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Capa
Folha	de	Rosto
HISTÓRIA	DA	FILOSOFIA
	
	
Organização	e	texto	final:
Bernadette	Siqueira	Abrão
Crédito
FUNDADOR
VICTOR	CIVITA
(1907-1990)
©	Copyright	desta	edição,	Editora	Nova	Cultural	Ltda.,	2011
ISBN:	978-85-13-01452-3
	
	
©	2011	Editora	Nova	Cultural	Ltda.	Rua	Texas,	111	–	sala	20ª	–
Jd.	Rancho	Alegre	–	Santana	do	Parnaíba	–	São	Paulo	–	SP	—	CEP	06515-200
2011
APRESENTAÇÃO
HÁ	 NO	MUNDO	 um	 mistério	 que	 nem	 mesmo	 a	 voracidade	 do	 cotidiano	 consegue
tragar.	O	desenvolvimento	técnico	e	científico,	as	descobertas	e	invenções	que	dia	após	dia
despertam	fascínio	e	polêmica	não	nos	afastam	—	ao	contrário,	nos	aproximam	—	desse
encantamento.	Quem,	diante	do	universo	que	as	sondas	espaciais	hoje	revelam,	já	não	se
indagou	de	onde	veio	tudo	isso?	De	onde	viemos	nós?
Essas	são	perguntas	que	há	muito	acompanham	o	ser	humano.	Muita	gente,	ao	 longo
dos	 séculos,	 tem	 procurado	 responder	 a	 elas.	 De	 tentativa	 em	 tentativa,	 o	 leque	 dos
interesses	 humanos	 foi	 se	 ampliando.	Matemática,	 geometria,	 física,	 química,	 biologia,
astronomia,	ética,	política,	sociologia,	economia,	tudo	derivou	de	uma	curiosidade	inicial,
à	qual	alguns	homens	da	Grécia	Antiga	procuraram	satisfazer	usando	a	razão.	Deixaram
de	lado	a	explicação	de	que	os	deuses	eram	os	responsáveis	pela	vida	e	pelos	fenômenos
que	 a	 constituíam	 para	 buscar	 respostas	 neles	 mesmos.	 E	 criaram	 aquilo	 que	 hoje
conhecemos	por	filosofia,	termo	oriundo	do	grego	e	que	significa	amor	ao	conhecimento.
É	um	pouco	desse	percurso,	que	tem	como	ponto	de	partida	o	espanto	inicial	diante	do
mundo,	que	este	livro	procura	refazer.	De	maneira	resumida,	é	evidente,	uma	vez	que	os
milênios	do	maravilhamento	humano	diante	da	vida,	 e	a	necessidade	de	entendê-la,	não
cabem	 em	 algumas	 centenas	 de	 páginas.	 Foi	 preciso	 selecionar	 alguns	 pensadores	mais
importantes	 e	 dar,	 em	 linhas	 gerais,	 a	 síntese	 de	 suas	 idéias,	 colocando-as	 numa
perspectiva	histórica.
Em	uma	era	como	a	nossa,	voltada	para	o	resultado	e	a	satisfação	imediatos,	dialogar
com	esses	homens	é	entrar	em	contato	com	um	outro	lado	de	nós	mesmos	—	aquele	lado,
às	vezes	meio	esquecido,	que	não	se	contenta	com	o	circunstancial,	mas	ainda	se	encanta
com	o	mundo	e	que	procura,	ao	buscar	compreender	seu	sentido,	desvendá-lo.
	
	
	
Bernadette	Siqueira	Abrão
PARTE	I
DAS	ORIGENS	À
IDADE	MÉDIA
1.	A	JORNADA	INICIAL
O	PENSAMENTO	ORIENTAL
É	 DIFÍCIL	 PRECISAR	 o	 instante	 —	 se	 é	 que	 houve	 um	 —	 em	 que	 a	 história	 do
pensamento	 começou.	 Poder-se-ia	 considerar,	 talvez,	 os	 mitos	 e	 as	 lendas	 que	 nos
chegaram	como	primeiras	 tentativas	de	explicação	do	mundo	e	de	seus	 fenômenos,	mas
essa	seria	uma	empresa	arriscada.	Essa	fase	da	aventura	humana	perdeu-se	em	milênios	de
caminhada,	e	hoje,	envolta	em	mistério,	pouco	ajuda	a	elucidar	como	o	homem	iniciou	a
jornada	que	o	acabaria	levando	à	filosofia	e	à	ciência.
Para	resolver	esse	impasse,	estudiosos	e	especialistas	elegeram	como	ponto	de	partida
os	séculos	VI	e	V	antes	de	Cristo.	Nesse	período,	 testemunha	do	surgimento	de	homens
como	Sócrates	(Grécia),	Buda	(Índia)	e	Lao-tsé	(China),	toma	forma	um	pensamento	mais
aberto	à	nossa	compreensão,	o	qual,	herdeiro	das	tradições	culturais	de	um	passado	ainda
mais	remoto,	é	também	marco	de	uma	etapa	que	levaria	o	homem	a	procurar	o	sentido	do
mundo	e	da	vida	na	própria	realidade,	na	própria	natureza.	É	o	momento	em	que	os	deuses
vão	 perdendo	 seu	 papel	 como	 origem	 de	 todas	 as	 coisas,	 e	 que	 o	 pensamento	 racional
passa	a	ocupar	o	espaço	antes	destinado	ao	pensamento	mitológico.	É	o	que	 fazem,	por
exemplo,	os	pensadores	que	viviam	nas	colônias	gregas	da	Jônia,	em	meados	do	século	VI
a.C.	E	a	partir	daí	nasce	o	que	mais	tar-de	seria	conhecido	como	filosofia	ocidental.
No	Oriente,	o	panorama	é	outro.	Lá,	filosofia,	mito	e	religião	entrecruzam-se	por	muito
tempo.	Enquanto	os	gregos	tentavam	descobrir	o	que	é	o	homem,	o	pensamento	oriental
avançava	no	sentido	de	sistematizar	doutrinas.	Na	Mesopotâmia,	em	4000	a.C.	assírios	e
caldeus	 estruturaram	 uma	 visão	 de	mundo	 que	 perdurou	 até	 Zoroastro	 propor	 um	 deus
único	e	fazer	uma	reforma	religiosa,	no	atual	Irã.	Na	Índia,	os	textos	dos	Vedas	(Livros	do
Saber)	 já	 influenciavam	 as	 mentes	 em	 1500	 a.C.,	 e	 o	 hinduísmo,	 o	 bramanismo	 e	 o
budismo	vieram	à	 tona	 até	o	 século	VI	 a.C.	A	China,	 onde	 a	dinastia	Chang	 introduziu
transformações	culturais	em	1600	a.C.,	mais	 tarde	assistiu	à	expansão	do	misticismo	do
Tao	 e	 à	 sistematização	 religioso-político-familiar	 de	Confúcio,	 que	moldou	 a	 sociedade
chinesa	dos	séculos	seguintes.
A	Mesopotâmia,	da	Deusa-Mãe	a	Zoroastro
A	primeira	 escrita	 de	 que	 se	 tem	notícia	—	 a	 suméria	—	 apareceu	 na	Mesopotâmia,
região	da	Ásia	situada	entre	os	rios	Tigre	e	Eufrates	(partes,	hoje,	do	Iraque	e	do	Irã).	A
roda,	 a	 organização	 da	 agricultura	 e	 a	 engenharia	 hidráulica	 foram	 outras	 inovações
surgidas	 ali.	 Cidades	 como	 Nippur,	 Uruk	 e	 Eridu	 já	 existiam	 em	 3000	 a.C.,	 com	 um
comércio	 de	 crescimento	 regular	 e	 uma	 cultura	 que	 se	 estendeu	 a	 povos	 vizinhos,
alcançando	terras	distantes	como	a	Índia	e	a	China.
Nessas	primeiras	células	de	vida	urbana,	numa	área	que	depois	viu	florescer	Nínive	e
Babilônia,	tem	origem	um	pensamento	elaborado.	A	antiga	crença	na	DeusaMãe,	que	no
período	Neolítico	personificava	a	 fertilidade	da	 terra,	 desdobra-se	 em	 inúmeros	 cultos	 a
divindades	ou	entes	sobrenaturais	que	correspondem	às	forças	da	natureza.
Anu,	a	abóbada	celeste,	simboliza	a	água	e	sua	fertilidade.	Ishtar	representa	o	amor	e	as
relações	 sexuais.	 Os	 deuses,	 que	 comandam	 os	 fenômenos	 da	 natureza,	 aos	 poucos
assumem	o	papel	de	causadores	dos	acontecimentos	humanos:	a	guerra,	a	paz,	o	sucesso,	a
desgraça.	Por	volta	de	2000	a.C.,	Hamurabi,	soberano	da	Babilônia,	estabelece	o	culto	a
Marduk	(ou	Baal),	reverenciado	como	o	mais	importante	dos	deuses.
O	complexo	sistema	de	deuses	e	crenças	é	depurado	no	século	VII	a.C.	por	Zoroastro
(ou	Zaratustra),	que	numa	nação	ao	sul,	a	Pérsia	(atual	Irã),	ensina	existir	um	único	deus,
princípio	 do	 Bem:	 Ahura	 Mazda.	 Presente	 na	 mente	 de	 cada	 homem,	 ele	 luta
constantemente	contra	Arimã,	o	princípio	do	Mal.	Cabe	a	cada	um	agir	corretamente	para
a	 vitória	 final	 do	 Bem.	 O	 pensamento,	 nessa	 fase,	 dispensa	 a	 ira	 dos	 deuses	 ou	 os
fenômenos	naturais.	A	busca	de	explicações	já	pede	mais	ordem	e	clareza	e	um	maior	grau
de	abstração.
A	Índia	antes	de	Buda
Muito	da	cultura	indiana	se	perdeu	no	tempo.	Os	registros	que	servem	como	material	de
estudo	iniciam-se	com	os	arianos,	que	chegaram	ali	a	partir	de	1500	a.C.	Rudimentar	no
início,	 essa	 cultura	 amplia-se,	 aprofunda-se	 e	 cristaliza-se	 numa	 coleção	 de	 obras	 em
sânscrito,	 os	 livros	 dos	 Vedas.	 Em	 hinos	 épicos	 como	 o	 Rigveda	 emergem	 idéias
poderosas,	como	a	existência	de	uma	ordem	no	universo	nos	níveis	 físico	 (rita)	e	moral
(darma)	e	a	necessidade	de	sacrifícios	para	conservá-la.	Uma	complexa	liturgia,	da	qual	se
encarrega	a	casta	dos	sacerdotes	(os	brâmanes),	auxilia	nessa	tarefa,	controlando	a	energia
cósmica	(brâman),	princípio	de	todas	as	coisas	e	da	qual	dependem	os	acontecimentos	do
mundo.
Os	Brâmanas,	 livros	 importantes	 da	 literatura	 védica,	 ajudam	 a	 entender	 a	 evolução
doutrinária	na	Índia	antiga,	preenchendo	um	período	que	vai	até	850	a.C.	e	no	qual	tudo	se
faz	 sob	 o	 manto	 generoso	 e	 dominador	 do	 deus	 Varuna.	 Numa	 fase	 posterior,	 até
aproximadamente	700	a.C.,	o	pensamento	indiano	vai	mais	fundo	nas	abstrações	e	compõe
outra	 grandiosa	 elaboração	 filosófico-religiosa,	 os	 Upanichades.	 Esse	 termo	 significa
“comunicações	confidenciais”	e	sugere	que	boa	parte	dos	muitos	textos	ali	contidos	é	de
difícil	 acesso	 a	 não-iniciados.	 Os	 Upanichadesrompem	 com	 as	 idéias	 originais	 de
divindade	e	vêem	o	brâman	como	espírito	único	da	Realidade,	presente	em	tudo.	Cabe	ao
homem	purificar	o	 seu	atmã	 (“Este	Eu”,	 alma)	 para	 se	 identificar	 com	esse	 real	 eterno.
Isso	se	 faz	por	meio	de	sucessivas	 reencarnações,	que	se	definem	e	se	dirigem	por	uma
“linha”	ou	“regra”,	o	carma.	Uma	ardente	convocação	para	essa	ascensão	espiritual	está
no	 Bhagavad-Gita	 (Canto	 do	 Bem-Aventurado),	 o	 mais	 famoso	 livro	 sagrado	 do
hinduísmo,	que	por	sua	vez	é	apenas	um	episódio	de	um	grande	 texto	épico	de	250	mil
versos,	o	Mahabharata	(Grande	Índia).
Essas	 idéias,	 que	 menosprezam	 práticas	 rituais	 e	 nas	 quais	 a	 salvação	 individual
consiste	em	abandonar	o	ego	e	mergulhar	numa	Essência	universal,	constituem	a	base	do
jainismo	 (fundado	 por	 Mahavira)	 e	 do	 budismo,	 ensinado	 por	 um	 ex-príncipe,	 Sidarta
Gautama,	nascido	em	556	a.C.	num	reino	ao	norte	da	Índia,	junto	à	atual	fronteira	com	o
Nepal.	 Meditando,	 Gautama	 atingiu	 a	 Iluminação	 e	 tornou-se	 Buda	 (Iluminado).	 Até
morrer,	 com	 86	 anos,	 em	 470	 a.C.	 (ano	 em	 que,	 na	 Grécia,	 nascia	 Sócrates),	 Buda
propunha	o	esforço	de	cada	um	para	livrarse	dos	desejos,	das	ilusões	e	do	individualismo	a
fim	de	chegar	ao	Nirvana	—	cortando	desse	modo	a	cadeia	de	reencarnações	que	levaria
de	novo	ao	enfrentamento	de	doenças,	sofrimento	e	morte.
Os	mundos	complementares	da	China
A	 idéia	 de	que	o	mundo	 é	 regido	por	 forças	misteriosas	 e	 de	que	 cabe	 ao	 imperador
intermediar	entre	o	homem	e	Shang-Ti,	a	divindade	celeste,	surge	na	China	do	século	XVI
a.C.	A	felicidade	depende	da	sabedoria	desse	soberano	e	das	consultas	ao	 I	Ching	—	O
Livro	das	Mutações.	No	cerne	de	cada	situação,	ou	de	cada	ato,	atuam	duas	forças	opostas
(e,	quando	bem	entendidas,	complementares):	o	yin	e	o	yang.	Longe	de	pólos	opostos	que
representariam	bem	e	mal,	luz	e	trevas,	certo	e	errado,	em	eterna	luta,	eles	são,	na	verdade,
a	ação	e	a	reação	inerentes	à	natureza	e	ao	homem.	O	universo	contém	o	que	é	móvel	e	o
que	é	imóvel.	Relativo	e	absoluto,	masculino	e	feminino,	céu	e	terra,	ação	e	repouso	são
algumas	das	infinitas	combinações	que	se	devem	apreender	para	captar	a	realidade.
Esse	conjunto	de	 idéias	está	presente	em	duas	correntes	que,	embora	adversárias,	 têm
raízes	 comuns	 na	 tradição	 chinesa:	 confucionismo	 e	 taoísmo.	O	 primeiro,	 fun-dado	 por
Confúcio	 (c.	 551-479	 a.C.),	 é	 uma	 sistematização	 ético-filosófica	 destinada	 a	manter	 a
estabilidade	 (e,	 portanto,	 a	 felicidade)	 da	 nação.	 O	 imperador	 deve	 ser	 sábio	 e	 dar
exemplos	edificantes,	assim	como	o	pai	aos	filhos.	O	homem	digno	deve	trabalhar	muito,
contentarse	com	pouco,	ter	paciência	nas	desventuras,	respeitar	sempre	os	superiores.
O	taoísmo	despreza	sumariamente	valores	sociais,	família	ou	governo.	Tudo	isso,	mais
desejos	 e	 egoísmo,	 são	artifícios	passageiros,	 como	prega	Lao-tsé	 (em	português,	Velho
Mestre),	que	se	supõe	ter	vivido	de	604	a	531	a.C.	Em	seu	Tao	Te	Ching	(Livro	do	Sentido
da	Vida),	 ele	 fala	 do	 “indefinível”,	 o	 Tao,	 ao	mesmo	 tempo	meta	 e	 caminho,	 algo	 que
contém	o	yin	e	o	yang,	mas	que	os	transcende	numa	harmonia	superior.
De	intenso	conteúdo	místico,	o	taoísmo	propõe	renunciar	aos	atos	de	vontade,	ignorar	o
sucesso	e	a	desgraça,	contemplar	o	curso	natural	das	coisas	e	saber	quando	convém	agir
ou	 abster-se.	 Pode-se,	 assim,	 aderir	 placidamente	 ao	 ritmo	 da	 vida	 e	 identificar-se,	 em
cada	pequeno	gesto,	com	o	que	o	taoísmo	chama	de	“realidade	impenetrável”.
2.	O	NASCIMENTO	DA	FILOSOFIA
A	REVOLUÇÃO	GREGA
UMA	NOVA	maneira	 de	 pensar	 e	 de	 conceber	 o	mundo	origina-se	 e	 se	 desenvolve	na
Grécia	 clássica,	 um	mosaico	 de	 pequenas	 comunidades	 independentes	 que	 se	 espalhava
junto	ao	Mediterrâneo	—	da	Jônia,	na	Ásia	Me-nor,	até	o	sul	da	Itália.	No	centro	estava	a
Grécia	propriamente	dita.	Essa	dispersão	resultou	das	muitas	invasões	de	povos	em	busca
de	 terras	 cultiváveis.	Ali	 tomam	 corpo,	 no	 século	VI	 a.C.,	 as	 primeiras	 idéias	 sobre	 as
quais	vai	se	erigir	o	pensamento	ocidental.
Apesar	 de	 geograficamente	 dispersa,	 a	 Grécia	 Antiga	 tem	 uma	 vida	 cultural
relativamente	homogênea,	que	se	expressa	na	 língua	comum,	em	formas	de	organização
política,	 em	 crenças	 religiosas	 semelhantes.	 Essa	 unidade	—	 a	 civilização	 helênica	—
resultou	 da	 fusão	 e	 da	 difusão	 das	 diversas	 culturas	 trazidas	 por	 povos	 variados,	 que
sucessivamente	invadiram	a	Grécia,	misturando-se	aos	habitantes	mais	antigos.
Micênios,	dórios	e	a	“idade	das	trevas”
Em	 1600	 a.C.,	 aproximadamente,	 a	 Grécia	 começou	 a	 ser	 ocupada	 por	 povos	 que	 o
poeta	 Homero,	 mais	 tarde,	 denominaria	 de	 aqueus.	 Esses	 povos	 ergueram	 grandes
fortificações	em	Micenas,	Tirinto,	Pilos,	fundando	comunidades	que	guerreavam	entre	si.
Micenas,	a	grande	vencedora	dessas	lutas,	irradiou	para	toda	a	Grécia	seu	modo	de	vida.	A
sociedade	micênica	 tinha	 uma	 organização	 hierarquizada	 em	 torno	 da	 família	 real	 e	 da
aristocracia	—	o	que	se	refletia	na	hierarquia	de	suas	divindades.	O	povo	dedicava-se	ao
comércio	e	à	pilhagem	de	guerra.	Seu	raio	de	ação	compreendia	Tróia,	Sicília,	península
Itálica	e	até	mesmo	o	Oriente.
A	 partir	 de	 1150	 a.C.	 (data	 aproximada),	 os	 dórios,	 vindos	 do	 norte,	 começaram	 a
invadir	 a	 Grécia,	 estabelecendo-se	 em	 Epiro,	 Etólia,	 Acarnânia,	 Peloponeso,	 Creta	 e
Anatólia.	Outros	povos,	como	os	beócios,	os	tessálios	e	os	trácios,	também	entraram	em
terras	gregas.	A	civilização	micênica	foi	destruída	e	a	cultura,	de	certa	maneira,	retraiu-se:
o	comércio	cedeu	à	economia	agrícola	e	a	escrita	desapareceu,	para	só	ser	reencontrada	no
final	do	século	IX	a.C.	Vivia-se	no	isolamento	das	aldeias,	com	formas	de	vida	tribais.	Por
isso,	esse	período,	que	vai	até	o	início	do	século	VIII	a.C.,	é	conhecido	como	“idade	das
trevas”.
Transformações	 decisivas	 dão-se	 no	 plano	 político:	 a	 realeza	 desaparece	 e	 o	 poder
político	 passa	 a	 ser	 controlado	 por	 uma	 aristocracia	 de	 ricos	 proprietários	 de	 terras.	 O
resultado	é	o	fim	da	unidade	política	que	o	rei	encarnava.	Sem	essa	unidade,	a	sociedade
passa	a	ser	vista	como	lugar	de	desordem,	de	conflitos	entre	os	variados	grupos	sociais:
das	 famílias	 aristocráticas	 entre	 si	 e	 entre	 a	 aristocracia	 e	 as	 camadas	 mais	 pobres	 da
população.	Como	recuperar	a	ordem	e	a	harmonia	perdidas?	Como	preservar	a	unidade	e	a
coesão	 da	 comunidade	 se	 não	 existe	 rei?	A	 organização	 da	 pólis	 impõe-se,	 aos	 poucos,
como	resposta	a	essas	perguntas.
O	desenvolvimento	da	pólis
Na	origem	da	pólis,	porém,	encontram-se	outros	fatores.	A	partir	do	século	VIII	a.C.,	o
renascimento	do	comércio	—	que	ganha	 impulso	com	a	 invenção	da	moeda	cunhada	—
termina	com	o	isolamento	das	aldeias.	 Isso	 leva	a	uma	união	que	acaba	por	dissolver	as
antigas	 linhagens	 tribais.	 A	 sociedade	 torna-se	 mais	 complexa.	 Deixa	 de	 ser	 um
aglomerado	de	agricultores	e	artesãos	—	o	demos	—	reunidos	em	torno	do	palácio	central.
Também	o	 centro	da	 cidade	 sofre	uma	mudança	 radical.	Passa	 a	 ser	 a	 ágora,	 a	 praça
pública,	onde	acontecem	as	transações	comerciais	e	as	discussões	sobre	a	vida	da	cidade,	a
começar	por	sua	defesa.	O	acesso	à	ágora	tor-na-se	cada	vez	maior,	estendendo-se,	com	a
instituição	da	democracia,	a	 todos	os	que	 têm	direito	à	cidadania,	ou	seja,	habitantes	do
sexo	masculino,	adultos	e	que	não	sejam	estrangeiros	ou	escravos.
Essa	 nova	 forma	 de	 organização	 social	 e	 política	 é	 a	 pólis,	 cujas	 características,
segundo	 o	 historiador	 francês	 Jean-Pierre	 Vernant,	 são	 a	 supremacia	 do	 logos	 (que
significa	 “palavra”,	 “discurso”	 e	 “razão”),	 pois	 a	 decisão	 sobre	 os	 assuntos	 públicos
depende	apenas	da	força	das	palavras	dos	oradores,	cuja	condição	social	e	econômica	não
é	mais	 levada	 em	conta;	 do	 caráter	 público	 das	 discussõespolíticas,	 que	 deixam	de	 ser
privilégio	de	grupos	(as	leis	são	elaboradas	em	conjunto	e	depois	escritas,	para	que	todos
possam	conhecê-las);	 da	 ampliação	do	 culto,	 uma	vez	 que	 a	 religião	 já	 não	 é	 um	 saber
secreto	de	reis	e	sacerdotes,	mas	sim	algo	afeito	ao	Estado,	público,	acessível	a	todos.
Essa	 revolução	 política	 foi	 fundamental	 para	 o	 desenvolvimento	 do	 pensamento
humano.	Na	pólis,	com	os	cidadãos	em	pé	de	 igualdade,	vence	quem	sabe	convencer.	É
preciso	 valer-se	 exclusivamente	 do	 raciocínio	 e	 da	 correta	 exposição	 de	 idéias	 —	 em
suma,	 do	 logos.	Essa	 fórmula	 de	 raciocinar,	 de	 falar	 e	 até	 de	 polemizar	 não	 se	 limita	 à
política,	porém.	Passa	a	ser	o	critério	para	pensar	qualquer	coisa.
O	mundo	do	mito	e	o	mundo	do	logos
Esse	 novo	modo	 de	 pensar,	 racional	 e	 filosófico,	 é	 considerado,	 por	 alguns	 autores,
oposto	ao	pensamento	mítico.	É	como	se	na	Grécia	do	século	VI	a.C.	o	homem	tivesse	se
libertado	da	mitologia	 e	 da	 religião	para	 se	 afirmar	 e	 se	 desenvolver	 racionalmente.	Na
verdade,	porém,	a	 relação	entre	o	mito	e	o	 logos	é	muito	mais	complexa.	Como	aponta
Jean-Pierre	Vernant,	 os	 “filósofos	não	precisaram	 inventar	um	sistema	de	explicação	do
mundo:	acharam-no	pronto”.
Tome-se	como	exemplo	a	descrição	da	origem	do	universo	feita	por	Hesíodo,	no	poema
Teogonia.	 Os	 primeiros	 filósofos,	 assim	 como	Hesíodo,	 buscam	 uma	 explicação	 para	 a
relação	entre	o	caos	e	a	ordem	do	mundo.	A	maneira	de	entender	essa	relação	é	que	muda.
Enquanto	 o	 poeta	 vê	 os	 deuses	 como	 os	 responsáveis	 por	 tudo	 o	 que	 há,	 os	 antigos
pensadores	 preferem	partir	 das	 formas	 da	 natureza	 que	 esses	 deuses	 representam	 (terra,
água,	ar)	para	entender	a	vida.
Há,	 porém,	 uma	 diferença	 fundamental	 entre	 o	 pensamento	 mítico	 e	 o	 pensamento
racional	dos	primeiros	filósofos.	A	mitologia	exprimia	na	forma	divina	e	celestial	todo	o
conjunto	de	relações,	quer	dos	homens	entre	si,	quer	entre	o	homem	e	a	natureza.	Assim
como	os	deuses	são	criadores	do	mundo,	o	rei	é	o	criador	da	ordem	social,	o	regulador	do
ciclo	da	natureza.	O	universo	divino,	as	relações	sociais	e	o	ritmo	da	natureza	confundem-
se,	 submetidos	 ao	 comando	 do	 rei.	 Por	 isso,	 a	 mitologia	 apenas	 narra	 a	 sucessão	 de
fenômenos	divinos,	naturais	e	humanos.	Ela	não	os	explica,	pois	a	explicação	já	está	dada
pelo	poder	real.
O	desaparecimento	do	“rei	divino”	altera	esse	cenário.	A	pólis	surge	como	criação	da
vontade	humana.	Os	 acontecimentos	do	mundo	antes	 considerados	 realizações	do	 rei	 (e
dos	 deuses)	 perdem	 a	 base	 de	 compreensão.	 Tornam-se	 problemas.	 Para	 resolvê-los,	 o
homem	deve	 servir-se	 do	meio	que	 ele	 próprio	 desenvolveu	 ao	 criar	 a	 pólis:	 o	 logos,	 a
razão.
O	que	é	o	destino?
Muito	 antes	 do	 nascimento	 da	 pólis,	 porém,	 a	 Grécia	 já	 era	 marcada	 por	 uma	 vida
cultural	intensa,	da	qual	Homero	é	representante	—	embora	a	existência	real	desse	poeta
seja	 controversa.	 Os	 poemas	 atribuídos	 a	 ele	 narram	 as	 últimas	 guerras	 troianas,	 que,
supõe-se,	ocorreram	entre	1260	e	1250	a.C.	Ilíada	conta	a	fase	final	dos	combates,	em	que
o	guerreiro	Aquiles	envolve-se	em	uma	série	de	aventuras	contra	os	 troianos.	Derrotada
Tróia,	o	herói	Ulisses	(Odisseu)	parte	para	Ítaca,	sua	terra	natal,	onde	a	esposa	Penélope	o
espera.	Odisséia	descreve	essa	longa	viagem	(de	dez	anos)	através	dos	mares.
Nos	 dois	 poemas,	 história,	 ficção,	 lenda	 e	mito	 se	 confundem.	Os	 deuses	 e	 os	mitos
presentes	nos	relatos,	por	sinal,	não	são	os	dos	povos	em	guerra.	São	os	dos	dórios,	que,
vindos	 do	 norte	 séculos	 depois	 das	 guerras	 troianas,	 instituíram	 uma	 sociedade
aristocrática	e	consolidaram	o	que	seria	a	civilização	grega	ou	helênica	propriamente	dita.
Assim	 como	Homero	 narra	 fatos	 anteriores	 a	 seu	 tempo,	 a	 difusão	 de	 sua	 obra	 pela
Grécia	também	se	faz	muito	depois	da	época	em	que	teria	vivido.	Seus	poemas	só	chegam
a	Atenas	por	volta	do	século	V	a.C.,	em	tudo	diferente	do	período	homérico.	O	modo	de
vida	e	a	cultura	são	outros.	A	sociedade	aristocrática	que	esbanjava	 luxo	havia	cedido	à
vida	comedida	do	regime	democrático.	Os	deuses	já	não	bastavam	para	explicar	o	mundo.
Essa	época	consagra	Homero	como	“pai	da	cultura	helênica”.	E	se	assim	o	faz	é	porque
herda	do	poeta	uma	idéia	arraigada	nesse	novo	modo	de	viver	e	de	pensar:	a	idéia	de	fado,
ou	 fatalidade,	o	destino	 implacável	que	comanda	a	vida	não	só	do	homem	mas	 também
dos	próprios	deuses.	O	que	é	essa	força	que	está	acima	dos	deuses?	Esta	pergunta	é	uma
das	raízes	do	pensamento	ocidental.
Os	homens,	abandonados	à	própria	sorte
Outra	 idéia	 também	inspira	os	gregos	a	não	mais	 recorrer	aos	deuses	para	entender	o
mundo:	a	sensação	de	que	eles	abandonaram	os	homens.	Isso	aparece	já	no	final	do	século
VIII	a.C.,	na	obra	do	poeta	Hesíodo.
Em	Teogonia,	 ele	 descreve	 a	 criação	 do	mundo	 e	 dos	 deuses	 a	 partir	 de	Caos,	Gaia
(Terra)	e	Eros	(Amor).	Sucedem-se	outras	divindades,	que	com	caprichos	quase	humanos
amam,	mentem,	traem	e	lutam	umas	com	as	outras.	Finalmente,	com	a	vitória	de	Zeus,	os
deuses	ins-talam-se	no	Olimpo.	Nesse	relato,	Hesíodo	ordena	vários	mitos	contraditórios,
explicando	também	os	fenômenos	da	natureza	e	a	história.	Mais	que	isso,	mostra	que,	após
a	vitória	de	Zeus,	o	homem	está	livre	das	cruéis	maquinações	dos	deuses	que	o	antecedem.
Zeus,	que	faz	reinar	a	justiça,	castiga	ou	premia	os	mortais	de	acordo	com	os	atos	pelos
quais	são	responsáveis.
Em	Os	 Trabalhos	 e	 os	 Dias,	 escrito	 para	 pedir	 a	 punição	 de	 um	 irmão	 desonesto,
Hesíodo	defende	a	necessidade	do	trabalho	árduo	como	condição	humana.	O	ser	humano,
segundo	narra,	 teria	passado	por	cinco	 idades:	a	de	ouro,	a	de	prata,	a	de	bronze,	a	dos
semideuses	e	a	de	ferro.	Na	primeira,	convive	com	os	deuses,	não	conhece	nem	o	trabalho
nem	a	morte.	Seguem-se	fases	intermediárias	que	terminam	com	a	idade	de	ferro,	a	fase
atual,	em	que	o	homem,	após	ter	recebido	o	fogo	roubado	por	Prometeu,	foi	separado	dos
deuses	e	condenado	a	trabalhar,	a	procriar,	por	conta	própria.	A	procriação	é	possibilitada
por	 Pandora,	 mulher	 que	 os	 deuses	 enviam	 aos	 homens	 como	 vingança	 pela	 posse	 do
fogo.	Dela	—	ou	da	caixa	que	carrega	—	nascem	todos	os	dons	e	todos	os	males	da	Terra.
O	homem	está	abandonado,	mas	já	é	livre	para	fazer	valer	a	sua	justiça.	E	para	pensar.
Democracia	e	filosofia
Na	Grécia,	entre	os	séculos	VIII	e	V	a.C.,	empreendese	a	busca	pela	construção	de	uma
sociedade	 justa	 e	 de	 um	 pensamento	 racional,	 livre	 de	 preconceitos.	 Dessa	 procura
originam-se,	de	um	lado,	a	democracia	e,	de	outro,	a	filosofia.
A	 democracia	 grega,	 principalmente	 a	 de	 Atenas,	 é	 o	 resultado	 de	 lutas	 sucessivas.
Primeiro,	entre	os	ricos	comerciantes	sem	acesso	ao	poder	e	a	aristocracia	hereditária,	que
o	monopoliza;	em	seguida,	entre	essas	duas	camadas,	que	já	compartilham	o	poder,	e	as
classes	mais	pobres.	A	democracia	representa	um	frágil	e	tenso	equilíbrio	entre	as	várias
camadas	sociais.	E,	apesar	das	divergências	que	as	separam,	adquirem	todas	o	direito	de
participação	política.
Diante	da	democracia,	a	filosofia	mantém	uma	postura	nem	sempre	favorável,	mesmo
porque	na	Grécia	o	pensamento	alcança	um	grau	maior	de	elaboração	quando	esse	regime
já	 havia	 entrado	 em	 decadência.	 A	 despeito	 disso,	 uma	 e	 outra	 têm	 raízes	 comuns:	 as
condições	históricas	do	mundo	grego.
A	sociedade	grega,	ao	contrário	de	outras	civilizações	de	seu	tempo,	desconhece	castas
sacerdotais	que	tenham	o	monopólio	dos	livros	sagrados	e	da	verdade	revelada.	Tampouco
a	escrita	é	segredo	de	governantes	e	escribas.	Ao	contrário,	é	de	domínio	comum,	e	isso
possibilita	a	ampla	difusão	e	a	discussão	de	idéias.
O	 livre	 desenvolvimento	 do	 pensamento	 também	 é	 facilitado	 pela	 ausência,	 quer	 na
religião	olímpica	quer	nas	crenças	mais	místicas,	deuma	teologia	elaborada	que	forneça
explicações	 coerentes	 do	 mundo.	 Os	 deuses	 gregos,	 ao	 contrário,	 têm	 características
humanas	e	pouco	servem	de	inspiração	para	um	pensamento	mais	elaborado.
De	 uma	 perspectiva	 política,	 uma	 “religião”	 tão	 frágil	 em	 fundamentos	 é	 ineficiente
como	instrumento	de	poder.	Dessa	maneira,	já	no	período	homérico,	a	idéia	de	rei	divino
desaparece,	cedendo	espaço	para	que	a	política	e	o	governo	se	tornem	cada	vez	mais	um
assunto	 e	 uma	 atividade	 essencialmente	 humanos.	 (O	homem	 seria	 definido	mais	 tarde,
por	Aristóteles,	como	zoón	politikón,	isto	é,	animal	político.)
A	 reduzida	 dimensão	 das	 unidades	 políticas	 do	 mundo	 grego	 contribuiu	 para	 o
surgimento	dessa	concepção	dessacralizada	de	política.	A	Grécia	Antiga	não	é	um	império
cujo	 domínio	 se	 estende	 a	 vastas	 regiões	 e	 a	 diversas	 comunidades.	Ao	 contrário,	 cada
comunidade	é	uma	cidade-Estado	autônoma,	com	dimensões	de	um	pequeno	município.
É	 bem	 provável,	 porém,	 que	 cada	 pólis	 tivesse	 sua	 organização	 própria,	 embora
oficialmente	todas	seguissem	o	modelo	de	Atenas.	É	lá	que	o	zoón	politikón	de	Aristóteles
aparece	 em	 sua	 plenitude,	 e	 disso	 o	 ateniense	 se	 orgulha,	 como	 característica	 que	 o
distingue	 de	 outros	 povos.	 Ele,	 ao	 contrário	 dos	 bárbaros,	 que	 despreza,	 não	 está
submetido	 ao	 mando	 de	 um	 rei.	 Tem	 consciência	 de	 viver	 em	 sociedade;	 sabe	 que	 é
ateniense	porque	é	cidadão,	e	que	é	cidadão	porque	participa	da	vida	pública	da	cidade.	Os
destinos	da	pólis	 são	de	 responsabilidade	de	 todos	os	 cidadãos,	 acima	dos	quais	não	há
nada	a	não	ser	as	leis	que	eles	mesmos	elaboraram.	Até	mesmo	os	espartanos,	em	vários
aspectos	 tão	diferentes	dos	atenienses,	 imitaram-nos	quando	enviaram	embaixadores	aos
persas,	sob	o	argumento	de	que	não	tinham	outro	senhor	a	não	ser	a	lei.
A	 idéia	de	que	a	soberania	é	da	 lei	—	não	dos	deuses	ou	de	algum	rei	—	constitui	o
fundamento	 da	 democracia	 grega.	 Até	 chegar	 a	 ela,	 os	 atenienses	 passaram	 por	 vários
sistemas	 de	 governo.	 Diante	 de	 sérios	 conflitos	 entre	 grupos	 sociais	 que	 disputavam	 o
poder,	 chegaram	 a	 escolher	 tiranos	 (que	 então	 significavam	 “árbitros”)	 para	 servir	 de
mediadores	 dos	 diversos	 interesses,	 encarnando	 a	 autoridade	 da	 lei.	 Por	 fim,	 na
democracia,	 a	 lei	 tornouse	 impessoal,	 obra	 coletiva,	 resultado	 da	 decisão	 tomada	 por
todos,	 reunidos	 em	 assembléia	 pública.	 Mas	 bem	 entendido:	 todos,	 menos	 mulheres,
crianças,	estrangeiros	e	escravos	—	aos	quais	era	negado	o	direito	à	cidadania.
Essa	 organização	 política,	 até	 então	 inédita,	 possibilitou	 o	 desenvolvimento,	 em	 um
modo	 sistemático	 de	 pensamento,	 de	 concepções	 difusas,	 presentes	 na	 cultura	 helênica
desde	os	tempos	de	Homero	e	de	Hesíodo.	O	governo	da	cidade	como	esforço	coletivo	e
exclusivo	dos	 cidadãos	 é	 a	 tradução	política	da	 idéia	de	que	os	deuses	 abandonaram	os
homens.	E	a	fatalidade,	superior	aos	deuses,	tem	seu	equivalente	na	visão	democrática	de
que	 a	 lei	 está	 acima	 dos	 indivíduos.	Nesse	 ambiente	 iria	 desenvolver-se	 a	 filosofia,	 um
modo	de	pensar	que	busca	uma	lei	universal,	acima	de	todas	as	coisas,	e	que	as	explique
sem	recorrer	a	forças	místicas	e	divinas.
OS	PRIMEIROS	FILÓSOFOS
A	 noite	 segue	 o	 dia.	 As	 estações	 do	 ano	 sucedem-se	 uma	 à	 outra.	 As	 plantas	 e	 os
animais	 nascem,	 crescem	 e	 morrem.	 Diante	 desse	 espetáculo	 cotidiano	 da	 natureza,	 o
homem	manifesta	sentimentos	variados	—	medo,	resignação,	incompreensão,	admiração	e
perplexidade.	E	são	precisamente	esses	sentimentos	que	acabam	por	leválo	à	filosofia.	O
espanto	 inicial	 traduz-se	 em	perguntas	 intrigantes:	 o	 que	 é	 essa	 natureza,	 que	 apresenta
tantas	 variações?	Ela	 possui	 uma	 ordem	ou	 é	 um	 caos	 sem	nexo?	Em	 suma:	 o	 que	 é	 a
physis?
A	 palavra	 grega	physis	 pode	 ser	 traduzida	 por	 natureza.	Mas	 seu	 significado	 é	mais
amplo.	Refere-se	também	à	realidade,	não	aquela	pronta	e	acabada,	mas	a	que	se	encontra
em	movimento	 e	 transformação,	 a	 que	 nasce	 e	 se	 desenvolve.	Nesse	 sentido,	 a	 palavra
significa	gênese,	origem,	manifestação.	Saber	o	que	é	a	physis,	assim,	levanta	a	questão	da
origem	de	 todas	 as	 coisas	 que	 constituem	 a	 realidade,	 que	 se	manifesta	 no	movimento.
Procura	saber	se	há	um	princípio	único	(arkhé,	que	 também	quer	dizer	“comando”)	que
dirija	 e	ordene	 todas	as	coisas	do	mundo,	 em	seus	diversos	e	contraditórios	aspectos.	É
desses	temas	que	vão	se	ocupar	os	primeiros	filósofos.
Pouco	 se	 sabe	 a	 respeito	 dos	 pioneiros	 do	 pensamento	 ocidental.	 De	 seus	 textos
restaram	 apenas	 fragmentos.	 Suas	 idéias	 chegaram	 a	 nós	 por	 intermédio	 das	 versões
apresentadas	pelos	pensadores	que	vieram	depois,	e	que	os	apresentam	como	“primeiros
filósofos”.	 Não	 fosse	 isso,	 eles	 talvez	 ficassem	 conhecidos	 como	 escritores	 com
pretensões	vagamente	científicas,	com	suas	investigações	peculiares	sobre	a	natureza.
Esses	 pioneiros	 surgiram	 na	 Jônia,	 colônia	 fundada	 na	 costa	 asiática	 da	 Grécia	 por
antigos	micênios,	que	ali	se	refugiaram	das	invasões	dóricas.	Enquanto	a	maior	parte	dos
gregos	 mergulhava	 na	 “idade	 das	 trevas”,	 os	 jônios	 desenvolveram	 intensas	 atividades
artesanais	e	comerciais,	que	favoreceriam	o	surgimento	de	novos	valores	sociais,	baseados
menos	na	tradição,	mais	na	iniciativa	dos	indivíduos.	A	vida	cultural	floresceu,	e	disso	a
obra	 de	 Homero	 é	 testemunha.	 A	 astronomia	 e	 a	 matemática	 desenvolveram-se,	 sob	 a
influência	 de	 contatos	 com	os	 povos	do	Oriente.	Em	meio	 a	 esse	 fervilhar,	 a	 cidade	de
Mileto	foi	se	impondo	como	principal	centro	da	Jônia.
Tales,	Anaximandro	e	Anaxímenes	—	que	receberam	o	nome	de	pré-socráticos	por	ter
surgido	antes	de	Sócrates,	o	grande	marco	da	filosofia	ocidental	—,	os	primeiros	filósofos,
formam	a	chamada	Escola	de	Mileto.	Apesar	das	diferentes	idéias	que	elaboraram,	une-os
o	 fato	de	 ter	 inaugurado	 a	 filosofia	 com	a	mesma	pergunta:	 o	que	 é	 a	physis?	 Por	 esse
motivo,	 Aristóteles,	 mais	 tarde,	 iria	 denominá-los	 physiologoi,	 “fisiólogos”,	 isto	 é,
estudiosos	da	physis.
Tales:	tudo	começa	na	água
Tales,	 nascido	 em	Mileto,	 é	 considerado,	 pela	 tradição	 clássica,	 o	 primeiro	 filósofo.
Viveu	provavelmente	entre	640-562	a.C.	Matemático	e	astrônomo,	previu	o	eclipse	do	Sol
de	 585	 a.C.	Diz-se	 que,	 distraído,	 teria	 caído	 num	poço	 quando	 contemplava	 os	 astros.
Mas	comenta-se,	também,	que	foi	um	hábil	negociante,	e	que	prosperou	muito	por	causa
da	astúcia.
De	seu	pensamento	só	ficaram	interpretações	formuladas	por	outros	filósofos,	que	lhe
atribuíram	uma	idéia	básica:	a	de	que	tudo	se	origina	da	água.	A	physis,	então,	teria	como
único	 princípio	 esse	 elemento	 natural,	 presente	 em	 tudo.	 Segundo	 Tales,	 a	 água,	 ao	 se
resfriar,	torna-se	densa	e	dá	origem	à	terra;	ao	se	aquecer	transforma-se	em	vapor	e	ar,	que
retornam	como	chuva	quando	novamente	esfriados.	Desse	ciclo	 (vapor,	 chuva,	 rio,	mar,
terra)	nascem	as	diversas	formas	de	vida,	vegetal	e	animal.
Não	há	dúvida	de	que	esse	pensamento	 logo	esbarra	em	dificuldades.	O	que	são,	por
exemplo,	o	calor	e	o	frio	de	que	depende	o	movimento	da	água,	se	é	esta	a	origem	única
de	todas	as	coisas?	A	busca	da	arkhé,	um	princípio	único,	conflita	com	outras	forças	que,
por	sua	vez,	precisam	ser	enquadradas	em	um	princípio	diferente.	Essa	dificuldade	não	é
exclusiva	de	Tales;	é	da	própria	filosofia,	que	se	desenvolve	tentando	resolvê-la.	Se	Tales
aparece	como	o	iniciador	da	filosofia,	é	porque	seu	esforço	em	buscar	o	princípio	único	da
explicação	 do	 mundo	 não	 só	 constituiu	 o	 ideal	 mesmo	 da	 filosofia	 como	 também
forneceu-lhe	o	impulso	para	desenvolver-se.
Anaximandro:	indeterminado	e	eterno
Contemporâneo	 de	 Tales,	 Anaximandro	 procura	 um	 caminho	 diferente.	 Para	 ele,	 o
princípioda	physis	é	o	ápeiron,	que	pode	ser	traduzido	como	indeterminado	ou	ilimitado.
Eterno,	 o	 ápeiron	 está	 em	 constante	 movimento,	 e	 dis-so	 resulta	 uma	 série	 de	 pares
opostos	—	água	e	fogo,	frio	e	calor	—	que	constituem	o	mundo.	O	ápeiron	é,	desse	modo,
algo	 abstrato,	 que	 não	 se	 fixa	 diretamente	 em	 nenhum	 elemento	 palpável	 da	 natureza.
Com	essa	concepção,	Anaximandro	prossegue	na	mesma	linha	de	Tales,	porém	dando	um
passo	a	mais	na	direção	da	independência	do	“princípio”	em	relação	às	coisas	particulares.
Anaxímenes:	o	ar	comanda	a	vida
O	meio-termo	entre	Tales	 e	Anaximandro	é	 representado	por	Anaxímenes,	que	viveu
em	meados	 do	 século	VI	 a.C.	 Segundo	 ele,	 a	arkhé	 que	 comanda	 o	mundo	 é	 o	 ar,	 um
elemento	 não	 tão	 abstrato	 como	 o	 ápeiron,	 nem	 palpável	 demais	 como	 a	 água.	 Tudo
provém	 do	 ar,	 através	 de	 seus	 movimentos:	 o	 ar	 é	 respiração	 e	 é	 vida;	 o	 fogo	 é	 o	 ar
rarefeito;	a	água,	a	terra,	a	pedra	são	formas	cada	vez	mais	condensadas	de	ar.	Tudo	o	que
existe,	 mesmo	 apresentando	 qualidades	 diferentes,	 reduz-se	 a	 variações	 quantitativas
(mais	raro,	mais	denso)	desse	único	elemento.
NOS	NÚMEROS,	A	HARMONIA	UNIVERSAL
A	intensa	vida	cultural	de	Mileto	acaba	em	494	a.C.,	quando	a	cidade	é	destruída	pelos
persas.	O	eixo	da	cultura	helênica,	então,	desloca-se	para	a	Magna	Grécia,	no	sul	da	Itália.
Ali,	na	cidade	de	Crotona,	floresceu	o	pensamento	de	Pitágoras	e	de	seus	seguidores.
Pitágoras:	tudo	é	matemática
Pitágoras,	 se	 é	 que	 realmente	 existiu,	 teria	 nascido	 na	 Jônia,	 na	 segunda	 metade	 do
século	VI	a.C.	 Instalandose	em	Crotona,	 fundou	uma	seita	 religiosa	e	mística,	que	 tinha
como	 base	 o	 orfismo	 —	 um	 culto	 popular	 que	 pregava	 a	 transmigração	 da	 alma	 e	 a
necessidade	da	purificação	do	homem	para	salvá-lo	do	ciclo	das	sucessivas	reencarnações.
Assim	como	o	orfismo,	a	seita	pitagórica	tinha	um	caráter	esotérico,	secreto:	suas	idéias	só
eram	acessíveis	aos	iniciados,	que	deviam	praticar	uma	série	de	obrigações.
O	 pitagorismo	 representaria	 um	 marco	 decisivo	 no	 desenvolvimento	 do	 pensamento
racional	e	científico,	por	ter	elevado	à	condição	divina	uma	das	realizações	mais	racionais
do	 homem:	 a	matemática.	Com	os	 pitagóricos	 a	matemática	 deixou	 de	 ser	 uma	 técnica
capaz	de	atender	necessidades	práticas	como	as	da	agrimensura	para	tornar-se	uma	ciência
pura.
Para	os	pitagóricos	o	homem	precisa	identificar-se	com	o	divino	para	eliminar	conflitos
e	 se	 salvar.	 Chega-se	 a	 isso	 pela	 contemplação	 teórica,	 que	 vislumbra,	 por	 trás	 dos
conflitos,	 a	 harmonia.	 A	 harmonia	 está	 presente,	 por	 exemplo,	 na	 música,	 um	 dos
elementos-chave	da	prática	ritual	do	orfismo.	Conta-se	que	Pitágoras	teria	descoberto	que
as	 variações	 do	 som	 dependem	 do	 comprimento	 da	 corda.	 É	 uma	 relação	 proporcional
simples:	 se	o	comprimento	da	corda	 for	diminuído	à	metade,	o	som	tornase	mais	agudo
(vai	a	uma	oitava	acima);	um	acorde	(ou	harmonia)	mais	simples	é	produzido	quando	o
comprimento	das	cordas	está	na	razão	3:4:5.	A	música,	em	suma,	é	uma	relação	numérica.
Quando	 soa	 desagradável	 (sem	 harmonia),	 é	 porque	 a	 relação	 entre	 os	 números	 não	 se
encontra	numa	proporção	justa.
Os	 pitagóricos	 vão	 estender	 para	 todas	 as	 coisas	 esse	 entendimento	 da	 música.	 O
mundo	é	número,	afirmam,	e	reduzem	tudo	o	que	existe	a	figuras	geométricas	simples.
Se	 o	mundo	 é	 número,	 cabe	 então	 descobrir	 as	 “características”	 de	 cada	 um,	 e	 suas
relações.	Dentre	os	vários	“tipos”	de	números	destacam-se	dois:	os	pares	(2,	4,	6…)	e	os
ímpares	(1,	3,	5…).	Dispostos	geometricamente,	os	pares	formam	sempre	um	retângulo	e
representam	 a	 alteridade,	 a	 diferença,	 enquanto	 os	 ímpares,	 que	 formam	 sempre	 um
quadrado,	com	 lados	 iguais,	 constituem	a	 identidade.	Dito	de	outra	maneira,	os	 ímpares
são	o	princípio	do	Mesmo,	e	os	pares	do	Outro.
A	justa	medida	e	a	harmonia
Esses	dois	princípios,	opostos	e	complementares,	desdobram-se	em	dez	pares:	limite	e
ilimitado;	 ímpar	 e	 par;	 uno	 e	 múltiplo,	 direita	 e	 esquerda;	 masculino	 e	 feminino;
imobilidade	 e	 movimento;	 reto	 e	 curvo;	 luz	 e	 obscuridade;	 bem	 e	 mal;	 quadrado	 e
retângulo.	A	harmonia	entre	ambos	ocorre	quando	há	uma	medida	justa	(métron),	exata,	de
cada	um.	A	inexistência	dessa	harmonia	é	a	responsável	pela	desordem	do	mundo,	tanto
em	relação	ao	aspecto	biológico	(masculino	e	feminino)	quanto	ao	âmbito	moral	e	político
(bem	e	mal).
De	todos	os	pares,	os	mais	importantes	são	o	limite	e	o	ilimitado.	Este	último,	ápeiron,
representa	o	mundo	terreno,	com	suas	mudanças	e	corrupções	infindas.	Essa	instabilidade
somente	pode	ser	detida	pelo	limite,	que	lhe	oferece	ordem	e	harmonia.	Nesse	sentido,	o
limite	ligase	ao	divino,	única	garantia	da	proporção	justa.	O	homem	consegue	a	salvação
quando	em	sintonia	com	esse	limite	pacificador	—	o	que	se	dá	pela	matemática.
Outro	 exemplo	 de	 relações	 constantes	 entre	 os	 números	 é	 o	 famoso	 teorema	 de
Pitágoras:	em	qualquer	triângulo	retângulo	verifica-se	a	relação	a2	=	b2	+	c2,	sendo	“a”	a
hipotenusa	(que	é	o	lado	oposto	ao	ângulo	reto)	e	“b”	e	“c”	os	catetos.	Essa	propriedade
do	triângulo	era,	na	realidade,	conhecida	já	pelos	egípcios,	mas	o	mérito	de	Pitágoras	foi	o
de	demonstrá-la	por	meios	racionais.
O	irracional	também	existe
Esse	 tipo	 de	 investigação,	 porém,	 levou	 à	 descoberta	 de	 algo	 que	 os	 pitagóricos	 não
podiam	 conceber:	 o	 número	 irracional.	 Num	 quadrado,	 por	 exemplo,	 a	 relação	 entre	 a
extensão	da	diagonal	e	a	dos	 lados	é	sempre	a	raiz	quadrada	de	2,	cujo	valor	exato,	por
mais	 que	 se	 acrescentem	os	 decimais,	 é	 impossível	 de	 obter.	O	mesmo	 acontece	 com	a
relação	entre	a	medida	da	circunferência	e	do	diâmetro:	a	razão	é	sempre	constante	—	o
número	pi	—,	mas	qual	o	seu	valor?	O	número	é	par	ou	ímpar?
A	dificuldade	apresentada	pelo	número	irracional	deve-se	ao	fato	de	a	matemática,	na
época,	ser	sobretudo	geometria.	A	aritmética,	entre	os	pitagóricos,	era	rudimentar,	mesmo
porque	os	números	eram	representados	por	pontos,	que	pouco	se	prestam	às	operações.
O	 pitagorismo	 apresentou	 uma	 grande	 flexibilidade	 de	 pensamento.	 Nisso	 também	 é
uma	 seita	 diferente	 das	 outras,	 que	 tendem	 a	 se	 fechar	 em	 seus	 dogmas	 e	 a	 evitar
problemas	 não	 previstos.	 Desenvolvendo	 constantemente	 suas	 investigações,	 os
pitagóricos	 difundiram	 suas	 idéias	 por	 toda	 a	 Grécia,	 influenciando	 o	 pensamento
científico	 e	 filosófico	 posterior,	 que	 encontraria	 na	 matemática	 um	 de	 seus	 modelos
preferidos	de	raciocínio.
DOIS	CAMINHOS	PARA	A	FILOSOFIA
No	século	V	a.C.,	a	Grécia	propriamente	dita	(ou	seja,	Atenas)	entra	em	guerra	com	a
Pérsia.	O	cenário	das	investigações	filosóficas,	então,	divide-se	em	dois.	Um	deles	passa	a
ser	Éfeso,	na	Grécia	asiática,	e	outro	Eléia,	no	sul	da	Itália.	São	duas	extremidades	opostas
do	mundo	grego,	 como	que	 simbolizando	as	duas	direções	contrárias	que	a	 filosofia	 irá
tomar.	Essas	direções	têm	em	comum	o	mesmo	ponto	de	partida,	a	herança	dos	primeiros
filósofos	da	Jônia:	a	pergunta	sobre	se	existe	um	princípio	único	que	explique	o	mundo	em
seus	diversos	aspectos.	Em	Éfeso,	a	resposta	de	Heráclito	é	a	de	que	os	contrários	formam
uma	unidade;	a	de	Parmênides,	em	Eléia,	de	que	os	contrários	jamais	podem	coexistir.
Heráclito:	“tudo	é	um”
Heráclito	(c.	540-480	a.C.)	transforma	em	solução	o	que	aos	outros	era	problema.	Para
ele,	 o	 mundo	 explica-se	 não	 apesar	 das	 mudanças	 de	 seus	 aspectos,	 muitas	 vezes
contraditórios,	mas	 exatamente	por	 causa	dessas	mudanças	 e	 contradições.	Por	 isso,	 em
um	de	seus	fragmentos,	diz:	“O	combate	é	de	todas	as	coisas	pai,	de	todas	rei”.	Em	outras
palavras,	 todas	 as	 coisas	 opõem-se	 umas	 às	 outras,	 e	 dessa	 tensão	 resulta	 a	 unidade	 do
mundo.
Essa	 oposição,	 esse	 combate,	 é	 uma	 guerra,e	 não,	 como	 pretendia	 Anaximandro,	 o
equilíbrio	de	 forças	 iguais.	Tampouco	é	a	harmonia	dos	contrários	assegurada,	como	no
entender	dos	pitagóricos,	pela	justa	medida	imposta	por	um	ente	supremo.	Para	Heráclito,
a	harmonia	nasce	da	própria	oposição:	“O	divergente	consigo	mesmo	concorda;	harmonia
de	tensões	contrárias,	como	de	arco	e	lira”.
A	divergência	e	a	contradição	não	só	produzem	a	unidade	do	mundo	mas	também	a	sua
transformação.	O	mundo	é	um	eterno	fluir,	como	um	rio;	e	é	 impossível	banhar-se	duas
vezes	 na	mesma	 água.	 Fluxo	 contínuo	 de	mudanças,	 o	mundo	 é	 como	um	 fogo	 eterno,
sempre	vivo,	e	“nenhum	deus,	nenhum	homem	o	fez”.
Mas	só	se	compreende	isso	quando,	ao	deixar	de	lado	a	“falsa	sabedoria”	ditada	pelos
sentidos	e	pelas	opiniões,	chega-se	ao	logos,	isto	é,	ao	pensamento	sensato.	É	o	raciocínio
adequado	que	abre	as	portas	para	o	entendimento	do	princípio	de	todas	as	coisas.	“Não	de
mim,	mas	do	logos	tendo	ouvido	é	sábio	homologar	tudo	é	um”,	diz	um	de	seus	aforismos.
Parmênides:	o	ser	e	as	ilusões
Parmênides	 (c.	 540-450	 a.C.),	 ao	 contrário	 de	Heráclito,	 procura	 eliminar	 tudo	o	que
seja	variável	 e	contraditório.	Se	uma	coisa	existe,	 ela	é	esta	coisa	e	não	pode	 ser	outra,
muito	menos	 o	 seu	 contrário.	 Uma	 árvore	 é	 uma	 árvore,	 o	 Sol	 é	 o	 Sol,	 o	 homem	 é	 o
homem,	o	que	é	é	o	que	é.	Em	outras	palavras,	o	ser	é	o	ser	ou,	resumidamente,	o	ser	é.
Segue-se	logicamente	que	não-ser	não	é,	não	pode	existir.
Se	 só	 o	 ser	 existe,	 o	 ser	 deve	 sempre	 existir.	Deve	 ser	 único,	 imóvel,	 imutável,	 sem
variações,	eterno.	Mas	o	que	seriam	então	as	constantes	mudanças,	as	contradições	e	os
aspectos	 diferentes	 que	 o	 mundo	 apresenta?	 São	 ilusões,	 responde	 Parmênides,	 meras
aparências	 produzidas	 por	 opiniões	 enganadoras,	 não	 pelo	 conhecimento	 do	 verdadeiro
ser.
Esse	 pensamento	 inaugura	 a	 metafísica	 (por	 não	 se	 contentar	 com	 a	 aparência	 das
coisas	e	buscar	algo	que	estaria	“por	trás”	da	aparência,	ou	seja,	a	essência)	e	a	lógica	(o
princípio	 da	 não-contradição	 existente	 no	 ser,	 que	 é,	 e	 no	 não-ser,	 que	 não	 é).	 Para
Parmênides,	 o	mundo	 dos	 sentidos,	 por	 estar	 condicionado	 às	 variações	 dos	 fenômenos
observados	 e	 das	 sensações,	 dá	 origem	 a	 incertezas	 e	 a	 opiniões	 diversas.	 Por	 isso,	 o
conhecimento	não	pode	ser	alcançado	por	esse	caminho,	e	 sim	pela	certeza	que	a	 razão
produz	por	meios	lógicos	e	dedutivos.
Os	paradoxos	de	Zenão
O	pensamento	de	Parmênides	é	levado	ao	extremo	por	seu	discípulo	Zenão	(também	de
Eléia),	que	formula	seus	famosos	paradoxos.	“Paradoxo”,	na	origem,	significa	“contrário	à
opinião”,	e	é	exatamente	contra	a	opinião	comum	que	Zenão	pretende	demonstrar	que	a
variedade	(ou	a	pluralidade)	das	coisas	e	o	movimento	são	impossíveis.
Se	há	várias	coisas,	afirma	Zenão,	elas	devem	ser	em	determinado	número,	nem	mais
nem	menos;	mas	entre	elas	deve	haver	sempre	outras.	Então	é	preciso	admitir	que	existe
um	número	ao	mesmo	tempo	finito	e	infinito	de	coisas,	o	que	é	absurdo.	Esse	argumento
supõe	 que	 não	 haja	 o	 vazio.	De	 fato,	 segundo	Zenão,	 se	 existe	 algo,	 esse	 algo	 está	 em
algum	 lugar,	mas	esse	 lugar	deve	 também	estar	num	 lugar	e	assim	sucessivamente.	Um
lugar	sempre	contém	um	outro,	por	isso	não	pode	estar	vazio;	o	vazio	não	existe.
Tampouco	existe	o	movimento.	Uma	flecha,	para	atingir	o	alvo,	ocupa	a	cada	momento
da	 trajetória	 um	 espaço	 igual	 a	 si	mesma.	Ou	 seja:	 a	 cada	momento	 ela	 está	 parada.	O
movimento	da	flecha	seria	a	soma	de	momentos	em	que	está	imóvel,	o	que	é	absurdo.	O
movimento	é	assim	uma	ilusão,	do	mesmo	modo	que	a	pluralidade	das	coisas	o	é.	Só	há
um	ser,	único,	imóvel,	indivisível	e	eterno.
O	MOVIMENTO	E	O	ÁTOMO
O	rigor	do	pensamento	de	Parmênides	e	de	Zenão	levou	a	filosofia	a	um	impasse:	se,
pelo	raciocínio	lógico,	é	perfeitamente	admissível	a	inexistência	da	pluralidade	das	coisas
e	do	movimento,	 por	outro	 lado,	 pela	 experiência	 cotidiana,	 torna-se	difícil	 descartá-los
sumariamente	 como	meras	 ilusões	dos	 sentidos	 e	das	opiniões.	Surgem	assim	 tentativas
que	 buscam	 conciliar	 a	 idéia	 de	 um	 ser	 único	 e	 imóvel	 com	 a	 de	 pluralidade	 e	 de
movimento	—	e	isso	sem	abandonar	a	precisão	da	lógica	nem	violentar	o	que	os	sentidos
testemunham.	 Desse	 esforço	 participam	 Empédocles	 e	 Anaxágoras	 de	 um	 lado,	 e,	 de
outro,	Leucipo	e	Demócrito.
As	quatro	raízes	de	Empédocles
Nascido	 em	 Agrigento,	 na	 Magna	 Grécia,	 Empédocles	 (c.	 483-430	 a.C.),	 médico	 e
místico,	defensor	da	democracia,	faz	essa	conciliação	ao	preservar	a	idéia	de	que	o	ser	é
eterno	e	indivisível,	mas	não	a	de	que	é	único	e	imóvel.	Para	ele,	o	mundo	compõe-se	de
quatro	 princípios	 ou	 raízes:	 água,	 ar,	 fogo	 e	 terra.	 Tudo	 resulta	 da	 combinação,	 em
proporções	maiores	ou	menores,	dessas	quatro	raízes,	todas	elas	imutáveis	e	indestrutíveis.
Mas,	 para	 que	 se	 combinem,	 é	 preciso	 algo	 que	 as	 faça	 mover-se,	 aproximando-as	 ou
separando-as.	Por	isso,	Empédocles	é	leva-do	a	conceber	forças	opostas:	o	Amor	e	o	Ódio,
o	primeiro	agindo	no	sentido	de	aproximar	e	misturar	as	 raízes,	e	o	segundo	no	sentido
contrário.
Tanto	 nas	 quatro	 raízes	 como	 nas	 duas	 forças	 não	 há	 hierarquia.	 Uma	 não	 é	 mais
importante	do	que	a	outra,	nem	há	entre	elas	a	idéia	de	anterioridade;	todas	encontram-se
no	mesmo	 plano.	Num	momento,	 o	Amor	 une	 as	 raízes,	 formando	 um	 todo	 único.	No
momento	seguinte,	o	Ódio	as	separa,	produzindo	as	diversas	coisas	existentes	no	mundo.
Quando	essa	separação	se	completa,	o	Amor	volta	a	agir.	Esse	movimento	cíclico	origina
e	refaz	tudo	o	que	há.
Anaxágoras:	um	pouco	de	tudo	em	tudo
Em	 vez	 de	 quatro	 raízes,	 um	 sem-número	 de	 elementos	 com	 qualidades	 distintas	—
essa	é	a	concepção	de	Anaxágoras,	que,	nascido	na	Jônia,	foi	o	primeiro	filósofo	a	viver
em	Atenas,	onde	se	instalou	em	487	a.C.	Para	ele,	tudo	o	que	existe	é	composto	de	todos
esses	 elementos,	 uns	 em	maior	 quantidade,	 outros	 em	 proporções	 tão	 ínfimas	 que	 nem
sequer	são	perceptíveis.	“Em	tudo	é	incluída	parte	de	tudo”,	disse	ele.	A	pluralidade	das
coisas	explica-se	assim	por	infinitas	combinações	de	todos	os	elementos.
E	 o	 movimento?	 Segundo	 Anaxágoras,	 todas	 as	 coisas	 estavam	 juntas	 na	 origem,
formando	um	todo	cujas	partes	não	eram	identificáveis,	como	o	caos	original	da	mitologia.
Elas,	porém,	foram	se	separando	pela	força	do	nous	(espírito	ou	inteligência),	que,	como
num	turbilhão,	pôs	em	movimento	todas	as	coisas,	misturando-as	em	diversas	proporções.
O	nous	é	assim	a	origem	do	movimento	e	da	pluralidade.	Ele,	porém,	é	autônomo,	isto	é,
não	se	mistura	com	as	coisas,	mas	as	dirige.
Leucipo	e	Demócrito:	o	átomo	como	princípio
Outra	é	a	concepção	de	Leucipo,	nascido	 talvez	em	Mileto,	em	data	desconhecida	do
século	 V	 a.C.,	 e	 de	 seu	 discípulo	 Demócrito	 (470-370	 a.C.),	 de	 Abdera.	 Para	 eles,	 o
mundo	 é	 composto	 de	 átomos	—	palavra	 grega	 que	 significa	 “não	 divisível”.	Assim,	 o
átomo	é	indivisível,	mas	também	imutável,	eterno,	sempre	idêntico	a	si	mesmo.	E,	nesse
sentido,	equivale	ao	ser	de	Parmênides.	Mas	não	é	único.	Os	átomos	existem	em	número
infinito.	A	conseqüência	disso	é	que	entre	um	átomo	e	outro	existe	um	algo:	um	vazio,	um
nada,	 um	 não-ser,	 repudiado	 por	 Parmênides	 e	 Zenão.	 É	 nesse	 vazio	 que	 os	 átomos	 se
movem.	Em	seu	entrechoque	produzem	diversas	combinações,	e	daí	resulta	a	pluralidade
das	coisas:	o	mundo	em	movimento.
O	nascimento,	assim,	não	passa	de	um	agregado	de	átomos,	enquanto	a	morte	é	apenas
a	 destruição	 desse	 agrupamento.	 Nos	 dois	 casos,	 cada	 átomo	 permanece	 intacto	 e
imutável.	 Eles	 se	 diferenciam,	 porém,	 numa	 série	 de	 aspectos,	 como	 tamanho,	 forma,
posição.	Há	átomos	grandes	e	pequenos,	 redondos	e	angulosos,	 em	pé	ou	de	 lado.	Suas
combinações	também	variam:	os	átomos	A	e	N,	por	exemplo,podem	se	reunir	como	AN
ou	 NA.	 Essas	 diferenças	 tornam-se	 mais	 claras	 num	 dos	 fragmentos	 deixados	 pelos
atomistas:	“O	sabor	amargo	é	produzido	por	átomos	pequenos,	lisos	e	redondos,	cuja	atual
circunferência	 é	 sinuosa,	 e	 por	 isso	 é	 viscosa	 e	 pegajosa.	O	 sabor	 ácido	 é	 causado	 por
átomos	grandes,	não-redondos	e,	às	vezes,	até	angulosos”.
OS	SOFISTAS	E	A	RELATIVIZAÇÃO	DA	VERDADE
A	 vitória	 de	Atenas	 sobre	 os	 persas,	 em	 479	 a.C.,	marca	 também	 a	 consolidação	 da
democracia	 na	 cidade.	Uma	 base	 importante	 da	 democracia	 é	 a	 educação,	 pela	 qual	 os
cidadãos	 se	 tornam	 capazes	 de	 participar	 da	 vida	 pública.	 Numa	 sociedade	 em	 que	 os
debates	 se	 dão	 por	 meio	 de	 palavras,	 é	 preciso	 ser	 um	 bom	 orador,	 saber	 argumentar.
Dessa	educação	encarregam-se	os	sofistas.
Os	sofistas	(literalmente,	“sábios”)	são	estrangeiros.	Por	isso	não	têm	direito	à	condição
de	 cidadãos	 e,	 assim,	 estão	 impedidos	 de	 participar	 dos	 destinos	 da	 cidade.	 Não	 se
preocupam	com	o	que	uma	argumentação	pode	ter	de	justo	ou	injusto,	moral	ou	imoral	—
isso	 é	 assunto	 dos	 cidadãos.	 Basta-lhes	 que	 seus	 discípulos	 aprendam	 a	 falar	 —	 não
importa	o	quê,	mas	bem,	de	modo	convincente	—	e	que	os	remunerem	pelo	ensino.	Dizia-
se	até	que	um	aluno,	para	se	considerar	apto,	deveria	convencer	o	mestre	a	não	receber	o
pagamento.	Se	não	conseguisse	convencêlo,	a	 lição	fora	mal	ministrada	e	não	mereceria
remuneração.	Se	o	conseguisse,	não	haveria	por	que	pagar.
Mas	os	sofistas	não	são	meros	mercenários	da	arte	de	bem	falar.	Se	não	se	preocupam
com	o	conteúdo	de	um	argumento	é	porque	compartilham	com	os	atenienses	a	experiência
da	democracia,	em	que	o	mundo	humano	é	criação	do	homem.	Não	há	um	único	princípio
que	 a	 tudo	 comande,	 mas	 apenas	 convenções	 que	 os	 homens	 estabelecem	 para	 depois
abandonar.	Os	valores	e	as	verdades	são	 instáveis	e	relativos.	A	própria	 linguagem,	essa
capacidade	essencialmente	humana,	 também	não	passa	de	 convenção,	 sem	poderes	para
expressar	a	verdade,	a	não	ser	as	verdades	relativas	de	cada	um.
Essas	 idéias	 abalam	 os	 filósofos,	 que	 vêem	 os	 sofistas	 como	 inimigos	 e	 não	 os
consideram	seus	pares.	A	palavra	“sofista”	ganhou	o	sentido	de	“demagogo”,	e	“sofisma”,
de	 “argumento	 falso”.	 Na	 Grécia	 clássica,	 odiados,	 os	 sofistas	 procuravam	 acumular
conhecimentos	 e	 técnicas	 sobre	 as	 mais	 diversas	 atividades	 humanas.	 De	 todas	 elas,
porém,	 detêm-se	 mais	 na	 linguagem.	 Consideram	 que	 na	 democracia,	 na	 qual	 as
diferenças	 sociais	 e	 econômicas	 não	 contam,	 a	 linguagem	 é	 a	 única	 força	 que	 têm	 os
homens.	Por	isso	é	necessário	conhecê-la	ao	máximo,	da	gramática	às	figuras.
A	 filosofia	 passa	 assim	 a	 se	 afastar	 das	 investigações	 dos	 pré-socráticos,	 sobre	 a
natureza	e	o	universo,	para	ocuparse	mais	e	mais	das	questões	humanas.
“O	homem	é	a	medida	de	todas	as	coisas”…
…	“das	que	são	enquanto	são,	e	das	que	não	são	enquanto	não	são.”	A	afirmação	de
Protágoras	 (c.	 485-410	 a.C.),	 considerado	 o	 primeiro	 sofista,	 significa	 que	 o	 mundo	 é
aquilo	que	o	homem	faz	e	desfaz	por	intermédio	dos	sentidos.	E,	caso	haja	um	princípio
único,	o	ser	humano	não	pode	conhecê-lo.
Essa	 concepção,	 que	 separa	 a	 ordem	 das	 coisas	 naturais	 e	 a	 dos	 homens,	 abre	 a
possibilidade	da	formulação	de	idéias	não	só	sobre	o	conhecimento	como	também	sobre	a
política	e	a	moral.	Uma	vez	que	a	medida	de	todas	as	coisas	é	o	homem,	seu	conhecimento
está	limitado	pelos	sentidos,	que	mudam	de	um	para	outro	(o	que	é	doce	para	alguns,	por
exemplo,	 pode	 ser	 amargo	 para	 os	 demais).	 Assim,	 se	 existe	 algum	 acordo	 entre	 os
homens,	não	 resulta	do	conhecimento	de	uma	suposta	verdade	absoluta,	mas	de	simples
convenção.
De	maneira	semelhante,	os	modos	de	organização	social	e	política	não	derivam	de	um
único	princípio	de	 justiça	e	sim	das	convenções	criadas	pelos	homens	de	acordo	com	as
circunstâncias	 e	 as	 conveniências.	No	 âmbito	 da	moral	 dá-se	 o	mesmo.	Bem	e	mal	 são
simplesmente	valores	que	o	ser	humano	convencionou	chamar	por	esses	nomes.
Ao	denunciar	 as	 certezas,	 ao	duvidar	da	existência	de	uma	única	verdade,	os	 sofistas
acabaram	por	atrair	também	a	ira	dos	cidadãos	comuns.	Diz-se	que	Protágoras	teria	sido
condenado	 pela	 pólis.	 Não	 era	 para	menos.	 Se	 na	 obra	A	Verdade	 ele	 a	 questiona,	 em
Sobre	os	Deuses	afirma	a	impossibilidade	de	decidir	sobre	a	existência	dos	seres	divinos.
Outros	sofistas	conhecidos	são	Hípias	(nascido	na	Élida	no	século	V	a.C.)	e	Górgias	(c.
487-380	 a.C.).	 O	 primeiro	 deixou	 o	Diálogo	 Troiano,	 sobre	 a	 educação	 dos	 jovens;	 o
segundo,	depois	de	interpretar	a	obra	de	Parmênides,	dedicou-se	à	linguagem.
3.	A	FILOSOFIA	SE	CONSOLIDA
SÓCRATES,	O	HOMEM	QUE	PERGUNTAVA
SÓCRATES	(c.	469	ou	470-399	a.C.)	é	um	marco	na	história	da	filosofia.	A	ponto	de	os
que	 vieram	 antes	 dele	 receberem	 todos,	 apesar	 de	 suas	 diferenças,	 o	 nome	 genérico	 de
“pré-socráticos”.	Há	quem	considere	que	a	filosofia	propriamente	dita	só	começou	—	ou,
ao	 menos,	 só	 chegou	 à	 maturidade	—	 com	 Sócrates.	 Que,	 no	 entanto,	 nada	 escreveu.
Falava,	e	muito,	mas	nada	concluía.	Qual	é,	então,	seu	pensamento?
Sócrates	vive	o	apogeu	e	a	crise	da	democracia	ateniense.	Atenas,	após	a	vitória	sobre
os	 persas,	 torna-se	 uma	 grande	 potência,	 estendendo	 sua	 influência	 por	 quase	 toda	 a
Grécia.	 A	 vida	 cultural	 é	 intensa,	 com	 grandes	 escultores	 e	 artistas,	 dramaturgos	 como
Ésquilo,	 historiadores	 (Heródoto	 e	 Tucídides),	 o	médico	Hipócrates	 e	 homens	 públicos
como	Péricles.	Este	último,	com	suas	realizações	políticas	e	culturais,	torna-se	um	símbolo
da	época,	que,	por	isso,	é	conhecida	como	“século	de	Péricles”.
Mas	 todo	 esse	 esplendor	 custa	 um	alto	 preço.	A	hegemonia	de	Atenas	 faz	 crescer	 as
rivalidades	 com	 Esparta,	 que	 vão	 culminar,	 em	 431	 a.C.,	 na	 Guerra	 do	 Peloponeso.	 O
conflito	estende-se	até	404	a.C.,	quando	Atenas	capitula	definitivamente.	Com	a	derrota,	o
regime	 democrático,	 que	 já	 se	 encontrava	 enfraquecido	 por	 intrigas,	 conspirações	 e
corrupção,	cede	 lugar	ao	governo	dos	Trinta	Tiranos.	Embora	 restaurada	em	403	a.C.,	a
democracia	ateniense	jamais	será	a	mesma.	A	crise	de	valores	políticos	e	morais	é	intensa
e	 a	 condenação	 de	 Sócrates,	 em	 399	 a.C.,	 é	 uma	 triste	 metáfora	 da	 decadência	 da
democracia	e	da	própria	Atenas.
“Só	sei	que	nada	sei”
De	 Sócrates,	 ficaram	 várias	 imagens.	 Aristófanes	 (c.	 445-386	 a.C.),	 por	 exemplo,
considera-o	um	sofista.	Sem	razão,	pois,	enquanto	os	sofistas	ensinam	a	argumentar	com
convicção	 sobre	 qualquer	 assunto,	 Sócrates,	 ao	 contrário,	 destrói	 as	 certezas	 com	 bons
argumentos.	 O	 elogio	 de	 Xenofonte	 (431-355	 a.C.),	 discípulo	 do	 filósofo,	 faz	 dele	 um
pensador	 algo	 convencional.	 Platão	 consolidalhe	 uma	 imagem	 definitiva,	 apresentando
toda	 a	originalidade	de	 seu	pensamento	—	que,	 no	 entanto,	 talvez	 seja	mais	do	próprio
Platão	do	que	de	seu	mestre.
Desse	entrechoque	de	imagens,	porém,	uma	sobressai:	a	do	conversador.	Mas	nisso	ele
é	 igual	 a	 outros	 atenienses,	 que,	 sob	 a	 democracia,	 fizeram	 da	 arte	 da	 conversação	 o
principal	 instrumento	de	convivência	 social.	Sócrates	 também	não	se	distingue	pelo	que
fala,	pois	seu	assunto	é	o	que	está	diariamente	na	boca	de	todos.	A	diferença	está	no	modo
como	 ele	 conversa,	 mostrando	 que	 no	 plano	 das	 opiniões	 todos	 têm	 razão	 e,	 por	 isso,
ninguém	 a	 tem.	 Não	 lhe	 interessam	 palavras	 belas	 e	 sedutoras;	 ele	 quer	 conhecer	 a
essência	das	coisas.
Filho	 de	 um	 escultor	 e	 de	 uma	 parteira,	 Sócrates	 nasce	 em	 Atenas.	 Figura	 muito
conhecida	na	cidade,	 talvez	já	fosse	reconhecido	como	“sábio”	quando	contava	cerca	de
40	 anos.	 O	 próprio	 Sócrates,	 na	 versão	 apresentada	 por	 Platão,	 situa	 o	 inícioda	 sua
atividade	intelectual	nessa	fase	já	madura,	quando	teria	recebido	sua	“missão”.
Essa	 missão	 origina-se	 numa	 consulta	 que	 seu	 amigo	 Querefonte	 faz	 aos	 deuses	 do
santuário	 de	 Delfos,	 para	 saber	 se	 havia	 um	 homem	 mais	 sábio	 do	 que	 Sócrates.	 A
resposta	 é	 negativa.	 Intrigado,	 pois	 não	 se	 julgava	 sábio,	 Sócrates	 resolve	 investigar.
Conversa	com	um	político,	por	todos	considerado	sábio,	e	chega	à	conclusão	de	que	este
apenas	passava	por	conhecedor	de	todas	as	coisas.	Diz	o	filósofo,	nas	palavras	transcritas
por	 seu	 discípulo	 Platão:	 “Mais	 sábio	 do	 que	 esse	 homem	 eu	 sou;	 é	 bem	 provável	 que
nenhum	de	nós	saiba	nada	de	bom,	mas	ele	supõe	saber	alguma	coisa	e	não	sabe,	enquanto
eu,	se	não	sei,	tampouco	suponho	saber.	Parece	que	sou	um	nadinha	mais	sábio	do	que	ele
exatamente	 por	 não	 supor	 que	 saiba	 o	 que	 não	 sei”.	 Não	 contente,	 Sócrates	 prossegue
buscando	 alguém	 mais	 sábio,	 acreditando	 estar	 assim	 a	 serviço	 dos	 deuses.	 Mas	 o
resultado	 é	 sempre	 o	 mesmo.	 Todos	 falam	 como	 se	 fossem	 sábios	 e,	 mesmo	 quando
conhecem	algo,	extrapolam	seus	conhecimentos	para	assuntos	dos	quais	não	têm	nenhuma
noção.
Em	busca	da	essência
Sócrates	 simplesmente	 pergunta.	 Não	 ensina;	 quer	 aprender.	 Seu	 pensamento	 parece
desprovido	de	 conteúdo.	Mas,	 se	 não	há	 ensinamentos,	 há	uma	proposta.	Destruindo	 as
respostas	fáceis	dos	interlocutores,	ele	mostra	que	o	pensamento	deve	ser	mais	prudente.
Se	as	respostas	saem	fáceis	é	porque	a	pergunta	foi	mal	formulada,	e	apenas	contorna	o
problema.	 Quando,	 por	 exemplo,	 se	 indaga	 se	 o	 exercício	 militar	 torna	 corajoso	 um
homem,	 as	 possíveis	 respostas	 sempre	 escorregam	 em	 torno	 das	 vantagens	 e	 das
desvantagens	que	esse	treinamento	oferece,	sem	alcançar	o	verdadeiro	problema:	o	que	é	a
coragem.	 Discutem-se	 os	 meios	 (o	 exercício	 militar)	 para	 atingir	 determinados	 fins	 (a
coragem),	 em	 vez	 de	 examinar	 os	 próprios	 fins.	 O	 que	 Sócrates	 propõe	 é	 formular
perguntas	adequadas,	isto	é,	um	método	de	investigação	que	encaminhe	o	pensamento	em
direção	à	essência	das	coisas,	sem	desvios.
Ele,	porém,	nunca	vai	diretamente	à	questão	“o	que	é…?”.	Primeiro	ouve	e	apresenta
objeções	 aos	 argumentos	 dos	 outros.	 É	 como	 se	 o	 pensamento	 tivesse	 de	 experimentar
possibilidades	 antes	 de	 entrar	 na	 rota	 certa.	 O	 diálogo	 cumpre	 essa	 função	 de
“experimentação”.	 O	 pensamento	 precisa	 de	 um	 interlocutor,	 com	 quem	 possa	 sempre
discutir.	O	verdadeiro	conhecimento	nasce	desse	diálogo;	não	é	transmissível	do	mestre	ao
aluno,	mas	 arrancado	do	 interior	de	uma	discussão	—	um	verdadeiro	 trabalho	de	parto.
Sócrates,	que	dizia	seguir	a	profissão	da	mãe,	parteira,	auxilia	os	homens	a	trazer	à	tona
um	conhecimento	que	já	se	encontra	latente	em	cada	um.
A	pergunta	“o	que	é…?”	não	é	nova.	Remonta	aos	 tempos	dos	primeiros	filósofos	da
Jônia.	 Sócrates,	 no	 entanto,	 transpõe	 essa	 questão,	 inicialmente	 destinada	 ao	mundo	 da
natureza,	 para	 o	 mundo	 dos	 homens	 e	 de	 suas	 ações.	 Em	 Atenas,	 que	 consolidou	 a
democracia	mas	que	assiste	à	sua	decadência,	na	qual	valores	políticos	e	morais	conflitam
cada	vez	mais,	ele	indaga	se	existe	um	valor	essencial	a	todos	os	homens,	algo	que	seja	a
essência	das	virtudes	particulares	como	coragem,	sabedoria	e	justiça.
A	condenação	da	Ética
A	Sócrates	interessam	o	homem	e	suas	ações,	exatamente	aquelas	tidas	como	virtuosas,
numa	época	em	que	ser	virtuoso	é	quase	sinônimo	de	ser	cidadão	e	 tudo	se	 justifica	em
nome	da	virtude	—	até	mesmo	as	injustiças.	Ele	pergunta	o	que	é	a	sabedoria,	a	beleza,	a
coragem,	a	 justiça	porque	procura,	a	partir	desses	diversos	aspectos	da	virtude,	chegar	à
questão	das	questões:	o	que	é	a	virtude?
Conhecê-la	 torna-se,	 assim,	 o	 principal	 objetivo	 do	 verdadeiro	 conhecimento	 —	 só
pratica	o	mal	quem	ignora	o	que	seja	a	virtude.	E	quem	tem	o	verdadeiro	conhecimento	só
pode	agir	bem.	Desse	modo,	conhecimento	e	virtu-de	tornam-se	sinônimos.	Com	Sócrates,
as	 questões	morais	 deixam	de	 ser	 tratadas	 como	 convenções	 baseadas	 nos	 costumes,	 as
quais	se	modificam	conforme	as	circunstâncias	e	os	 interesses,	para	se	 tornar	problemas
que	exigem	do	pensamento	uma	elucidação	racional.	Nesse	sentido,	ele	é	o	fundador	da
Ética.
Pensar	 racionalmente	 as	 questões	 morais	 implica	 denunciar	 tudo	 aquilo	 que	 aparece
como	virtude,	desmascarando-o	na	 sua	 falsidade.	Mas	com	 isso	Sócrates	põe	o	dedo	na
ferida	da	própria	Atenas,	que	mergulhara	em	vícios	e	na	corrupção,	e	fingia	ser	justa.	Os
poderosos	decidem	condená-lo.	O	pretexto	é	o	de	ofender	os	deuses	da	cidade	e	corromper
a	 juventude.	 Baseia-se,	 esta	 última	 acusação,	 no	 fato	 de	 Sócrates	 não	 esconder	 seus
hábitos	 homossexuais	 (um	 comportamento	 permitido	 e	 comum	 na	 época).	 Procurava
cercar-se	sempre	de	rapazes	jovens	e	belos.
A	defesa	que	Sócrates	faz	de	si	próprio,	relatada	por	Platão,	é	um	libelo	contra	os	que	o
julgam.	Altivo,	não	pede	clemência.	Sua	morte	é	decretada	a	contragosto.	Espera-se	que
ele	 fuja	 —	 as	 autoridades	 poderiam	 fazer	 vistas	 grossas	 —	 mas	 Sócrates,	 cidadão
ateniense,	 acha	 que	 a	 lei	 é	 soberana.	 Despede-se	 serenamente	 dos	 amigos	 e	 morre
tomando	 um	 cálice	 de	 cicuta,	 veneno	 extraído	 de	 uma	 pequena	 planta	 que	 crescia	 em
pântanos	nos	arredores	da	cidade.
PLATÃO	E	O	MUNDO	DO	OUTRO
Platão	(c.	428-347	a.C.),	o	mais	importante	continuador	da	obra	de	Sócrates,	é	quem	dá
à	 filosofia	 a	 sua	 primeira	 grande	 sistematização.	 Desde	 as	 investigações	 dos	 filósofos
pioneiros,	sobre	o	princípio	do	mundo,	ou	as	exigências	lógicas	de	Parmênides	e	Zenão,	e
os	impasses	a	respeito	do	movimento	e	da	pluralidade	das	coisas,	até	as	questões	sobre	os
valores	 humanos	 (formuladas,	 de	 um	 lado,	 pelos	 sofistas	 e,	 de	 outro,	 por	 Sócrates),
passando	pelos	rigorosos	estudos	matemáticos	dos	pitagóricos,	 todos	esses	aspectos,	que
constituíram	 os	 temas	 do	 pensamento	 ocidental,	 encontram-se	 não	 apenas	 sintetizados,
mas	também	colocados	em	novos	termos	por	Platão.
A	 força	 dessa	 síntese	 é	 tal	 que,	 em	 pleno	 século	 XX,	 o	 filósofo	 inglês	 Alfred	 N.
Whitehead	dirá	que	a	história	da	filosofia	não	passa	de	uma	sucessão	de	notas	de	rodapé
da	obra	de	Platão.	Ou,	como	afirmará	o	francês	François	Châtelet,	somos	todos	discípulos
de	Platão.	Exagerados	ou	não,	esses	comentários	referem-se	ao	fato	de	que	praticamente
tudo	o	que	a	filosofia,	a	partir	de	Platão,	irá	tomar	como	tema	tem	origem	nele,	seja	para
aprofundar	o	pensamento,	seja	para	refutá-lo.
Para	Platão,	a	vida	de	Atenas	é	a	prova	viva	do	que	mostrava	Sócrates	ao	denunciar,
com	 suas	 perguntas,	 o	 falso	 saber	 dos	 homens,	 sobretudo	 no	 que	 se	 refere	 aos	 valores
humanos.	Como	Platão	mesmo	 afirma	 numa	 carta	 autobiográfica	 (Carta	VII),	 a	 política
ateniense,	que	se	orgulhava	de	 ter	um	governo	o	mais	 justo,	degenerava	de	 injustiça	em
injustiça.	 “A	 legislação	 e	 a	 moralidade	 estavam	 a	 tal	 ponto	 corrompidas	 que	 eu,	 antes
cheio	de	ardor	para	trabalhar	para	o	bem	público,	considerando	essa	situação	e	vendo	que
tudo	 rumava	 à	 deriva,	 acabei	 por	 ficar	 aturdido”,	 escreveu.	A	 condenação	 e	 a	morte	 de
Sócrates	em	399	a.C.	resumem	esse	estado	de	coisas.
Desiludido,	 Platão	 abandona	 o	 ideal	 de	 participação	 política	 alimentado	 desde	 a
juventude:	 “Fui	 então	 irresistivelmente	 levado	 a	 louvar	 a	 verdadeira	 filosofia	 e	 a
proclamar	que	somente	à	sua	luz	se	pode	reconhecer	onde	está	a	justiça	na	vida	pública	e
na	vida	privada”.	Compra	então	uma	propriedade	(a	Academos)	nos	arredores	de	Atenas	e
ali	funda,	por	volta	de	387	a.C.,	uma	escola,	a	Academia,	onde	desenvolve	seus	estudos.
A	Academia	não	é	uma	instituição	escolar	no	sentido	moderno.	É	antes	uma	espécie	de
irmandade,	com	certas	conotações	religiosas,	em	que	se	discutelivremente	a	respeito	de
temas	como	matemática,	música	e	astronomia,	além	de	questões	propriamente	filosóficas.
Na	 entrada,	 um	 lema	 indica	 a	 inspiração	 pitagórica:	 “Não	 entre	 quem	 não	 saiba
geometria”.
Pela	dialética,	a	theoría
Platão	 faz	 da	 crise	 política	 da	 cidade	 um	 tema	 de	 reflexão.	 Procura	 um	 fundamento
sólido	 para	 a	 conduta	 humana,	 pois,	 segundo	 ele,	 as	 ações	 não	 se	 justificam	 por	 si
mesmas,	nem	as	opiniões	 ligadas	a	essas	ações.	É	preciso	afastar-se	da	vida	prática	dos
homens,	desviando	o	olhar	para	um	outro	lugar	onde	se	possa	encontrar	a	Verdade,	para
fazer	dela	matéria	de	contemplação	(theoría):	o	abandono	da	política	significa	essa	opção
radical	pela	teoria.
Mas,	se	somente	a	teoria	pode	fornecer	critérios	para	as	ações	humanas,	em	que	basear
esses	 critérios?	 Na	 teoria	 mesma.	 Ela,	 e	 só	 ela,	 pode	 proporcionar,	 a	 cada	 pas-so,	 sua
justificativa.	Por	isso	Platão	é	levado	a	desenvolver	um	pensamento	sistemático,	coerente,
que	 enfrente	 todas	 as	 dificuldades	 com	 seus	 próprios	 recursos.	 Do	 problema	 político-
moral	inicial,	sua	indagação	vai	desdobrarse	em	várias	direções,	todas	interligadas.
A	 possibilidade	 do	 conhecimento	 teórico	 que	 se	 autofundamente	 e	 que	 proclame	 sua
validade	 unicamente	 pela	 força	 de	 suas	 demonstrações	 é	 dada	 pelo	método	 que	 Platão
denomina	“dialética”.	Na	origem,	essa	palavra	designava	a	 técnica	da	discussão,	e	nesse
sentido	 é	 a	 arte	 cultivada	 e	 ensinada	 pelos	 sofistas.	Mas,	 para	 Platão,	 dialética	 é	 outra
coisa.	Seu	modelo	são	os	Diálogos	de	Sócrates,	cujo	encadeamento	preciso	de	raciocínios
impossibilitava	refutações.
Mas	Sócrates	produzia	um	saber	negativo:	levava	seus	interlocutores	a	saber	que	nada
sabiam.	 Platão,	 ao	 contrário,	 quer	 ir	 além	 e	 produzir	 um	 saber	 positivo.	 Os	Diálogos
cumprem	esse	objetivo.	Por	meio	de	afirmações,	e	de	objeções	a	elas,	vai	se	formando	um
consenso	 que,	 em	 vez	 de	 mero	 consentimento,	 é	 uma	 autêntica	 unanimidade	 de
pensamento,	pois	as	conclusões	a	que	se	chega	são	incontestáveis	e	não	admitem	nenhuma
outra	solução.	Desse	modo,	de	passo	em	passo,	o	pensamento	separa	o	que	é	aparente	do
que	é	essencial.
A	origem	das	coisas
Em	 Timeu	 Platão	 supõe	 a	 existência	 de	 um	 deus,	 o	 Demiurgo	 (“fabricante”	 ou
“artesão”),	 que,	 contemplando	 a	 beleza	 das	 idéias	 já	 existentes,	 tratou	 de	 reproduzilas.
Tomou	 então	 do	 material	 disponível,	 algo	 como	 o	 Caos	 inicial	 da	 mitologia,	 e	 foi
modelando,	 à	 semelhança	 das	 idéias,	 todos	 os	 seres	 do	 mundo.	 A	 obra	 é	 perfeita	 —
descontada	a	imperfeição	do	material	empregado.
O	conjunto	dessa	obra	é	o	mundo,	que	no	todo	apresenta	uma	ordem,	e	que	é	como	o
ser	 de	 Parmênides:	 esférico	 (a	 figura	mais	 perfeita),	 único,	 limitado	 e,	 uma	 vez	 criado,
eterno.	No	entanto,	não	se	trata	do	ser	parmenideano,	que	não	admitia	o	não-ser.	O	nada,
antes	impensável,	muda	de	significado	em	Platão:	é	o	Outro,	algo	que	não	são	as	idéias	(o
Mesmo),	isto	é,	a	própria	matéria	de	que	é	feito	o	mundo.	É	esse	Outro	que	faz	com	que	o
mundo	 seja,	 em	 seus	 aspectos	 particulares,	 dominado	 por	 variações,	 pluralidades,
aparências,	opiniões	e	injustiças.
Nesse	 sentido,	Platão,	que	 se	 retira	do	mundo	 instável	da	política	para	contemplar	 as
idéias,	não	o	faz	por	mero	amor	à	teoria.	Para	ele,	essa	contemplação,	pela	qual	se	conhece
o	Bem,	é	condição	para	retornar	ao	universo	sensível	e	imperfeito,	a	fim	de	moldá-lo,	tal
qual	o	Demiurgo,	 à	 imagem	e	 semelhança	das	 idéias.	Nesse	 longo	percurso,	que	vai	do
mundo	da	injustiça	até	o	Bem	e	que	volta	ao	mesmo	mundo	injusto	—	percurso	que	ficou
conhecido	como	“dialética	ascendente”	e	“dialética	descendente”	—,	ele	teve	de	abranger
praticamente	todos	os	temas	que	mais	tarde	alimentariam	a	história	da	filosofia.
As	aparências	e	as	Idéias
A	“verdadeira	filosofia”,	proclamada	por	Platão,	recusa	a	solução	dos	sofistas,	para	os
quais	 a	 justiça	 e	 a	 injustiça	 não	 passam	 de	 convenções.	 Sócrates	 já	 havia	 apontado	 um
caminho	 diferente:	 uma	 e	 outra	 confundem-se	 porque	 os	 homens	 não	 sabem
verdadeiramente	 o	 que	 é	 a	 justiça,	 isto	 é,	 não	 conhecem	 a	 sua	 essência.	 Ao	 contrário,
permanecem	 no	 nível	 das	 aparências,	 que	 são	 o	 modo	 como	 as	 coisas	 aparecem	 aos
homens	 e	 o	 modo	 como	 estes	 as	 percebem	 por	 meio	 das	 sensações,	 dos	 sentidos.	 As
aparências	 constituem	 assim	 o	 mundo	 dos	 sentidos,	 o	 mundo	 sensível,	 em	 que	 tudo	 é
instável	e	variável,	de	acordo	com	as	circunstâncias	e	os	pontos	de	vista.
Nesse	mundo	sensível,	cada	um	se	apega	a	um	aspecto	das	aparências	e	o	 transforma
em	certeza,	 em	“verdade”.	E,	 como	cada	um	percebe	o	mundo	de	maneira	diferente,	 as
opiniões	que	resultam	dessa	percepção	também	são	variadas	e	divergentes.	Além	disso,	é
comum	que	as	opiniões	ocultem	interesses	pessoais.	Desse	modo,	a	opinião	(doxa)	jamais
pode	proporcionar	o	verdadeiro	conhecimento,	que	é	a	ciência	(episteme).
É	possível	obter	esse	conhecimento,	o	que	implica	ultrapassar	o	nível	da	opinião?	Sim,
com	 uma	 condição:	 a	 de	 que	 as	 essências	 existam.	 Para	 Platão,	 elas	 existem,	 e	 disso	 a
geometria	 fornece	 exemplos.	 Afinal,	 essa	 ciência	 trabalha	 com	 figuras	 perfeitas
(triângulos,	círculos	etc.),	que,	embora	não	se	encontrem	no	mundo	sensível,	existem	no
universo	 intelectual.	E,	mesmo	 fora	do	âmbito	da	geometria,	percebemos,	por	meio	dos
sentidos,	 uma	 diversidade	 de	 cavalos,	 de	 diferentes	 tamanhos	 e	 cores,	 mas	 jamais	 nos
enganamos	sobre	eles:	são	todos	cavalos.	Assim	também	é	a	justiça,	em	nome	da	qual	se
faz	tanta	controvérsia.	Há	algo	que	mesmo	intuitivamente	se	pode	reconhecer	como	justo.
É	preciso	então	que	haja	a	essência	das	figuras	geométricas,	do	cavalo,	da	justiça.
Platão	denomina	essas	essências	de	eidos,	palavra	que	pode	ser	traduzida	por	idéia	ou
forma.	Assim,	se	no	mundo	sensível	há	vários	cavalos	diferentes,	existe,	por	outro	 lado,
uma	única	idéia	de	Cavalo.	E,	para	os	diferentes	círculos	que	percebemos,	há	uma	só	idéia
de	Círculo.	A	pluralidade	das	coisas	e	as	mudanças	são	próprias	do	mundo	sensível;	cada
idéia,	ao	contrário,	é	única	e	imutável,	existindo	verdadeiramente,	e	não	apenas	no	senti-
do	 ideal,	 tal	 como	 hoje	 comumente	 o	 entendemos.	 Assim,	 o	 mundo	 supra-sensível	 ou
inteligível	 existe	 de	 forma	 anterior	 e	 mais	 efetiva	 do	 que	 o	 mundo	 sensível.	 É	 ele	 o
verdadeiro	mundo	real.
A	Verdade,	plena	de	luz
Esses	dois	mundos,	segundo	Platão,	embora	separados,	estão	relacionados	num	sentido
preciso:	 as	 coisas	 sensíveis	 imitam	 as	 idéias	 que	 lhes	 correspondem,	 do	 mesmo	 modo
como	um	pintor	imita	em	seu	quadro	a	natureza.	Como	imitação,	as	coisas	sensíveis	são
sempre	 imperfeitas,	 e	 isso	 explica	 por	 que	 o	 mundo	 sensível	 é	 variado	 e	 sempre	 em
mutação.
Mas	 é	 também	 por	 essa	 relação	 de	 imitação	 que	 os	 homens,	 situados	 no	 mundo
sensível,	podem	conhecer	as	idéias,	como	quem	se	lembra	do	modelo	de	que	foi	tirada	a
cópia.	Conhecer	é	assim	reconhecer,	 lembrar-se	das	 idéias	que	foram	contempladas	pela
alma,	mas	esquecidas	por	causa	do	apego	do	corpo	às	coisas	sensíveis.	A	alma	possui	essa
capacidade	de	reconhecer	as	idéias	porque	de	certo	modo	participa	do	mundo	inteligível:
como	as	 idéias,	ela	é	 imaterial,	 incorpórea	e	 impalpável,	constituindo	um	elo	de	 ligação
que	ainda	mantemos	com	o	inteligível.
Por	fim,	o	despertar	da	alma	para	o	mundo	inteligível	faz-se	por	um	sentimento,	que	é	o
amor.	 Inicialmente,	 o	 amor	 é	 carnal	 e	 deseja	 um	 corpo	 belo,	mas,	 aos	 poucos,	 passa	 a
desejar	a	própria	Beleza	e	o	conhecimento	da	sua	idéia.	E	o	que	pode	haver	de	mais	belo
para	o	intelecto	senão	a	Verdade?
O	 amor	 que	 deseja	 a	 Verdade	 é	 a	 própria	 filosofia	 (literalmente,	 “amor	 ao	 saber”).
Platão	ilustra	os	passos	desse	amor	quedeseja	conhecer	por	meio	da	célebre	alegoria	da
caverna,	que	abre	o	Livro	VII	de	A	República.
Segundo	essa	 alegoria,	 o	mundo	 sensível	 é	 como	uma	caverna	em	que	os	homens	 se
encontram	acorrentados	de	 tal	modo	que	 só	podem	olhar	para	as	paredes	escuras.	Atrás
deles	há	uma	fogueira	cuja	luz	projeta	na	parede	sombras	obscuras	—	a	única	realidade,
para	esses	homens.	Mas	um	deles	consegue	escapar.	Fora	da	caverna,	a	intensa	luz	do	Sol
ofusca-lhe	a	visão.	Os	olhos,	porém,	acostumam-se	à	claridade	e	ele	vê	a	verdadeira	e	bela
realidade:	o	mundo	inteligível.	Maravilhado,	não	pode	deixar	de	voltar	à	caverna,	a	fim	de
comunicar	 aos	 companheiros	 a	 sua	 descoberta.	Mas	 eles	 não	 o	 compreendem.	 Riem	 e,
depois,	matam-no.
O	filósofo	que	chega	à	verdadeira	realidade	tem	uma	missão:	a	de	voltar	à	caverna,	ao
mundo	sensível	dos	homens,	mesmo	que	ali	seja	incompreendido.	Afinal,	viu	a	luz	do	Sol
que	 ilumina	 toda	 a	 realidade;	 a	 luz	 que,	 ao	 possibilitar	 o	 conhecimento,	 proporciona
também	 o	 conhecimento	 de	 como	 os	 homens	 devem	 agir.	 Conhecer,	 para	 Platão,	 é
conhecer	o	Bem,	a	Idéia	suprema	que,	como	o	Sol,	ilumina	as	demais	idéias,	tornando-as
compreensíveis.
Conhecer	 o	 Bem	 significa	 que	 finalmente	 é	 possível	 organizar	 a	 cidade	 não	 mais
segundo	as	opiniões,	mas	ten-do	como	base	o	verdadeiro	conhecimento.	Este	mostra	que	a
cidade	 depende	 de	 três	 funções:	 a	 satisfação	 das	 necessidades	 básicas	 dos	 habitantes,	 a
defesa	do	território	e,	por	fim,	a	administração.	A	população,	por	isso,	deve	ser	dividida
nessas	funções,	segundo	a	aptidão	de	cada	um:	uns	serão	agricultores	e	artesãos;	outros,
guerreiros	e	guardiães	da	cidade.	Aqueles,	por	fim,	que	se	destacarem	nos	diversos	níveis
progressivos	de	educação	pelo	verdadeiro	conhecimento,	devem	dirigir	a	cidade.	Por	isso,
diz	 Platão,	 na	Carta	VII:	 “Os	males	 não	 cessarão	 para	 os	 homens	 antes	 que	 a	 raça	 dos
puros	 e	 autênticos	 filósofos	 chegue	 ao	 poder”.	 Uma	 conclusão	 talvez	 drástica	 mas
inevitável	 para	 quem	 foi	 levado	 à	 filosofia	 pelo	 desencanto	 com	 a	 política	 cega	 dos
homens.
ARISTÓTELES	E	A	BUSCA	DA	FELICIDADE
Aristóteles	 tem	 na	 história	 da	 filosofia	 uma	 influência	 decisiva.	 No	 período	 final	 da
Idade	Média,	a	versão	cristã	de	seu	pensamento	torna-se	praticamente	a	doutrina	oficial	da
Igreja.	A	ciência	moderna	que	nasce	no	Renascimento	desenvolve-se	em	meio	a	acirrado
combate	 contra	 o	 aristotelismo	 (ou	 a	 imagem	 que	 se	 criou	 a	 seu	 respeito).	 Pensadores
como	Kant,	 no	 século	XVIII,	Hegel	 e	Marx,	 no	 século	XIX,	 fazem	de	Aristóteles	 uma
fonte	de	inspiração,	e	até	hoje	se	discutem	as	questões	lógicas	por	ele	propostas.	Tamanha
influência	presta-se	também	a	equívocos.	Muitos,	simplificadamente,	opõem	Aristóteles	a
seu	mestre	 Platão,	 e	 outros,	 mesmo	 séculos	 após	 assentada	 a	 poeira	 das	 lutas	 contra	 o
aristotelismo,	continuam	a	considerá-lo	o	grande	 inimigo	do	desenvolvimento	científico,
ignorando	as	marcas	que	ele	deixou	na	própria	ciência.
Aristóteles	nasce	em	384	a.C.	na	cidade	de	Estagira	(daí	ser	conhecido	também	por	O
Estagirita),	 na	 Calcídica,	 que	 se	 encontra	 sob	 a	 dependência	 da	 Macedônia.	 Mas	 sua
relação	com	este	reino	—	que	logo	mais	seria	um	grande	império,	subjugando	a	Grécia	e,
depois,	a	Pérsia	—	não	se	limita	ao	local	de	nascimento.	Nicômaco,	seu	pai,	era	médico	da
corte	 de	 Filipe,	 rei	 da	 Macedônia.	 O	 filho	 deste,	 o	 célebre	 Alexandre	 Magno,	 teve	 o
próprio	Aristóteles	como	preceptor,	entre	343	e	340	a.C.
(As	relações	do	filósofo	com	Alexandre	são	motivo	de	suspeitas:	em	323	a.C.,	quando
morre	 este,	 Aristóteles	 é	 levado	 ao	 tribunal	 de	 Atenas	 sob	 pretextos	 religiosos.
Condenado,	prefere	não	seguir	o	exemplo	de	Sócrates,	para	que,	segundo	suas	palavras,	os
atenienses	 “não	 pequem	 uma	 vez	 mais	 contra	 a	 filosofia”.	 Desterrado,	 morre	 no	 ano
seguinte.)
Aristóteles	revela-se	um	destacado	discípulo	da	Academia,	onde	realiza	seus	estudos	de
366	a.C.	até	a	morte	de	Platão	(347	a.C.).	Mais	tarde,	quando	Alexandre	sucede	ao	pai	e
inicia	 a	 consolidação	do	 império,	o	 ex-preceptor	volta	 a	Atenas	para	 fundar	 sua	própria
escola,	o	Liceu,	próximo	ao	 templo	dedicado	a	Apolo	Liceano,	nos	arredores	da	cidade.
Ao	 contrário	 da	Academia,	 que	 se	 ocupa	 sobretudo	da	matemática,	 o	Liceu	 é	 antes	 um
centro	 de	 estudo	 de	 ciências	 naturais.	 Ali,	 Aristóteles	 mantém	 dois	 tipos	 de	 cursos:	 o
chamado	 “exotérico”,	 destinado	 a	 um	 público	 amplo,	 e	 o	 “esotérico”,	ministrado	 a	 um
círculo	mais	restrito	de	discípulos.
Uma	obra	fragmentada
Aristóteles	 escreveu	 uma	 série	 de	 trabalhos	 definitivos,	 com	 grande	 preocupação
literária	e	em	forma	de	diálogos,	à	maneira	de	Platão.	Mas	só	se	tem	notícia	disso	pelas
citações	feitas	por	autores	posteriores,	como	Cícero,	Plutarco,	Diógenes	Laércio,	Jâmblico
e	outros.	Isso	porque	o	que	resta	da	vasta	obra	aristotélica	limita-se	praticamente	a	notas
que	 o	 filósofo	 preparava	 para	 seus	 ensinamentos	 no	 Liceu.	 Como	 tais,	 tinham	 caráter
resumido,	apenas	indicativo	e	muitas	vezes	só	compreensíveis	para	o	próprio	autor.
As	obras	que	sobreviveram	ao	tempo	—	precisamente	as	notas	às	quais	se	acrescentam
outras,	anotadas	por	seus	discípulos	—	foram	primeiramente	organizadas	por	Andronico
de	Rodes,	no	século	 I	a.C.,	e	 formam	um	con-junto	conhecido	pelo	nome	 latino	Corpus
Aristotelicum.	Dele	fazem	parte	tratados	lógicos,	sobre	a	física	e	a	concepção	do	universo,
psicológicos	e	biológicos,	metafísicos,	ético-políticos,	sobre	linguagem	e	estética.
Os	 primeiros	 textos,	 de	 que	 se	 conhecem	 alguns	 fragmentos,	 são	 de	 forte	 influência
platônica	até	no	título	(como	O	Banquete,	O	Sofista,	O	Político),	e	tratam	de	temas	como	a
imortalidade	 da	 alma	 (em	 Eudemo)	 e	 a	 exortação	 da	 “verdadeira	 filosofia”	 (em
Protréptico).	A	ruptura	com	o	pensamento	do	mestre	ocorre	após	a	saída	da	Academia:	a
obra	Sobre	a	Filosofia,	desse	período,	 contém	a	crítica	da	 teoria	das	 idéias.	A	partir	daí
Aristóteles	desenvolveria	seu	próprio	caminho.
Isso,	porém,	não	significa	que	ele	seja	radicalmente	antiplatônico.	Se	diverge	de	Platão,
seu	 pensamento	 supõe,	 por	 isso	 mesmo,	 o	 do	 mestre.	 Mais	 do	 que	 isso,	 com	 essa
divergência	 Aristóteles	 procura	 “salvar”	 o	 platonismo,	 depurando-lhe	 os	 aspectos
incongruentes	e	fazendo-o	descer	ao	mundo	sensível	—	o	que	Platão,	apesar	das	intenções
proclamadas,	raramente	conseguia,	por	considerá-lo	mera	aparência.
A	crítica	ao	mundo	inteligível
Por	se	dedicar	ao	estudo	dos	seres	vivos	e	de	tudo	o	que	a	natureza	contém,	Aristóteles
não	despreza,	como	seu	mestre,	a	observação	das	coisas	que	se	apresentam	aos	sentidos.
Mais	 do	 que	 isso,	 procura	 integrar	 a	 percepção	 do	 mundo	 sensível	 ao	 conhecimento
científico	e	filosófico.
Isso,	 porém,	 não	 significa	 que	 ele	 tenha	 sucumbido	 ao	 mundo	 sensível	 e	 às	 suas
variações	e	incertezas.	Se	recusa	a	solução	do	mestre	é	porque,	no	seu	entender,	o	mundo
inteligível	 concebido	 por	 Platão	 apenas	 explica	 a	 imperfeição	 do	 mundo	 sensível,	 mas
nada	 além	 disso;	 é	 incapaz	 de	 explicar	 o	 universo	 dos	 sentidos,	 a	 diversidade	 e	 o
movimento	que	nele	ocorrem,	a	não	ser	pelo	recurso	duvidoso	de	um	Demiurgo	fabricante
do	universo.
Se	o	mundo	 inteligível	 é	uma	 ficção	desnecessária	 e	 inútil,	 só	 resta	 ao	conhecimento
tornar-se	 o	 conhecimento	do	mundo	 sensível,	 onde	 existe	 não	 a	 idéia	 de	Homem	ou	de
Cavalo,	como	queria	Platão,	mas	homens	e	cavalos	individuais.	Os	sentidos	que	captam	as
coisas	individuais	constituem	assim	o	ponto	de	partida.	A	percepção	dessas	coisas	produz,
no	 intelecto,	 imagens	 a	 elas	 correspondentes	 (de	 diversos	 cavalos,	 por	 exemplo).	 A
atividade	do	intelecto	consiste	em	separar	dessas	imagens	os	aspectos	acidentais,	como	o
tamanho	 e	 a	 cor,	 para	 ficar	 com

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