentes (patológicos). Figura 1 - O modelo biomédico de saúde–doença saúde da família 403 B - O modelo ecológico (História Natural da Doença) No lugar de considerar saúde e doença como componentes de um sistema binário, do tipo presen- ça–ausência, pode ser mais adequado concebê-las como um processo no qual o ser humano passa por múltiplas situações, que exigem de seu meio interno um trabalho de compensações e adaptações sucessivas (PEREIRA, 2002). Sabe-se que o curso de uma doença não é uniforme no organismo, sendo assim pode apresen- tar grande variabilidade de um caso para outro. Embora essa variabilidade seja elevada, sugere- se que as doenças progridam segundo alguns padrões descritos (PEREIRA, 2002). Donabedian (1973) descreveu 5 das principais categorias apresentadas (Figura 2). Figura 2 - Padrões de evolução das doenças Fonte: PEREIRA, 2002; com modificações. Figura 3 - A tríade ecológica, períodos da HND, níveis de aplica- ção de medidas preventivas e alguns tipos de atividades rela- cionadas a esses níveis Fonte: LEAVELL & CLARK, 1976; com modificações. Segundo Leavell e Clark, a História Na- tural da Doença (HND) é o conjunto de pro- cessos interativos que criam o estímulo pa- tológico no meio ambiente ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta dohomem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte. Batistella (2007) explica, ainda, que esse modelo considera a interação, o relacionamento e o condicionamento de 3 elementos fundamentais da chamada “tríade ecológica” (Figura 3): o ambiente, o agente e o hospedeiro. A doença seria re- sultante de um desequilíbrio nas autorre- gulações existentes no sistema. O modelo da HND considera 2 períodos consecutivos, articulados e complementa- res nos quais se desenvolve o processo de instalação, desenvolvimento e desfecho da patologia: período pré-patogênico e perío- do patogênico. 404 revalidaSIC Resumão ͳ Período pré-patogênico É aquele em que os distúrbios patológicos ainda não se manifestaram: o indivíduo é susce- tível à interação entre agentes patogênicos e fatores ambientais e intrínsecos. Envolve os condicionantes sociais e ambientais e os fatores próprios do hospedeiro (suscetí- vel), que se inter-relacionam até configurar uma condição favorável à instalação da doença. Há, portanto, interação entre fatores que estimulem o desencadeamento de uma doença no organis- mo e condições que permitam a existência desses fatores e a ação deles no hospedeiro. ͳ fatores sociais, ambientais e fatores do hospedeiro Incluem as características sociais, econômicas, políticas e culturais das populações. O com- ponente social das coletividades traz as relações que se estabelecem entre as pessoas, segundo sua inserção no processo produtivo. As pessoas não são iguais em termos de renda, escolaridade, ocupação, oportunidades de trabalho, hábitos cultu rais, crenças, entre outros; além da desigual- dade entre as diversas comunidades com relação, por exemplo, à cobertura por serviços de saúde ou à cobertura por saneamento básico. A desigualdade social atua não apenas como causa ou associada a problemas de saúde, mas, também, como determinante do tipo de intervenção ne- cessária no processo saúde–doença das comunidades. Incluem tanto o ambiente físico como o representado pelos seres vivos. Na perspectiva do am- biente físico, têm-se o relevo, a altitude, o clima e a umidade do ar, que favorecem o desenvolvimento de certas fauna e flora em detrimento de outras, além de favorecerem ou não a proliferação de agen- tes patogênicos, como parasitas ou vetores; também influenciam a distribuição das populações, com maior ou menor densidade demográfica, contribuindo para o desenvolvimento de enfermidades. Incluem os fatores genéticos, que, além de poderem predeterminar algumas patologias (exemplos: hemofilia, anemia falciforme), podem apenas tornar o indivíduo mais ou menos susce- tível à ação de agentes patogênicos ou ambientais que causarão alguma doença (a fenilcetonúria, por exemplo, cujo diagnóstico precoce associado à correção da dieta – fator ambiental – permi- te o desenvolvimento adequado do indivíduo); também incluem aspectos relacionados ao estilo de vida das pessoas. Nesse caso, pode-se citar o sedentarismo associado ao estresse, a dieta hipergordurosa e o hábito de fumar, que, provavelmente, propiciam o aparecimento de algum distúrbio cardiovascular e, caso haja uma predisposição genética para essa patologia, aumentam a chance de o indivíduo apresentar a enfermidade e, talvez, mais precocemente. ͳ Período patogênico É o período no qual os distúrbios patológicos se manifestam, ou seja, o indivíduo está doente. Nesse momento, a interação entre os fatores condicionantes sociais e ambientais e os fatores próprios do hospedeiro já causou alterações bioquímicas em nível celular e distúrbios na forma e na função de órgãos e sistemas, culminando com a instalação da doença, que evoluirá para um defeito permanente (ou sequela), a cronicidade, a morte ou a cura (Figura 4). Figura 4 - Níveis de evolução de doença Fonte: LEAVELL & CLARK, 1976; com modificações. saúde da família 405 ͳ Prevenção de doenças sob a ótica da HNd A partir da influência da Medicina Preventiva, foi difundido o modelo da HND, estabelecendo 5 níveis de prevenção, cujas medidas poderiam ser aplicadas de forma integral em distintos mo- mentos do processo saúde–doença (Figura 3 – colunas A, B, C, D e E). a) Prevenção primária Inclui medidas inespecíficas e específicas de proteção à saúde. As medidas inespecíficas ou ge- rais têm um caráter mais amplo e não visam à proteção do indivíduo ou das coletividades contra alguma doença em especial, mas às ações de promoção da saúde, enquanto as específicas estão voltadas para algum problema de saúde em particular (Tabela). exemplos de prevenção primária Promoção da saúde Proteção específica ações - Moradia adequada; - Escolas; - Áreas de lazer; - Alimentação adequada; - Saneamento; - Emprego e salário adequados. - Imunização; - Saúde ocupacional; - Controle de vetores; - Proteção contra acidentes; - Aconselhamento genético; - Pré-natal; - Quimioprofilaxia. exemplos - Água clorada; - Leite pasteurizado. - Cuidados para evitar a transmissão transfusional do vetor da doença de Chagas (Triatoma sp. – barbeiro); - Fluoretação da água. Portanto, a prevenção primária atua na fase pré-patogênica na HND, ou seja, antes de o agen- te causador do distúrbio à saúde interagir com o indivíduo suscetível. b) Prevenção secundária Atua na fase patogênica da HND, interrompendo a evolução da doença, seja em fase subclínica, seja de evolução clinicamente aparente, na tentativa de fazê-la regredir (cura) ou evitar que o distúrbio ocorrido se complique, deixe sequelas ou leve a óbito, ou pelo menos retardar essa fase de evolução da patologia (Tabela). exemplos de prevenção secundária diagnóstico e tratamento precoce limitação de incapacidade ações - Rastreamento; - Exames periódicos de saúde; - Busca ativa de casos entre contatos; - Autoexame; - Intervenções clínicas ou cirúrgicas precoces. - Tratamentos clínico ou cirúrgico adequados; - Hospitalização, quando necessário. exemplos - Uso de antibióticos em processos infecciosos; - Uso de anti-inflamatórios não hormonais em processos reumatológicos. - Uso de Aspirina® em infarto agudo do miocárdio; - Uso de anticoagulante em trombose venosa profunda. c) Prevenção terciária Atua quando as reações do organismo ao agente patogênico resultam em alguma alteração ao hospedeiro, que pode levar a uma sequela, dano ou cronicidade. Trata-se da reabilitação (Tabela). 406 revalidaSIC Resumão exemplos de prevenção terciária Reabilitação ações - Próteses e órteses; - Terapia ocupacional; - Reintegração socioeconômica; - Educação para anulação de pre- conceitos. exemplos - Acupuntura no alívio da dor a portadores de síndro- me pós-poliomielite; - Fisioterapia motora a pacientes com sequelas de aci- dente vascular cerebral; - Cirurgia para descompressão neural nas dores asso- ciadas a neurite em hanseníase. Portanto, a prevenção terciária também atua na fase patogênica da HND, mas em um mo- mento em que as reações do organismo ao agente patogênico já resultaram em algum dano para o organismo. O modelo ecológico do processo saúde–doença é amplamente difundido na atualidade, sobre- tudo pela vasta aplicação na prevenção de doenças. Outros autores complementam essa teoria com alguns níveis de prevenção, como a prevenção primordial sugerida por Alwan (1997) e a pre- venção quaternária de Jamoulle (2000), completando-se, assim, 5 níveis de prevenção em saúde (ALMEIDA, 2005). A seguir, na Tabela, os significados desses modelos de prevenção. Prevenção primordial Conjunto de atividades que visam evitar o aparecimento e o estabelecimento de pa- drões que se sabem ligados a um elevado risco de doença. Esse nível de prevenção atua antes que surjam fatores de risco. Prevenção quaternária Visa à detecção de indivíduos em risco de sobretratamento (overmedicalization), como objetivo de protegê-los do intervencionismo médico impróprio, e à capacitação de pessoas como consumidoras de cuidados de saúde. 3. Outros modelos explicativos do processo saúde–doença Vários modelos vêm sendo desenvolvidos para demonstrar os mecanismos por meio dos quais os determinantes sociais de saúde afetam os resultados na saúde. A seguir, apresentam-se alguns deles: A - Modelo dos determinantes sociais de saúde As condições socioeconômicas, culturais e ambientais de uma sociedade, que se relacionam com as condições de vida e trabalho de seus membros, como habitação, saneamento, ambiente de tra- balho, serviços de saúde e educação, além da trama de redes sociais e comunitárias, também contri- buem para o aparecimento de doença da ótica de um modelo dos determinantes sociais de saúde. Figura 5 - Modelo de Dahlgren e Whitehead: influência em camadas saúde da família 407 Um dos mais importantes modelos de determinantes sociais trata da influência das camadas, explicando como as desigualdades sociais na saúde são resultado das interações entre os dife- rentes níveis de condições, desde o nível individual até o de comunidades afetadas por políticas de saúde nacionais. Observe que os indivíduos estão no centro da Figura 5 e têm idade, gênero e fatores genéticos que indubitavelmente influenciam seu potencial de saúde final. A camada imediatamente externa representa o comportamento e o estilo de vida das pessoas. Indivíduos expostos a circunstâncias de desvantagem tendem a apresentar maior prevalência de fatores comportamentais, como fumo e dieta pobre, e também deparam com barreiras financeiras maio- res ao escolherem um estilo de vida mais saudável (CSDH, 2005). A influência da sociedade e da comunidade é demonstrada na próxima camada. Essas inte- rações sociais e pressões ocultas influenciam o comportamento pessoal da camada abaixo, para melhor ou pior. No próximo nível, encontramos fatores relacionados a condições de vida e de trabalho, disponibilidade de alimentos e acesso a ambientes e serviços essenciais. O último dos níveis inclui as condições econômicas, culturais e ambientais prevalecentes na sociedade como um todo. Essas condições, como o estado econômico e as condições do mercado de trabalho do país, influenciam todas as outras camadas (CSDH, 2005). B - Modelo biopsicossocial O modelo biopsicossocial permite que a doença seja vista como um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, organísmicos, interpessoais e ambientais. Assim, o estudo de qualquer doença deve incluir o indivíduo, seu corpo e seu ambiente circundante como com- ponentes essenciais de um sistema total (único ou particular). Essa teoria foi formulada por En- gel (1977-1982) e considera que os fatores psicossociais possam operar para facilitar, manter ou modificar o curso da doença, embora o seu peso relativo possa variar de doença para doença, de um indivíduo para outro e até mesmo entre 2 episódios diferentes da mesma doença no mesmo indivíduo (FAVA; SININO, 2010). De Marco (2005) explica que esse modelo proporciona uma visão integral do ser e do adoecer que compreende as dimensões físicas, psicológicas e sociais. Incorporada ao modelo de formação do médico, coloca a necessidade de que o profissional, além do aprendizado e da evolução das habilida- des técnico-instrumentais, evolua também as capacidades relacionais, que permitem o estabeleci- mento de um vínculo adequado e uma comunicação efetiva. Medidas de frequência de morbidade e mortalidade como indicadores de saúde 2 Medidas de frequência de morbidade e mortalidade como indicadores de saúde Para pensar: Tomada de decisão em saúde individual ou coletiva deverá ser realizada a partir de uma avaliação que norteará o médico ou gestor de saúde em sua jornada. A Epidemiologia, no contexto das ciências aplicadas à coletividade, serve como uma ferramenta. A produção de indicadores de saúde deve expressar a saúde dos grupos ou das populações; assim, para quantificar a saúde, afere-se seu complemento, ou seja, a frequência de doença ou óbitos. Conheça, nes- te capítulo, os conceitos e procedimentos relacionados com os indicadores de saúde em Epidemiologia. 1. Epidemiologia e indicadores Agora que os conceitos tanto de doença quanto de saúde foram apresentados, pode-se partir para a contagem dos indivíduos doentes, assim como de outros desfechos (morte, por exemplo). 408 revalidaSIC Resumão A contagem desses indivíduos servirá de parâmetro para a mensuração da saúde de determinado local (bairro, município, estado, país), ou seja, servirá como um indicador de saúde. Com a preocupação de medir o padrão de vida das coletividades humanas, a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendou a adoção do termo “nível de vida”, para expressar as condições atuais de vida de uma população, e o termo “padrão de vida”, para referir-se às aspirações futuras. Diante da impossibilidade do uso de um indicador global para medir o nível de vida das popula- ções, foram, então, propostos alguns componentes (saúde, condições demográficas, alimentação e nutrição, condições de trabalho, situação de habitação, situação econômica, recreação, seguran- ça, liberdade, entre outros). Na área da saúde, indicadores de saúde são parâmetros utilizados internacionalmente com o objetivo de avaliar, do ponto de vista sanitário, a higidez de agregados humanos, bem como fornecer subsídios aos planejamentos de saúde, permitindo o acompanhamento das flutuações e tendências históricas do padrão sanitário de diferentes coletividades consideradas à mesma época ou da mesma coletividade em diversos períodos de tempo (MEDRONHO, 2009). Diante das inúmeras dificuldades para mensurar a saúde da população, o que se faz é quan- tificar e descrever a ocorrência de determinados agravos à saúde, doença ou morte. Nesse caso, analisa-se, então, a ausência de saúde, ou como habitualmente é dito, a saúde pelo seu lado negativo (MEDRONHO, 2009). Assim, por exemplo, um local cuja população apresente baixa fre- quência de doenças e mortalidade por diversos tipos de causas será classificado como saudável, bem como outro com alta frequência de doenças e mortalidade elevada poderá ser considerado não tão saudável assim. Note que: em sentido amplo, qualquer informação que auxilie um gestor ou um profissional da saúde quanto à tomada de decisão em saúde poderá ser um indicador de saúde. Para tal, é necessário compreender que o indi- cador não é apenas um número derivado de um cálculo – essa etapa é apenas a denotativa; a conotação (valor interpretativo) que a informação oferece é muito mais importante. É necessário compreender que os dados epidemiológicos que se tornarão informações por meio dos indicadores de saúde provêm de fontes secundárias, como os sistemas de informação em saúde (SINAN – Sistema de Informação de Agravos de Notificação; SIM – Sistema de Infor- mações sobre Mortalidade; SINASC – Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos). Então, a validade dos indicadores vai depender da qualidade dos dados notificados nesses sistemas. No Brasil, a RIPSA (Rede Interagencial de Informações para a Saúde) coloca que a disponibi- lidade de informação apoiada em dados válidos e confiáveis é condição essencial para a análise objetiva da situação sanitária, assim como para a tomada de decisões baseadas em evidências e para a programação de ações de saúde. Inicialmente, as medidas do estado de saúde da popula- ção decorriam do registro sistemático de dados de mortalidade e sobrevivência. Com os avanços no controle das doenças infecciosas e a melhor compreensão do conceito de saúde e de seus determinantes sociais, passou-se a analisar dados de morbidade, incapacidade, acesso a serviços, qualidade da atenção, condições de vida e fatores ambientais, entre outros (RIPSA, 2008). Utilidade dos indicadores de saúde - Analisar a situaçãoatual da saúde; - Fazer comparações; - Avaliar mudanças ao longo do tempo. Fonte: Vaughan e Morrow (1992); com modificações. A análise epidemiológica de indicadores demográficos e de morbimortalidade tem o objetivo de elaborar os chamados diagnósticos de saúde. Mais recentemente, a Organização Pan-Ameri- cana da Saúde (OPAS) tem buscado retomar essa prática, incentivando a utilização mais ampla da saúde da família 409 Epidemiologia por meio do acompanhamento e da análise sistemática da evolução de indicadores demográficos, sociais, econômicos e de saúde, para melhor compreensão dos determinantes das condições de saúde da população. Esse quadro de contínuas modificações salienta a relevância da capacitação dos serviços de saú- de para a análise e interpretação desses indicadores à luz, por exemplo, de conceitos como o de transição epidemiológica (futuramente estudada). Com fundamento nesse conceito, buscam-se com- preender as profundas mudanças nos padrões de morbidade e mortalidade nas últimas décadas. A organização dos dados na forma de indicadores de saúde facilita a quantificação e a avalia- ção das informações produzidas com tal finalidade. Portanto, em termos gerais, os indicadores são medidas-síntese que contêm informação relevante sobre determinados atributos e dimen- sões do estado de saúde, bem como do desempenho do sistema de saúde. Em geral, números absolutos de casos de doenças ou mortes não são utilizados para avaliar o nível de saúde, pois não levam em conta o tamanho da população. 2. Construção de indicadores A - Aspectos básicos A forma mais simples de expressar um dado é o número absoluto. Contudo, esse tipo de ex- pressão apresenta uma limitação importante, não sendo possível conhecer, por exemplo, a di- mensão que ele representa. Apresenta-se o seguinte exemplo fictício: no ano de 2010, foram confirmados 35 casos de hepatite B em Araçatuba e 262 em São José do Rio Preto. O que esses números representam pode depender, muitas vezes, da relação com o tamanho da população lo- cal; assim, é possível que os 35 casos ocorridos em Araçatuba sejam, epidemiologicamente, mais significativos do que os 262 casos ocorridos em São José do Rio Preto. Tomando outro exemplo, quando se observam outros parâmetros, como o tamanho da po- pulação de cada região, o número total de óbitos ocorridos e mesmo o número de óbitos por causas externas, ambos para o mesmo ano, a importância do número de óbitos de AIDS parece tomar certa dimensão. Essa dimensão se dá justamente pela relação que a mortalidade por AIDS estabelece junto aos outros números. Portanto, para realizar a análise epidemiológica do evento considerado, é necessário transformar os dados expressos em valores absolutos para valores re- lativos, ou seja, os valores absolutos devem ser expressos em relação a outros valores absolutos, que guardem entre eles alguma forma de relação coerente. Esse fato trará a dimensão que per- mitirá comparação e avaliação. A seguir, será apresentada a construção dos tipos de indicadores. B - Tipos de indicadores a) Coeficientes ou taxas É uma relação (quociente) entre 2 valores numéricos, que expressam a velocidade ou a in- tensidade com que um fenômeno qualquer varia, por unidade de uma 2ª variável. As taxas são comumente utilizadas para se estimar o risco de ocorrência de um problema de saúde, como adoecimento ou mesmo morte, em relação a uma determinada população suscetível, por unidade de tempo. Assim, por exemplo, um coeficiente de mortalidade é a razão entre o número de óbitos e a quantidade de pessoas-tempo de exposição acumulada pela população exposta ao risco de morrer (MEDRONHO, 2003). Pode-se dizer, então, que os coeficientes (ou taxas) representam o “risco” de um determinado evento ocorrer na população (que pode ser a população do país, estado, município, população de nascidos vivos, de mulheres etc.). 410 revalidaSIC Resumão b) Índices (proporções e razões) Índice, do ponto de vista teórico, é geralmente uma medida multidimensional, ou seja, cons- truída pela relação entre vários atributos (PEREIRA, 2002). Podem-se tratar como índice as rela- ções entre os eventos; no numerador, tem-se o número de casos ocorridos do evento considera- do, e, no denominador, pode haver as seguintes possibilidades: ͳ Os casos inclusos no numerador estão também inseridos no denominador: obtém-se, assim, a distribuição proporcional de casos, ou seja, é uma proporção. Exemplo: índice de mortalidade proporcional; ͳ Os casos inclusos no numerador não estão inseridos no denominador: compara-se a frequên- cia de um evento com a frequência de outro, ou seja, é uma razão. Exemplo: índice ou razão de masculinidade. Uma proporção é a relação, ou o quociente, entre 2 frequências da mesma unidade. No nu- merador são registradas as frequências absolutas de eventos que constituem subconjuntos da- quelas registradas no denominador. No caso da mortalidade proporcional, divide-se o número de óbitos de uma determinada causa ou de pessoas de uma determinada faixa etária pelo número total de óbitos (MEDRONHO, 2009). Razão, do ponto de vista matemático, é a divisão ou relação entre 2 grandezas. Razão de um número “a” para um número “b”, sendo “b” diferente de zero, é o quociente de “a” por “b”. Assim, o conceito de razão nos permite fazer comparações de grandeza entre 2 números. Em Epidemiologia, muitas operações utilizam a razão para quantificar 2 grandezas, na ótica dos indicadores de saúde, que refletem qualidade em se tratando de saúde coletiva. Temos, por exemplo: razões de dependência, de renda, de mortalidade materna, de nascidos vivos informa- dos e estimados, entre óbitos informados e estimados, de sexo, entre outros. No exemplo (Tabela a seguir), foi calculada a proporção de mortes por AIDS (mortes por AIDS/total de mortes), e as mortes por causa externa foram comparadas com as mortes por AIDS pela razão causa externa/ AIDS (calculada pela divisão de um número absoluto pelo outro). De maneira genérica, assim são planejados e montados os indicadores de saúde. Vale ressal- tar, ainda, que existe uma diferença considerável entre coeficientes (ou taxas) e índices (propor- ções e razões). Índices não expressam uma probabilidade (ou risco) como os coeficientes, pois o que está contido no denominador não está sujeito ao risco de sofrer o evento descrito no nume- rador (LAURENTI et al., 1987). Proporção de mortalidade por aids e razão de morte por aids em relação às mortes por causas externas para o Brasil e regiões (2009) Região Óbitos por aids* Óbitos por causas externas Óbitos totais Proporção de mortes por aids (%) Razão causa externa/aids Norte 786 10.795 62.993 1,247758 13.7341 Nordeste 2.023 40.396 280.476 0,721274 19.96836 Sudeste 5.769 54.673 515.214 1,119729 9.477032 Sul 2.563 20.654 175.573 1,459792 8.058525 Centro- -Oeste 674 11.846 68.832 0,979196 17.57567 Brasil 11.815 138.364 1.103.088 1,071084 11.71088 Fonte: (*) MS/SVS/Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais. Extraído de: www.aidshiv.com.br/wp-content/uploads/2009/07/ obitos-por-aids-por-regi%C3%A3o.jpg. saúde da família 411 3. Medidas de morbidade A - Incidência Incidência pode ser definida como a frequência de casos novos de uma determinada doença ou problema de saúde, oriundo de uma população sob risco de adoecimento, ao longo de um determinado período de tempo. Casos novos, ou incidentes, podem ser compreendidos como aqueles indivíduos que não estavam doentes no início do período de observação, ou seja, sob ris- co de adoecimento. É necessário que cada indivíduo seja observado, pelo menos, em 2 ocasiões. A incidência é, portanto, uma medida dinâmica, pois expressa mudanças no estado de saúde. A incidência de uma doença é definida, segundo Gordis (2010), como o número de casos no- vos que ocorreram durante um período determinadode tempo, em uma população sob risco de desenvolvimento dessa doença. Além do termo taxa, que faz uma expressão cuja implicação refere-se à ocorrência em função do tempo, existem autores que utilizam o termo coeficiente, uma vez que se trata de uma medida que expressa probabilidade de ocorrência. Sendo assim, o denominador dessa divisão traz todos os indivíduos que estão sob risco de desenvolver a doença. Está claro, então, que o numerador dessa fração trará as pessoas acometidas pela doença, ou seja, os novos doentes. No denominador, contudo, pode haver 2 tipos de situações: pessoas sob risco (F1) e pessoas-tempo (F2). O 1º caso é utilizado quando todos os indivíduos do grupo repre- sentado pelo denominador foram acompanhados por todo o período. Taxa ou coeficiente de incidência Nº de casos novos da doença ocorrendo na população durante um período de tempo f1 = --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Nº de pessoas sob risco de desenvolver a doença durante esse período de tempo Nº de casos novos da doença ocorrendo na população durante um período de tempo f2 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de pessoas-tempo (soma do período de observação de cada pessoa observada por todo ou parte do período de tempo) A incidência calculada, utilizando o período de tempo em que todos os indivíduos na popu- lação são considerados sob risco para o desfecho, é também chamada de incidência cumulativa, que constitui uma medida de risco. No 2º caso, quando nem todos os indivíduos do denominador foram acompanhados durante todo o período especificado (por várias razões, incluindo perdas no acompanhamento ou morte devido a outras causas que não as do estudo), pode ser calculada a taxa de incidência, que também é chamada densidade de incidência, na qual o denominador consiste na soma das unidades de tempo em que o indivíduo esteve sob risco e foi observado. Isso é chamado pessoa-tempo de observação e é, muitas vezes, expresso como pessoa-mês ou pessoa-ano de observação. - Taxa de ataque Segundo Gordis (2010), algumas vezes o tempo pode ser especificado implicitamente ao in- vés de explicitamente. Um exemplo disso seria um surto de doença por ingestão de alimentos; nesse caso, ao contrário da incidência, a taxa de ataque seria utilizada, que pode ser definida como o número de pessoas expostas ao alimento suspeito e que adoeceram dividido pelo nú- mero de pessoas expostas ao alimento. Note que a taxa de ataque não especifica explicitamen- te o intervalo de tempo, pois em muitos surtos ela pode ser de horas ou dias após a exposição. Por consequência, casos que vierem a ocorrer meses depois dificilmente serão considerados parte do mesmo surto. Gordis (2010) faz ainda uma consideração importante, referindo que taxa de ataque não é verdadeiramente uma taxa, e sim uma proporção. 412 revalidaSIC Resumão B - Prevalência Prevalência é uma medida de frequência que revela quantos indivíduos estão doentes (ou apresentam o desfecho). Pode ser definida como o número de pessoas afetadas na população em um determinado momento dividido pelo número de pessoas na população naquele momento – F3 (PEREIRA; PAES & OKANO, 2000; GORDIS, 2010). Costa e Kale (2009) explicam ainda que os casos existentes são aqueles que adoeceram em al- gum momento do passado mais ou menos remoto, por exemplo, os casos “antigos” e os “novos” e que estão vivos quando se realiza uma observação. Deste modo, os doentes que vierem a falecer no período de observação não devem ser considerados cômputos da prevalência. Coeficiente de prevalência Nº de casos de uma doença presente na população em um dado momento f3 =---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Nº de pessoas no momento Na literatura médica e da Saúde Pública, a palavra “prevalência” pode ser empregada para designar prevalência pontual ou prevalência no período. Quando não está especificado, faz-se referência à prevalência pontual, que se refere à frequência de uma doença ou problema de saúde num instante (ponto) do tempo. Prevalência por período refere-se a um intervalo de tempo, que pode ser arbitrariamente selecionado, tal como 1 mês, 1 ano ou um período de 5 anos. Algumas pessoas podem desenvolver a doença nesse período, outras podem apresentar a doença antes e morrer ou ficar curadas durante esse período. O importante é que cada pessoa representada pelo numerador teve a doença em algum momento durante o período especificado. C - Relação entre prevalência e incidência Franco e Passos (2005) explicam que a prevalência de uma doença pode ser uma função de sua incidência. Quanto maior a incidência, maior será a prevalência, dependendo da duração da doença, assim como de curas, óbitos e perdas de acompanhamentos. Deste modo, a prevalência é resultado final, para um período de tempo, da soma das entradas (casos novos), menos as somas das saídas (curas, mortes e perdas de acompanhamento). Operacionalmente, tanto a prevalência quanto a incidência são semelhantes, pois tratam de uma divisão entre doentes pela população. Contudo, em se tratando de conceito, são vastamente diferentes. A prevalência informa sobre a situação da doença em um instante ou intervalo de tempo, mas não estima risco de adoecimento, pois os casos novos e existentes são considerados como um conjunto. A incidência informa sobre a dinâmica de entrada de novos casos, permitindo estimar o risco de adoecimento de uma população exposta. A prevalência é uma informação fun- damental para a administração e o planejamento em saúde, uma vez que atendimentos, medica- mentos e pessoas são calculados levando em conta essa medida de frequência. A seguir (Figura 1), existe uma representação da influência da incidência sobre a prevalên- cia, em que o tanque representa uma população ou comunidade. No cenário 1 se observa uma situação na qual existe a entrada de alguns casos novos, contudo a saída de casos existentes é elevada; logo, não existem muitos casos da doença na população. No cenário 2, existe entrada de casos novos da doença, contudo a saída de casos existentes está mais restrita, assim os casos prevalentes são consideravelmente importantes. saúde da família 413 Pereira, Paes e Okano (2000) acrescentam que prevalência e incidência obedecem a uma re- lação regulada pelo tempo de duração da doença, ficando assim expressa: Prevalência (P) = incidência (i) x duração da doença Deste modo, uma doença aguda de curta duração, em geral, é avaliada pela incidência. Duran- te uma epidemia de dengue, por exemplo, os casos novos representam a incidência, mas, após o período epidêmico, a incidência tende a cair (Figura 2), como demonstrado no cenário 1 da Figura 1. Se a avaliação da prevalência for feita após a epidemia, poderá não refletir a real dimensão da doença (FRANCO; PASSOS, 2005). Figura 1 - Representação gráfica de 2 situações para verificação da relação entre prevalência e incidência: (A) entrada de casos novos (incidência); (B) casos existentes (prevalência) e (C) saída de casos (morte, cura ou perda de acompanhamento) Franco e Passos (2005) explicam também que, no caso das doenças crônicas de longa duração como o diabetes, com incidência baixa, a prevalência tende a ser alta, pois os pacientes tendem a sobreviver por muitos anos, havendo um acúmulo de casos ao longo do tempo, também de- monstrado no cenário 2 da Figura 1. Um bom programa de controle do diabetes poderá resultar na elevação da prevalência dessadoença, seja por melhorar o diagnóstico, seja por aumentar a sobrevida dos pacientes, elevando a duração da doença. Figura 2 - Ocorrência mensal de casos de dengue em Campinas, em janeiro de 1998 a maio de 2005 Fonte: COVISA, SINAN. 414 revalidaSIC Resumão 4. Indicadores de morbimortalidade Embora o uso de um único indicador não possibilite o conhecimento da complexidade da rea- lidade social, a associação de vários deles e, ainda, a comparação entre diferentes indicadores de distintas localidades facilitam sua compreensão. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses indicadores gerais subdividem-se em 3 grupos: ͳ Aqueles que tentam traduzir a saúde ou sua falta em um grupo populacional. Exemplos: razão de mortalidade proporcional, coeficiente geral de mortalidade, esperança de vida ao nascer, coeficiente de mortalidade infantil e coeficiente de mortalidade por doenças transmissíveis; ͳ Aqueles que se referem às condições do meio e que têm influência sobre a saúde. Exemplo: saneamento básico; ͳ Aqueles que procuram medir os recursos materiais e humanos relacionados às atividades de saúde. Exemplos: número de Unidades Básicas de Saúde (UBSs), de profissionais de saú- de, de leitos hospitalares e de consultas em relação a determinada população. A - Indicadores de mortalidade As estatísticas de mortalidade permitem inferir as condições de saúde de uma população, uma vez que possibilitam identificar grupos mais afetados por determinados agravos à saúde. Diante dessa informação, é possível reconhecer os problemas prioritários da população e alocar recursos para ações e intervenções nesses problemas. Permitem, ainda, avaliar a eficácia dessas ações e intervenções. Quando o foco de interesse envolve todos os indivíduos da população expostos ao risco de morte, falamos em coeficiente de mortalidade geral. Sempre que estudamos a mortalidade por categorias (idade, sexo, agravo), referimo-nos aos coeficientes de mortalidade específicos. a) Coeficiente de mortalidade geral O Coeficiente de Mortalidade Geral (CMG) é muito útil para a avaliação do estado sanitário de determinadas áreas, associado a outros coeficientes e índices, o que, teoricamente, permite avaliar comparativamente o nível de saúde de diferentes localidades. Coeficiente de mortalidade geral Nº total de óbitos no período f4 = ------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n População total no mesmo período Em comparações internacionais, se observarmos as taxas brutas de mortalidade de países desenvolvidos e países em desenvolvimento, teremos a falsa impressão de que, nos primeiros, as taxas de mortalidade são mais elevadas. Porém, se lembrarmos que, nos países desenvolvi- dos, é significativa a parcela idosa da população e que indivíduos idosos morrem mais do que indivíduos jovens (parcela significativa da população em países em desenvolvimento), perce- beremos que esse coeficiente sofre influência, nesse caso, da estrutura etária da população. Buscando minimizar distorções em estudos comparativos e evitar interpretações errôneas, re- comenda-se padronizar as taxas. Com o ajuste das faixas etárias a um padrão estabelecido pela OMS, falamos no Coeficiente de Mortalidade Padronizado (CMP). Logo, dizemos que o CMP, quando disponível, é mais adequado para comparações, em detrimento do CMG. Outro problema comum nos dados de mortalidade, especialmente no Brasil, refere-se ao lo- cal de óbito. Muitas pessoas procuram assistência médica em centros mais avançados do país, e, caso venham a falecer, a declaração de óbito é preenchida com o endereço de um familiar da região, e não com o endereço de origem do paciente falecido. saúde da família 415 b) Coeficiente de mortalidade por causas O cálculo do coeficiente de mortalidade por causa, obtido pela razão entre o número de óbitos por determinada causa (numerador) e a população exposta ao risco de morrer por aquela causa (denominador), multiplicada pela base referencial da população (normalmente, 100.000 – Figura 3). Coeficiente de mortalidade por causa Nº total de óbitos por determinada causa no período f5 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ x 10n População exposta ao risco de morrer, na metade do mesmo período Figura 3 - Evolução da mortalidade geral por grupos de causas principais no Rio Grande do Sul Fonte: SES. DAS – Estatísticas de Saúde, 2010. Esse coeficiente fornece informações que permitem conhecer o perfil de saúde da popu- lação. Quando uma região apresenta elevada taxa de óbitos por doenças infecciosas e para- sitárias, podemos esperar que seja economicamente pouco desenvolvida, com saneamento precário, como acontece nos países em desenvolvimento. Da mesma forma, se a taxa de óbi- tos por doenças crônico-degenerativas é elevada em determinada localidade, podemos espe- rar que se trate de uma região com importante parcela da população composta por pessoas idosas, o que acontece em regiões economicamente mais desenvolvidas, como observado nos países desenvolvidos. c) Coeficiente de mortalidade por idade e sexo O coeficiente de mortalidade pode expressar a distribuição de óbitos de uma população se- gundo alguns parâmetros, como idade e sexo. Ao calcular as taxas de mortalidade por sexo em dada localidade e em período de tempo definido, passamos a saber se os homens morrem mais do que as mulheres; ou, então, ao calcularmos as taxas de mortalidade por idade, podemos iden- tificar em qual grupo etário é maior a mortalidade e, a partir dessa informação, investigar as causas de óbitos em cada grupo. 416 revalidaSIC Resumão Coeficiente de mortalidade por sexo Nº de óbitos de um dado sexo, no período f6 = -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n População do mesmo sexo, na metade do período Coeficiente de mortalidade por idade Nº de óbitos do grupo etário, no período f7 = --------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n População do grupo etário, na metade do período d) Coeficiente de mortalidade infantil O Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) é um dos indicadores de saúde mais utilizados para medir o nível de saúde e de desenvolvimento social de uma região. É calculado dividindo-se o número de óbitos em menores de 1 ano pelo número de nascidos vivos no mesmo período, mul- tiplicando-se o resultado por 1.000 (lembre-se que a unidade de multiplicação não é uma regra). Conceitualmente, “nascido vivo” refere-se à expulsão ou extração completa de um produto de concepção do corpo materno, independente da duração da gestação, o qual, depois da separação, respire ou dê qualquer outro sinal de vida, tais como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não desprendida a placenta. Com o objetivo de refinar as informações obtidas, o CMI pode ser dividido em 2 componentes: o Coeficiente de Mortalidade Neonatal (CMN) – F9 – e o Coeficiente de Mortalidade Pós-Neonatal (CMPN) – F12. Na Figura 4, apresentam-se os períodos entre o final da gestação até o indivíduo completar 1 ano de vida. Esses períodos são geralmente utilizados na construção desses indica- dores de mortalidade (LEPREGA; FABRO, 2005). Figura 4 - Períodos importantes para a mortalidade infantil O CMN ou CMI precoce é definido como o número de óbitos de menores de 28 dias sobre o total de nascidos vivos no mesmo período, multiplicando o resultado por 1.000. Tem, como principais causas, baixo peso ao nascer, malformações congênitas, prematuridade, problemas no parto, pré-natal depouca qualidade, falha nos cuidados imediatos ao recém-nascido e dificuldade de acesso das mães aos serviços de saúde após alta da maternidade, sendo algumas situações de difícil controle e prevenção, o que se torna um desafio para a saúde pública. O CMN pode, ainda, ser subdividido em neonatal precoce (F10) e neonatal tardio (F11). O 1º corresponde aos óbitos ocorridos até o 7º dia de vida (1ª semana de vida), quando as causas de mortalidade estão mais relacionadas a problemas na gestação e no parto. Já o 2º corres- ponde aos óbitos ocorridos nas 2ª, 3ª e 4ª semanas de vida e tem suas causas já afetadas por questões ambientais, podendo ocorrer óbitos por infecções, principalmente respiratórias e gastrintestinais. saúde da família 417 O CMI tardio ou pós-neonatal é obtido dividindo-se o número de óbitos de crianças de 28 dias de vida até 364 dias de vida pelo total de nascidos vivos no mesmo período, multiplicando o resultado geralmente por 1.000. Suas principais causas são doenças infecciosas, diarreias, infecções respiratórias e desnutrição, situações que iniciativas da Saúde Pública e da Medicina Preventiva têm controlado de tal forma que a redução desse componente tem contribuído so- bremaneira para a redução das taxas de mortalidade infantil no Brasil. Coeficiente de mortalidade infantil Nº de óbitos de menores de 1 ano, no período f8 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ x 10n Total de nascidos vivos, no período Coeficiente de mortalidade neonatal Nº de óbitos de menores de 28 dias, no período f9 = -------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos, no período Coeficiente de mortalidade neonatal precoce Nº de óbitos entre zero e 6 dias, no período f10 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ x 10n Total de nascidos vivos, no período Coeficiente de mortalidade neonatal tardia Nº de óbitos entre 7 e 28 dias, no período f11 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos, no período Coeficiente de mortalidade infantil tardia ou pós-natal Nº de óbitos em crianças de 28 dias de vida até 364 dias de vida, no período f12 = --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos, no período Apesar de ser um ótimo indicador das condições de vida e de saúde de uma população, a mortalidade infantil vem apresentando, mais recentemente, em alguns países como o Brasil, uma dicotomização das taxas de mortalidade e condições socioeconômicas da região estudada. Nos últimos anos, o país demonstra uma redução da mortalidade infantil, mas não há melhoria con- comitante nas condições materiais de existência. A explicação para a redução das taxas da mor- talidade infantil em países como o Brasil está na redução das taxas de mortalidade pós-neonatal, que, como foi mostrado, tem como principais causas situações evitáveis. As melhorias obtidas por meio de ações pontuais da Saúde Pública (saneamento, vacinação, hidratação oral) promoveram a redução das taxas pós-neonatais e destacaram a mortalidade neonatal como principal contri- buinte da elevação das taxas de mortalidade infantil no Brasil (Figura 5). Em regiões com precárias condições de vida e de saúde, como em muitos países da África e da Ásia, do subcontinente indiano e várias regiões do Brasil e mesmo da América Latina, chegam a morrer 100 ou 200 crianças, no 1º ano de vida, de cada 1.000 crianças que nascem, e esses óbitos são consequências de doenças cuja prevenção e cujo tratamento são possíveis e relativamente fáceis. Por outro lado, países desenvolvidos, como Suécia e Japão, apresentam, como causa de óbito em menores de 1 ano, problemas difíceis de serem evitados, como malformações congênitas importantes ou crianças muito prematuras. Nesses países, a mortalidade infantil é de 5 a 6 óbitos por 1.000 crianças nascidas vivas. 418 revalidaSIC Resumão Figura 5 - Coeficientes de mortalidade infantil, neonatal e pós-neonatal no Brasil em diferentes anos Fonte: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2010/c01b.htm. Existem, pelo menos, mais 2 coeficientes infantis que devem ser destacados. O coeficiente de natimortalidade (F13) refere as perdas fetais que ocorrem a partir da 28ª semana de gestação, ou em que o concepto tem peso ao redor de 1.000g e cerca de 35cm. E o coeficiente de mortalidade perinatal (F14), que diz respeito aos óbitos ocorridos um pouco antes, durante e logo após o par- to, inclui os natimortos e as crianças nascidas vivas, mas falecidas na 1ª semana de vida. Coeficiente de natimortalidade Nº de nascidos mortos (28 semanas ou mais de gestação) f13 = ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos + nascidos mortos, no período É necessária uma aplicação precisa da definição de período perinatal, que é prejudicada pela frequente omissão do tempo de gestação na declaração de óbito. Imprecisões são também atri- buídas ao uso do conceito anterior à 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID- 10), que considerava 28 semanas de gestação como limite inferior do período perinatal. A OMS propõe, ainda, o cálculo da razão de mortalidade perinatal, em que o numerador permanece o mesmo, e o denominador se refere apenas aos nascidos vivos. Coeficiente de mortalidade perinatal Nº de nascidos mortos (22 semanas ou mais de gestação)* + número de óbitos de crianças de zero a 6 dias, no período f14 = -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos + nascidos mortos, no período * Alguns autores consideram a adoção do período perinatal a partir da 28ª semana de gestação, arco que foi modificado com a CID-10 – OMS, 1997. As taxas de mortalidade infantil também sofrem distorções devido à qualidade do registro. Entre essas alterações, destaca-se a que acontece em regiões mais desfavorecidas do país: pela saúde da família 419 situação local e presença de “cemitérios clandestinos”, há perda dos registros pelos meios oficiais, e, mesmo fazendo uma pesquisa domiciliar, essa população não identifica a morte de menores de 1 ano como óbito de uma criança, comumente chamados de “anjinhos”. Dentre as distorções dos registros, destacam-se sub-registro de óbitos e de nascimentos, de- finição de nascido vivo no ano, declarações com erro de causa mortis e idade da criança. e) Razão de mortalidade materna A Razão de Mortalidade Materna (RMM) expressa o número de óbitos entre mulheres em ida- de fértil consequente a complicações no ciclo gravídico-puerperal, isto é, problemas que podem decorrer desde a assistência ao pré-natal até 42 dias após o parto. Divide-se esse número pelo total de nascidos vivos no mesmo período e multiplica-se essa razão, geralmente, por 100.000. A morte materna é considerada uma perda evitável. Elevadas taxas desse indicador refletem o baixo nível de condições de saúde da mulher. Esse indicador é empregado como “sentinela” para indicar a qualidade dos cuidados oferecidos à população. A RMM para diversos países é apresen- tada na Figura 6. Razão de mortalidade materna Nº de óbitos de mulheres ligados ao ciclo gravídico-puerperal, no período f15 = ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 10n Total de nascidos vivos + nascidos mortos, no período Figura6 - Mortalidade materna (100.000 nascidos vivos) por país, em 2012 Fonte: CIA World Factbook; imagem adaptada de http://www.indexmundi.com/map/?t=0&v=2223&r=xx&l=en. f) Índice de mortalidade infantil proporcional O Índice de Mortalidade Infantil Proporcional (IMIP), ou mortalidade proporcional por idade em menores de 1 ano de idade, indica a proporção de óbitos de crianças menores de 1 ano no conjunto de todos os óbitos. Esse índice permite avaliar, indiretamente, as condições sanitárias da região estudada. O Ministério da Saúde sugere que seja realizado para as seguintes faixas etárias: zero a 6 dias (período neonatal precoce), 7 a 27 dias (período neonatal tardio) e 28 a 364 dias (período pós-neonatal) (RIPSA, 2008). 420 revalidaSIC Resumão índice de mortalidade infantil proporcional Nº de óbitos de residentes menores de 1 ano, por faixa etária f16 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 100 Nº total de óbitos de residentes menores de 1 ano excluídos os de idade ignorada* * A exclusão dos óbitos de idade ignorada resulta em que o indicador se refira ao total de óbitos infantis com idade conhecida. g) Índice de Swaroop-Uemura O Índice de Swaroop-Uemura (ISU), também conhecido como razão de mortalidade propor- cional ou indicador de Swaroop-Uemura, refere-se à proporção de óbitos de pessoas com 50 anos ou mais no conjunto de todos os óbitos (F17). Conforme já discutido no início deste capítu- lo, o ISU é um indicador do tipo proporção que usualmente recebe o nome de índice. Trata-se de um bom indicador das condições de vida de uma população. Em países desenvolvidos, apresen- ta valores de 80 a 90%, significando que, de cada 100 óbitos na população, 80 a 90% ocorreram em indivíduos com 50 anos ou mais. Já em regiões subdesenvolvidas, esse índice atinge 50% ou menos. Portanto, quanto maior o valor do ISU, melhores as condições socioeconômicas e de saúde de uma população. índice de swaroop-Uemura Nº de óbitos de pessoas com 50 anos ou mais, no período f17 = -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 100 Nº total de óbitos, no período O ISU tem algumas vantagens: ͳ Cálculo simples; ͳ Dados disponíveis na maioria dos países; ͳ Possibilidade de comparabilidade nacional e internacional; ͳ Dispensa de dados de população. O ISU pode ser classificado em 4 níveis, que permitem avaliar as condições de vida da região estudada. Assim: ͳ 1º nível: ≥75%; ͳ 2º nível: de 50 a 74%; ͳ 3º nível: de 25 a 49%; ͳ 4º nível: <25%. No 1º nível, estão alguns países desenvolvidos, como Suécia, Estados Unidos e Japão, além de Cuba. Já no 4º nível, estão países com alto grau de subdesenvolvimento, onde a maioria das pessoas morre muito jovem. atenção: o Brasil, atualmente, apresenta nível 2 de saúde (72,6% em 2007), ou seja, de cada 100 óbitos ocorridos, 72,6% ocorrem em pessoas com 50 anos ou mais (ISU). h) Curvas de mortalidade proporcional Segundo Laurenti (2006), surgiu, logo depois do ISU, uma contribuição brasileira que era uma variante da razão de mortalidade proporcional e que foi chamada pelo autor, Nelson de Moraes, de curva de mortalidade proporcional, que era uma projeção gráfica dos valores da mortalidade proporcional em 5 grupos etários, sendo o último aquele de 50 anos e mais, isto é, o próprio indi- cador de Swaroop-Uemura (MORAES, 1959). As faixas etárias utilizadas são: ͳ Grupo infantil: compreende as crianças menores de 1 ano; saúde da família 421 ͳ Grupo pré-escolar: crianças de 1 a 4 anos; ͳ Grupos de escolares e adolescentes: abrangem os indivíduos entre 5 e 19 anos; ͳ Grupo de adultos jovens: pessoas entre 20 e 49 anos; ͳ Grupo de idosos: indivíduos com 50 anos ou mais. Figura 7 - Curva de Nelson de Moraes para diferentes situações de saúde Fonte: LAURENTI et al., 1987; com modificações. A mortalidade proporcional é calculada dividindo-se o número de óbitos em cada grupo etário pelo número total de óbitos, como no cálculo do ISU. A partir dos resultados obtidos, é possível construir as curvas de mortalidade proporcional, que podem ser classificadas conforme sua apre- sentação (Figura 7). Tipo i Forma de “N” invertido, típica de países subdesenvolvidos, com nível de saúde muito baixo, no qual se destaca o elevado número de óbitos no grupo de adultos jovens Tipo ii “L” (ou “J” invertido), curva de países com baixo nível de saúde, com elevado número de óbitos entre crianças e pré-escolares e poucos óbitos nas faixas etárias mais elevadas Tipo iii “V” (ou “U”), curva de país es com nível regular de saúde, com baixo número de óbitos no grupo de escolares e adolescentes e elevado número de óbitos entre idosos e menores de 1 ano Tipo iV “J”, curva típica de países com elevado nível de saúde, com baixo número de óbitos entre crianças e jovens adultos e predomínio dos óbitos nas faixas etárias mais elevadas Em se tratando de Nelson de Moraes, o Brasil, em geral, apresenta uma curva do tipo III (em forma de “U”) em transição para o nível IV, o que sugere nível de saúde regular (elevada proporção de mortes em menores de 1 ano e acima de 50) evoluindo para elevado (predomínio da mortali- dade acima dos 50 anos). Contudo, existe uma variação notável entre as macrorregiões: Sudeste e Sul apresentam uma tendência a “J”, ao passo que Norte e Nordeste têm uma característica de “U” mais acentuada. 422 revalidaSIC Resumão B - Outros indicadores utilizados em Epidemiologia a) Coeficiente de letalidade O Coeficiente de Letalidade (CL), também chamado de coeficiente de fatalidade, mede o poder que uma determinada doença apresenta de levar ou não o indivíduo acometido ao óbito. Permite avaliar, portanto, a gravidade do processo. Trata-se, então, da proporção de óbitos ocorridos en- tre os indivíduos afetados por um dado agravo à saúde (F18). atenção: o CL é diferente do coeficiente de mortalidade. A diferença está no denominador; no caso da mortalidade, é a população total; e no da letalidade, está sob análise a população acometida por determinada doença. Coeficiente de letalidade Nº de óbitos por determinada doença, no período f18 = --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 100 Nº de casos dessa mesma doença, no período Sabe-se que a raiva humana, por exemplo, é uma doença que apresenta taxa de letalidade su- perior a 99%, ou seja, morre quase todo indivíduo que apresenta diagnóstico confirmado de raiva. Porém, trata-se de uma doença rara logo, há poucos óbitos, e sua mortalidade, portanto, é baixa. O CL não é estável, ou seja, ele apresentará resultados diferentes a depender da população a ser avaliada. b) Coeficiente ou taxa de fertilidade, fecundidade e natalidade Os termos fecundidade e fertilidade estão relacionados à geração de filhos, porém não são sinônimos. Fertilidade é a capacidade de gerar filhos e fecundidade é a realização do potencial de procriação. Toda mulher tem potencial para gerar filhos, desde a menarca até a menopausa, porém nem toda mulher gera filhos na prática, por motivos como esterilidade, por exemplo. A fecundidade expressa a materialização do potencial de procriar, sendo, por isso, medida de inte- resse para a Saúde Pública (F19). O coeficiente de fecundidade também pode ser especificado por idade, sendo chamado de coeficiente de fecundidade específico. É o indicador que relaciona o número de nascidos vivos re- feridos a uma determinada idade da mãe com o número total de mulheres, na mesma idade (F20). O termo natalidade, diferentemente de fecundidade, traz uma informação diferente: natalida- de refere-se à relação entre nascimentos vivos e populaçãototal. A natalidade é medida pela taxa bruta de natalidade, que é definida como a relação entre o número de crianças nascidas vivas du- rante um ano e a população total. Usualmente essa relação é expressa por 1.000 habitantes (F21). Coeficiente de fecundidade (geral) Nº de nascidos vivos, no período f19 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- x 1.000 Nº de mulheres entre 15 e 49 anos completos, na metade do período Coeficiente de fecundidade específico, por idade Nº de nascidos vivos, no período, de mulheres de um grupo etário f20 = ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ x 1.000 Nº de mulheres, no mesmo grupo etário, na metade do período Taxa bruta de natalidade Nº de nascidos vivos, no período f21 = -------------------------------------------------------------------------------- x 1.000 População total no mesmo período saúde da família 423 c) Razão de masculinidade Razão de masculinidade, também chamada de razão de sexo, refere-se ao número de homens para cada grupo de 100 mulheres, na população residente em determinado espaço geográfico, no ano considerado (F22). Na prática, esse indicador expressa a relação quantitativa entre os sexos. Se igual a 100, o número de homens e de mulheres é equivalente; acima de 100, há predominância de homens e, abaixo, predominância de mulheres. Pode ser influenciado por taxas de migração e de mortalidade diferenciadas por sexo e idade. Esse indicador pode ser utilizado para subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políticas públicas nas áreas de saúde e educação; auxiliar na compreensão de fenômenos sociais relacionados a essa distribuição (migrações, mercado de trabalho, organização familiar, morbimortalidade, segurança e emprego); bem como identificar necessidades de estudos de gênero sobre os fatores condicionantes das variações encontradas (RIPSA, 2008). Razão de masculinidade Nº de indivíduos do sexo masculino f22 = ----------------------------------------------------------------------------------- x 100 População total no mesmo período d) Esperança de vida Este indicador é calculado a partir de tábuas de vida elaboradas para cada área geográfica e, no Brasil, divulgado anualmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A esperança de vida, também chamada de expectativa de vida, é um indicador que expres- sa características da mortalidade por idade, muito empregado na avaliação das condições de saúde de uma população. Por não sofrer a influência da estrutura etária da população, é um bom indicador para comparações populacionais. Sob uma óptica prática, a esperança de vida ao nascer indica o número médio de anos que um indivíduo tem probabilidade de viver, a partir de determinada idade considerada, supondo que os coeficientes de mortalidade permaneçam os mesmos no futuro. Segundo a RIPSA (2008), trata-se de um bom indicador para analisar variações geográficas e temporais na expectativa de vida da população. Pode contribuir para a avaliação dos níveis de vida e de saúde da população, subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação de políti- cas de saúde e de previdência social, entre outras, relacionadas com o aumento da expectativa de vida ao nascer (oferta de serviços, atualização de metas e cálculos atuariais). Sabe-se que a esperança de vida é maior quanto melhor a condição socioeconômica de uma região. Porém, observa-se que, independentemente do desenvolvimento econômico, a expectativa de vida de homens é sempre menor do que a das mulheres, ou seja, estas vivem mais, em qualquer região do mundo. Costuma-se atribuir essa diferença ao fato de que os homens são normalmente mais expostos a riscos como acidentes externos, acidentes de trabalho, alimentação mais gorduro- sa, tabagismo, menor cuidado com a saúde, entre outros. Pode-se, então, dizer que a esperança de vida entre homens e mulheres teria uma tendência a aproximar-se, já que, depois da década de 1970, as mulheres também passaram a se expor a mais riscos; entretanto, o diferente cuidado que homens e mulheres têm com a saúde, os dife- rentes hábitos de vida, entre outros fatores, ainda contribuem para essa importante diferença, que no Brasil chega a ser de quase 10 anos, atualmente. Em países mais desenvolvidos, essa diferença está diminuindo, mas não porque as mulheres têm vivido menos, e sim porque os homens têm vivido mais. 424 revalidaSIC Resumão Para pensar: A variação de ocorrência de doenças no tempo e no espaço é peculiar dos fatores envolvidos na sua gênese (agen- tes etiológicos, ambiente e indivíduo); seja a variação da morbidade específica ou de seus fatores de risco, todo o processo deve ser seguido por um sistema de vigilância epidemiológica vigente. Conheça, neste capítulo, os con- ceitos relacionados à transmissão e ocorrência de doenças, bem como as aplicações da Vigilância Epidemiológica e doenças de notificação compulsória. 1. Dinâmica de transmissão de doenças A - Conceitos e definições Muitos dos princípios subjacentes que fundamentam a transmissão das doenças são mais claramente demonstrados utilizando doenças transmissíveis como modelo, contudo os conceitos discutidos podem ser extrapolados para doenças não infecciosas ou mesmo outros agravos à saúde (GORDIS, 2010). As doenças têm sido descritas como resultado de uma tríade epidemiológica; de acordo com esse conceito, doença é um produto de interação de um hospedeiro humano, um agente infec- cioso (ou de outro tipo) e um ambiente que promova a exposição. Vetores, como mosquitos e carrapatos, são frequentemente envolvidos. Para tal interação ocorrer, o hospedeiro deve estar suscetível. Os fatores que podem levar ao desenvolvimento de doenças são biológicos, físicos e químicos, bem como de outros tipos, como estresse, cuja classificação pode ser mais difícil. Poder-se-ia pensar na agregação desses fatores em, pelo menos, 3 grandes grupos de doenças/agravos à saúde: as doenças infecciosas e parasitárias, as doenças crônicas não transmissíveis e as causas externas de morbidade e mortalidade. Todas elas poderiam ser consideradas, de algum modo, dentro do modelo clássico da tríade epidemiológica. fatores determinantes de doença nos seres humanos Características do hospedeiro Tipos de agente fatores ambientais - Idade; - Sexo; - Raça; - Religião; - Costumes; - Ocupação; - Perfil genético; - Estado civil; - Antecedentes familiares; - Doenças anteriores; - Estado imunológico. - Biológicos: · Bactérias; · Vírus; · Protozoários. - Temperatura; - Umidade; - Altitude; - Aglomeração; - Moradia; - Vizinhança; - Água; - Leite; - Alimentação; - Radiação; - Poluição atmosférica; - Ruído. - Químicos: · Veneno; · Álcool; · Fumo. - Físicos: · Trauma; · Radiação; · Fogo. - Nutricionais: · Deficiência;· Excesso. 3 Dinâmica de transmissão, vigilância epidemioló-gica e notificação compulsória de doenças saúde da família 425 Uma doença transmissível (ou infecciosa) é aquela causada pela transmissão de um agen- te patogênico específico para um hospedeiro suscetível. Agentes infecciosos podem ser transmitidos para humanos: diretamente, de outros humanos ou animais infectados, ou in- diretamente, por meio de vetores biológicos ou físicos, partículas aéreas ou outros veículos (BEAGLEHOLE; BONITA; KJELLSTRÖM, 2010). As doenças crônicas não transmissíveis (doen- ças cardiovasculares, neoplasias, doenças respiratórias crônicas, diabetes e doenças muscu- loesqueléticas, entre outras) são multifatoriais e têm em comum os fatores comportamentais de risco modificáveis e não modificáveis. As causas externas são classificadas de 2 formas: anatureza das lesões que o paciente apresenta e as circunstâncias que produziram essas lesões, ambas codificadas no CID-10. O potencial de determinados organismos em espalhar-se e produzir surtos depende de suas características, como taxa de crescimento e via pela qual são transmitidos de uma pessoa à outra. É muito comum, mesmo na área médica, confusão entre os conceitos de doença infecciosa e doença contagiosa. Doenças contagiosas são aquelas que podem ser transmitidas pelo toque, sem a necessidade de um vetor ou veículo interveniente. Com relação às doenças infecciosas, são importantes alguns conceitos relacionados à cadeia de transmissão: ͳ Reservatórios e fonte de infecção: entende-se por reservatório o habitat de um agente infeccioso, no qual este vive, cresce e se multiplica. A característica que distingue o reserva- tório da fonte de infecção diz respeito ao fato de o primeiro ser indispensável à perpetuação do agente, ao passo que a última é a responsável eventual pela transmissão; ͳ Reservatório animal: as doenças infecciosas transmitidas em condições normais de animais para o homem são denominadas zoonoses. Via de regra, são transmitidas de animal para animal, atingindo o homem só acidentalmente; ͳ Portador: é o indivíduo que não apresenta sintomas clinicamente reconhecíveis de deter- minada doença transmissível, mas que está abrigando e eliminando o agente etiológico. O portador pode ser: • ativo convalescente: comporta-se como portador durante e após a convalescença de uma doença infecciosa; • ativo crônico: continua a abrigar o agente etiológico muito tempo após a convalescença da doença. O momento em que o portador ativo convalescente passa a crônico é estabe- lecido arbitrariamente para cada doença; • ativo incubado ou precoce: comporta-se como portador durante o período de incubação de uma doença; • Passivo: indivíduo que nunca apresentou sintomas de determinada doença transmissível, não os está apresentando nem os apresentará no futuro; somente pode ser descoberta por meio de exames adequados de laboratório; • eficiente: aquele que elimina o agente etiológico para o meio exterior ou para o organis- mo de um vetor hematófago, ou que possibilita a infecção de novos hospedeiros. Essa eliminação pode ser feita de maneira contínua ou intermitente. ͳ Porta de saída/entrada: tecido/sistema que deve entrar em contato com o agente ou que será responsável pela eliminação deste para o ambiente ou novo hospedeiro; ͳ Transmissão: é a transferência de um agente etiológico animado a um novo hospedeiro suscetível. A transmissão pode ocorrer de forma direta ou indireta. 426 revalidaSIC Resumão • direta (contágio): transferência rápida do agente etiológico, sem a interferência de veí- culos. Pode ser imediata, em que há um contato físico entre o reservatório ou fonte de infecção e o novo hospedeiro suscetível, ou mediata, em que a transmissão acontece por meio de secreções suspensas no ar (espirro); • indireta: transferência do agente etiológico por meio de veículos. Para tal os agentes de- vem ser capazes de sobreviver fora do organismo durante certo tempo e deve haver veí- culos que transportem o agente. O elo final da cadeia do processo infeccioso é o novo hospedeiro suscetível. A suscetibilidade do hospedeiro depende de fatores genéticos, de imunidade e de outros fatores que alteram a habilidade individual de resistir à infecção ou limitar a patogenicidade. Com relação ao novo hospedeiro, a resistência e a suscetibilidade dependem de maior ou me- nor resposta positiva do organismo, ou seja, da imunidade ativa (natural – doenças – e artificial – vacinas) ou passiva (natural – transplacentária – e artificial – soros). No caso das doenças crônicas não transmissíveis, esse ciclo de transmissibilidade não fica tão evidente. São variados os estudos que mostram que os fatores genéticos têm forte influência sobre muitas doenças com essa classificação, contudo pode haver fatores de risco ambientais (alimentação, exercícios, estresse, entre outros) que interagem com a herança genética, sendo difícil atribuir uma parcela de responsabilidade para cada como é feito com as doenças infecciosas. A mesma discussão é válida para as causas externas de morbimor- talidade. Todavia, nessa modalidade, o ambiente tem mais influência do que nas anteriores. B - Distribuição temporal das doenças A distribuição temporal de uma doença, segundo Medronho e Perez (2009), pode obedecer a um determinado padrão temporal, como no caso da rubéola, que apresenta aumento de sua ocorrência na primavera. Assim, é possível conhecer os períodos de maior risco para determi- nadas doenças, fato que pode contribuir para sua prevenção e seu diagnóstico precoce. Por exemplo, um indivíduo que apresenta um quadro clínico de febre baixa, rash cutâneo e linfade- nopatia generalizada na primavera deve levantar a suspeita de rubéola. Embora os estudos de distribuição temporal sejam vastamente discutidos na área das doen- ças infecciosas e parasitárias, sobretudo aquelas transmissíveis, pode-se afirmar que não se trata de aplicação exclusiva. A monitorização e a avaliação de doenças crônicas não transmissíveis, bem como de outros agravos à saúde (causas externas como acidentes, desastres, fatores con- tribuintes para o aparecimento de doenças), podem ser ótimas ferramentas para a vigilância em saúde (termo que será futuramente discutido). Para Medronho e Perez (2009), a avaliação da evolução temporal de uma doença, antes e depois de uma intervenção, pode mostrar a efetividade daquela medida. A análise de um conjunto de observações sequenciais no tempo pode conter flutuações alea- tórias (ao acaso). De modo que é importante tentar detectar, além das possíveis variações alea- tórias, os 4 tipos de evolução principal das doenças: tendência histórica, variações cíclicas, varia- ções sazonais e variações irregulares (MEDRONHO; PEREZ, 2009). a) Tendência histórica ou secular Segundo Medronho e Perez (2009), o estudo de tendência histórica refere-se à análise das mudanças na frequência (incidência, mortalidade) de uma doença por um longo período de tem- po, geralmente décadas. Os autores explicam que não existe um critério rígido para a definição de tempo mínimo de observação necessária para detectar alterações na evolução da doença ou de outro desfecho de interesse. saúde da família 427 Figura 1 - Mortalidade para os principais locais de câncer em homens e mulheres, de 1980 a 2006 Fonte: SCHMIDT et al., 2011. A análise de tendência de uma doença deve considerar as possíveis modificações nos critérios diagnósticos, na terminologia da doença, nas taxas de letalidade etc. Entretanto, muitas vezes, é necessária a observação de uma doença ao longo de décadas para traçar o perfil esperado para a conjuntura atual (MEDRONHO; PEREZ, 2009). Schmidt et al. (2011) estudaram a mudança da mortalidade no Brasil para os principais tipos de câncer nos últimos 27 anos, concluindo que, nos homens, as taxas de mortalidade por câncer de pulmão, próstata e colorretal estão aumentando, as de câncer gástrico estão diminuindo e as de câncer de esôfago estão estáveis. Nas mulheres, as taxas de mortalidade por câncer de mama, de pulmão e colorretal aumentaram, enquanto as de câncer do colo de útero e do estômago di- minuíram (Figura 1). 428 revalidaSIC Resumão b) Variações cíclicas São variações com ciclos periódicos e regulares. A mudança cíclica no comportamento de doenças são recorrências nas suas incidências que podem ser anuais ou ter periodicidade mensal ou semanal. Na variação cíclica, portanto, um dado padrão é repetido de intervalo a intervalo (BRASIL, 2005). Outros autores consideram variação cíclica as flutuações na incidência em perío- dos inferiores a 1 ano (MEDRONHO; PEREZ, 2009). Na Figura 2, apresentam-se as taxas de incidência
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