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ARTIGO MULER E LITERATURA 2019

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SOL DO MEIO-DIA, A HUMANIZAÇÃO FRENTE AS ADVERSIDADES SOCIAIS À 
LUZ DAS PERSONAGENS FEMININAS NO ROMANCE PAINIANO 
 
Luciana Novais Maciel (Faculdade Pio Décimo)1 
 
Resumo: 
O presente trabalho tem por objetivo analisar o perfil das personagens femininas presentes 
no romance Sol do meio-dia (1961), da escritora sergipana Alina Paim, buscando traçar o 
percurso de Ester e dona Beatriz. Ambas com diferentes formas de visão sobre a vida, mas 
prevalecendo o interesse pela realização dos anseios das mulheres. Ester traz a marca da 
humanização, presente em todo o romance, trabalhada diante de cada personagem que 
convive com a protagonista. Para esta discussão serão tomados como embasamento teórico 
desta pesquisa de cunho bibliográfico, Bauman (2001), Butler (2003), Gomes (2010). Na 
perspectiva de dialogar com o tema relevante nas obras de Paim, ora enraizada nas questões 
do discurso da crítica feminista, apresentando os enfrentamentos da mulher em meio à 
sociedade. 
Palavras-chave: Crítica feminista. Humanização. Mulheres. 
 
APRESENTAÇÃO 
 As reflexões que pautam esta discussão pautam-se a partir da protagonista do 
romance Sol do meio-dia (1961), da escritora sergipana Alina Paim. O olhar que 
percorre o romance não está, simplesmente, direcionado a uma denúncia das 
situações sociais, num contexto em que as mulheres não podiam opinar, nem discutir 
as problemáticas do estado, no contexto da política do país, por exemplo. Em meio as 
condições estabelecidas para as mulheres da década de 1960 tem-se a construção 
de duas personagens, femininas, com posicionamentos diferenciados, posturas e 
comportamentos distintos, embora ambas estivessem em busca da mesma 
realização, o espaço de direito na sociedade. 
 São diferentes visões estabelecidas pela protagonista Ester e a antagonista D. 
Beatriz. Essa, dona da pensão, casada, com inúmeros conflitos familiares, entre os 
pensionistas e principalmente o conflito com a sua feminilidade. Aquela, pensionista, 
 
1 Professora e Coordenadora do Curso de Letras Português e Espanhol da Faculdade Pio Décimo, 
Mestre em Literatura Brasileira (UFAL), Orientadora da linha de pesquisa: Literatura de escritores 
sergipanos e metodologias do ensino de Literatura que compõe o NELL (Núcleo de Estudos Literários 
do curso de Letras). luciana.m@piodecimo.edu.br 
 
que vinha do Nordeste, da cidade de Paripiranga (cidade que fica entre os estados da 
Bahia e de Sergipe), leitora assídua, tradutora, solteira. Traça-se aqui uma sinopse da 
base discursiva das personagens a serem trabalhadas neste artigo. Verifica-se a 
construção de identidades culturais a partir das diversas formas de ver e interpretar 
as alteridades culturais, a partir de fatores como o econômico, político, familiar, social. 
Em se tratando do sujeito do entrelugar, que se mobiliza através das fronteiras 
móveis e escorregadias da cultura, Bhabha o considera um sujeito condicionado à 
fronteira, móvel, um ser duplo, que se encontra no intercâmbio entre o eu e o outro. 
Esse é o espaço, o lugar do fronteiriço que relativiza as comunidades culturais e que 
permite manter a diferença de cada um enquanto alteridade. 
Mesmo frente a uma sociedade individualista a autora quebra este padrão 
apresentando protagonistas que não estão isoladas em si mesmas, pelo contrário, há 
uma necessidade de mudança em meio as demais personagens, sejam eles femininas 
ou masculinas. Busca-se uma mudança de pensamento, de identidade, de sociedade, 
pois nos romances as fronteiras são ultrapassadas, as barreiras entre os indivíduos 
são quebradas, ao contrário de uma identidade líquida, segundo o entendimento de 
Bauman (2001), há a preocupação por uma identidade sólida, construída com a 
colaboração do outro. 
A personagem realmente diferente na perspectiva de Derrida em que Butler 
(1990, p. 24) retoma considerando que: “Não é nenhuma diferença particular ou 
qualquer tipo privilegiado de diferença, mas sim uma diferencialidade primeira em 
função da qual tudo o que se dá só se dá, necessariamente, em um regime de 
diferenças, e, portanto, de relação com a alteridade”. 
Dessa forma, a identidade não é algo pronto, mas é efeito que se manifesta em 
um regime de diferenças, de referências. Para Butler a identidade não está por trás 
de expressões de gênero, mas é performativamente constituída. Seguindo a 
discussão conforme o que afirma Butler (1990, p. 24) “O ‘eu’ é o ponto de transferência 
daquela repetição, mas simplesmente não é uma asserção forte o suficiente para dizer 
que o ‘eu’ é situado; o ‘eu’, esse ‘eu’, é constituído por posições [...]. 
Concebe-se então que o “eu” é um ponto de partida da transferência de si nas 
diversas posições, portanto o “eu” torna-se um sujeito do discurso como instrumento 
de reflexão e até mesmo de sua capacidade de agir diante da possibilidade de se 
trabalhar o poder, de um sujeito, da sua significação. 
Esses questionamentos possibilitam a reflexão sobre a função do texto literário, 
principalmente quando então é questionado, colocado à prova. Ao contrário do que se 
pode pensar, o texto literário não é apenas lugar de verdades questionadas, valores, 
subversão de identidades, representação e reprodução de discursos, normas. 
Subversão principalmente através dos textos escritos por mulheres, pois devido à 
repressão, ao silêncio, aos anos de distanciamento do discurso, do poder político, que 
se encontram os maiores índices de valorização/uso do corpo num processo de 
emancipação dos aprisionamentos sociais, patriarcais e convencionais. 
 
ESTER E BEATRIZ, A REPRESENTAÇÃO DO SER HUMANO 
 
 Ao conhecer o romance painiano ora em estudo, logo desperta no leitor uma 
consciência de humanidade, não deixando dúvidas de que o ser humano é a base, o 
alicerce, a tese defendida pela escritora, que já no prefácio anuncia “[...] jamais fez 
vida literária, sem pertencer a grupinhos. Para ela existe a literatura, não a vida 
literária. Jamais separou sua literatura da vida”. (Paim, 1961, p. 7) Traz uma obra 
marcada pela compreensão e pela solidariedade humanas, sendo possível penetrar 
na alma feminina e no coração do ser humano. 
 O romance é construído no espaço de uma pensão, descrita pela protagonista 
como uma casa amarela de dois andares. A dona da pensão era D. Beatriz, uma 
mulher de olhar acusador e carente, queria controlara vida de todos que ali moravam, 
principalmente das hóspedes. Ela era casada, tinha uma irmã e um filho, o qual todos 
desconfiavam que o menino seria de Helena, sua irmã. Ester, que há dez anos vivia 
no Rio de Janeiro, sem família, moça do Norte, morava há dezoito meses na pensão 
e costumava fazer diversas observações a respeito da postura dos demais 
pensionistas, mas as suas ponderações eram sempre no sentido de poder dialogar , 
conhecer, colaborar. 
 Enquanto Ester fica a observar o silêncio que vai permeando a pensão após o 
momento do jantar, como se cada um voltasse a se isolar em cada quarto, com seus 
problemas individuais, d. Beatriz vai tecendo ao vento comentários sobre a gravidez, 
as dificuldades de amamentar Jorginho, ou seja, ao longo da narrativa, essa postura 
de d. Beatriz vai deixando evidências de que a sua única preocupação é com as 
conveniências sociais, com os deveres de uma mulher perante a sociedade; ao 
contrário de Ester que buscava não estar isolada, tentava encontrar na militância a 
alegria de não estar só, muito menos triste. 
 Ester tinha sempre na lembrança a presença do prof. Virgílio, o seu vizinho de 
Paripiranga, que a ajudou a ler, a ensinou a traduzir, a datilografia. Ele se orgulhava 
de ter preparado a doce menina para a vida sem sombras,sem incertezas. Refletindo 
sobre o slogan da luta da militância “Pão, terra e liberdade” (Paim, 1961, p.33) ela diz 
que acrescentaria o Amor, “o amor no seu coração trazia o deslumbramento do sol do 
meio-dia, sol que não faz sombras” (p.34). Em uma análise, Ester conclui 
 
Pão, terra, e liberdade! Tudo de que precisavam, livrar-se do pão da piedade, 
pela conquista de uma profissão e de um mundo em que a condição da 
mulher não signifique trabalho mais explorado. Como gostaria de poder, no 
silêncio de uma noite estrelada de Paripiranga, cobrir todos os muros com 
essas três palavras e mais uma outra. Pintaria – Pão, terra, amor e liberdade 
(PAIM, 1961, p. 33). 
 
 Neste excerto fica muito claro o posicionamento de Ester, cujo pensamento é 
sim acerca da condição da mulher, mas em defesa de uma humanização. A mulher 
deve buscar o seu lugar na sociedade, entretanto ela não deve esquecer a sua 
essência, que passa pelo amor. Não um amor simplesmente romantizado, mas um 
amor humanizado. 
 Essa condição humanizadora da protagonista Ester foi trabalhada anos antes, 
quando ainda era bem jovem com o sonho de adquirir conhecimento, de dar 
continuidade aos estudos. Como vivia no interior da Bahia, precisaria ir para Aracaju 
ou Salvador para completar os estudos, porém a reação do seu pai manifesta o que a 
crítica feminista chama de machismo, o que estava condizente com o momento 
vivenciado pela personagem. “Sem ter quinze anos, saia abaixo do joelho e dente de 
siso, não fica longe de minhas vistas” (Paim, 1961, p. 48). Esta foi a decisão do pai de 
Ester sobre o desejo de estudar. No entanto, o seu vizinho, o prof. Virgílio, tomando 
conhecimento da postura do pai da menina e do anseio da mesma por conhecimento, 
oferece-lhe a possibilidade de estudar na biblioteca que ele tinha em casa e que era 
contemplada por Ester através das janelas baixas. 
 Ester tinha dois caminhos, estudar com o professor Virgílio até completar idade 
para poder cursar o Ginásio na cidade grande ou casar-se com o filho do fazendeiro, 
com o qual não tinha afinidade. Acerca desta situação ela faz memória, 
 
Que teria acontecido se não existisse aquela sala de janelas baixas como 
refúgio, quando depois da morte do pai compreendeu não haver mais ginásio, 
carreira de professora, nada do que ardentemente desejava? E quando viu 
diante dos olhos, como destino o casamento absurdo com o filho do 
fazendeiro ou a sina amarga de solteirona? (PAIM, 1961, p. 51) 
 
 A protagonista sempre reflete que o professor Virgílio era o seu segundo pai, 
ele a ensinou a leitura, a tradução e a datilografia, “Ele não imaginava que lhe dava a 
profissão de que agora vivia: tradução do francês” (Paim, 1961, p.52). 
 Ao contrário de Ester, a saga de Dona Beatriz, diante das condições sociais 
que a mulher enfrentava na década de 1960, teve que enfrentar, além da pobreza, a 
responsabilidade pela educação da irmã mais nova, a continuidade da família, 
buscando sempre apresentar uma aparência de família modesta, em conformidade 
com as regras ditadas pela sociedade machista. “Você, minha filha, é o homem da 
família. Depois da morte de Gustavo, além da providência, devemos nossa vida a 
você. Deus a abençoe Beata” (Paim, 1961, p.46). Somente a partir do narrador 
onisciente é possível ter acesso aos pensamentos de Dona Beatriz, por meio do fluxo 
de consciência, nessa situação, a respeito da relação dela com Helena, por exemplo, 
quando questiona a mudança de comportamento da irmã, deseja que ela pudesse 
imitá-la, pois para dona Beatriz, mulher tinha que cuidar da casa, não poderia chegar 
tarde da noite em casa, ir as festas, manifestações, se envolver com política, nem 
discutir o assunto com os homens. 
 No decorrer da narrativa o leitor vai se deparando com a visão de Alina Paim 
acerca da condição das mulheres em uma sociedade que renega a ideia de a mulher 
ser equiparada ao homem, com suas competências e habilidades, mas também reflete 
sobre o posicionamento delas diante das oportunidades ofertadas pela vida. Muitos 
casos são citados em que a mulher se permite ser ignorada, tradada como objeto de 
consumo, não se colocando, por exemplo, no trabalho, com os seus valores diante do 
que lhe foi confiado desenvolver. Da mesma forma o relato de Maria da Penha, uma 
manicure que faz uma reflexão sobre as suas próprias condições ao chegar ao Rio de 
Janeiro: “Atravessava naqueles meses a fase penosa em que era preciso civilizar-se 
o mais rapidamente possível, uma febre de arrancar a casca provinciana, sair do 
casulo grosseiro e por uma manobra de feitiço, surgir a borboleta estranha, 
animalzinho de capital da República” (PAIM, 1961, p. 68) A protagonista relata o 
depoimento de Maria da Penha com críticas, afinal, não é necessário mudar todo o 
ser da pessoa por causa da cidade. 
 Durante a narrativa de Paim o leitor depara-se com a perplexidade da 
protagonista diante da condição degradante dos jovens, que como ela, deveriam estar 
buscando as realizações pessoais, profissionais, políticas, no entanto, encontravam-
se, segundo Ester: “Essa visão da juventude estrangulada no que existe de mais belo 
– candura e pureza, arroubo e entusiasmo – despertava-lhe um rancor mais profundo, 
que os argumentos políticos sobre monopólios e guerras” (PAIM, 1961, p. 75). 
Caracteriza nesse excerto a capacidade da jovem personagem em se gastar sempre 
em favor do outro. Esse, o outro, não é um simples número estatístico, mas um ser 
humano, com sentimentos, expressões, necessidades, limitações, sempre em busca 
de uma tal liberdade, como leva a reflexão o escritor Zygmunt Balman (2001) 
 Há, ainda, no fragmento ora citado, uma reflexão acerca da identidade cultural 
do país, no momento em que Ester deseja “tocar fogo nas revistas americanas” (PAIM, 
1961, p. 75), verifica-se, portanto, uma denúncia às transformações, mudanças, 
adequações da identidade brasileira, ou seja, ao processo de aculturação capitalista 
norte-americana. 
 Assim, a escritora sergipana traça, constrói as personagens femininas, com 
uma percepção bastante ousada acerca das mudanças sociais, culturais que estariam 
por acontecer na sociedade. A própria protagonista carrega em sua trajetória essa 
marca da escrita da autora, quando as personagens, em sua maioria, a saber, A 
sombra do patriarca, Sol do meio-dia, Estrada da liberdade aparecem num processo 
de diáspora, de saída do território regional para o nacional, carregando a missão de 
apresentar ao leitor os movimentos próprios do ser humano, de estar em saída, em 
busca de suas próprias conquistas. Aqui, de modo especial, apresenta às mulheres 
da sociedade as possibilidades de também saírem, no entanto, a protagonista Ester 
sai de si em busca do outro, em busca de conhecer, compartilhar a dor do outro, não 
importa se homem ou mulher, ela deseja compreender a dor do outro, seja emocional, 
financeira, política, profissional a partir do lugar de sua fala, de um quarto de pensão. 
 São dois lugares de fala, o de Ester, pensionista, fala a partir do pequeno quarto 
da pensão, porém não está sozinha, busca nos outros moradores a compreensão da 
vida física, religiosa, espiritual, psíquica, tenta dialogar com palavras, mas também 
com o olhar, com a presença ao lado do outro. Enquanto dona Beatriz, a proprietária 
da pensão, trata a todos como simples locatários dos seus quartos, quando busca um 
diálogo ou é para criticar, ou por curiosidade para poder emitir os seus julgamentos. 
 Um outro fato curioso da escrita de Alina Paim no romance ora em discussão é 
quando ela lança o olhar de uma mulher, que está em busca de suas conquistas, é 
consciente da condição feminina na sociedade e apresenta, com pesar, o 
comportamento,a aceitação de outras mulheres a condições de extrema banalidade, 
a exemplo do relato da protagonista na ocasião em que fora demitida do jornal, onde 
trabalhava como datilógrafa: 
 
Na sala de espera das companhias, encontrava moças ansiosas a pintar-se, 
alisar o busto e exibir pernas prontas a avançar com precipitação ao menor 
gesto do contínuo. Era uma atmosfera deprimente. Parecia-lhe estar num 
mercado de escravas, onde era preciso agradar e mostrar habilidades, como 
se o emprego fosse um lugar num serralho e a escolha dependesse de lábios 
carnudos, busto firme e pernas bem-feitas. Ouviu e aprendeu muita coisa. Ali 
vinha morrer muita ilusão sobre a situação da mulher, seu direito ao trabalho, 
sua independência e igualdade perante a lei. Que direito ao trabalho era 
aquele se lhe procuravam reduzir a dignidade? (PAIM, 1961, p. 92-93) 
 
 
 Trata-se aqui do sentimento de imenso desagravo. Como pode as mulheres 
quererem conquistar o seu espaço com tal postura e comportamento? É uma crítica 
que a autora apresenta com argumentos aplicáveis aos dias atuais, ao mesmo tempo 
em que se deseja ocupar o espaço digno e com respeito, há aquelas que buscam este 
espaço aceitando, por exemplo, músicas, textos, piadas que denigrem a dignidade da 
mulher, esse é o questionamento que a protagonista de O sol do meio-dia apresenta. 
 Um outro aspecto importante ressaltado a partir da personagem Ester é o fato 
das possibilidades de visão de mundo a partir da escrita e da leitura, do grande legado 
deixado pelo prof. Virgílio, que aos olhos de Ester, isso só foi possível porque o seu 
pai a proibiu de estudar fora de Paripiranga. Acerca da escrita, em um belo momento 
de encantamento com o beijo de Osvaldo, ela, pensativa na cena: 
 
Subindo a escada resolveu que se algum dia escrevesse um romance, nele 
não faltariam um beijo furtivo e o pensamento do jardim. Escrever! Seria para 
isso que o professor Virgílio levara anos a prepará-la no estudo, na 
capacidade de sentir e na arte de compreender o que sentia, no vagar de 
ouvir confidências e no escrúpulo de julgá-las? (Paim, 1961, p. 130) 
 
 Sobre a leitura, a lição que o professor Virgílio passa para Ester dialoga com 
Todorov (2009), quando ele defende que a literatura é a única capaz de humanizar o 
homem. “- A gente lê com o que tem. Com os olhos, os ouvidos, o tato, com a idéia, o 
sentimento. Enquanto você não souber misturar sua vida com a vida que está no livro, 
não sente nem compreende o que o autor quis dizer” (PAIM, 1961, p. 52). 
 Diferentemente de dona Beatriz, o que ela consegue enxergar nos outros são 
apenas os problemas, as limitações, os erros, as fragilidades, porém tenta durante 
toda a narrativa esconder-se na cozinha, no quarto da pensão, em Jorginho. É sob o 
olhar de dona Beatriz que Helena deseja a morte, que Iracema e Silvia se 
desentendem, que dona Júlia é criticada apenas por conservar um relógio de parede 
quando está morando em casa alheia. Ou seja, dona Beatriz é como uma espécie de 
juíza que condena apenas pelo olhar, inibe a todos, não permite que ninguém a 
questione, por exemplo, sobre as condições de sua irmã Helena, ela julga de acordo 
com o que lhe for mais conveniente, com o que permitir algo em troca, seja material 
ou qualquer tipo de participação, de apoio em suas ações. Como é o caso da crítica 
sobre Iracema e Silvia: “D. Beatriz tem dois pesos e duas medidas. Com Iracema são 
contemplações e mais contemplações. Porque, qual a diferença entre uma coisa e 
outra? Tudo não se passa na cama? O dinheiro não está em jogo da mesma forma?” 
(Paim, 1961, p. 177-178). Iracema, ao invés de cuidar da filha deficiente, passa os fins 
de semana fora de casa, cada semana com um rapaz diferente, e Silvia foi acusada 
de adultério. 
 Ao contrário, Ester busca compreender a condição de Iracema, Silvia, Odília, 
Helena, Geni, Joana, Albertina, D. Áurea, Zélia, Maria da Penha, Júlia, D. Guiomar, 
Julieta, dentre outras, com atitude de escuta, de questionamentos a fim de levá-las a 
reflexão, a compreensão das condições de vida da atualidade, tenta contribuir dando-
lhes forças para superação da dor, do abandono, das consequências das escolhas de 
cada uma, mas que nada está no fim. 
 
A hóspede havia errado, mas a dona da pensão não era juiz. Não lhe cabia a 
iniciativa de desfechar castigos, dominada pela febre de moralidade, pressa 
em afastar Silvia como se a situação suspeita não viesse se arrastando 
durante meses, com telefonemas misteriosos, saídas precipitadas e cartas 
em mão própria. Beatriz atingiu o objetivo, o exemplo ia ficar: a mulher 
culpada punida com o desquite e a perda da criança. (PAIM, 1961, p. 201-
202) 
 
 Dona Beatriz pode representar no romance o que se chama de falsa 
moralidade, quando ela julga as hóspedes e emite uma condenação, acaba anulando 
os seus próprios atos. Esquece-se do fato de punir sua irmã Helena, tomando-lhe o 
filho, pelo fato de não poder ser mãe solteira, acaba por torturar a criança, a irmã e o 
suposto pai do menino. Tenta a todo custo, esconder a sua própria história a partir do 
julgamento das histórias do outro. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 Ao longo desta discussão, buscou-se traçar o percurso de Ester e dona Beatriz, 
ambas com diferentes formas de visão sobre a vida, mas prevalecendo o interesse 
pela realização dos anseios das mulheres. Ester traz a marca da humanização, 
presente em todo o romance, trabalhada diante de cada personagem que convive com 
a protagonista. 
Dona Beatriz, apesar do olhar inquisidor, julgador reconhece os seus enganos, 
erros e arrepende-se de muitas das acusações realizadas. Ainda em tom de crítica 
faz uma afirmação que melhor defini Ester, traz aqui uma sinopse do que foi 
apresentado durante o desenvolvimento desta análise: “Os problemas do povo estão 
com Ester – disse D. Beatriz, piscando com malícia – Não compreendo como uma 
jovem inteligente se mete numa empresa de consertar o mundo. O mundo não tem 
remendo que lhe assente, nesta altura de sua ruína” (PAIM, 1961, p.233). Ao que 
sabiamente responde Ester, “o silêncio pode ser produtivo”, demarcando a sua 
sabedoria, atenção, observação, organização. 
A protagonista discute o seu lugar e o das demais mulheres que sofreram 
repressão em não poder realizar o que tanto desejavam. Isso pode ser explicado a 
partir do texto literário, conforme abordagem de Magalhães (2002, p.70), 
 
Nenhuma obra de arte pode ser estudada sem o auxílio da história, pois a 
verdadeira arte é um fazer história na medida em que é um refletir do ser social 
sobre sua própria existência. Não é história porque o autor resolveu contar o 
seu tempo, mas porque ele reflete o seu tempo e as possibilidades de 
ultrapassá-lo. 
 
Através da reprodução da vida na obra literária, é que o ser humano pode 
encontrar consigo mesmo. É pela forma representada pela autoria que o leitor se 
deparará com seus destinos, explicitados mediante uma profundidade, uma 
compreensividade e uma clareza que não podem ocorrer na própria vida. 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
BHABHA, Homi K. O local da cultura. trad. Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima 
Reis, Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 
 
BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 
 
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da 
modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 2. ed. São 
Paulo: EDUSP, 1998. 
 
CARLOS, Magno. Sociologia de gênero na ficção de Alina Paim. In: XIII Seminário 
Nacional e IV Seminário Internacional Mulher e Literatura: memórias, 
representações, trajetórias, Natal, Universidade Potiguar, set. 2009. 
 
HALL, Stuart.A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tadeu da Silva, 
Guaracira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1997. 
 
MAGALHÃES, Belmira. História da representação literária: um caminho percorrido. 
Revista Brasileira de Literatura Comparada. Maceió, n. 6, UFAL, 2002. 
 
PAIM, Alina Leite. Sol do meio-dia. Rio de Janeiro: Associação Brasileira do Livro, 
1961.

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