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6 CULLER A teoria saussuriana da linguagem

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CIP-Braslt. Catalogaçlo-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, Spi'
Culler, Jonathan.
C9741 As idéias de Sa.ussur~ / Jonatha~ Culler i traduçâo de Carlos·
.Alberto da Fonseca. - SaoPaulo : Cultrix : 1979.!
" {Mestres da modemidadel
Blbllografia.
1. Lîngüistica 2. Saussure, Ferdinand de. 1857-1913 3. Semi6tica
1. Trtulo.
>'.
79-0059
CDD-410.924
-410
rndices para catélogo sistemético:
1 .' Lingüfstica 410
2. Lingüfstlca: Teorias. de Saussure 41(J.924
3. Saussure: Teorias : Lingüistlca 410.924
4. Semiologla :.LingOistlca 410.
5.' Semi.6tica: Lingüistica 410
...
"
"
1
"";
l
I.,c'
l
JONATHAN CULLER'
.(do Brasenose Collage, Universidade'de Oxford)
AS IDÉIAS
DE
SAUSSURE
Traduçao de
, CARLOS ALBERTO DA FONSECA
(do Departamentode Lingüistica e Linguas Orientais,
da Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências Humanas
da Universidade de Sao Paulo)
~ ...i....... "
~
''EDITORA .CULTRIX
Sao Paulo
CAPITULO II
A TEORIA SAUSSURIANA DA LINGUAGEM
Saussure nao estava contente corn a Lingüfstica tal coma elea
conhecia, porque acreditava que seus antecessores naD haviam pen-
sada séria ou perceptivelmente sobre aquilo que faziam. A Ungüisti-
<:a, escreveu 1 ele, Il jamais se preacupouem determinar a natureza
do seu objeto de estudo. Ora, semessa operaçâo elementar, ume
ciência é incapaz de estabelecer um método para si pr6pria" (Curso,
10; Cours, 16).
Tai operaçao é tanto mais necessaria quanto a linguagem humana
é um fenômeno extremamente complexae· heterogêneo. Mesmo· um
simples ato de fala envolve uma extraordinaria gama de tatares e po-
deria --Ber considerado de muitos pontas de vista dif.erentes e até
mesmo ·eonflitantes. Poder-se-iaestudar a maneira pela quai os sons
saa produzidos pela boca, pelas cordas. vocais e pela lingua; poder-
se-ia investigar as ondas sonores que saoemitidas e a maneira pela
quai afetam 0 mecanismo da audiçâo. Poder-se-ie considerer a inten-
çâo signifreativa do mlante,. os aspectas do mundo aos quais seu
enunciado se refere. as cjrcunstâncias imediatas do contexto cornu-
nicativo que poderiam tê-Io conduzido a produzir ume determinada
série de sons. Poder-se-ia tentar a analise das convençoes que ca-
. pacitam falantes e ouvintes a se entenderem mutuamente, elaborando
as regras gramaticais e semânticas que eles devem ter assimilado
para poderem cùmunicar-se dessa maneira. Ou poder-se-je, ainde, tre~
1. Uso expressoes tais como "Saussure escreveu" por pura conveniência. Como
se mencionpu no Capitula I,muito paucas passagens do Cours foram efetiva-
> mente esctitas par Saussure.
13
çar a historia da Iingua que torna disponÎveis tais formas am tal
ocasiâo.
Gonfrontadocom todos." esses fenômenose essas diferentes pers-
pectivas a partir das quais poder~se-ia empreender.;]hes a abordagem,
o lingüi8ta deve perguntar~se 0 que esta tentando descrever,,-0 que,
em espeeiaL examina? 0 que procura? o que, am suma, é a .lingua?
A resposta de Saussure a essa pergunta é irrepreensivel,' m,as
extremamente importante, pois serve para dirigir a atençâo para os
pontas essenciais. A Iinguagem é um sistema de signas. Os sons va-
lem coma linguagern apenas quando servem para expressar ou comu-
nicàr idéias; de outra n:taneira, sao apenas ruidos. E, para comunicar
jdéias, devem tazer parte de um sisterna deconvenç6es, parte de
ùln -sisterna de sign08.0 signa é a uniac de urna forma que signifiea,
à quai Saussure chama signifiant ou significante, e de umaidéia
~ significada, a signifié ou significado. Embora passamas falar de signi.;
ficante e significado coma· se fossem entidades separadas, elas 56
existem coma componentes do signa. 0 signa é '0 fato central da
lingùag·em, e portanto, para tentar separar a essencial do que seja
secundario ou acidental, devemos começar pela natureza do proprio
signa.
A NATUREZA ARB·ITRARjIA DO SIGNO
o primeiro princfpio da teoria saussuriana da linguagem dizres-
pelta à qualidade essencial do' signa. 0 signo lingüistico é arbitrario.
Uma condiçao particular de slgnificante e significado é urna entidade
arbitraria. Este 0 fato c·entral da linguagem e do rnétodo lingüistico.
fEscreve Saussure:
o princÎpio da arbitrariedade do signo· nao é contestado por nlnguém;às
vezes, porém\ é mais fâcil descobrlr uma verdade do que Ihe assinalàr <> lugar
que Ihe cabe. 0 principio enunciado acima domina toda a IIngüîstica da lingua:
suas consequências s50' inOmeras. É verdade que nem todas aparecem, à pri-
meira vista, corn igual evidêncla; somente ao cabo de varias voltas é que as
descobrimos e. corn elas, a importância primordial do principio. (Curso, 82;
Cours. 100.)
a que quer Saussure dizer corn a natureza arbitraria do signo?
Num' sentido, a resposta é bastante simples. Nao ha nenhum elo na:..
tural ou inevitavel entre 0 signiticante e 0 significado. Uma vez que
eu fa1e inglês. passn usar 0 significante representado par dog para
falar de um animal de uma determinada espécle, mas essa seqüência
14
de sons nâo é mais conveniente para tal proposito do que uma outra
. / qualquer. Lod. tet ou bloop serviriarn, igualmente. se fossem aceitas
pelas membros de minha comunidade lingüistica. Nao ha --nenhuma
tazao intrinseca para que um desses signifjcantes.e nia outro. es-
. tivesse 1igado ao conceito de "cao n • *
Nao ha exceçoes deste princÎpio bâsico? Certamente que ha. Exis-
tam duasmaneiras pelas Quais os signas lingüisti·cos padern ser ma-
tivados. isto é, tornar-se menos arbitrârios. Primeiro, ha os casos de
onomatopéi~ em que 0 som do significarite pareee de alguma forma
_ser -mimético ou imitativo, coma no inglês bow-wow ou arf-arf (cf.
francês ouâ-ouâ, alemâa wau..wau, italiano bau-bau). Mas ha muito
poucos cas'os assim, e 0 fato de os identificarmps coma uma classe
isolada e coma um casa especial apenas acentuamais fortemente a
arbitr~riedade dos signoscomuns.
Todavia, nuina determinada lingual os signos podern ser parcial-
mente motivados de maneira diferente. A maquina corn a quai estou
escrevendo ,chama-se em inglês typewriter. Nao ha nenhuma razao
intrÎnseca para que ala naD pudesse ser chamada grue ou blimmel.
Mas, dentro do Inglês, typewriteré um signa motivado porque. os
significados das duas seqüências sonoras que Ihe compoem a signi~
ficante. type [tipo] e writer [escrevedor], estâo relacionados corn
seu significado. corn a idéia de um .. escrevedor de tipos ". PoderÎa~
mos chamar a isso Il motivaçâo secundaria n. Note-se, por exemplo,
que 56 am Inglês a relaçao entre seqüência sonora e conceito é mo~
tivada. Se 0 Francês fosse usar a mesma forma para falar dessa ma-
quina, .aquele signo seria totalmente arbit~ario, porquanto 0 consti-
. tuinte primario. writer, nao é um signo na Iinguafraneesa. Além disso,
para Saussure. coma veremos depois, ·0 processo de combinar type
e writer -para criar um nova signo motivadoé fundamentalmente se~
melhante à maneira· pela quai combinamos palavras paraformar fra·
ses (cuJo significado -esta relacionado aos significados combinados
-~das palavras individuaisJ. Podemos dizer, portanto, que todas as linguas
têm signas arbitrarios como seus ·elementos basicos. Eléis possuem.
entao, varias proce$sos para combinar esses signos. mas que naD alte:-
rarn a natureza essencial da linguagem ou de seus constituintes
elementares.
o signa é arbitrario par naD haver nenhum elo intrinseco entre
significante e significado. e assim que 0 principio de Saussure é co-
• Note·~ que aqui. como adiante. usa negrlto para citar formas IingüÎsticas (p. ex.,
dog. tod) e aspas para designar significados (p. ex. .. cao ").
15
~ 1
mumente interpretada. Mas, vista dessa forma, esse principia tarna..
se uma idéia completamente tradicional, um fato bastante obvia sobre
.a Hngua.lnterpretado de maneira assim limitada, nao tem as conse:
qüências momentosas que, de acordo corn as notas dos discipulos>~
Saussurerepetidamente reclamava para ele: "'0 lugar hierârquicodes..
ta verdade é 0 proprio topo. ·86 pouco a pouco é que se reconhece.
camo muitas fatas diferentes saa apenas ramificaçoes, conseqüências
ocultas desta verdade" (Engler, 153). Ha mais, no tocante à natureza
arbitrâria do signa. que a relaçao arbitraria entre significantee signi-
ficado. Devemos ir mais além.
Do que jâ foi dito sobre significante e significado, poder-se-ia
sofrer .a tantaçao de pensar na lingua corna uma nomenclatura: uma
relaçao de nomes arbitrariamente selecionados e ligados a um con-
junto de abjetos ou conceitos. É muito fâcil, diz Saussure·, pensarna
Iinguagem camo um conjunto de nomes e fazer,da historia biblica
de Adao dando nome às feras, uma expIicaçao da natureza verdadeira
da IIngua. Se alguém diz que {) conceito "cao" é traduzido ou expres..
,50 am inglês por dog, am francês par chiene ·em alemao por Hund,
insinua que cada lingua tem .um nome arbitrârio para um conceito
que existe anteriormente a qualquer lIngue e é deIa independente-
mente.
Se a linguagem fosse simplesm'ente uma nomenclatura para um
conjunto de conceitos universais, seria fâcil traduzir de uma lingua
para outra. Dever-se-ia simplesmente substituir 0 nomefrancês por
um conceito corn 0 nome inglês. Se a linguagem fosse isso, a tarefa
de aprender uma nova IIngua seria tambémmuita mais facil do que é.
Mas quem tenha tentado uma destas tarefas adquiriu,aidelel, um
grande numero de provas diretas de que as Hnguas nao sao nomen-
claturas, de que os conceitos ou significados de uma lingua padern
diferir radicalmente dos de outra. 0 francês .. aimer" nao se traduz
diretamente em inglês; deve-se escolherentre "ta Iike". [gastar de]
e "ta love Il [amar]. "Démarrer" inclui numa mesma idéia os signifi-
cados ingleses de "moving off" [arrancar] e Il accelerating" [acelerar].
o inglês "ta know" [saber, conhecer] cabre a ârea de dois signifl-
cados francesés, io connaître Il ·e "savoir". Os conceitos ingleses de
homem "wicked" ou de "pet" naD têmcorrespondentes reais em
francês. Ou, ainda, 0 que 0 inglês chams de "light blue" [azul claro]
e "dark blue" [azul escuro] e considera coma duas tonalidades de
uma unica cor SaD. em russo, duascores primârias distintas. Cada
Iingua articula ou organiza a mundo diferentemente. As Iinguas' naD
16
nomer~m simplesmente categorias existantes: articulam as suas pr6~
prias categorias~
-Além· disso. se a Jingua f'osse ~m conjunto de nomes aplicados a
coneeitos de existência independenfe:. enta.o. na evoluçao historiea de .
uma Iingu8. os ·conceitos permaneceriam estâveis.. Os significantes
poderiam tranformar~se: ·.a seqüêncià ·especifica de sons aS$ociadas a
um determinado canceito poderia ser modificada;e ùma determinada
seqüência de sons poderia até ser ligada a um conceito diferente.
Ocasionalmente, claro ·esta, poder~se~ia introduzir um signa nova para
um conceito nova que tivesse sido produzido por modificaçôes no
mundo. Mas os conceitos em si. coma entidades lingüisttcasindepen~
dentes, nao ,seriam matéria de evoluçao lingüistica.
; Na verdade, entretanto~ a historia das linguas esta repleta de
èxemplos de conceitos que trocarn, que mudam suas fronteiras. A
palavra inglesa cattle, por exemplo. num determinado momento, signi~
ficou propri,edade em geral, dapois gradualment& foi-se restringir a
apenas à propriedacle de animais quadrupedes (uma nova categoria)
e finalinente chegou a seu sentida moderpo de bovinas domesticados.
Ou. ainda, uma pessoa "silly" ·era originariamente uma pessoa feliz,
abençoada e pia. Gradualmente,· este conceito particular alterou-se;
o velho conceito de Al siHiness" transformou~se e. no começo do século
XVI, urna pessoa "silly" era uma pessoa inocante, indefesa, digna
masmo de', piedade. A alteraçao do conceito continuou até que even~
tualmente uma pessoa "silly" fosse simpl6ria, insensata, talvev~mes­
mo estupida.
c
Se a linguagem fosse uma nomenclatura, serÎamos obrigados a
dizer que existem vâriQs conceitos distintos nela e que 0 significante
silly. estava ligado primeiro a um e depois ao outro. Mas, c1aramente,
naD foi isso 0 que acontec.eu: 0 conceito ligado ao significante silly
estava continuamen~e trocando suas fronteiras, mudando gradualmen~·
te seu c-ontorno- semântico, articulando 0 mundo de diferentes manei-
ras, de. um perfodo. para 0 outra. E. ocasionalmente, o· significante
também evoluiu. safrendo uma modificaçao de sua vogal central.
- .
Qtial a significaçao disto? 0 que tem a ver corn a natureza arbi-
traria do signo? A linguagem naD é uma nomenclatura 'e, portanto. seus
significados nao SaD conceitos preexistantes, mas conceitos mutaveis
e contingentes que variam de um estado de uma IIngua para outro.
E desde que a relaçao entre significante e significado é arbitraria,
desde qu~ nao ha nenhuma razao necessaria paraum conceito, am
vez de -outro, ser ligado a determinado significante. nao ha, portanto.
11
r'fenhuma propriedade caracterizaclora que 0 conceito deva reter a
fim de ser' consideradocomo 0 significado daquele significante. 0
-significado associado a um ~ignificântepode tomar '! qualquër forma;
naD ha nenhuma essência fundamental de sentido que deva reter para
ser considerado como 0 significado' proprip daquele significante. 0
fato de que a relaçao entre significante e significado é arbitraria sig"
nifica, entao, que coma nao existem conceites universais fixas ou
significantes universais fixos, 0 significado em si é arbitrario, assim
coma a signific~nte. Devemos,entao perguntar, coma a fazSaussure,
o que detine um significante ou um significado. A resposta leva"nos
- ',a um princfpio muito importante: ambos, significante e significado,
SaD entidades puramente relacionais ou diferenciais. Porque SaD arbi-
trarios, sao relacionais. Este é um princfpio que requer explicaçao. -
A NATUREZA DAS UNIDADES LlNGOfSTICAS
Saussure atribui grande importância - mais do que possa parecer
no Cours publicado - ao f~to de que a linguagem naoser uma no-
menclatura, pois, a menas que- entendamos if?so, nao poderemos com-
preender-as plenas ramificaçoes da natureza -arbitraria dosigno. Uma
Iingua nao atribui simplesJ'Dente, nomes arbitrarios a um conjunto de
conceitos de existência independente. Ela erige, por um Jado, uma ra-
laçao arbitrâria entre significantes de sua propria,escolha e, par outra,
significados também de sua propria escolha. Uma IIngua naD produz
apenas um conjunto diferente de significalltes, articulando e dividin...
do a continuum~ de s-om de maneira distintiva; cada lingua produz um
conjunto diferente de significados; tem uma maneira distintJva, e por-
tanto "arbitraria", de organizar a mundo em conceitos ou categorias.
Ë obvia- que as seqüências sonorasde fJeuve e rivière sao signi-
ficantes do Francês mas naD do Inglês, ao passo que river [riol e
stream [regato] sac ~ing)esas mas nao franceses. Menos obviamente,
mas.mais significativamente,a organizaçao do plana conceitual tam-
bém é diferente em Inglês e em Francês. 0 significado "river" opoe-
se a "stream "apenas em termos de extensao, ao passo que um
"fleuve" difere de uma "rivière" naD porque seja necessariam~nté_
maior, mas porque corre para omar, enquanto que uma "rivière ,,- 'nao.
Em suma, "fleuve" e "rivière" nae sac significados ou conceitos do
Inglês. Hepresentam uma articulaçao diferente do piano conceitual.
Q tato de que estas duas Hnguas operam perfeitamente bem corn
diferentes articulaçoes ou distinçoes conceituàis indica que taisdivi-
soes nao sao naturais, inevitâvei$ ou necessârias mas, numsentido -.'r
fundamental~ arbitrârias. Obviamente. é importante que umal[ngua
tenha formas de falar acarea de massas de ligua corrente, mas ela
pade tazer suas distinçoesconeeituais sobre· esse assunto us~ndo
qualquer uma, da grande varÎedade de formas à disposiçao (extensao,
velocidade de fluxa, direitura ou sinuosidade, direçao do fluxo,
profundidade,navegabilidade, etc.). Uma Hngua pode naD. apenas, es--
calher arbitrariamentè seus significantes coma também divldir um
espectro de possibilidades conceituais de quantas nianeirasquiser.
Além disso, e aqui chegamos a um ponta importante, 0 fato de
estes conceitos ou significados serem divisées arbitrarias de um con.. '
tinuumsignifica que naD sao entidades autônomas,cada urna delas
definida por aIguma espécie de essência. Sao membros de um sistema
e se definem por suas relaçoes corn os outras niembros do· sistema.
Se devo explicar a alguém 0 significado de stream, preciso falar..lhe
da diferença entre "stream" e .. river If, 1( stream"e Arivu let" [regato],
etc4 E, simHarmente, naD posso explicar a conceito francês de uma
"rivière" sem descrever a distinçao entre .. rivière" e .. fleuve", de um
1ado. -e entre .. rivière If e .. ruisseau" de outro.
Os termas que designam cores sao, particularmente, uro bomexem-
plo desta caracterfstica do signo. Suponha-se que queiramos,ensinar,
a um estrangeiro, O"S nomes das cores em Inglês. Suponhamos também
.que ele seja lento de aprendizagem atrasado,e proceda de uma
cultura nao-européia, de maneira que precisemos elaborar uma estra-
tégia eficiente de ensino. Pode ocorrer-nos que a melhor maneira dé
proceder fosse tomar uma cor de cada vez: começar, por exemplo,
como marrom e naD passar. para outra coraté que estejamos certos
de que ele dominou 0 conhecimento do marrom. ·Entao começamos
amostrar-Ihe objetosmarrons dizendo..lhe quesao marrons. Coma
querernos sermeticulosos, reunimos uma série de uma centena
-de objetos marrons de varias espécies. Entao, depois de 0 termos-
aborrecido .eanôs masmas por muitas horas, levâmo-Iopara outra
salae.. para pôr-Ihe à· prova 0 conhecimento do "marrom", pedimos-
Ihe para apanhar todos os objetos marrons. Ele começa a traba1:har .
mas parecee~tar tendo dificuldade- em decidjr 0 que seleciona;entad;
em desespero, decidimos que nao fomos meticulosos 0 bastante e ..
propomo..nos a começar -novamente no dia segulnte cornquinhentos
objetos marrons. .
Felizmente, a maioria de nôs naD adotaria esta soluçao desespe..
.rada e reconheceriaque errara., Nao jmporta quantos objetos mar-
rons possamos apresentar ao nosso al.uno: ale ~nao saberâ o.signifl-
~\ cado de marrome nâo sera capaz de passar na prova· enqu~nto naD
19
Ihe ensinarm~$ distingulr entremarrom e vermelho. marrome bron-
zeado, marrome cinza, marrom e amarel'o, marrom e preto. Somente
quando ete tiver compreendidoa relaçao entre 0 marrom e as outras
cores começara a entender 0 que seja man~om. Arazao disso é que
o marrom naD coristitui um conceito indèpendente, definido por algu-
mas p~opriedades essenciais, mas um termo num sistema de termos
para as 'cores, definido par suas relaçoes corn os outros termosque
o delimitam.
Na verdade, esta penosa experiência de ensino levar-nos-ia. a
compreend.er que, porque 0 signo é arbitrario, porque é 0 resultado
da divisao de um continuum de maneiras peculiares à lingua a que
partence, nao podemos tratar 0 signa como entidade autônomaj mas
devemos vê-Io como parte de um sistema. Nao é s6 para saber 6
significado de marrom que se deve compreender 0 vermelho, 0 bron-
zeado. 0 cinza, 0 preto, etc. Mais precisamente, poder-se-ia dizer que
os significados dos termos para as cores nada mais sao que 0 produto
ou resultado de um sistema de distinçoes. Cada Hngua, no dividir 0 '
espectro e distinguir categorias a que chama cores. produz um dife- .
rente sistema de significados: linidades cujo valor depende de suas
relaçoes reciprocas. Como diz Saussure, generalizando a questao:
Em todos esses casos, pois. s~rpreendemos. em lugar de jdéias dadas de
antemao,valores que emanam do sistema. Ouando se diz que os valores cor-
respondem a conceitos; subentende-se que sac puramente diferenciais; defini·
dos nao positivamente por seu conteûdo, mas negativamente por suas relaçoes
com os outros tel'mQsdo sistema. Sua caracteristica mais exata é ser 0 que
os outros naD sao (Curso."136; Cours, 162).
Marrom é 0 que nâo é vermelho. preto, 'cinza, amarelo, etc., e 0 ·mes-
ma aconteee corn os outras significados.
Esta é uma conseqüência importante, embora paradoxal. "da natu..
reza arbitraria do signo. e valtaremos a ela brevemente. Mas talvez 0
caminho mais facil para compreender a idéia da natureza puramente
relacional das unidades lingüisticas seja aborda-la de üm outro ângulo.
Consideremos 0 problema da identidade em Lingüfstica: a questao
de saber quando dois enunciados ou porçoes de um enunciado valem
par exemplos de uma- uniea unidade IingüÎstica. Suponhamos que alguém
me diga: "Comprei uma cama hoje" e eu replique: .. Que. espécie de
cama?". 0 que queremos dizer 'quando dizemos que 0 mesmo signo
t,ai usado duas vezes nesta breve conversaçao? Quai é a base sobre
a quai podemospretenderque dois exemplos ou instâricias da mes..
20
ma unidade IingüÎstica apareceram am nosso diiilogo? Note-se que
ja incorrern_os:~ am petiçao de principio ao transcrever urna parte dos
rurdos~,que cada. um de nos produziu· para indicar cama. De fato, os
ruidos efetivaMente produzidos terao sida mensuraveltnente diferen-
tes -diferentes de um ponto de.vista puramente fisico e acustico.
As vozes variarn; depois de algurnas poucas palavras podemns recoM
nhecer a voz de um amigo ao telefone porque os sinais ffsicos efeti-
vamente emitidos por ale sac diferentes dos que emitem outros nos~
sos conhecidos~
Meu interlocutor e eu produzimos ruidos diferentes; no ·entanto,
queremos dizer que produzimos 0 mesmo significante, que usarnos 0
masmo signo. 0 significante, entâo, nao é a masma coisa que os
ruidos que ·ele 'Ou eu produzimos. É urna unidade abstrata de uma
certa espécie, que nao se deve confundir corn a real seqüência de
sons. Mas que espécie de unidade é ele? No que consiste tal unida-
.de? PoderÎamos abordar a questao perguntandoaté que ponta os ruf-
dos verdadeiramente. produzidos poderiam variar e~ainda valer por·
'versDes do mesma significante. Isto, ·evidentemente, é semelhante à
pergunta que fizemos atras sobre 0 significado: até que ponta pode
. urna cor variar e ainda ser considerada como marrom? E a resposta
. para 0 significante é muito semelhante à resposta para a significado.
Os ruîdos produzidospodem variar consideravelrnente (nao ha nenhu-
ma propriedade essencial queeles devam possuir] contanto que naD
se confundam corn os dossignificantescontrastantes. Ternas urna lati-
tudeconsideravel namaneira por que pronunciamosbed [Ieito], con-
tanto que o que dizem'Os nao se confunda corn bad [mau], bud [botao],
bld [Ienço], bade Tpressagiarl, bread- [pao], bled [sangrou], dead
[morto] t fed [alimentado], head [cabeça], led [Ievado] t red [verme-
1ho-], said [dito1, wed [casado], beck [acEmo], bell [ sino], bet [apos-
ta].
Em outraspalavras, as distinçoes é que"sao importantes, sendo
por tal· raz8'o .de que as unidades lingüfsticas têm uma identidade pu-
ramente relaciona!- 0 princfpio naD é facil de, ser compreendido, mas
Saussure oferece uma analogia concreta. Estamos dispostos a concor-
dar em que, num sentido basico, 0 expresso das 8:25 de Genebra a
Paris é 0 masmo trem todos os dias, ·embora os vag6es, a locomotiva
e 0 pessoal mudem a cada dia. 0 que da ao trem sua identidade é
seu lugar no sistema de trens, camo 0 indica 0 horario de viagens.
E note-se ·que ,esta identidade relacional é, na verdade, 0 fator deter-
minante: 0 tremcontinu8 a ser 0 mesmo, ainda que parta corn atraso
de meia hora. Na verdade, ale poderia sempre partir cOrn atraso sem
21
delxar de sera ·expresso das 8:25 de Genebra a Paris. 0 importante
é que seja distinguido do, digamos, expresso das 10:25 de Genebra
8 Paris, do trem das 8:40 de GeneQra a Dijon, etc. '-
Urna . outra analogia que Saussure usa parailustrar a noça·o de
identidade relacional é a comparaçaoentre a linguagem e 0 xadrez.
As unidades bâsicas do xadrezsao obviame.ote a rei, a rainha, a torre,
a cavala, '0 bispo e 0 peao. A forma ffsica efetiva das peças e a ma-
terial de que sao feitas nac têm importância.O rei pode ser de qual-
quer tamanho ou forma,o, contanto que haja meios de distingui-Io das
outras peças. Além disso, ·as duas torres naD precisam ser de tama-
.oho e formas idênticos, contanto que possam ser diferenciadas das
outras peças. Assim, comn Saussure assinals, se perdermos uma peça
do jogo poderemos substitui-la par qua-kluer outro tipo de objeto, con-
tanto que este objeto nao seja confundido corn os objetas que repre-
sentam peças de valor diferente (Curso, 128; Cours, 153-4). As pro-
priedades ffsicas efativas das peças naD têm ne,nhuma importância,
desde que haja diferenças de alguma espécie -:- qualquer espécie
serve - entre peças de diferente valor.
Assim, pode-se dizer que as unidades do jogo de xadrez nao têm
identidade material: naD hâ nenhuma propriedade fîsica indispensâvel
ao rei, etc. A identidade é totalmente urna funçao das diferenças den-
tro de um sistema. Se agora aplicarmos a analogia à linguagem esta-
rerons ern condiçoes de entender a alegaçao paradoxal de Saussure
<de que no sistema de uma Ifngua "ha apenas dif~renças, sem termos
positivos" (Curso, 139; -Cours, 166). Normalmente, quando pensamos
em diferenças, pressupomos duas coisas que di'ferem, mas .0 ponta
de Saussure é 0 de que 0 significante e 0 significado nao SaD coisas
nesse sentido. Assim como nao. podemgs dizer nada sobre 0 que um
peso deva parec"er, exceto que tera de ser dif~rente do cavalo, da
torre, etc., assim também 0 significante que repr-esentamos como bed
naD é definido por quaisquer rufdos especfficos usados ao pronuncia-
la. Os rufdos efetivos naD s6 diferern de um casa a outro, coma 0
inglês poderia ser organizado de modo que os. rufdos agora usados
para expressar 0 significante pet [an'imal de estimaçao] fossem usâ-
dos para 0 significante bed [Ieito], e vice-versa. Se essas mudanç~s
fossem. feitas, as unidades da IIngua seriam expressas clec modo di-
ferente, mas ainda seriam fundamentalmente as mesmas unidades (as
masmas diferenças permanecem, tanto ao nivel do significante camo
ao nlvel do significado) e a' lingua ainda seria Inglê$.. Na verdade,
o Inglês continuaria sendo, num sentido relevante; amesma lingua
22
se as unidades do significante jamais fossem expressas ;em,sons mas
apenas em sîmbolos visuais de alguma espécie.
Afirmando isto, estamos obviamente faz·endo umadistinçao entre
unidades do sistema lingüistico, por um fado, e suas manifestaçoes ou
realizaçoes ffsicas efativas, de outro. Antes de discutir detalhadamen-
te esta distinçao muito importante,pode ser Liti! recapitulara linha de
raclocÎnio que nos levou a ala. -Começamos por observàr que naD havia
nenhum elo naturalehtre signifieante e significado e,entso, tentando
explicar a natureza arbitraria do signo IingüÎstico, vimos que ambos
- significante e significado - ·eram divisoes ou delimitaçôes arb,i·
trarias de um continuum (um espectro sonoro, de·um Jado, e um cam·
_po conceitual, de outra). Isto levou-nos a inferir que significantee
significado devem ser definidos em termos de suas relaçoes corn
outras significantes -e significados; chegamos assim à conclusao de
que, se tivermos de definiras unidades de urna Hngua, cumprirâ dis·
,tinguir essasunidades puramente relacionais e abstratas de suas rea-
-lizaçôes ffsica.s. Os sons que efetivamente produzimos ao falar naD
sa·o, em si mesmos, unidades do sistema lingüfstico, nem a cor fisica
que designamos ao chamar um livro de "marrom" é omesmo que a
unidade Iingüfstica (0 significado ou conceito) .Il marrom". Em ambos
os casas, e este é um panta em que Saussure insistecom razao. a
'unidade lingüfstica é mais farma que substância, definida pelasrela·
çoes que a isolam das 'Outras unidades..
,
"LANGUE" E MPAROLE"
. ,
Aqui, na distinçao entre 0 sistema lingüfstico e suas manifesta·
çoes efetivas, chegamos à aposiçao crucial entre langue e parole. A
langue é 0 sistema de uma Ifngua, a Iîngua co'mo um sistema de formas,
enquanto parole é a fala rea), os atos de fala tornados possfve) pela
Ifngua. A langue é a que '0 indivfduo assimiJaquando aprende uma
IIngua, um conjunto de formas ou um "tesouro deposltado pela pra-
tica da fala em todos os individuos pertencentes à mesma comuni-
-dade, 'Om sistema gramaticaJ que existe virtualmente em cada cérebro'!
eÇurso, 21; Cours, 30). il Ela é 0 produto social cuja existê-ncia permite
ao indivfduo 0 exercicio de sua faculdade Iingüistica" (Engler,· 31 ).A.
.parolè, por sua vez. é 0 "Jado .executivo' da IJngua ne, para Saussure,
envolve tanto "as combinaçoes pelas quais a falante realiza 0 c6digo
da Iingua no proposito deexprimir seu pensamento pessoal" como
Il 0 mecanismo psicoffsico que Ihe permite exteriorizar essas combi..
naçôes" (Curso, 22; Cours, 31 J. No·ata de parole, 0 falante selaciona
23
e combina ,elementos (Jo sistema IingüÎsticoe da a essas formas uma
manifestaçâo fônica e psicologica cc;mcreta, na forma de sons e sign~­
ficados.
-Se estas observaçoes sobre' a parole paree-em um pouco confusas
é porque contêm um problema, ao quai voltaremos no eapftuJo III.
Se a combinaçâo dos elementos Iingüfsticos faz parte da parole,. en- .
tao as regras sintaticas 'têm uma natureza ambfgua. 'Fazer da langue
um sistema de formas e da parole a combinaçao e exteriorizaça-Q des'-
sas formas nao é exatamente 0 mesma que fazer da langue a faculda-
de Hngüfstica e da parole 0 exercfeio dessa~faculdade. pois a faculda-
de inclui 0 conhecimento de coma combinar elementos, incluiregras
de combinaça-o. Esta ultima distinçao,entre langue como sistema e
.parole camo realizaçao. é a mais fundamental, tanta em Saussure
quanta na tradiçao saussuriana. Todavia, nao é essencial definir aqui
as caracterîsticas especîficas da parole vista que, camo Saussure dei-
xa clara, a funçâo principal e estratégica da distinçaoentre langue e
parole é isolar a objeto d~)nvestigaçao Iingüistica. A langue, argu-
. menta Saussure, deve ser 0 primeiro interesse, do IingÜista. o que
ele esta tentando fazer ~o analisar uma IIngua _naD é descrever atos
defala mas determinar as linidadese regras de combinaçoes que cons-
tituem 0 sistema lingüÎstico. A langue, ou 0 sistema lingüfstico, é um
objeto coerente, analisavel; "constitui-se num sistema designos onde,
de essencial, s6 existe a uniao do sentido e da imagem acustica"
(Curso, 23; Cours, 32). Ao estudar a IIngua como um sistem'a de signos,
esta-se tentando identificar-lhe os traçosessenciai.s: aqueles elemen-
tos decisivos para a funçao significante da Iingua oU,em outras
!! palavras, os elementos que saa funcionais dentro do sistema em que
criam signas distinguindo-os uns dos 'outras.
.A distinçao ent-re langue °e parole fornece assim um princlplo
relevante, para a LingüfStica. "Corn 'separar à langue da parole lJ,
escreve Saussure, "separa-se ao mesmo tempo: 10°, 0 queé social do
que é individual; 2.°, 0 que é essencial do que é acessorio e mais ou
menas aci.cJental" (Curso. 22; Cours, 3DJ. Se tentassemos estudar tudo
o que se relaciona corn 0 fenômeno da fala entrarfamos num reina de
confusao. onde pertinência e impertinência seriam extremamente cliff-
ceis de determinar. Mas se nos concentrarmas na langue. entao
varias, aspectas da Ifngua e da fala se ajustariam dentro delaou à·
sUa volta. Uma vez -expQsta. esta idéia do' sistema' lingüfstico. pode-
mas entaoindagar de cada fenômeno se ele pertence ao proprio sis-
tema ou se é simplesmente um traço do desempenho. bu realizaçao
24
-.../
das unidades ,lingüÎsticas; 'e assim conseguimos classificar os, fatas
de fala em grupos onde passam ser pr'oveitosamente estudados.
Por :exemplo, à distinçao entre languee parole leva à crlaçao de
duas disciplinas distintas queestudam 0 som e suas funçées lingüfs-
ticas: a Fonética, que estuda 0 som nos-atos de fala deum ponto
de vista ffsico, e a Fonologia, que naose interessa pelos eventos
ffsicos:em si, mas pelas distinçoes entr,s ~s unidades abstratas do
significante que sao funcionais dentro do sistemalingüfstico.CI: impor-
tante observar aqui que,embora Saussure afirme inequivocam~nte
que os sons fisicos em si nao fazem parte da langue, preparando
dessa m~neira 0 terreno para a distinçao e'ntre Fonética e Fonologia,
tal camo defjnidas aeima, el,e pr6prio usa os termos fonética e
fonologia -em sentido muito diterente. Continuarai a usa-los no sentido
moderno aqui definido.)
A distinçâo entre Fonéticae Fonologia leva-nos de volta a pontos
referidos anteriormente em relaçao à identidade îingüfstica da forma
bed. A Fonética- descreveria os sons efetivamente produzidos quando
alguém pr'onunciaa forma, mas, coma demonstramos acima, aiden-
tidade de bed, como uma unidade do Inglês naD depende 9a natureza
desses sons etatives mas das distinçoes que separam bed de bet,
bad, head, etc. A Fonologia é a estudo dessàs distinç6es funèionais,
e "funcional rr é '0 que deve ser acentuado Çlqui. Par ,exemplo, em
, lit ' ... .
enunciados do Inglês ha UJ!la diferença perceptivel e mehSuravel entre
o som "1" que ocorre antes de vogais (comoem lend oualive) e'o
que ocorre antes de consoantes ou no final de palavras (como em
meltou peel). Esta é ,uma diferença fonética real, mas nan élima
diferença, que seja usada para distinguir dois signos. Nao é uma dife..
rença funcionaf e, portanto, naD faz parte do sisterna fenol6gico do
Inglês. Por outro lado, a diferença entre as vogais de feel [sentir]e
fill [encher] é usadaem Inglês para distinguirsignos (comparem..se
keel [quilha] e kill [ato de matar], keen [afiado] e kin [aparentado],
seat [cadeira] e sit [sentar], heat [calor] a h!t [golpe]. etc.). Esta
oposiçao desempenha papel- muito importante no sistema fonolôgico
do Inglês vista que cria um grande numero de signos distintos.
A masma distinçae entre 0 que pertence a ates lingüisticos parti-
culares e 0 que pertence ao sistema Iingüistico em si é importante
,também e~ outros niveis, nao apenas no sonoro. Podemos ~estabe ..
lacer uma diferença, por exemplo, entre enunciado, como unidade da
parole,e oraçao, coma uma uhidade da langue. Dois enunciados dife--
rentes padern ser manifestaçoes da masma oraçao: eis-nos, nova-
25
mente diante desta idéia central de identidade emLingüistlca. Os sons
-efetivos e os significados contextuais dos dois enunciados serao
diferentes; o que transforma os dois enunciados em instânc1ias de uma
uniea unidade Iingüfstica serao as distinç6es que dao uma identidade
relacional a essa unidade.
Par exemplo: se,em determinada ocasiao,' Cuthbert diz a Eu estou
cansado" " eu refere~se"8 Cuthbert:compreender esta referência é
parte importante da compreensâo do· enunciado. Todavia, tal rete·
rêncianâo faz parte do significado da oraçâo, pois George também
pode proterir a mesma oraçâo e, am seu enunciado, eu referit·sé~a a
George. Dentro do sistema Iingüfstico, eu naD se refere a ·ninguéfn.
Seu significadono sisterna é 0 resultado das di~tinç6es entre eu e
- tu, ele, &la, nos, [VOS], eles [e elas]: um significado que podemos
resumir dizend() que eu signifiea a 0 falante", am oposiçao a qualqu~r
outfa pe~oa.
Os pronomes -constitiJem: iIustraçoes obvias da diferença entre
slgniflcados que sao propriedades apenas de enunciados e signifi-
eados que sao propriedades de elementos do' sist~ma lingüfstico.~.
Para caracterizaressa distinçâo, Saussure- usa os termos signification
evaleur ["valor"]. As 'unidades Iingüfsticas têmum valor dentro do
sistema, um significado·~ que é- 0 .resultado d-as oposiç6es que as
_definern; mas quando. essas unidades sac usadas nom enunciado,
.elas têm uma significaçao, uma realizaçao contextuat ou manifesta-
_çao de sentido. Par exemplo: se um fra~cês diz: a J'ai -vu un mouton"
e uminglês diz: "Isaw a sheep ft, é provavel" que seus enunciados
tenham a mesma significaçao; estao fazenda a mesma afirmaçâo sobre
um estado de coisas (a saber: num determinado tempo, no passado,
o falante viu um carneiro). Entretanto, como unidades de seus res-
. . 1· ,
pectivos sisternas IingüÎsticosr mouton e s~eepr nao têm.o rnesmo
significado ou valor, pois .~ sheep" {carneirQ] é definido pot opo-
siçao a "mutton" [carne de carneiro], enquanto. que "mouton" nao
fica Iimitado pof tal distinçao, mas é usado para a animale para sua
carne. Ha aqui 'certos problemas filos6ficos que -·Saussure nao pro-
.- . .
curou resolver em particular, os fil6sofos gostariam de dizer aquilo
que Saussure chama -de significaçao de· um enunciado envolve tante 0
significa-docomo a refèrência. Mas ·0 ponta levantado por Saussure
é 0 de que ha uma espéC'iedesignificador um significado ou valor
relâcional que S8' baseia no sistemaHngQfsticb, :6 outraes-pécie de 1
signiticado ·OU significaça-o que eilvolve 0 uso de eIêmentos lingüis~ ~
ticos nassituaçoes reais de enunciado.
; 1
.26
s
)
1
A distinçao entre langue e parole tem conseqüências importantes
para outras disciplinas da lingÜÎstica, pois ela é essencialmente
uma distinçao entre instituiçao e acontecimento. entre 0 sistema
subjacente que torna possivèis varios tipos de comportamento e as
instâncias reais de tal comportamento. O· estudo do sistema leva à cons~'
truçao de môdelbs que representam formas, suas relaçôes entre si e
suas possibilidades de combinaçao,en.quanto que 0 estudo do corn·
portamento Ou dos eventos reais lavaria à construçao de modelas
estatfsticos que repre$eI1tam as probabilidades de combinaçoes parti-
culares sob varias circunstâncias.
. .Em nossa discussao da Semiologia no CapltulolV veremos camo
a idéiade langue foi ampliada a outros campos. Dentro da pr6pria
lingQfstica, todavi8,- 0 estudo da langue envolve um inventario das
distinçôes que criam signos e regras de combinaçao, ao passo que 0
estudo da parole lavaria a uma consideraçao- do usa da IIngua.! inclu·
sive das freqüências relativas cQmque formas ou combinaçoes Parti-
culares de formas foram usada's na fala efetiva.. Com~ separar a
langue da parole, Saussure deu·à Lingüfstica um objeto de estudo
•. adequado e, ao lingüista, um sentido muito mais clara .do que esta
fazendo: se ale focalizou a lingua como um sistema, sabia 0 que estava
tentando reconstruir e pôde, nessa perspectiva. determinar quais îiidi-
cios eram mais relevantese coma poderiam ser·organizados.
Consideraremos a estrutura do sistema lingüfstico colli mais por~
menores' no final deste capituLa. mas ha uma questao sobre a conceito
de langue que deveria seracentuada aqui. Os editores de Saussure
organizaram 0 Cours de modo a, que ele começasse corn a distinçao'
entre langue e patole. SaussureJbi assim retratado coma se dissasse
que a· lingua é uma massa confusa de fatos heterogêneos e que a
unica maneira de torna-Ia sensata "é postular a existência de uma
coisà chamada sJstemalingüÎsticoerejeitartudoomais.Adistinçao
tem)assim, parecido extremamente arbitraria a muitas- pessoas: um
postulado que tinha. de ser aceito coma artigo de fé. se se quisesse
prossegui r. Mas na verdade, coma sugerem as notas d,e. Saussure e',
como a seqüência do argumenta aqui adotada por nos deve tê-Io
demonstrado, a distinçao entre .langue e parole é uma' conseqüêncfa
16gica e\necessaria da naturezaarbitraria do signa e· do problema
da 'identidade em Lingüfstica. Em resumo se 0 signa· é arpitrârio,
entao. comn vimos. é ùma entidade puramente relacional; e, se dese-
jamos definir e identificar signas,. devemos considerar'o sistemade
relaçoes e distinç6es que os .cria. Devemos, por isso. distingüiras'
varias substâncias nas qÙais os signos se manifestam e das formas
27.
,_.. ---------
reais que constituem signos; e, quando 0 fazemos, 0 que isolamos é
um sistema de formas que subjaz ao comportamento ou manifestaçao
lingüfstica real. Esse sistema de formasé a langue; a tentativa de
estudar signas leva-nos, inexoravelmente, a considerar isto como
o objeto proprio da investigaçao lingüistica. 0 isolamento da langue
nao é, coma 0 Cours publicado pode sugerir, um ponto de partida
arbitrario, mas uma conseqüência da natUreza dos proprios signos.
PERSPECTIVA SINCRôNICA E PERSPECTIVA DIACRôNICA
Ha outra conseqüência importante da natureza arbitraria do signo,
que também tem sida tratada pelas crlticos de Saussure como uma
imposiçao questionavel e desnecessaria. É a distinçao entre 0 estudo
sincrônico da Ifngua (estudo do sistema lingüfstico num estado parti-
cular, sem referência a tempo) e a estudo diacrônico da Ifngua
(estudo de sua evoluçao no tempo). Sugeriu-se que, ao diferenciar
rigorosamente essas dua~ perspectivas e ao conferir prioridade ao
estudo sincrônico da lingual Saussure estava ignorando, ou pelo menos
panda de lado, a fata de que uma Ifngua é fundamentalmente histo-
rica e contingente, urna entidade em evoluçao constante. Mas, ao
contrario, foi precisamente porque reconheceu de modo mais pro-
fundo que seus crfticosa radical historicidade da lingua, que ele
afirmou a importância de distinguir fatos acerca do sistema Iingüis-
tico de fatos ac~rca da evoluçao lingüfstica, mesmo nos casos em que
os dois tipas de fatos pareçam extraordinariamente entrelaçados. Ha
~qui um paradoxoaparente, que requer elucidaçao.
Quai é a- conexao entre a natureza arbitraria do signo e- a natu-
reza profundam'ente hist6rica da linguagem? Podemas formula-la da
seguinte maneira: se houvesse alguma conexao essencial ou natural
entre significante e significado. a signo teria entao um nucleo essen-
cial que nao seria afetado pela tempo ou que, pelo menos, resistiria
à mudança. Essa essência imutavel· poderia ser aposta àqueles traças
"acidentais" que se alteram de um perfodo para outro. Mas. na ver-
dade, coma vimos, nao ha nenhum aspecta do signo que seja uma
propriedade necessaria e que, par isso, esteja fora do tempo. QuaI:
quer aspecta do som ou do significado pode alterar-se; a historia
das Iinguas esta cheia de alteraç5es revolucionarias radicais tanto
de som coma de significado. -jing, que significava no Velho Inglês
"discussâo", transformou~se gradualmente em thing [coisa] am Inglês
moderno, corn um significado tatalmente diferente. 0 grego-e,.,p14I(OS
(theriakos), que significava "caracteristico de um .animal selvagem",
28
t
tornou~se treacle [" melaço li] em Inglês moderno. 0 latim calidum
[quente] transformou-se. no Francês moderno, em chaud (pronuncia-
do flo, coma no inglês show). em que 0 significado persiste, mas
nenhum dos elementos fonol6gicos originais foi preservado. Em suma,
nem 0 significante nem 0 significado contêm qualquer nucleo essen·
cial que 0 tempo nao possa tocar. Porque é arbitraria, a signo esta
totalmente sujeito à Hist6ria, ."e a combinaçao, num determinado mo-
mento, de um significante e um significadotambém determinados é
resultada contingente do pracesso hist6rico.
o fato de a signa ser arbitrario ou tatalmente contingente torna-o
sujeito à Hist6rfa, mas também significa que os signos requerem uma
analisea-hist6rica. Isto nao é tao paradoxal como poderia parecef.
Coma a signo naD tem nenhum nucleo necessario que- deva persistir,
tem que ser definido,. em suas relaç6es corn -outras signas, camo
uma entidade relacional. E as relaçôes pertinentes sao aquelas que
prevalecem numa determinada época. Uma Ilngua, diz Saussure; II cons-
titui um sistema de valores puros que nada determina fora do estado
momentâneo de seus termos" (Curso, 95; Cours, 116). Porque a Ifngua
é uma entidade totalmente histérîca, sempre aberta à mudança, deve-
mas focalizar as relaç6es que existem num estada sincrônico parti-
cular se quisermos definir-Ihe os elementos.
Com afirmar a prioridade da descriçao sincrônica, Saussure apon-
ta a irrelevância dos fatas hist6ricos ou diacrônicos para a analise da
langue. Aiguns exemplos mostrarao por que a informaçao diacrônica
é impertinente. Em Inglês moderno, 0 pronome da segunda pessoa,
yeu, é usado para referência a uma ou a muitas pessoas e pode ser
tanto 0 sujeito camo 0 objeto de uma oraçao. Num estado mais antigo
da IIngua, entretanto, you era caracterizado par sua oposiçao a ye par
um Jade (ye, um pronome do caso reto e you, um pronome do casa
obliqua) e athee e thou por outra (thee e thou, formas para 0 singu-
lar e yeu, uma forma para a plural). Num estado posterior, you veio
a servi r também camo manei ra respeitosa de tratar-se uma pessoa,
camo -0 vous do Francês moderno. Agora, em Inglês moderno, you
nad mais se caracterÎza por sua aposiçao a ye, thee e thou. Pode-se
saber a falar Inglês moderno perfeitamente 'bem sem saber que you
foi, a certa altura, uma forma plural e abjetÎva e, ,na verdade, se alguém
sabe disso, naD ha nada em que esse conhecimento possa servir
camo parte do conhecimento que alguém tenhado Inglês moderno.
A descriçaa do you no Inglês moderno permaneceria exatamente a
mesma se sua evoluçao hist6rica tivesse sida de todo diferente, pois
you, am inglês moderno, é definido par seu papel no estado sincrê-
nico da Iingua.
29
De maneira analaga, a substantiva francês pas [passo] e 0 advér-
~ bio negativa pas [nao] derivam historicamente de um linico signo,
mas isso é irrelevante para uma descriçao do Francês moderno, no
quai as duas palavras funcionam de maneiras totalmente diferentes
e devem ser tratadas camo signas distintos. Nao faz nenhuma dife-
rença para 0 Francês moderne se esses dois signos tivessem sida,
antigamente, coma de fato é 0 casa, um linico signa, ou se tivessem
sido, arltigamente, signas totalmente distintos cujos diferentes
significantes se tenham tornado similares. através de mudanças sono-
ras (issa aconteceu, por exemplo, corn a inglês skate,· em que mu~
danças sonoras aproximaram 0 peixe skate [arraia] do antigo No-
rueguês skata, e 0 .. ice" skate [patios de gela], do holandês schaats).
Tentar incorporar esses fatos historicos numa consideraçao do sis-
tema Iingüistico contemporâneo seria· uma distorçao e uma falsifi-
caçao.
A insistênciade Saussure na difer~nça entre as perspectivas
sincrônica e diaerônica e na prioridade da deseriçao sinerônica nao
signifiea, entretanto, que ele se tivesse ilusoriamente eonvencido de
que a IIngua existe camo uma série de estados sincrônicos total-
mente homogêneos: Inglês de 1920, Inglês de 1940,Inglês de 1960.
Num certo sentido, a idéia de estado sinerônico é uma ficçao meto-
dolôgica. Quando falamos do sistema lingüfstico do Francês numa
determinada époea, estamos abstraindo uma realidade que consiste
de um numero muita grande de falantes nativas, cujas sistemas lin-
güisticos padern diferir de varias maneiras. Nao obstante, 0 sistema
lingüfstico Francês é uma realidade definida, pO-istodos esses falan-
tes se entendem uns aos outros, enquanto que" alguém qua so fale
Inglês nao pode entendê-Io. Coma queremos representar este fato
e falar do sistema que tais falantes nativos têm am comum, fazemos
afirmaçoes sobre 0 sistema Iingüfstico num estada sincrônieo parti-
cular. '/
Além disso, mesmo que a idéia de estado sincrônicoseja uma
ficçao metodologica, é importa~te lembrar que as afirmaçoes sobre
a evoluçao historica da IIngua sac igualmente fictieias. Suponhamos
"que eu quisesse fazer a alegaçao diacrôniea de que no Francê~
do século XX a som 1 Q 1 tornou-se 1 a 1 (sigo aqui a conven-
çao de colocar as formas fonologicas entre barras obliquas). 0 que
isto signifiea? Dizer que / al tornau-se 1a 1 sugere a transforma-.
çao de um objeto no· tempo, mas isto é, na verdade, uma ficçao "
historica que resume uma porçao de fatas sincrônicos: que num mo~
mento anterior do século havia grupos de falantes' que diferència-
vam os dois tipos de a, coma em pâte e patte ou tâche e tache, ao
30
-passo que agora ha poucos falantes queforçam a ,distinçao, de ma-
neira que ira existirapenas um a na IIngua. Mesmo isso. naturalmente,
pade ser uma simplificaçao exagerada, pois alguns talantes ouvirao_
a distinçao, mas ela naD ser~ usada par eles, enquanto que outras _a
usarao apenasem circunstâncias relativamente formais. "
Camo este exemplo mostl"a. um enunclado diacrônico relaciona
um unico element-o de um estâdo de um sistema lingüfstico corn
um -elemento de um -estado posterior do sistema. Dada a naturez-a
relacional das uni-dades Iingüfsticas. 0 tata de elas serem inteira..
-mente definidas par relaçôes dentro de seu proprio -estado do sist~..
ma, é algo questionâvel. estranho ao princfpio da Lingüistica sincrô-
niea. Coma justificar isso? Coma se pode postular uma identidade
diacrônica?
Saussure argumenta que, a despeito qe suas condiçoes diferen-
tes, os enunciados diaerônicos derivam de enunciados sincrônicos.
o que n-os permite. pergunta ele, afirmar que 'Û latim mare transfor-
mou-se no francês mer [mar]? 0 lingüista historico pode argumentar
que sabemas que mare tornou-se mer porque aqui, como em qual-
quer outra parte, 0 e final caiu e 0 a tornou-se e. Mas. argumenta
Saussure, sugerir que essas mudanças sonoras regulares sac a que
cria 0 elo entre as duas formas é retroagir, porque 0 que nos habi-
lita a identificar tal mudança s-onora é nossa idéia inicial de que
uma forma tornou-se a outra... É ( ... ) em nome da correspondência
mare:mer que eu julgo que ·0 a se tornou erque 0 e final cai" (Curso,
212; Cours. 249). -
De fato. a que estamos supondo ao vincular mare e mer é que
mare, mer e as formas intermediarias constituem uma cadeia ininter-
rupta de identidades sincrônicas. Em cada perfodoem que. retrospec-
tivamenter pademos dizer que ocorreu uma mudança, havia uma forma
antiga e uma forma nova que eram foneticamente diferentes mas
fonol6gica ou funcionalmente idênticas. Elas padern, naturalmente,
ter tido associaç6es diferentes(p. ex.• uma forma pode ter parecido
,algo antiquada), mas poderiam ter sido usadas alternativamente pelos
falantes. Aiguns. sem duvida, poderiam ter-se mantido fiéisà forma
~antiga e outras preferido a nova, mas coma a mudança de uma parâ
outra nao produziria diferença no significado real, do ponto de vista
do sistema Iingüfstico haveria umaidentidade sincrônica entre as duas
formas. É nesse sentido que a identidade diacrônicadepende de Unia
série de identidades sincrônicas.
Coma diz Saussure a respeitode outra exempl'O. "a identidade
diacrônica de duas palavras tao diferentes quanta calidum e chaud
31
significa simplesmente que se passou de uma a outra através de
uma série de identidades sincrônicas" (Curso, 212; Cours, 250). Num
determinado momenta, calidum e calidu eram intercambiaveis e sin-
cronicamente idênticas, depois calidu e caldu, depois caldu a cald,
dapois cald e t Jait, depois t Jait e t Jaut, depois t Sétut e Saut, dapois
Jaut a Jot e finalmente fat e JO (a pronuncia de chaud). Quando
falames da transformaçao· da uma palavra e postulamos uma identi-
dade diacrônica,estamos de fato resuminda uma série falada de iden..
tidades sincrônicas. "Eis porque podemos dizer", centinua Saussure,
.. que é tao interessante saber como Senhores! repetido diversas vezes
em seguida num discurso é idêntico a si mesmo, quanta saber por
que ( ... l chaud é idêntica a calidum. 0 segundo prablema naa é,
corn efeito, mais que um prolengamento e uma cemplicaçao do pri-
meire" (Curso, 212; Cours, 250).
Assim, nao se pode argumentar que a Lingüfstica diacrônica esta
de alguma maneira mais proxima da realidade da Iingua, enquanto que
a ànalise sincrônica é uma ficçao. As filiaçôes hist6ricas derivam de
identidades sincrônicas. Além disso, sao fatos de diferente ordem.
Falande sincrenicamente, as identidades diacrônicas sac uma distor·
çae, pois os signes anteriores e posteriores que alas relacionam naD
possuem propriedades ·comuns. Gada signa naD tem outras proprie-
dades além das propriedades relacionais especfficas que 0 definem
am sau proprio sistema sincrônico. Do ponto de vista dos sistemas
de signes, que afinal é 0 ponte de vista que importa quando se trata
de signas, os signes anterior e posterior SaD totalmente dfspares.
Daf a impertância de separar as perspectivas sincrônica e diacrô-
nica, mesme quando os tatos de que elas tratem pareçam inextrica-
velmente interligados. Este é um penta que deve ser acentuado,
porque os lingüistas que se op5em à distinçao radical de Saussure
entre abordagem sincrânica e diacrônica e desejam considerar uma
perspectiva sintética, pancrônica, freqüentemente apontam para 0
emaranhamento dos fatos sincrânicos a diacrônicos camo se ele Ihes
apoiasse a causa. Saussure esta assaz consciente do entrelaçamento
dos fatos sincrânicos e diacrônicos; na verdade, para ele, toda a difi-
culdade consiste em separar esses elementes quando estao mistù-
radas, porque 50 dessa maneira pode a analise Iingüfstica alcançar
coerência. As formas lingüfsticas têm aspectos sincrônicos e diacrô-
nicos que devem ser separados porque sao tatos de uma ordem dife-
rente, corn diferentes condiç'5es de existência.
Uma sfntese pancrônica é impossfvel, argumenta Saussure, por
causa da natureza arbitraria dos signas Iingüfsticos. Em 'Outras tipos
32
de sistemas poder·se-ia unir as perspectivas sincrôni·ca e diacrônica:
''''Enquanto, par um de seus Jados. um valor tenha raiz nas coisas e
am suas relaçoes naturais ( ... ). pode·se, ,até certo ponta, seguir esse
valor no tempo. lembrando sempre que, a 'cada momento, ele depende'
de um sistema de valores contemporâneos" (Curso, 95-6; Cours, 116).
Assim, 0 valor de um pedaço de terra, num dadomomento, depen-'
deni -de muitos outras tatares do sistema econômico,· mas 0 valor é
algo que tem raiz na natureza da pr6pria terra e as variaçoes naD
·envolverao simplesmente ,a substituiçao de um valor arbitrario por
outra. Mas no casa da linguagem, em que 0 valor de um signa nao
tem base natural ou limites inerentes, a mudànça hiSt6riea tem cara-
ter diterente. Os elementos de uma 1Ingu8. diz Saussure. sac ·aban-
donadas à sua propria evoluçâo hist6riea de urna forma totahnente
desconhecida em areas onde as formas têm 0 menor grau de conexao
natural corn 0 significado (Engler,169). Coma nenhum significante
esta mais naturalmente adequado a um signifieado que qualquer outro,
a mudança sonora ocorre independentemente do sistema de valores:
.. um fato diacrônico é um acontecimento que tem sua razaa de ser
am si mesmo; as conseqüências sinerônicas partieulares que dele
padern derivar sâo-Ihe tatalmente estranhas" (Curso, 100; Cours, 121).
Aqui a argurnentaçâo de Saussure s,e compliea. A pretensao é de
que os tatas diacrônicos sao de umaordem diferente da ordem dos
fatas sincrônicos uma ~vez que a mudança histérica se origina fora
do sistema Iingüisticà~ A mudança. tem origem no desempenho Iin-
güistico, na parole, naa na langue, e 0 que se modifiea sao elemantos
individuais do sistema de realizaçâo. As mudanças hist6ricas afetam
o sistema no fim -' porquanto 0 sistema se ajustara a elas e tara
usa dos resultados da mudança historiea -; nao é, porém, 0 sistema
lingüÎstico que as produz. -
Saussure, neste ponto, esta combatendo a noçâo de teleologia am
Li,ngüfstiea: aidéia de que haja um fim ·em direçao ao quai as mudanças
Hngüfsticas se dirigem e de que elas oeorram para alcançar esse fim.
As mudanças naD ocorrem para a produçâo de um nova estado do
sistema. 0 que aeonteee é que "alguns elementos sao alterados sem
consideraçao para corn sua solidariedade no sistema camo um tado" 2.
Essas mudanças isoladas trazem conseqüências gerais para a sistema
2. Uma exceçâo importante, que Saussure discute amp!amente mas que aqui deixei
à margem, é 0 fenômeno conhecido como "analogia-, no quaI as fonnas novas
sâo criadas por analogia a formas existentes. Este é um fatar importante na
mudança lingürstica, mas Saussure argumenta que tal ferlÔmeno é fundamenta[·
mente $incrônica.Ver capitula III, p. 75
33
pela fato de a sua rede de relaçôes alterar-se. Todavia, .. nao foi um
sistema que engendrou outra, mas um elemento do primeiro mudou e
isso basta para tazer surgir outro sistema" CCurso, 100; Cours, 121).
As mudanças fazem parte de um processo evolutivo independente ao
quai 0 sistema se ajusta.
Um fato diacrônicoenvolve a substituiçao de uma forma par outra.
Essa substituiçao, em si mesma, nao tem qualquer importância; do
ponta de vista do sistema lingüfstico, é nao-funcional. Um fato sincrô-
nico é a relaçao ou oposiçao entre duas formas existentes simulta-
neamente: uma relaçao que é significativa porque envolve significado
dentro da IIngua. Sempre que a mudança lingüfstica repercutir no
sistema ter-se-a uma situaçao em que ambasas espécies de fatos
estâo misturadas e SaD faceis de ser confundidas. Maselas sao muito
diferentes e devem ser separadas. A fim de entendera diferença e
sua importância, consideremos alguns substantivos ingleses corn for-
mas incomuns de plural: feet, geese e teeth. Quais sac os aspectos
sincrônicos e diacrônicos dessas formas?
No antigo Anglo-Saxâo, as formas do singular e do plural desses
substantivas parecem ter sida as seguintes:
Depois, as formas do plural foram afetadas par um mudança foné-
tica conhecida coma "mutaçâo i":· quando '0 i seguia uma sflaha
acentuada, a vogal desta sflaba acentuada era afetada e as vogais
anteriores eram fronteadas; assim, 0 tornou-se e. Issa cleu:
Depois, numa segunda mudança fonética, 0 i final caiu, dando:
Estagio III
singular plural
foot: fat fet
-goose: gos ges
tooth: tof te}
Essas formas, pela "Great English Vowel Shift" [Grande transfor-
maçao da vogal inglesa] - na quaI 0 tornou-se li, ë tornou-se T-,
transformaram-se nas formas modernas (Curso, 100-1; Cours, 120).
No éstâgio l, 0 plural era marcado pela presença de um i final.
Este é um fato sincrônico: a oposiçao entre a presença e a ausência
de i marcava a oposiçao entre singular e plural. Entao uma mudança
fonética, que nao tinha nada a ver corn plurais ou, na verdade, corn
a gramatica da Iingua, ocasionou uma mudança claquelas formas que
continham um i final. Essa mudança nada tinha a ·ver corn pIurais
(nada a ver corn a oposiçao sincrônica entre- singular e plural) uma vez
que ocorreu sempre que um i se seguia a uma sflaba acentuada -
mesmo n'bs verbos, porexemplo. Mas aconteceu, que certa numero
de formas plurais foi afetado. produzindo um nova fato sincrônico no
estagio II. Algumas formas plurais, coma resultado de um aconteci~
mento que nada tinha a ver corn plurais como tal, tornaram-se mar:
cadas por uma dupla ,oposiçao: entre a presença e a ausência de um
i final, coma antes, e entre 0 e do plural e 0 0 do singular. Depois,
. corn a quedado i final, que mais uma vez nao diz respeito aos plurais
coma tal, resultou uma nova situaçâo sincrÔnica.O contorno das
formas plurais mudara através de um acontecimento histérico, mas,
coma havia ainda uma_ diferença entre as formas do singular e do
plural (0 oposto a -el, 0 sistema -lingüfstico foi capaz de usaressa
diferença como uma oposiçao dotada de significado.
.. Esta observaçâo", escreve Saussure,
nos faz compreender melhor 0 carater sempre fortuito de um estado. ( ... ) 0
estado resultan~e da transfarmaçao naa se destinava a assinalar as signifi-
caçoes das quais se impregna. Tem-se um estada fortuito: fot:fet, e dele· se
aproveita para fazê-Ia portadar da distinçâo entre singular e plural: fot:fët
naD esta melhor· aparelhado para isso do que fot: fôti. Em cada estada. a
espfrita se insufla numa matéria dada e a vivifica (Curso, 100~101; Cours. 121-2).
35
Do ponta de vista do sistema lingüistico. os fatos importantes
SaD 'Os sincrônicos. Os acontecimentos diacrônicos lançam,novas for,-
mas que dapais se tornam parte deum nova sistema. mas, coma diz
Saussure. .. na perspectiva diacrônica ocupamo-nas corn fenômenos
que naD têm relaçao alguma corn os sistemas, apesar de os condicio-
narem" (Curso. 101; Cours, 122).
Saussure acentua a necessidade de distinguir as perspectivas
sincrônica e diacrônica em todos os casos. mas sua discussao trata
apenas de mudanças sonoras. Naturalmente, os exemplos que examina
têm conseqüências morfologicas e gramaticais dentra do sistema, e
tais reajustamentos podem ter eventualmente conseqüências semân-
ticas. mas ele nunca trata do problema da transformaçao semântica
em si, as alteraçoes diacrôniCàs dos significados. Ele admite.de·
passagem. que, uma vez abandonado 0 pIano do som, torna-se mais
diffcil manter a distinçao absoluta entre 0 sincrônico e 0 diacrônico
(Curso, 164; Cours. 194); mas a tearia certamente prescreve que se
faça isso,e pade-se tentar demonstrar. de forma plausivel. embora
fora de moda, a extensao dessa distinçao à semântica..
o argumenta é formalmente muito similar ao que ·envolveas
mudanças sonoras~ Suponhamos que alguém estivesse estudando a
transformaçâo do significado de kyrtSt no Média Alto'"Alemao entre,
aproximadamente. os anos de 1200 ,e 1300. 0 que seria. nesse caso.
sincrônico ·e diacrônico? Para definir mudança de significado preci-
sa-se de dois significados e estes s6 padern ser determinados pela
cansideraçao de tatos sincrônlcos: as relaçôesentre significados num
deterJJiinado estado da Iingua que, definem a area semântica de
"kunst" [arte]: Numestagio anterior, era um conhecimento ou com-
petência supefior, nobre. em oposiçao a habilidades inferiores. mais
técnicas (" Iist") e um talento pareial em oposiça-o àsabedoria sinop-
tica de "wÎsheit". Num estagio posterior, as duas aposiçôes princi-
pal~ que 0 definiam eram diferentes: mundano vs espiritual ("wÎs-
heit") e técnico C" wizzen If) vs nao-técnico. 0 que temos sac duas
diferentes organizaçôes de um campo semântico. Uma explicaçao dia·
crônica se basearia nesta informaçao sincrônica, mas, se ela tivesse.
que'esclarecer '0 que aconteceu a .. kunst". teria de referir-se a tatores
ou causas nao-lingüfsticos (mudanças sociais, processos psicol6gicos,
etc.) cujos efeitos pudessem ter repercutido par acaso no sistema
semântico. Para uma analise da Iingua. os fatos relevantes, sac as
oposiçôes sincrônicas. A perspectiva diacrônica ocupa-se de filiaçoes
individuais, identificaveis apenas a partir dos resultados da analise
sincrônica, e recorre ao que Stephen Ullmann chama de JI a infinita
36
variedade e complexIdade das causas que governam a transfarmaçaO'.
semântica" para explicar a passagem de um estado para 0 outra. Mas
um conhecimento dos significados prévios e das causas particulares
da transformaçao naa seria pertinente numa consideraçao das rela-
çoes semânticas de'um estado sincrônico (exceto na medida am que
os significados prévios estivessem ainda presentes no sistema, caso
em que seriam considerados sincronicamente, nao diacronicamenteJ.
Aqui, como nos casas que Saussure considera, os fatas diacrônÎ-
cos sao de uMa ordem diferente da dos sincrônicos, relacionando-se
niais corn elemantos individuais queèom 0 sistema que é 0 unico
capaz de definir aqueles elementos coma unidades Iingüisticas. A
hist6rta, a evoluçao historiea dos elementos individuais, realça formas
que 0 sistema usa, e a estudo daqueles usas sistematicos é a tarefa
principal. A explicaçâo historica ou causal nAo é 0 que se quer;ela
-tam a 'ver corn os elementos de um~ Iingua, nao corn a lingua, e tem
a ver com eles apenas comoelementos. A explicaçâo, em Lingüistica,
éestrutural: explicam-se formas e, regras de combinaçao expondo~se
o sistema subjacente de relaçôes, 'flumdeterminado estadd sincrônico.
que criam e definem os elementos desse sistemasincrôriico.
ANALISE DA "LANGUE"
As duas conseqüências principais da natureza arbitraria do signo,
que acabamos de explorar, apontam ambas para um fata que é unica
e que pode ser considerado camo 0 centra da teoria saussuriana da
linguagem. A lingua é forma, nao substância. Umalingue é um siste-
ma de valores mutuamente relacionados, e anattsar a Iingua é expor
o sistema de valores que constituem um estado de lingua. Emoposi-
çao aos elementos positivos significantes ou fônicos, dos atos de fala
ou parole, a langue é um sistema de aposiçôes ou diferenças ea
tarefa do analista é descobrir quais sac essas diferenças funcionais.
o problema bâsico em que insistimos,aexemplo de Saussure, é
o daidentidade lingüistica. Nada é dado em Lingüistica. Nao ha ele~
mentos positivoS. autodefinidos, corn os quais possamos começar.
Para identificar duas instâncias da mesma unidade devemos constrùir
uma entidade formai e relacional distinguindo diferenças nao;'funcio-
nais (e por isso, para Saussure, nao~lingüisticas) de diferenças funcio-
nais. Uma vez que tenhamos identificado as relaçoes e oposiçoes que
delimitam os significantes, por um lado, e os significados, par outro,
ternos dadas que podemos tratar cornoentidades positivas, signas
lingüfsticos, embora devamos lembrar que SaD entidades 'que emergem
31
,.
da rade de diferenças que constitui 0 sistema lingüfstico num deter-
minado mOFll_~to e dela dependem.
Mas até aqui, ao falar em signos ou unidaCJes lingüisticas, porle
parecer que estivemos falando apenas de pa1avras, camo se a Ifngu8
consistisse tao-somente de um vOG'abulario, organtzado de acordo corn
oposiçoes fonol6gicas e semâqticas. Naturalmente, a IIngua consiste
também de muitas relaçoes e distinçoes gramaticais, mas Saussure in-
siste, numa passagem ·que merece citaçaomai.s longa, em que nao ha
n~tnhuma diferença entre uma unidade Iingüfstica e um fatogramatical .
.'Soa natureza comum é llm resultado do fato' de que os signos sac
objetos < Jnteiramente diferel'J,ciais e de que 0 que ,constitui um signa
lingüÎstlco (de qualquer 'espêèie) nao é nada mais que diferenças entre
signos.
"Outra consequencia, bastante paradoxal, desse mesmo princÎ-
pia: 0 que s·e chama comumente de um "fato', de .gramatica", respon-
de, em ultima analise, à definiçao de unidade". ;)sto é sempre expresso
por uma oposiçao entreterl"(ios. Assim, no C~SÔ- Oa..oposiçâo alema
entre Nacht(" naite") e Nichte r~-noites"), é a,diferença que carrega
o significado gramatical.
Cada um dos dois termos confrontados no fato gramatical (0 slngular sem
metafonia e sem e final, opostoao plural corn metafonia e -el esta constitui-
do por todo um jogo de oposiçoes dentro do sistema; tomados isoladamente.
nem Nacht nem Nachte sac nada; logo, tudo é oposiçao. Dito de outra modo.
pode-se expressar a relaçao Nacht : Nachte por uma formula algébrica afb
onde a e b nao sao termos simples, mas resultam cada um de um conjunto
de reJaçoes. A Iingua é, por assim dizer, uma algebra que teria somente ter-
mas complexos. Entre as oposiçoes que abarca, hâ umas mais significativas
que outras; mas unidade e ~fato de gramâtica" sao apenas nomes diferentes
para designar aspectas diversos de um mesmo fato geral: a jogo das aposl-
çoes'Iingüisticas. Isso é tâo certo que sepoderia muito bem abordar 0 pro-
blel'l)a~ das unidades começando pelos fatos de gramâtica. Apresentando-se
uma oposiçâo como Nacht : Nachte, perguntariamos quais as unidades postas
em jogo nessa oposiçao. Sao unicamente essas duas palavras ou toda a série
de palavras amilogas? Ou, entâo, a e i1 Ou todos os singulares e todos os
plurais etc.?
Unidade e fata de gramâtica nao se confundiriam se os signos IingüÎsticos
fossem constituidos par algo mais que diferenças. Mas sende a Ifngua O·
que é. de qualquer lada que a abordemos, nao Ihe encontraremos nada de
simples; em toda parte e sempre, esse mesmo equilibrio de termos com·
plexos que se condicionam reciprocamente. Dito de outra modo, a Iingua é
. uma forma e nio uma substância. Nunca nos compenetraremos bastante dessa
verdade, pois todos os erras de nossa terminologia, todas / as maneirasincor-
ratas de designar as coisas da Iingua provêm da suposiçao involuntaria de
que haveria uma substância no fenômeno Iingüistico. (Curso, 141; Cours,
168-9.)
38
C,Ohsfderêmos, por exemplo, 0 caso da pa[avra inglesa took. Q~al
'.t nefa, a marc·a do p~ssad()?' Obviatttente nada ha de positivo na pa- .
l'àv:r' ern si, a nâo ser um· élemento re[aciona[. A oposiçâo entre, take
e took ·assinala a distinçâo entre presentee passado, assim camo a
oposiçao entre foot e feet a distinçao de n~mero. Sem teet [pés],
foot [pé], seria, presumivelmente, indeterminado, como ° é sbeep
{cf. "1 saw the sheep in the field ft, ,eu vi 0 carneiro (ou os carneiros)
.no campo). Os tatos gramaticais i1ustram a natureza puramente relaciÇ)-
nal do signa e confirmam a radical concepçao saussuriana da Il nature-
za, no funde idêntica, de todos os tatas de sincronia" (Curso, ,158;
Cours, 187).
Ao estudar a Iingua,entao, a lingüista pr·eocupa-se corn relaçoes:
identidades e diferenças. E descobre, argumenta Saussure, 6'5 dois"
principais tipos de relaçao. De um lada, ha aquelas que vimos até
agora discutindo: oposiçoes que produzem termos distintos.-e alter-
natives (bem eposiçao a p; foot .em aposiçao a feet}. Por outro lado,
ha as relaçoes entre unidades que. se cornbinam para f.ormar seqüêh-
6ias. Numa seqüência IingOistica, 0 valor de um termo depende naD sô
do contraste entre ele e ·os outras que poderiam ter sido escolhidos
em seu lugar, mas também de ~uas relaçôes corn os termos que 0
precedem e 0 seguem na s·eqüênôia. As primeiras, que Saussure cha-
ma de relaçoes associa,tivas, sac agora geralmente charnadas para-
digmaticas. As outras sâo chamadas relaç6es sintagmatic~. As
relaçôes sintagmaticas definem possibilidades combinatôrias~ as ra-
Jaçoes entre elementos que se' poderiàm combinar numa seqüê:ncia.
As relaç6es paradigmaticas sac as oposiç6es entre elementos que, se
padem substituir uns aos outras.
Essas relaçoes subsistem nos varios niveis da anâlise Iingüis-
tica. 0 fonema Jp/ am inglês é definido tanto par sua oposiçaa a ou-
tras fonemas que padern substitui-l0 em contextos coma /-et/ (cf.
bet [aposta], let [deixar], met [encontrou], nE?t [rede], set [con-
junto], camo por suas relaç6es combinatôrias corn outras fonemas (ele
pade preceder ou seguir qualquer vogal;. numa silaba, as Iîquidas /1/ a
/r/ sao as unicas consoantes que a padem seguir e /s/ a uniea que 0
pade preceder).
Também encontra-mos tanto as· relaçôes sintagmaticas camo as pa-
radigmaticas no nivel da morfologia ou estrutura da pa~avra: Um sups-
tantivo é parcialmente definido pelas combinaçoes em que" pode enlrar
corn prefixos e sufixos. Assim temos friendless, friendly~ friendUnéss,
unfriendly, befriend, unbefriended, friendship, onfriendliness, mas nao
*disfriend, *friendier, *friendation, ·subfriend, '*overfriend, *defrien·
dize, etc. As possibilidal:ies combinat6rias reprè,sentam r-elaçoes sin..
39
tagmâticas;as relaçôes paradigmâticas devem ser encontradas no
contraste entre um determinado morfema e aqueles que 0 poderiam
substituir num determinado ambiente. Assim, ha contraste paradig-
maUco entre wly, -Iess e -ship· na medida em que todos eles padern
ocorrer depois de friend [amigoJ, e a siJbstituiçao de um por outra
acarreta uma transformaçao no significado. Analogamente, friend tem
relaçoes paradigmaticas corn lecture [prelaçeo], member [membro],
dictator [ditador], pertner [socio], professor [professor], etc., na
medidaem ~ue todas elas contrastam urnas corn as outras no ambian-
te - wship.
Se avançamospara 0 nrvel da sintaxe propriarnente dita, pode-
mos continuar identificando ai os mesmas tipos de relaçoes. As·
relaçoes sintagmâticas que definem 0 constituinte he frightened
[ele assustou-se] permite-Ihe ser seguido apenas por alguns tipos
de constituinte: George, the man standing on the corner, thirty-one
fieldmice [George, 0 homem parado na esquina, trinta e um arga-
nazes], etc., mas naD the stone, sincerity, purple, in [a pedra, a
sinceridade, roxo, em], etc. Nosso conhecimento das relaç6essin-
tagmaticas capacita-nos a definir para he frightened uma classe pa- .
radigmatica de itens que 6 padern seguir. Esses itens estao em con-
traste paradigmâtico uns corn os outros, e escolher um é produzir
sîgnificado pela exclusao dos outros.
Saussure afîrma que todo 0 sistema Iingüfstica pade ser redu-
zido a uma teoria de relaç5es sintagmaticas. e paradigrnaticas eexpli-
cado em seus termas e que, nasse sentido, todas os fatos sincrô-
_nicas sac fundamentalmente idênticos. Talvez esta seja a mais clara
afirmaçao do que se pode charnar a concepçaoestruturalista da lin-
guagem: que uma Ifngua naa é simpIesmente um sistema deelementos
totalmente definidos par suas relaç6es recfprocas dentro do sistema,
embora ala também 0 seja, mas que 0 sistema Iingüfstico consiste
de diferentes nfveis de estrutura; em' cada nivel pode-se identificar
elemantos que contrastam entre si a combinam~se corn outras ele-
mentos' para formar unidades de nivel superior, e os princfpios da
estrutura em cada nivel sac fundamentalmente os masmos.
,
Pad.emos resumir e i1ustrar esta concepçao dizendo que, coma
a Ifngua é forma e naD substância J seus elementos têm somente pro-
priedades contrastantes e combinatorias, e que am cada nrvel de
* ~Iy, sufixo formador de adjetivos geralmente derivados de substantivos, ou de
advérbios derivados de adjetivos; ~Iess, sufixo formador de adjetivos, corn 0
sentido de "sem"; .ship, sufixo formador de substantivos. [N. do T.]
40
'0 estrutura identificam-se as unidades ou elementos de urna lingua par
n sua 'capacidade de diferençar unidades do nivel imediatamente supe·
1- 'rior. Identificamos os traças fanol6gicos distintivos camo os traças
n relacionais que diferenciam fanamas: Ib/ esta para /p/ e /d/ estâ
) para Itl assirn coma urna sonora esta para urna surda; logo, sonora
l vs surda é urn traço distintivo minima. Esses fanemas, por sua vez,
sao identificaveis porque os contrastes entre eles' têm a capacidade
de diferençar fanemas: sabamos que Ibf e /pl devern s'er unidades
lingüisticas porque contrastam para distinguir bet [aposta] de pet
[animal de estimaçaol E devemos considerar bet e pet camo uni-
dades morfol6gicas porque a contraste entre ales é 0 que diterencia,
por exemplo, betting de petting, ou bets de pets. Finalmente, esses
itens, que podemos informalmente chamar de palavras, sa'o definidos
pe-'o tato de representarem papéis difer~ntt}.S nas unidades de nivel
superior de frases e oraçoes.
Afirmando assima dependência mutua dos varias nÎveis de Ifn-
guagem, estamos mais uma vez mostrando como, na Lingüistica, na-
da é dado de antemao. Nâo apenas isso, estamos argumentando que
naD se pode identifJcar primeiro 'Os elementos ou unidades de uro
nivel para depois descobrir a maneira par que eles se combinam para
formar unidades do nlvel seguinte, porque os ·elamentos corn os quais
se tenta começarestao definidas par relaçoes' tante sintagmâticas
camo paradigmaticas. A unicamaneira de identificar 0 prefixa
re· camo uma unidade marfêmica do Inglês é perguntando nao apenas
se ele contrasta corn outros elementas,mas também se, quando ele
se combina a outros elementos para formar uma unidade de nivel
superior, participa de contrastes que distinguem e deft'nem a combi- -
naçao de nivel superior. Sabemos que re- contrasta paradigmatica-
mente corn un-, out-, e over~ porque redo contrasta corn undo, outdo
e.overdo; e sabemos que do é um elemento morfêmico isolavelpor-
qu'e redo contrasta corn rebuild [reconstruir], reuse [re-usar], re-
connect [religar], etc. Podemos dizer que sao 56 os contrastes entre
palavras que nos_capacitam a definir os const]tu~ntes de nivel infe-
rior de palavras, morfemas. Deve-sedescobrir s~mu[taneamente rela·
ç5es sintagmaticas e paradigmaticas.Este prin.cTpl0 estrutural bâsicQ,
de que os itens sao definidos por seus contrastes corn outras itens. e
sua capaci-dade de combinar-se para farmar itens de nivel superior,
atua em tados os nlvais da Ifngua.
A LlNGUAGEM _. COMO FATO SOCIAL
Ao explicar esses aspectas técnicos da tec,~f:81 :sau:ssuriana da
linguagem, nâo acentuamos suficientemente um ~h~i;'1~c.î;J,jiO' ao quaI
41
Saussure deu grande peso: '0 de que. ao analisar a Iinguagem. esta·
mas .analisando fatas sociais, ocupando·nos corn 0 usa, social de
objatos materiais.' Como ja dissemq~~ uma Hngua poderia ser real1..
zada am diversas substânciass·em altèraçao de sua natureza basica
com'O um sjstemade relaçôes. 0 que é importante - na verdade,
-tudo 0 que é relevante --- SaD a~ distinçôese relaçôes que foram
,dotadas de signifieado por uma soci·edade. A pergunta que 0 analista
consfantemente 'faz é quais sac ès dif.erenças que têm significado
para os membros da comunidade lingüistica. Pode ser difÎeU. amiude.
atribuir uma formà precisa àquelas eoisas que funcionam coma slg-
nos; mas, se urna diferença gerasignificado paraI os membros de
um'a cultura,'entao hâ um signa, par mais abstrato que seja, que deve
sel" analisado. Para a falante de Inglês, John loves Mary tem signi-
ficado diferente do qe Mary loves John; logo, a ordem daspalavras.
,constitui um signa, ûm fato social, enquanto que algumas diferenças
fisicasentre as maneiras pelas quais dois falantes pronunciam a
oraçao John loves Marypodem nao ter qualquer significado er por
isso, ser tatos puramente materiais.nao s'Cciais.
Podemos ver. entao, que 0 lingüista estuda nao grandes coleçôes
de seqüências sonoras mas um sistema de convençôes s·ociais. Ele
esta tentando determinaras unidadese regras de combinaçao que'
formam aquele sistema e tornam passivel a comunicaçao Iingüistica
entre osmembros de uma sociedade. Ë urna das virtudes da teoria
,Saussuriana da linguagem 0 fatQ.. d.e ter colocado as convenç6es sO·
ciais ·e os fatos sociais no centro da investigaçao lingüfstica mercê
da ênfase par eladada ao probl·ema do signa. Quais sac os signos
destesistema lingüfstico? De que depende sua identidade coma sig·
nos? Formulando ,estas perguntas simples, demonstranda que nada se
pode admitir de antemao coma unidade de linguagem. Saussure con·
tinuamente aoentua a importância de adotar·se a perspectiva meta..
dolôgica correta· e de ver a linguagem como um sisterna de valares
socialniente determinadas, nao como uma coleçao de elementos subs·
taneialmente definidos. Pader-se-ia. para concluir esta discussâa. citar
duas passagens pertinentes escritas por ele mesma:
A lei ûltima da Iinguagem é, ousam~s dizê-Io, a de que nada pode residir
sempre num unico termo. Isto é umaconsequênciadireta do fato de que os
signos IingüÎsticos naD estao relacionados com 0 que designam, e de que,
par Isso, a naD pode designar nada sem a ajuçla de b é vice-versa; ou am
outras palavras, ambos têm valor apenas pelas diferenças' entre si, ou nenhum
deles tero valor, em qualquer de seus constituintes, senac através dessa mes-
ma rede de diferenças para sempre negatlvas.
42
-
....
Camo a Iinguagem nao' consiste de nenhuma substância masapenas da
açao isolada ou combin~dade forças. fiSiol6gicas. psicol6gicas e mentais; e
coma, naD obstimte todas as nossas distinçôes, toda a nossa terminologia,
tadas as nossas maneiras de falar de~a sao moldadas pela suposiçao invo~
. liJntaria de que ha substância, nao se pode evitar reconhecer. antes de tudo
mais, que a tarefa mais essencial da teoria Iingüistica sera deslindar 0 estado
de nossas distinç6es basicas. Nao pos~o conceder a ninguém 0 direito de
elaborar uma teoria evitando 0 trabalho de definiçao, embora este procedi-
mento conveniente pareça até agora ter satisfeito os estudiosos da linguagem. 3
Promover a insatisfaçao, estimular 0 pensamento acarea dos fun·
damentos e insistir na natureza relaeional dos fenômenos IingüIsticos:
ais os vetores da teoria de Saussure. Podemos agora cO.lJsiderar a
significaçao mais ampla de sua obra: sua relaçao corn 0 pensamento,
anterior e subseqüente, sobre a linguagem e corn ° trabalho

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