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Autora: Profa. Renata Leandro Colaboradores: Profa. Amarilis Tudela nanias Profa. Maria Francisca S. Vignoli Prof. Amauri Tadeu Barbosa Nogueira Movimentos Sociais Contemporâneos SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Professora conteudista: Renata Leandro Em 2002, graduou‑se em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC – Campinas). Tem especialização na área de violência doméstica contra crianças e adolescentes pelo Laboratório da Criança (LACRI) do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP, 2005), em sexualidade humana pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 2009) e é pós‑graduanda em formação em EaD pela UNIP. Atualmente, é docente na UNIP, campus de Sorocaba, consultora em gestão pública e captadora de recursos e responsabilidade social no primeiro e no segundo setor. Possui experiência em gestão social, tendo atuado como gestora municipal em São Thomé das Letras (MG) e na Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos no estado do Rio de Janeiro. Atuou, também, em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) no município de Campinas, no atendimento matricial de famílias e na área de crianças e adolescentes com suas respectivas famílias, no Projeto Rotas Recriadas (atualmente denominado Programa Municipal de Enfrentamento à Exploração Sexual Infanto‑juvenil), de 2003 a 2007. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) L437m Leandro, Renata. Movimentos sociais contemporâneos / Renata Leandro. ‑ São Paulo, 2013. 96 p., il. Notas: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2‑073/13, ISSN 1517‑9230. 1. Movimentos sociais. 2. Serviço social. 3. Sujeitos coletivos. I. Título. CDU 362 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona‑Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andréia Andrade Carla Moro SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Sumário Título da Disciplina APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 KARL MARX E A ABORDAGEM DIALÉTICA ............................................................................................ 11 1.1 As classes sociais segundo Marx .................................................................................................... 12 1.2 Revolução Russa e o leninismo ...................................................................................................... 16 2 A LUTA DE CLASSES: UMA FORÇA QUE PRODUZIU MOVIMENTO NA HISTÓRIA ................... 18 2.1 A inevitabilidade da luta de classes .............................................................................................. 19 3 PENSAMENTOS SOCIOLÓGICOS E AS RELAÇÕES DE PODER ......................................................... 22 3.1 A crítica marxista: o pensamento de Antonio Gramsci (1891‑1937) e sua influência na análise sociológica .................................................................................................. 22 3.1.1 Sobre a sociedade civil e a sociedade política ............................................................................ 24 3.1.2 Os intelectuais orgânicos e o partido ............................................................................................. 24 3.1.3 A superestrutura...................................................................................................................................... 25 3.2 Bourdieu: as relações sociais e suas contradições .................................................................. 25 3.2.1 Habitus e campo ..................................................................................................................................... 25 3.2.2 A violência simbólica ............................................................................................................................. 27 3.3 Michel Foucault e a relação de poder .......................................................................................... 29 3.3.1 As relações de poder .............................................................................................................................. 30 3.3.2 O poder disciplinar ................................................................................................................................. 31 4 ABERTURA DEMOCRÁTICA E A REVALORIZAÇÃO DA SOLIDARIEDADE MICROTERRITORIAL ............................................................................................................................................ 31 4.1 Linha do tempo das políticas sociais ............................................................................................ 31 4.2 Contextos do período de ditadura militar.................................................................................. 33 4.3 Revalorização das experiências da sociedade civil ................................................................. 33 4.4 Cenário de fortalecimento das organizações da sociedade civil ...................................... 35 4.5 A transição para a democracia liberal .......................................................................................... 36 Unidade II 5 O QUE SÃO MOVIMENTOS SOCIAIS? ....................................................................................................... 42 5.1 Contextualização histórica dos movimentos sociais ............................................................. 42 5.2 Idade Média e os movimentos sociais ......................................................................................... 44 5.3 A desagregação da sociedade feudal e os movimentos sociais ........................................ 45 5.4 Ideologia, movimentos sociais e o Serviço Social ................................................................... 47 5.4.1 Conceito de ideologia ........................................................................................................................... 47 5.4.2 Movimentos sociais e ideologia ........................................................................................................47 5.4.3 Ideologia e Serviço Social .................................................................................................................... 49 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 6 OBJETO E OBJETIVOS DO SERVIÇO SOCIAL E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ................................. 52 6.1 O Movimento de Reconceituação ................................................................................................. 55 6.2 O processo de conhecimento e intervenção do Serviço Social e sua relação com os movimentos sociais ..................................................................................................... 58 6.2.1 O assistente social e as demandas sociais .................................................................................... 58 6.2.2 A atuação do Serviço Social ............................................................................................................... 59 7 MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL .......................................................................................................... 62 7.1 Os movimentos sociais e o advento do populismo ................................................................ 64 7.2 Os movimentos sociais em tempos adversos ............................................................................ 66 7.3 Novos movimentos sociais e a luta pela cidadania ............................................................... 68 7.4 O Serviço Social e os movimentos sociais .................................................................................. 70 7.5 Movimentos sociais, globalização e neoliberalismo ............................................................... 71 7.5.1 Globalização e neoliberalismo: o que é isso? .............................................................................. 71 7.5.2 Os movimentos sociais e a globalização ....................................................................................... 73 7.5.3 Neoliberalismo ......................................................................................................................................... 74 7.5.4 Os movimentos sociais em ação em função das políticas neoliberais .............................. 74 7.5.5 O Serviço Social, a globalização e o neoliberalismo ................................................................. 76 8 PRÁTICAS SOCIAIS, SUJEITOS COLETIVOS E REDES DE MOVIMENTOS SOCIAIS ..................... 78 8.1 As práticas sociais dos sujeitos coletivos.................................................................................... 78 8.2 Conceituação e contexto histórico das redes sociais .................................................................. 78 8.3 O Serviço Social no contexto das redes sociais ....................................................................... 81 7 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 APRESENTAÇÃO O estudo dos movimentos sociais é de fundamental importância para o assistente social, uma vez que a questão social constitui o objeto de trabalho do Serviço Social. Os movimentos sociais representam a principal forma de luta e organização, visam à satisfação das necessidades criadas ao longo da história da sociedade e de suas contradições. É com essa compreensão que esta disciplina foi preparada. Espera‑se que você possa ter a disposição necessária para alcançar os objetivos propostos. Este livro é dividido em duas unidades; nelas, você vai encontrar desde a conceituação de movimentos sociais até a relação entre globalização e as suas influências na sociedade. Vai conhecer a questão da ideologia e sua relação com os movimentos sociais e o Serviço Social, objeto e objetivos do Serviço Social, frente às demandas dos movimentos sociais. O processo de conhecimento e intervenção do Serviço Social, movimentos sociais no Brasil e o Serviço Social, globalização e neoliberalismo, práticas sociais, sujeitos coletivos e redes de movimentos sociais também serão estudados. Este material será indispensável para o seu aprendizado no curso de Serviço Social. Fique atento e disposto para aprofundar seus conhecimentos. Um ótimo estudo. INTRODUÇÃO Na unidade I, compreenderemos as teorias de Marx, que propõem alternativas para uma nova sociedade socialista a partir dos conflitos e contradições sociais. O pensamento de Karl Marx influenciou consideravelmente as ciências sociais e a sociedade, especialmente no que se refere aos movimentos sociais e à política em geral. As principais ideias desse clássico da Sociologia e seus conceitos centrais servem para compreender a sociedade fundada no capitalismo e suas consequências no comportamento dos indivíduos, grupos e instituições sociais. A definição marxista começa com o fator material da existência de determinado sistema de produção (formação social), usando como critérios objetivos de diferença entre as classes a sua posição nesse sistema, a relação com os meios de produção, o papel na organização do trabalho e a posse ou não de parcela da riqueza produzida pela sociedade. Esta abordagem científica se mostra muito diferente da abordagem subjetiva das teorias burguesas. Por exemplo, termos como “classe alta” ou “classe baixa”, que não precisam o significado dos termos “alto” e “baixa”, são absolutamente vagos; a definição por letra do alfabeto é ainda pior. Poderia haver tantas classes quanto faixas de renda existentes e a definição poderia ser diferente de acordo com a opinião individual de cada um. Como podemos ver, a definição de Lenin menciona a renda de cada classe social – volume da parte da riqueza social de que dispõem, mas acrescenta a origem dela utilizando o critério objetivo e verificável. A definição de classe social fornecida por Lenin deixa evidente a ligação entre a existência de classes e a luta entre elas. Para o autor, classes são grandes grupos de homens que se diferenciam pelo seu 8 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 lugar no sistema historicamente determinado de produção social; pela sua relação (na maioria dos casos confirmada e precisada nas leis) com os meios de produção; pelo seu papel na organização social do trabalho e, por conseguinte, pelos meios de obtenção e volume da parte de riqueza social de que dispõem. Em suma, para o pensador, as classes são grupos de homens em que uns podem apropriar‑se do trabalho dos outros graças à diferença do lugar que ocupam num sistema da economia social. Outra crítica às teorias não marxistas de classe é que, além de não tratarem das causas fundamentais do fenômeno de classe social, elas também servem para ocultar a existência da exploração da classe operária pela classe dominante capitalista. Isso significa que estamos diante de um ponto de vista ideológico burguês. Conforme advertia Lenin (1977, p. 28): [...] os homens sempre foram em política vítimas ingênuas do engano dos outros e do próprio e continuarão a sê‑lo enquanto não aprenderem a descobrir por trás de todas as frases, declarações e promessas morais, religiosas, políticas e sociais, os interesses de uma ou de outra classe. Essas palavras chamam a atenção para a grande importância de se aprofundar o estudo da teoria da luta de classes, a fim de que possamos desenvolver a crítica da realidade social conforme a visão de mundo da classe operária. Exprimem, ainda, o enorme passo representado pela fundamentação e elaboração da teoria marxista‑leninista da luta de classes na procura de respostas capazes de desvendar, do ponto de vista dos exploradosna sociedade capitalista, como se desenvolvem as relações entre as classes sociais, apontando para a necessidade do enfrentamento às condições impostas pelos interesses do capital e de construção da sociedade comunista, dando fim à exploração do homem pelo homem. Conheceremos também o pensamento do italiano Antonio Gramsci e, a partir das reflexões sobre ele e Lenin, você terá mais elementos para compreender a realidade social da qual fazemos parte. Vamos estudar as principais ideias de Pierre Bourdieu e de Michel Foucault, analisando a sociedade contemporânea sob a ótica da reprodução e da violência simbólica, por meio de movimentos sociais e populares ou não. As teorias abordam a questão do poder nas micros e macros relações sociais, além de trabalhar com o conceito de poder disciplinar. Suas ideias são importantes para a compreensão das contradições da sociedade moderna, especialmente no que se refere às instituições e suas relações com os indivíduos na sociedade. Veremos o contraponto existente entre o pleno desenvolvimento de políticas sociais por parte do poder público e a valorização das experiências solidárias, estratificada pelo grau de envolvimento das pessoas em movimentos sociais e organizações da sociedade civil, bem como pelo fortalecimento do terceiro setor, em resposta à ausência ou ineficiência do Estado. É importante que se tenha em mãos os principais marcos históricos das políticas sociais brasileiras, para que, assim, se possa estabelecer, de maneira mais contextualizada, a análise da relação entre a ação do poder público e o fortalecimento do terceiro setor. 9 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Na unidade II, apresentaremos vários motivos que levam à formação dos movimentos sociais, como péssimas condições de moradia, trabalho, salários baixos, falta de liberdade, preconceito, discriminação, entre outros. Em geral, os movimentos sociais surgem naturalmente; a partir das necessidades que os indivíduos têm e sentem, eles se juntam e se organizam com base em objetivos e metas comuns. Iremos estudar o conceito de movimentos sociais e sua contextualização ao longo da história da humanidade; compreender como os indivíduos e grupos se organizam a partir de determinadas concepções de mundo que orientam suas ações em torno de um objetivo comum e baseados em uma ideologia. Veremos também a relação entre ideologia e os tipos de movimentos sociais. Iniciaremos com a conceituação de ideologia e, em seguida, desenvolveremos uma breve reflexão sobre a relação entre ideologia e movimentos sociais e o Serviço Social. Outro tópico será compreender como o objeto e os objetivos do Serviço Social orientam a prática do assistente social nos movimentos sociais; quando se tem claro esses dois elementos (objeto e objetivos), o assistente social pode atuar com mais segurança e precisão. A questão social, objeto central do Serviço Social, permite a definição de objetivos e, por sua vez, um conjunto de práticas profissionais que variam conforme a relação com os movimentos sociais. Estudaremos também o processo de conhecimento do Serviço Social e sua relação com os movimentos sociais em continuidade, aprofundando o conhecimento produzido e difundido. Para isso, partiremos de concepções e teorias sobre a realidade social, as metodologias e as estratégias de ação que se fazem presentes na profissão do assistente social e sua relação com os movimentos populares. A história do Brasil, assim como a dos demais países, é marcada por diversos movimentos sociais. Iremos estudar a história dos movimentos sociais brasileiros, da época da colonização até os períodos dos anos 1930 a 1945 e atualidade. A partir de 1960, temos uma participação incisiva do Serviço Social. As discussões internas dão origem ao Movimento de Reconceituação. Por fim, estudaremos a emergência de novas formas de organização de ação coletiva no cenário do país, que demonstram que o Estado, antes como gestor das carências populacionais, agora se tornaria um poder mínimo diante do poderio de necessidades do povo. Os atores sociais cansados de reivindicar por melhorias em diversos setores, especialmente, os direitos civis, iniciam um processo de reivindicação por meio de mobilizações para conquistar espaços e reconhecimento da população. Assim, veremos as práticas sociais, sujeitos coletivos e redes de movimentos sociais, bem como os conceitos e um breve histórico das redes de movimentos sociais e as principais formas de atuação do Serviço Social nessa realidade. 11 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Unidade I 1 KARL MARX E A ABORDAGEM DIALÉTICA As ideias de Karl Marx (1818‑1884), além de contribuírem para um estudo científico crítico da sociedade, tornaram‑se influentes junto aos movimentos sociais e aos partidos de esquerda, e base para as diversas manifestações contrárias ao capitalismo na busca por uma sociedade mais justa. Karl Marx é considerado um dos clássicos da Sociologia, embora sua obra não esteja voltada especificamente para esse campo, suas análises contêm elementos de economia e filosofia. Ele elabora uma teoria marcada pela crítica ao capitalismo e por sua metodologia dialética de análise do conflito. Lembrete O capitalismo é um sistema que tem por base o lucro e surgiu após o fim do feudalismo. O capitalismo surge na história quando, por circunstâncias diversas, uma enorme quantidade de riquezas se acumula nas mãos de uns poucos indivíduos interessados sempre em obter mais lucros (COSTA, 1987). Karl Marx viveu no século XIX, período da consolidação do capitalismo, e centrou sua teoria no estudo de maior produtividade dos trabalhadores com vistas ao lucro dos empresários. Diferentemente de Durkheim, Marx estuda a sociedade a partir da metodologia dialética, evidenciando os conflitos, as contradições e a dinâmica da sociedade, principalmente a capitalista. O termo dialética vem do grego e significa movimento. Na concepção de Karl Marx, significa analisar o movimento e a dinâmica das sociedades do ponto de vista histórico. Essas mudanças ocorrem pelas alterações tecnológicas na produção, associadas ao modo de produção de bens e às relações técnicas, sociais e contraditórias entre trabalhadores e patrões. Observação Dialética é composta de três elementos básicos: a tese, a antítese e a síntese. A tese se resume na palavra inicial, no assunto em questão; a antítese vem logo em seguida, como uma oposição à tese, e o resultado dessa argumentação é a síntese. 12 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I A partir da explicação anterior, fica nítido que, para Marx, o motor da sociedade é o trabalho e, em torno dele, a sociedade se organiza. As relações sociais estabelecidas no dia a dia se dão em função do trabalho, do qual emergem os conflitos, uma vez que, nessa relação, o dono dos meios de produção (capitalista) explora o trabalhador. Nesse contexto de polarização entre proprietários e não proprietários dos meios de produção, os conflitos e as lutas dos trabalhadores recrudescem. Karl Marx utiliza‑se do método dialético para desmistificar as formas de exploração dos capitalistas, tornando explícita para os trabalhadores sua situação de explorados, visando à luta para a transformação da sociedade. Observação Na visão marxista, o estudo de qualquer sociedade deve partir justamente das relações técnicas e sociais que os homens estabelecem entre si para utilizaros meios de produção e transformar a natureza. Lembrete Classe social é um grupo de indivíduos que ocupam uma mesma posição nas relações de produção, em determinada sociedade (TOMAZI, 1993, p. 23). 1.1 As classes sociais segundo Marx O objeto do Marxismo é a análise da realidade capitalista, bem como das sociedades divididas em classes. Para Marx, a dialética é uma ideia fundamental, extraída da filosofia clássica alemã, que aborda uma tensão permanente entre sujeito e objeto, considerando o ser como uma totalidade em movimento. Um dos principais conceitos trabalhados por Marx refere‑se ao modo de produção de mercadorias, que ocupa lugar central na sociedade e caracteriza cada momento histórico particular. Assim, o comunismo seria a última etapa do processo do modo de produção e, consequentemente, da ordem social. A condição para o conhecimento são as relações sociais de produção em que os sujeitos vivem. A noção de conflito, originada na luta de classes, é uma categoria de análise que dá movimento à história. É a partir do conflito que os movimentos sociais surgem, defendendo o fim da exploração econômica. A utopia socialista, preconizada pela doutrina sociológica marxista, indica elementos que deveriam ser aplicados no socialismo real, na perspectiva de rompimento total e superação do modo de produção capitalista. Dessa forma, Marx tece sua obra com centralidade no protagonismo do movimento operário que, segundo o autor, se torna sujeito histórico a partir da tomada de consciência da exploração e opressão sofridas dentro do sistema capitalista. 13 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Karl Marx analisou os conflitos e as contradições da sociedade capitalista e propôs alternativas para uma nova sociedade socialista. Durante o tempo que viveu na Inglaterra, no século XIX, os trabalhos de Marx foram uma resposta aos sérios problemas sociais decorrentes da Revolução Industrial. Nesse período, o capitalismo gerou contradições sociais e conflitos pela enorme diferença de renda entre capitalistas e trabalhadores. Além de ter desempenhado outras funções, como a de jornalista, Marx dedicou‑se a analisar alguns aspectos da vida social. Uma de suas contribuições foi discutir a relação entre indivíduo e sociedade. Tomazi (2000) assinala que Marx considerava que não se pode pensar a relação indivíduo‑sociedade separadamente das condições materiais em que essas relações se dão. Ou seja, para viver, os homens precisam, inicialmente, transformar a natureza, isto é, comer, construir abrigos, fabricar utensílios, entre outros. Marx ainda ressalta que o estudo de toda sociedade deveria partir justamente das relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção e transformar a natureza. Em seus estudos, Marx tem como objetivo maior investigar a sociedade de seu tempo, a sociedade capitalista. Nela, as relações sociais de produção definem dois grandes grupos: os capitalistas, que possuem os meios de produção (máquinas, ferramentas e capital) necessários para transformar a natureza e produzir mercadorias; e os trabalhadores, também chamados, no seu conjunto, de proletariado, que nada possuem, a não ser o seu corpo e a sua disposição para trabalhar (TOMAZI, 2000). Na sociedade capitalista, a produção só se realiza porque capitalistas e trabalhadores entram em relação. O capitalista paga ao trabalhador um salário e, no final da produção, fica com o lucro. Esse excedente é chamado de mais‑valia (excedente de horas de trabalho não pagas). Esse tipo de relação leva à exploração do trabalhador pelo capitalista. A mais‑valia está associada ao conceito de alienação. Costa (1997) assinala que Marx desenvolve esse conceito mostrando que a industrialização, a propriedade privada e o assalariamento separam o trabalhador dos meios de produção. Que meios são esses? São as ferramentas, a matéria‑prima, a terra e as máquinas, que se tornaram propriedade privada do capitalista. Separam, também, ou alienam o trabalhador do fruto de seu trabalho. Essas ideias são a base da alienação econômica do homem sob o capital. O trabalho de Marx, conforme Gomes (1994, p. 46), pode ser distinguido a partir de três pontos: [...] os fatores econômicos determinam a estrutura social e a mudança social, ou seja, a organização social se sustenta em três fundamentos: as forças materiais de produção, com que o homem assegura sua subsistência a partir dos métodos; as relações de produção (relações e direitos de propriedade); as superestruturas legais e políticas, além das ideias e formas de consciência social; [...] a história é a história da luta de classes sociais, que se caracteriza pela oposição das classes, com base em sua posição econômica e interesses divergentes. “A história segue, pois, um movimento dialético, de oposição de classes”; [...] a cultura das sociedades de classe se caracteriza pela ideologia: as ideias estão intimamente condicionadas pelo modo de produção. 14 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I Assim, a classe que dispõe dos meios de produção controla a difusão intelectual, por meio da educação, da política etc.; toda uma sociedade que fica à mercê da classe dominante. Em seu livro A Ideologia Alemã, bem como em seus inúmeros estudos sobre história, Marx (1975, p. 237) tomou como hipótese no Manifesto Comunista apenas um traçado mínimo, a tese de que “a história de todas as sociedades até o presente é a história das lutas de classes”. Trata‑se, portanto, de trazer para o centro do relato da história humana o conflito, a luta ininterrupta, ora dissimulada ora aberta, entre oprimidos e opressores. O Marxismo propõe a deposição da classe dominante (a burguesia) por uma revolução do proletariado. O capitalismo, como modo de produção, é criticado por Marx pelo fato de possuir o sistema de livre empresa que, segundo ele, pelas contradições econômicas internas, levaria a classe operária à máxima exploração do seu trabalho em função dos lucros dos capitalistas. Propõe, assim, uma sociedade em que os meios de produção sejam de toda a coletividade, com a distribuição igualitária de riqueza produzida. Para discutir a relação entre classes e movimentos sociais, é preciso esclarecer de que maneira utilizamos o conceito de classe social e luta de classes, mesmo que só possamos fazê‑lo de uma maneira esquemática. Em primeiro lugar, embora insistir nesse aspecto possa parecer um lugar‑comum, descartamos os conceitos de classe que se circunscrevem à renda e/ou dimensão ocupacional, pela razão evidente de que esses conceitos se situam fora do Marxismo. Em segundo lugar, as classes como força social em ação não podem ser consideradas como meros reflexos da posição na estrutura econômica: o economicismo anula a política ao derivar o comportamento político da situação objetiva de classe. Saiba mais O filme brasileiro Eles não usam black‑tie retrata um movimento grevista que se inicia dentro de uma empresa. Esse filme é importante para entender a dinâmica dos movimentos sociais brasileiros. ELES não usam black‑tie. Direção de Leon Hirszman. Brasil, 1983. A história da luta de classes, citada no livro Manifesto Comunista, corrobora a ideia de que a luta não é um puro caos de acontecimentos, pelo contrário, é o produto do confronto entre classes sociais, da evolução, do desenvolvimento econômico ou material da humanidade. A luta de classes atinge o seu ponto extremo na sociedade capitalista: uma pequena minoria de proprietários explora uma imensa maioria que nada possui, a não ser a sua forçade trabalho, para miseravelmente sobreviver. É um momento “pré‑histórico” do devir da humanidade porque é ainda absolutamente desumano (exploração escandalosa do homem pelo homem). Com a obsessão do lucro, a competição desenfreada entre os capitalistas leva à crescente proletarização e à contradição entre a apropriação privada da riqueza pela classe burguesa e o modo de produção cada vez mais coletivo, 15 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS tornando a crise do sistema capitalista sinônimo de destruição noticiada. O proletariado dará o golpe definitivo nesse sistema de opressão em nome de uma luta em que a propriedade dos meios de produção será social e não privada? A teoria marxista da luta de classes baseia‑se na concepção da hegemonia do proletariado. Defendendo essa teoria, Marx e Engels moveram uma luta incessante contra o desprezo pelas camadas não proletárias das massas trabalhadoras, especialmente o campesinato, bem como contra a tendência oportunista, pequeno‑burguesa, da social democracia que substituía a concepção de “povo” pela divisão da sociedade e colocava em último plano a luta de classes. Para muitos pesquisadores, esse conceito de divisão de classe não dá conta de compreender a sociedade atual, pois enfoca especificamente os fatores econômicos e prejudica a análise de outras dimensões, outras características que marcam a sociedade de classe. Além disso, como ressaltam esses estudiosos, existem outros grupos profissionais na sociedade atual que não se encaixam em nenhuma dessas categorias. Pierre Bourdieu (1989) desenvolve um conceito mais complexo de classe social partindo de sociedade de classe. Para ele, a análise das classes sociais só pode ser feita se as diferenças culturais entre elas forem consideradas. Isso significa que, além dos obstáculos econômicos, há também as diferentes classes e culturas, que dificultam ou impedem a ascensão dentro desse sistema. Bourdieu chama isso de “capital simbólico”, pois considera que as estruturas de poder são formadas por símbolos. Diante dessa constatação, ele considera que o valor da pessoa é sinalizado pela formação, título e outros símbolos que oferecem uma posição na sociedade. Cavalcanti (2004) destaca o “modelo espacial” de sociedade, proposto por Bourdieu, que pode ser observado em três eixos. O primeiro eixo diferencia posições de acordo com o volume de capital (econômico e cultural) possuído pelas pessoas. O segundo eixo diferencia posições no interior das situações de classes, que são divididas de acordo com a composição do capital possuído pelas pessoas. E o terceiro eixo diferencia posições de acordo com as trajetórias seguidas pelas pessoas; em outras palavras, de acordo com as mudanças ou estabilidades (conversões de capital) experimentadas ao longo do tempo no volume e na composição dos capitais dos indivíduos (CAVALCANTI, 2004, p. 3). O capital cultural, segundo Bourdieu: [...] corresponde ao conjunto das qualificações intelectuais produzidas pelo sistema escolar ou transmitidas pela família. Este capital pode existir sob três formas: em estado incorporado, como disposição duradoura do corpo (por exemplo, a facilidade de expressão em público); em estado objetivo, como bem cultural (a posse de quadros, de obras); em estado institucionalizado, isto é, socialmente sancionado por instituições (como os títulos acadêmicos) (BOURDIEU, 1989, p. 46). 16 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I Outro teórico que também destaca a importância do cultural na formação das classes é Thompson (2001), historiador inglês neomarxista. Ele afirma em seus estudos que, apesar de o econômico prevalecer, o simbólico é importante na difusão da cultura de classe. Para o autor, a classe se define segundo o modo como homens e mulheres vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas situações determinadas, no interior do conjunto de suas relações sociais, com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural (THOMPSON, 2001, p. 277). Na visão de Thompson, a principal mudança que ocorre é a questão da consciência de classe, que gera a luta de classes. Para ele, sem ter consciência de si, a classe não existe, e, consequentemente, só pode haver uma luta quando existir uma ação coletiva empreendida pela classe por meio da consciência de si mesma. [...] uma classe não pode existir sem um tipo qualquer de consciência de si mesma. De outro modo, não é, ou ainda não é uma classe. Quer dizer, não é “algo” ainda, não tem espécie alguma de identidade histórica. Até aquela díspar e móbil entidade, que é a multidão ou a plebe da Inglaterra do século XVIII, possuía uma noção de seus direitos de legalidade e de respeito que foram investigados pelos historiadores. Se a noção de seus próprios direitos e a própria consciência fossem outras e diversas de suas atitudes, então surgiria um outro tipo de classe, como de fato ocorreu depois de 1816. Mas dizer que uma classe em seu conjunto tem uma consciência verdadeira ou falsa é historicamente sem sentido (THOMPSON, 1977, p. 43). O fator cultural e a experiência são definidores na formação de uma classe social, segundo Thompson. A partir dessa premissa, entende‑se que a consciência de classe se constrói por meio das experiências vividas pelo grupo social, expressas nas formas culturais. As questões como tradições, costumes e valores são frutos de uma vivência em comum, de um grupo social. A consciência de partilhar interesses iguais e identificar‑se com estes e com os membros do grupo social é que, para Thompson, forma a classe. A classe não existe sem a consciência. Fazer parte de uma é identificar‑se com seus valores e seus interesses, consciente de que estes são partilhados por todo o grupo. 1.2 Revolução Russa e o leninismo A Rússia, até a segunda metade do século XIX, ainda estava no regime feudal. A concorrência mundial obrigava o país a se modernizar, pois a Rússia entrou no período de industrialização muito depois das grandes potências mundiais. Entretanto, com o aporte financeiro de países como Inglaterra e França, o país pôde importar tecnologia avançada e equipar suas indústrias no mesmo nível que os países industrializados europeus. Assim, num período relativamente curto, a Rússia precisou construir grandes vias férreas, as quais cortavam o país em toda sua extensão, e criar suas primeiras indústrias. Com isso, houve o êxodo rural russo. Ao se lançar na guerra, denominada Revolução Russa, a Rússia acirrou os ânimos no interior do seu país, pois a indústria desacelerou o crescimento, a área rural parou de produzir e faltou alimento para a maioria da população. Com o empobrecimento do povo, acentuaram‑se ainda mais as contradições sociais. 17 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS A Rússia fazia parte da Tríplice Intente, mas não havia consenso entre a população, ou seja, uma parte dela, os sovietes, queria a saída da Rússia, mas a Duma, grupo representado pela parte conservadora (ala burguesa), queria permanecer na guerra. Com esse desentendimento, surgiram dois partidos que influenciaram a tomada de poder pelos proletariados. O primeiro deles, o partido dos mencheviques, liderado por Plekhanov, pensava em uma tomada de poder paulatinamente. Pretendiam assumir o poder e aos poucos ir colocando em prática as teses comunistas;o segundo partido, dos bolcheviques, liderados por Lenin, fundamentavam‑se nas teses marxistas, sustentavam a ideia de que deveria existir um governo cujo poder estivesse nas mãos de um único partido e representasse tanto operários quanto camponeses. Acreditavam também que o poder deveria ser derrubado pelas armas. Somente com um confronto direto com o czar e sua posterior derrota, o partido teria a oportunidade de criar um Estado proletário. Os bolcheviques pregavam a ditadura do proletariado. Os conflitos se intensificaram e os bolcheviques passaram a usar os lugares de destaque em Petrogrado, o quartel general da Revolução de Outubro. No dia 25 de outubro de 1917, foi anunciada a vitória dos bolcheviques. Lenin não esperou as comemorações e, no dia 26 de outubro, promulgou dois decretos que foram de extrema importância para dar início ao Estado Revolucionário. São eles: • primeiro: iniciou uma conversação para que a Rússia saísse da guerra, o que deu segurança aos russos e a possibilidade de iniciarem as transformações no interior do país; então, providenciou o Tratado de Paz de Brest‑Litovsk, em 1918; • segundo: esse sim deu um caráter comunista e marxista à revolução e anunciou o fim das grandes propriedades privadas. Num gesto de grande repercussão na Rússia e no mundo, Lenin transferiu o poder dos proprietários privados de acumular suas terras para as mãos da população, que se organizava nos comitês agrários. Nascia assim a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a União Soviética (URSS). Lenin governou de 1917 até 1924. Nesse período, enfrentou várias batalhas, entre elas, a luta contra os mencheviques, que se intitulavam russo‑brancos e que recebiam apoio dos países contrários ao regime comunista. Na esteira de suas ações, o governo criou a Nova Política Econômica (NEP); esta se baseava no controle, por parte do Estado, dos meios de produção, do sistema econômico e financeiro, das comunicações e do comércio externo. A Revolução Russa causou impacto no mundo moderno. Só se viu algo parecido na Comuna de Paris. Pretendia‑se criar uma sociedade socialista e um modo de produção alternativo àquele de produção capitalista. Os trabalhadores se apropriaram do poder e criaram pela primeira vez na história uma nação socialista, que tinha em seu centro as teses marxistas e os meios de produção como coletivos e sob a tutela do Estado. 18 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I 2 A LUTA DE CLASSES: UMA FORÇA QUE PRODUZIU MOVIMENTO NA HISTÓRIA As características fundamentais das classes sociais são: • elas nem sempre existiram; • o conflito entre elas é inevitável; • a luta de classes é o motor do desenvolvimento das sociedades ao longo da história; • a ideia de uma sociedade sem classes é construída na luta de classes e uma possibilidade histórica concreta. Marx demonstrou que, nas sociedades primitivas, não havia a divisão entre classes. Essa divisão surgiu com base em mudanças nas forças de produção e nos conflitos entre os homens, ou seja, a posse privada, por um grupo social, da terra e do excedente, graças à exploração de outra classe social que não detinha os meios de produção. A primeira forma de propriedade é a propriedade tribal. Corresponde a um estágio não desenvolvido da produção em que um povo vive da caça e da pesca, criando animais ou, na fase mais elevada, da agricultura. [...] A divisão do trabalho, neste estágio, é muito elementar ainda, e está limitada a uma extensão da divisão natural do trabalho imposta pela família: a estrutura social é, portanto, resumida a uma extensão da própria família. [...] A segunda forma é a antiga propriedade comunal e do Estado, que provém, particularmente, da união de várias tribos numa cidade, por acordo ou conquista, e ainda é acompanhada pela escravidão. Ao lado da propriedade comunal, já encontramos a propriedade privada móvel e, mais tarde, a imóvel, em desenvolvimento, mas como forma subordinada à propriedade comunal. [...] Toda a estrutura da sociedade baseada em tal propriedade comunal, e com ela o poder do povo, entra em decadência na mesma medida em que progride a propriedade privada imóvel. A divisão do trabalho já está mais desenvolvida. Já encontramos o antagonismo entre a cidade e o campo, depois o antagonismo entre aqueles estados que representam interesses urbanos e os que representam interesses rurais e, dentro das próprias cidades, o antagonismo entre a indústria e o comércio marítimo. As relações de classe entre os cidadãos e os escravos estão, agora, totalmente desenvolvidas (MARX, 1975, p. 114‑115). Estudando as condições materiais de existência e os conflitos sociais resultantes das relações contrárias entre as diversas classes surgidas no decurso do processo histórico, a teoria marxista produziu análises que nos permitem compreender que o processo de formação, desenvolvimento e luta entre as classes é o cerne da própria história humana. 19 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Saiba mais O filme O Germinal aborda os movimentos grevistas de um grupo de mineiros no norte da França do século XIX . Entretanto, ao se levantarem contra o sistema, são alvos da repressão das autoridades. O GERMINAL. Direção de Claude Berri. França, 1993. 158 min. 2.1 A inevitabilidade da luta de classes A realidade da oposição irreconciliável entre a classe de proprietários e a classe não proprietária é um fato comprovado que permite tirar a conclusão de que a luta entre as classes é algo historicamente determinado, pois se iniciou num período histórico específico quando surgiu a primeira sociedade dividida em classes, e se encerrará quando a propriedade privada dos meios de produção desaparecer, como consequência da derrota da classe capitalista. Sendo assim, é possível depreender a inevitabilidade da luta como fenômeno historicamente determinado por leis sociais. Classes são grandes grupos de pessoas que se distinguem principalmente pelo fato de possuírem ou não meios de produção e os possuidores exploram aqueles não possuidores. A contradição entre exploradores e explorados é algo incompatível, oposto. Outras características das classes são: o seu diferente papel na organização social do trabalho (se exercem uma função dirigente e dominante ou executante, se têm ou não de se submeter às ordens dos detentores dos meios de produção) e a forma diferente de como obtêm sua parte da riqueza social (como salário proveniente do trabalho ou como lucro) e a grandeza dessa parte. A luta de classes é, portanto, um fenômeno regido por leis sociais historicamente determinadas. As classes não foram inventadas pelos marxistas ou outros revolucionários para atiçarem conflitos na sociedade e minarem um dado regime. São, antes, um resultado necessário de determinadas condições econômicas, sociais e históricas. Enquanto a posição econômica dos homens permitir que uma minoria se aproprie gratuitamente de grande parte do que é produzido pela maioria trabalhadora, é inevitável a divisão da sociedade, os homens, inevitavelmente, pertencerão às classes de exploradores ou de explorados, típicas da sociedade em questão. A luta de classes se manifesta, por vezes, segundo formas mais ou menos sutis, abertas ou encobertas. Na vida econômica, por conta de conflitos salariais etc., ela verifica‑se de uma forma diferente da vida política, expressa, por exemplo, nos embates eleitorais ou em ações de massas contra as políticas prejudiciais aos interesses dos trabalhadores, aplicadas pelos governos burgueses. 20 SS OC - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I A compreensão de seus verdadeiros interesses pelos explorados, a determinação para a luta e a confiança nas próprias forças podem ser ludibriadas pela mentira, manipulações ideológicas, campanhas difamatórias anticomunistas e por se espalharem ilusões e medo durante determinado período, tornando inócuas as formas de luta contra os exploradores dominantes. Os exploradores conseguiram, por mais de uma vez, reprimir as tentativas dos explorados de se defenderem e se levantarem para a luta por meio do terror e da violência. O que nunca se conseguiu, no entanto, foi fazer desaparecerem as oposições de classe existentes ou a própria luta de classes. A classe burguesa anunciou muitas vezes o desaparecimento da divisão de classes entre burguesia e proletariado e, desse modo, o fracasso definitivo da teoria marxista‑leninista da luta de classes. Contudo, após certo tempo, as greves, as lutas da classe operária e a crise da dominação voltaram a acontecer. O trabalho social, inicialmente, buscava os meios de subsistência por meio do controle das forças da natureza. Gradativamente, esse resultou no desenvolvimento das forças produtivas (representadas centralmente pela força de trabalho), permitindo maior acesso aos meios de produção e à criação de um excedente. A partir da dominação do excedente do processo de produção, o modo de produção e a formação social nele baseada passaram a ser dirigidos para atender às necessidades e vontades de uma única classe. Dessa maneira, a contradição social passou a ser o conflito material dentro do modo de produção entre a classe exploradora e a classe explorada, tornando‑se a “mola mestra” da história. As relações e a luta entre as classes perpassam, assim, todos os domínios da vida social. Elas precisam ser analisadas quando se pretende compreender determinados períodos históricos em que ocorrem importantes modificações e transformações sociais. Partindo desses princípios orientadores da visão de mundo da classe operária, a teoria marxista‑leninista entendia ser o conteúdo principal da história a transição da humanidade do capitalismo para o socialismo. A luta de classes foi a mais importante força motriz por trás das grandes revoluções que ocorreram na história humana. Segundo Engels: [...] todas as lutas históricas, quer se desenvolvam no terreno político, no religioso, no filosófico ou noutro terreno ideológico qualquer, não são, na realidade, mais do que a expressão mais ou menos clara de lutas de classes sociais (ENGELS, 1992, p. 407). Pela luta de classes, a ação humana adquire efeito e significado históricos, e esta é a grande lei do movimento da história. Se as intenções e ações de homens isolados, ou de grupos de homens, exercem ou não uma influência duradoura sobre a marcha do desenvolvimento social, se provocam uma transformação das circunstâncias ou se não têm significado, é algo que depende, em primeira linha, do fato de conferirem ou não expressão aos interesses e anseios de forças de classe reais ou aos planos ambiciosos, aos desejos ilusórios de um punhado de aventureiros. Isso não se relaciona apenas com o fato de uma pessoa isolada 21 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS ter sempre mais possibilidades quando age em consonância com outras; resulta, sobretudo, do fato de as tendências do desenvolvimento material e econômico da vida social tomarem, como interesses de classe, uma forma social. Todas as transformações históricas foram precedidas pelo aparecimento de novos interesses e necessidades materiais que, de forma mais ou menos rápida e mais ou menos direta, entraram em conflito com os interesses e necessidades existentes. Nesses conflitos se refletia sempre, em última instância, uma transformação da vida econômica e social. Segundo Engels: As novas tendências econômicas, historicamente superiores, que se desenvolviam e amadureciam, necessitavam de uma força social para se imporem às tendências já antiquadas — mas que, de imediato, continuavam poderosas e predominantes — para poderem se desenvolver sem entraves. [...] Esta conexão necessária entre desenvolvimento econômico e luta de classes adquire a sua expressão mais visível nas revoluções sociais. Nas revoluções sociais, decide‑se o resultado da luta entre progresso e reação. As revoluções sociais estarão sempre na ordem do dia enquanto existirem classes exploradoras que se oponham à luta das classes que encarnam o desenvolvimento histórico mais avançado das forças produtivas e das relações de produção (ENGELS, 1982, p. 416). Este olhar para os comunistas é exatamente a superação do capitalismo pela passagem à primeira etapa do comunismo, o socialismo, que existe como muito mais do que uma possibilidade. O advento do socialismo é visto como resultado da ação dos seres humanos conscientes da sua necessidade histórica. A palavra “necessidade”, segundo a teoria marxista, não significa apenas algo que é avaliado como útil, mas como resultante da natureza básica – a essência – do processo de desenvolvimento histórico. Em A Luta de Classes, Lenin recorre a Marx para reforçar que a luta de classes é o motor dos acontecimentos. O Manifesto do Partido Comunista mostra‑nos o que Marx exigia da ciência social para a análise objetiva da situação de cada classe no seio da sociedade moderna, em ligação com a análise das condições do desenvolvimento de cada classe. Segundo Lenin: De todas as classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe totalmente revolucionária. As demais classes vão se arruinando e soçobram com a grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta. As camadas médias, o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artífice, o camponês, lutam todos contra a burguesia para assegurarem a sua existência como camadas médias, antes do declínio. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram pôr a andar para trás a roda da história [...] Em numerosas obras históricas, Marx deu exemplos brilhantes e profundos de historiografia materialista, de análise da situação de cada classe particular e, por vezes, 22 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I dos diversos grupos ou camadas no seio de uma classe, mostrando, até a evidência, porque e como ‘toda a luta de classes é uma luta política’. A passagem que acabamos de citar ilustra claramente como é complexa a rede das relações sociais e dos graus transitórios de uma classe para outra, do passado para o futuro, que Marx analisa, para determinar a resultante do 6desenvolvimento histórico (LENIN, 1977b, p. 13). Em O Socialismo, Lenin ainda afirma: A socialização do trabalho — que avança cada vez mais rapidamente sob múltiplas formas e que, no meio século decorrido depois da morte de Marx, se manifesta, sobretudo, pela extensão da grande indústria, dos cartéis, dos sindicatos, dos trustes capitalistas e também pelo aumento imenso das desproporções e do poderio do capital financeiro, eis a principal base material para o advento inelutável do socialismo. O motor intelectual e moral, o agente físico desta transformação, é o proletariado, educado pelo próprio capitalismo. A sua luta contra a burguesia, revestindo‑se de formas diversas e de conteúdo cada vez mais rico, torna‑se inevitavelmente uma luta política tendente à conquista pelo proletariado do poderpolítico (LENIN, 1977b, p. 22). 3 PENSAMENTOS SOCIOLÓGICOS E AS RELAÇÕES DE PODER 3.1 A crítica marxista: o pensamento de Antonio Gramsci (1891‑1937) e sua influência na análise sociológica Antonio Gramsci foi um dos destacados pensadores do século XX que deixou um legado importante para a análise e compreensão da sociedade. Suas ideias apresentam‑se com nova compreensão e prática das propostas de Marx. Como afirma Reale (1991, p. 829), [...] desenvolvido, sobretudo, nos seus Cadernos do Cárcere, o pensamento de Antonio Gramsci constitui uma das mais notáveis reelaborações do Marxismo neste século (século XX), seja por sua constante referência a problemas sociais, culturais, políticos concretos, seja por sua intenção de inserir o Marxismo na tradição italiana. A esse objetivo, precisamente, correspondem, por exemplo, os seus estudos sobre Maquiavel, sobre a Renascença italiana, sobre a questão meridional, sobre os católicos, sobre suas instituições e organizações, sobre os movimentos operários, sobre as camadas intelectuais italianas, sobre as formas de greve e os conselhos operários, sobre a filosofia de Benedetto Croce. Gramsci elabora os conceitos de hegemonia, bloco histórico, superestrutura, sociedade política e sociedade civil, entre outros. Esse pensador contribui significativamente para o estudo da sociedade, especialmente no que diz respeito à cultura e à política. 23 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS Gramsci viveu durante o período do fascismo italiano e época de intensas lutas sociais. Sua base teórica marxista serviu para a organização do partido socialista italiano, que enfrentava o totalitarismo de Mussolini. A dialética gramsciana inseriu o Marxismo na tradição italiana. A prática dos grupos e militantes socialistas tinha como objetivo a organização da sociedade em defesa de melhores condições de vida para os trabalhadores. Os partidos políticos de esquerda, os movimentos sociais e os jornais focados na defesa dos pobres e trabalhadores em geral foram os principais alvos deste intelectual. Grande parte da sua vida foi dedicada à luta por uma sociedade mais justa e igualitária. A filosofia da práxis é assim chamada quando se unem teoria e prática social. Reale afirma que [...] a filosofia da práxis de Gramsci constitui uma concepção do Marxismo contrária às interpretações de cunho positivista e mecanicista. É concepção na qual os acontecimentos estruturais se entrelaçam e interagem com elementos humanos como a vontade e o pensamento. Essa, portanto, é a lição que se deve aprender de Lenin: como sintetizar dialeticamente teoria e práxis, de modo a chegar à conquista do poder por uma força emergente que visa à criação de nova civilização; a lição de Lenin é importante não porque devemos repeti‑la, mas porque nos indica a estratégia para penetrar (em condições diversas a serem analisadas) na cidadela, a fim de criar a sociedade socialista. Na realidade, é impossível decifrar Gramsci sem referir‑se a Lenin (REALE, 1991, p. 832). O conceito gramsciano de hegemonia é de fundamental importância para a compreensão do seu pensamento e de sua influência na análise sociológica. A ideia de hegemonia refere‑se ao poder exercido pela classe dirigente da sociedade. Gramsci, assim como Marx, percebe a existência de duas classes sociais fundamentais, diferenciadas a partir da economia, da cultura e da ideologia. Para permanecer no poder, a classe dirigente precisa criar mecanismos que se tornem eficazes para manter sua hegemonia, isto é, ser aceita pela maioria da sociedade, muito embora o conflito seja, por vezes, latente. Reale acrescenta que [...] na construção da hegemonia, parte‑se da direção e da capacidade de indicar soluções para os problemas de uma sociedade e de bater‑se eficazmente por tais soluções. A direção permite construir o domínio. Quando decai a capacidade de dirigir, de indicar a solução para os problemas, a hegemonia entra em crise: o domínio ainda manterá aquelas forças sociais e políticas no poder por certo período, mas elas já estão condenadas (GRUPI apud REALE, 1991). E então teremos a revolução, que explode e abre caminho no interior do vazio de direção criado por uma classe que controla a cidadela, mas que não sabe mais dirigir e perde o consentimento das classes subalternas. E perde porque, nesse meio tempo, nasceu e se desenvolveu nova classe dirigente e hegemônica, que ainda não é dominante, mas que, percebendo com força o seu direito a sê‑lo, se tornará tal – e, se preciso for, com violência (REALE, 1991, p. 832‑833). 24 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I Gramsci (1978) destaca que o domínio de hegemonia é mantido pelo consenso estabelecido entre as duas classes: dominantes e dominados, o que resulta na formação de um bloco histórico, ou seja, um sistema articulado e orgânico de alianças sociais ligadas por ideologia e cultura comuns. Para Gramsci (1978), nunca existiu Estado sem hegemonia e, em substância, a luta entre duas classes pelo domínio é uma luta entre duas hegemonias. Por tudo isso, devemos distinguir a classe dominante e a classe dirigente; a supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como domínio e como direção intelectual e moral. 3.1.1 Sobre a sociedade civil e a sociedade política Os conceitos de sociedade civil e política em Gramsci são básicos nessa reflexão sobre hegemonia e bloco histórico. A diferença é que a sociedade política é formada pela classe dirigente (o poder como força e o Estado que consiste na máquina jurídico‑coercitiva), enquanto a sociedade civil é formada pela trama das relações sociais que os homens estabelecem em instituições, como os sindicatos, partidos, igreja, imprensa, escola e assim por diante (REALE, 1991, p. 833). As campanhas eleitorais, por exemplo, podem representar aspectos da sociedade civil e da sociedade política, visando à hegemonia. Para Gramsci, as classes sociais se confrontam o tempo todo, embora haja a hegemonia. A classe dirigente, representada pelo Estado, procura manter o poder a partir da hegemonia, do contrário, utiliza‑se da força. Na sua concepção, a classe que se confronta com o Estado é aquela fora da esfera institucional do Estado e constitui‑se no grupo social que, para assumir o Estado/poder, precisa criar condições favoráveis, de modo que: [...] se mostre capaz de elaborar uma cultura própria, uma visão de mundo e um conjunto de ideias que o ponham em condições de apresentar a sua candidatura à direção da sociedade nacional. Mas isso não basta, já que também deve se organizar para difundir essa cultura entre as massas e fazê‑la transformar‑se em patrimônio nacional. Ao mesmo tempo, deve dar vida a um organismo autônomo que discipline de modo férreo as forças sociais interessadas na mudança e que pretendem instituir nova organização social (REALE, 1991, p. 834). 3.1.2 Os intelectuais orgânicos e o partido Em razão da necessidade de organização das classes, surge a figura do intelectual orgânico, na concepção de Gramsci, forjado entre as massas que não têm sentido sem uma liderança e uma organização. O intelectual orgânico passa a ser o elemento central capaz de orientar a classe dirigida para a conquista dos seus direitos ou para a conquista do poder. Reale assevera que: [...] o intelectual não é mais o desinteressado pesquisador da verdade: ele se configura como agente do partido. Deve se transformar, escreve Gramsci, em “político, dirigente orgânico de partido”, ou seja, deve “se dedicar ativamente à vida prática como construtor,organizador e persuasor permanente”. E intelectuais não são somente os que comumente se dizem 25 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS tais: para Gramsci, sob a denominação de intelectuais devemos abranger “em geral, todo segmento social que exerce funções organizativas em sentido lato, seja no campo da produção, seja no campo da cultura, seja no campo político‑administrativo” (REALE, 1991, p. 834). Na compreensão de Gramsci, o partido político consiste no principal meio representativo para a organização em torno do poder. O autor compara o partido como o príncipe moderno, em referencia às ideias de Maquiavel e sua clássica obra O Príncipe. Diferentemente do que é em Maquiavel, o moderno não pode ser pessoa real, indivíduo concreto; pode ser somente organismo, elemento social complexo, no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação. Esse organismo já é dado pelo desenvolvimento histórico: é o partido político, a primeira célula em que se resumem os germens da vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais (REALE, 1991, p. 835). 3.1.3 A superestrutura Diferentemente de Karl Marx, Gramsci não dá primazia à infraestrutura (economia), mas à superestrutura (ideias, pensamentos, teorias e cultura em geral que fazem parte da sociedade). Para ele, no desenvolvimento da história, é a superestrutura que se torna fundamental. Estas abordagens poderão servir‑lhe como instrumento de análise para compreensão das contradições e conflitos gerados no contexto dos grupos e indivíduos com os quais você irá trabalhar. Foi a partir dos conceitos de Gramsci, como hegemonia, sociedade civil, sociedade política, bloco histórico e superestrutura que o Serviço Social passa a fazer uma leitura crítica sobre as questões sociais, cujo marco foi o Movimento de Reconceituação. 3.2 Bourdieu: as relações sociais e suas contradições Pierre Bourdieu (1930), formado em Filosofia, apoiou‑se nas fontes dos clássicos Durkheim, Weber e Karl Marx e teve a preocupação de trabalhar uma Sociologia voltada para a compreensão das complexidades das relações sociais e suas contradições. 3.2.1 Habitus e campo Os conceitos de habitus e de campos são básicos para compreender o pensamento de Bourdieu. A ação dos indivíduos é analisada em suas diversas situações. Habitus se refere a um sistema de disposições duradouras adquirido pelo indivíduo durante um processo de socialização, conforme destaca Bonnewitz (2003). Segundo Corcuff (2001, p. 50), o habitus se refere à “história feita corpo”, enquanto que campo se refere à “história feito coisa”. É importante refletir sobre esses conceitos para perceber que nenhuma ação humana ocorre simplesmente por acaso, mas sim pelas várias situações desencadeadas tanto pela interiorização do exterior quanto pela exteriorização do interior. 26 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I A interiorização do exterior relaciona‑se à forma como as pessoas assimilam a realidade em que estão inseridas. Se você tomar como exemplo o ambiente de trabalho com todas as relações sociais, organizações, processos e problemas que possam existir, talvez não compreenda exatamente, em princípio, essa realidade. Ao fazer parte de uma rotina de trabalho, mesmo sem se dar conta, você interioriza várias coisas que fazem parte dele. Por exemplo, você já conhece bem os colegas de trabalho, seus gostos (de certa forma), sua forma de se comportar, até mesmo no que diz respeito às disposições materiais ou físicas de onde passa a maior parte do tempo (no escritório, por exemplo). Se refletir mais um pouco, saberá até mesmo o tom de voz de cada pessoa do setor em que você atua, inclusive quando está de mau humor ou quando está feliz. Você é capaz de identificar até mesmo quantas vezes o telefone toca e quem mais atende. Em uma percepção mais ampla, conhece a cultura, a política da empresa, a ideologia, os problemas mais comuns e as formas mais utilizadas por seus colegas e superiores para solucionar os problemas e conflitos. Portanto, a interiorização do exterior significa incorporar o que você percebe cotidianamente, tais imprevistos repetidos passam a constituir o habitus. Se as pessoas são capazes de interiorizar uma dada realidade, significa que existe algo, de certa forma, permanente e que permite orientar a ação. Assim, você tem uma estrutura já construída mentalmente, devido à capacidade de percepção das experiências vividas e repetidas. No caso da exteriorização da interioridade da pessoa, você pode imaginar o oposto do que foi apresentado no exemplo anterior. A exteriorização parte do indivíduo, considerando o que ele pensa sobre o mundo, as coisas e as pessoas nas diversas realidades sociais. Se você pensa de uma determinada forma sobre como deve ser um ambiente de trabalho, vai procurar colocar em prática aquilo que pensa, isto é, vai exteriorizar aquilo que corresponde ao seu interior. Nas palavras de Corcuff (2001): [...] os habitus, de certa forma, são as estruturas sociais de nossa subjetividade que se constituem inicialmente por meio de nossas experiências (habitus primário), e depois, de nossa vida adulta (habitus secundário). É a maneira como as estruturas sociais se imprimem em nossas cabeças e em nossos corpos, pela interiorização da exterioridade (CORCUFF, 2001, p. 51). Para Bourdieu, o termo estruturas sociais significa exatamente a ideia de que tudo o que envolve as pessoas nas suas relações sociais pode ser percebido e estudado, porque formam uma base ou estrutura. Como vimos no exemplo anterior, em um ambiente de trabalho, tudo ocorre de modo a se repetir. As coisas se formam ou acontecem quase sempre do mesmo jeito, devido à necessidade de padronização para permitir segurança. As pessoas exteriorizam o que pensam e procuram tornar isso comum para terem o controle das situações. Há uma interiorização do exterior – quando você já sabe como funciona o dia a dia da empresa em que trabalha – e, por outro lado, há uma exteriorização do interior – quando você coloca em prática aquilo que pensa e tenta ser compreendido e aceito. 27 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS A noção de campos, segundo Bourdieu, refere‑se exatamente à forma como se constituem a exteriorização da interioridade. Conforme acentua Corcuff (2001, p. 5), “O campo é uma esfera da vida social que se autonomizou progressivamente por meio da história, em torno de relações sociais, de conteúdo e de recursos próprios, diferentes dos de outros campos”. Quando você ouve falar em campo político, campo econômico, campo artístico, entre outros, pode perceber o que o Bourdieu quer dizer com a noção de campos e de habitus. Cada campo, na perspectiva bourdieusiana, é marcado por uma distribuição desigual de forças – os dominantes e os dominados. Nessa concepção, percebe‑se a influência marxista na abordagem de Bourdieu. Esse teórico vai além de Marx ao conceber a existência de diferentes mecanismos específicos de capitalização. Assim, temos o capital cultural, político, econômico, educacional, entre outros. Nesse sentido, o capitalismo, para Bourdieu, não se refere apenas ao campo econômico, mas abrange todos os aspectos da vida em sociedade. Quando se fala em ideias ou ideologia capitalista, refere‑se à maneira de o capitalismo se apresentar e obter sua hegemonia, o que se dá, inclusive,a partir de elementos simbólicos. 3.2.2 A violência simbólica Os estudos de Bourdieu, além da ideia de habitus e de campos, têm, no conceito de violência simbólica, uma importante referência para se compreender também a sociedade capitalista e suas formas de reprodução. A partir da compreensão marxista de que a sociedade é dividida em classes e, portanto, um ambiente de constantes lutas e de conflitos, Bourdieu percebe a sociedade capitalista marcada por profundas desigualdades. Por outro lado, esse autor não deixa de beber na fonte weberiana, “compreendendo que a realidade social é também um conjunto de relações de sentido, que ela tem, então, uma dimensão simbólica” (CORCUFF, 2001, p. 53). Para a compreensão do significado de violência simbólica, Bourdieu distingue dois tipos de violência: a física e a simbólica. A primeira é exercida pela força física: bater em uma criança, ataque de policiais com cassetetes, entre outros. A segunda, a simbólica, significa repassar para as pessoas e grupos sociais valores que devem ser seguidos, caso contrário, serão punidos. A violência simbólica também é repassada ideologicamente quando são incutidas nas pessoas, ou na sociedade, normas e valores que devem ser seguidos por serem “os melhores”, quando na maioria das vezes não correspondem ao que expressam. Por exemplo: ouvimos ou lemos constantemente, por meio da mídia e outros meios de comunicação, que a “escola é igual para todos”. Na realidade, é diferenciada conforme a classe social. A dimensão simbólica para Bourdieu relaciona‑se com as maneiras de se pensar as formas de dominação social. É importante perceber que Bourdieu tem a compreensão de que a sociedade é dividida em classes, isto é, em dominantes e dominados. Nesse caso, na sociedade apresentam‑se diferentes campos, e o campo do poder é formado pela luta entre os detentores de poder e os não detentores de poder. 28 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 Unidade I Bourdieu trabalha com a noção de violência simbólica, o que implica, conforme vimos, formas de dominação legitimadas pela maioria da sociedade. As ideias repassadas, mesmo podendo ser negativas, não são vistas dessa forma pelas pessoas, pois o princípio da violência simbólica se dá pelo reconhecimento e desconhecimento da realidade. Para Bourdieu (apud Bonnewitz, 2003, p. 99): [...] a violência simbólica é uma forma de violência que se exerce sobre um agente social com a sua cumplicidade [...] Para dizer isso mais rigorosamente, os agentes sociais são agentes cognoscentes que, mesmo quando submetidos a determinismos, contribuem para produzir a eficácia daquilo que os determina, na medida em que eles estruturam aquilo que os determina. E é quase sempre nos ajustes entre os determinantes e as categorias de percepção que os constituem como tais que o efeito de dominação surge. Existem diversos tipos de situações na sociedade que são exemplos da violência simbólica. Se você tomar como exemplo uma empregada doméstica que trabalha em precárias condições, com salário muito baixo e que aceita essa situação, significa que ela introjetou uma forma de violência simbólica, por não se sentir sujeito de direitos garantidos por lei e, consequentemente, capaz de lutar por esses direitos. É comum na sociedade capitalista, na qual existe uma desigualdade social imensa e um processo de exclusão cada vez mais frequente, as pessoas se submeterem inclusive a situações de trabalho escravo, como acontece ainda em determinadas regiões do Brasil; e, por incrível que possa parecer, quando alguns trabalhadores são procurados para falar sobre o caso, geralmente, não se veem como explorados. Ao estudar sobre os currículos escolares na sociedade capitalista, juntamente com Passeron, Bourdieu demonstra como a violência simbólica se faz presente no universo escolar. A partir da premissa de que a escola produz e reproduz as desigualdades sociais, todo o sistema curricular no capitalismo é formado para atender à ideologia dominante. Poucos são os que acompanham as necessidades do capitalismo, pois os capitais cultural, econômico e político falam mais alto. Se a maioria dos alunos não se inclui nas novas necessidades do mercado, logo são excluídos do processo; os poucos detentores do saber ocupam os melhores cargos, sem contar com os apadrinhamentos e os sistemas de corrupção. As realidades sociais que demonstram situações como desemprego, discriminação, humilhação, pobreza, entre outras, são vistas como naturais, como se não fossem fruto de todo um processo histórico, político, ideológico desencadeados a partir da luta desigual e injusta e de diferentes interesses. Se você analisar as histórias das diferentes sociedades, especialmente aquelas frutos de um processo de colonização, com pilhagem, escravismo, desrespeitos às culturas nativas, entre outras, perceberá como a violência simbólica se faz presente, além da violência física. 29 SS O C - Re vi sã o: A nd ré ia / Ca rla - D ia gr am aç ão : L uc as M an sin i - 2 2/ 08 /2 01 3 MOVIMENTOS SOCIAIS CONTEMPORÂNEOS As sociedades simples, consideradas atrasadas pelos colonizadores, aquelas afastadas da sociedade industrializada, como os aborígines e os indígenas, foram saqueadas. Muitos povos foram extintos em nome da civilização e até da religião. Os astecas e os maias, no México e no Peru, foram massacrados e reduzidos numericamente, assim como várias nações indígenas brasileiras foram exterminadas. 3.3 Michel Foucault e a relação de poder O pensamento do filósofo francês Michel Foucault se faz influente pela sua característica particular em perceber o conhecimento, o saber e o poder. As contribuições desse teórico se mostram contrárias à interpretação da sociedade feita pelas concepções positivistas e marxistas. Na concepção de Foucault, os modelos ou paradigmas que se pautam em padronização e determinismo ignoram as diversas realidades que se apresentam, bem como impedem a compreensão maior dos diversos fenômenos sociais. A sociedade moderna não é algo tão simples de se estudar, de modo que ideias e conceitos positivistas não são suficientes para se compreender a complexidade das relações sociais. Você viu que o Positivismo e o Funcionalismo têm como referência os modelos orgânicos na análise social, comparando a sociedade a um grande organismo vivo com suas partes interdependentes. A preocupação dos teóricos do Positivismo, por exemplo, é realizar uma análise objetiva da sociedade, de forma neutra e sem subjetividades. Foucault foi o principal representante do estruturalismo. Toda a sua obra é um exaustivo trabalho sobre a arqueologia do saber ocidental, pondo em evidência as estruturas conceptuais que a priori e em época determinam as articulações entre o saber e o poder, estabelecendo o que é interdito e o que é permitido. As obras de Foucault costumam ser divididas em três fases distintas. Na primeira, ele chamava seus estudos históricos de arqueologia (ocorre na década de 1960), a segunda fase é denominada genealógica (que faz referência ao nosso estudo), sendo o termo que Foucault escolheu para seus estudos do poder e, por fim, a fase ética, quando ele se voltou para a ética antiga, discutindo‑a até os dias atuais. Cabe ressaltar que no início de cada “nova” fase há a introdução de um novo eixo de análise, resultando numa visão mais abrangente para a escrita de sua obra. Conhecer esse esquema tripartite, sem dúvida, torna mais fácil para os iniciantes compreender a vasta obra de Foucault, sendo importante tratá‑lo como um modelo heurístico ou pedagógico, não como uma divisão estrita. observação Genealogia: procedência, origem. O
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