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DROGAS ANTIVIRAIS QUE INTERFEREM COM A REPLICAÇÃO DO ÁCIDO NUCLEICO VIRAL Essas drogas são representadas pelos seguintes fármacos: cidofovir, citarabina, fomivirsen, idoxuridina, trifluorotimidina, vidarabina, aciclovir, valaciclovir, ganciclovir, penciclovir, fanciclovir, foscarnet e ribavirina. Cidofovir MECANISMO DE AÇÃO O cidofovir é um nucleosídio purínico sintético que é análogo à citosina. É um nucleotídio fosforilado que é adicionalmente fosforilado por enzimas da célula hospedeira ao metabólito intracelular ativo, o difosfato de cidofovir. Essa reação é promovida pelas cinases nucleosídicas virais. O cidofovir apresenta efeitos antivirais porque interfere com a síntese do DNA e inibe a replicação viral. FARMACOCINÉTICA O cidofovir tópico (0,2%) é tão ativo quanto a trifluridina (1%) na redução do desnudamento do HSV-1 e do tempo de cura em coelhos com ceratite dendrítica. O cidofovir é administrado IV ou topicamente por aplicação ocular. APLICAÇÕES CLÍNICAS O cidofovir é ativo contra os herpesvírus HSV-1 e HSV-2, CMV e EBV. O cidofovir é eficiente contra raças de HSV resistentes ao aciclovir e raças de CMV resistentes ao ganciclovir. O cidofovir é uma droga de ação longa contra retinite por CMV em pacientes com AIDS, administrado como infusão IV ou injeção intravítrea. O principal efeito adverso é a nefrotoxicidade, representada por lesão tubular renal. A administração concomitante de cidofovir com probenecida é contraindicada devido ao aumento da nefrotoxicidade. Citarabina MECANISMO DE AÇÃO A citarabina é um nucleosídio pirimidínico relacionado com a ido- xuridina. É usada primariamente como antineoplásico. Age por blo- queio da utilização da desoxicitidina, inibindo a replicação do DNA viral. A droga é, inicialmente, convertida em mono-, di- e trifosfato, os quais interferem com a síntese do DNA, inibindo a DNA polimerase e a redutase, a qual promove a conversão do difosfato de citidina em derivados desoxi. APLICAÇÕES CLÍNICAS A citarabina é usada no tratamento do linfoma de Burkitt e das leucemias mieloide e linfática. Seu uso como antiviral é feito no tratamento na infecção pelo herpes-zóster. É também usada na ceratite herpética e nas infecções virais resis- tentes à idoxuridina. A droga é usualmente utilizada topicamente, mas tem sido dada por injeção IV em pacientes com infecção herpética grave. A citarabina é rapidamente desaminada em um derivado inativo, o arabinosiluramicil, que é excretado pela urina. A meia-vida da droga é de 3 a 5 horas. Os efeitos tóxicos da citarabina se situam principalmente na medula óssea, no trato gastrointestinal e no rim. A droga não é usada nos meses iniciais da gravidez por causa dos seus efeitos teratogênicos e carcinogênicos em animais. Fomivirsen O fomivirsen sódico é usado contra CMV que provoca retinite em pacientes com AIDS. Tais pacientes respondem ao fomivirsen, mas não a outros tratamentos da retinite por CMV, doença que causa cegueira. O fomivirsen foi a primeira droga oligonucleica antissentido aprova- da como um medicamento alternativo para pacientes com retinite causada pelo CMV, nos quais outras drogas tenham sido ineficazes. O fomivirsen atua inibindo a síntese de proteínas responsáveis pela expressão dos genes virais envolvidos na retinite por CMV. O fomivir- sen só age no olho em que é injetado. Não é recomendado se o cidofo- vir for utilizado nas últimas 2-4 semanas por causa do risco aumentado de inflamação ocular. O fomivirsen é aplicado em 2 doses de indução, seguidas por doses mensais de manutenção, sendo cada 330 mg administrados por via in- travítrea. A droga provoca aumento da pressão intraocular, que deve ser monitorada pelo oftalmologista. O fomivirsen é também utilizado na doença de Crohn e em certas neoplasias. Como efeitos colaterais, são citados inflamação ocular, visão anor- mal, catarata, dor ocular e problemas retinianos. eosídio que encerra uma pirimidina haloge- nada e é um análogo da timidina. Idoxuridina MECANISMO DE AÇÃO A idoxuridina é um nucleosídio que encerra uma pirimidina haloge- nada e é um análogo da timidina. A idoxuridina atua como droga antiviral contra os vírus de DNA porque interfere na sua replicação, devido à semelhança das suas es- truturas. Inicialmente, a idoxuridina é fosforilada pela enzima timidina cinase codificada pelo vírus na célula hospedeira, numa forma de trifosfato. A droga fosforilada inibe a DNA polimerase celular em menor escala do que a DNA polimerase do HSV, que é necessária para a síntese do DNA viral. A forma de trifosfato da droga é então incorporada durante a síntese do ácido nucleico viral por sistema falso de pareamento que substitui a timidina. Na transcrição, as proteínas virais falsas são for- madas, o que resulta em partículas virais defeituosas. APLICAÇÕES CLÍNICAS A idoxuridina, sob a forma de gotas (0,1%) e unguento (0,5%), é usada no tratamento da ceratoconjutivite por HSV, que é a causa mais frequente de cegueira nos Estados Unidos. Devido à sua fraca solubilidade, a droga é ineficaz em herpes-zóster cutâneo. Entretanto, a idoxuridina como dimetilsulfóxido tem sido usada em infecção cutânea por HSV da boca e do nariz. Como o dimetilsulfóxido facilita a absorção da droga e também possui algum efeito terapêutico, uma solução a 40% de idoxuridina em dimetilsulfóxido é mais eficaz do que a solução de idoxuridina usada sem esse veículo. Consequentemente, o FDA aprovou a idoxuridina apenas para tratamento tópico de ceratite por herpes simples, e ela é mais eficiente em infecções epiteliais do que estromais. A droga é menos eficaz em ceratite herpética recorrente provavelmen- te por causa do desenvolvimento de raças virais resistentes à droga. As reações adversas da idoxuridina incluem reações locais de dor, prurido, queimação e hipersensibilidade. A administração sistêmica de idoxuridina por injeção IV pode ser utilizada em emergência, mas provoca toxicidade na medula óssea, com leucopenia, trombocitopenia e anemia. A droga pode também provo- car estomatite, vômito, náusea, anormalidades nas funções hepáticas e alopecia. A idoxuridina tem meia-vida plasmática de 30 minutos e é rapida- mente metabolizada no sangue em idoxuracila e uracila. Trifluorotimidina MECANISMO DE AÇÃO A trifluorotimidina é um nucleosídio piridínico fluorado, estrutural- mente relacionado à idoxuridina. Foi aprovada pelo FDA e é um potente e específico inibidor de re- plicação do HSV-1 in vitro. Seu mecanismo de ação é semelhante ao da idoxuridina. Como outras drogas anti-herpéticas, a trifluorotimidina é inicialmen- te fosforilada pela timidina cinase em formas do mono-, di- e trifosfato, que são incorporadas ao DNA viral em lugar da timidina, bloqueando a formação de RNAm viral posterior e a síntese subsequente de proteínas do virion. APLICAÇÕES CLÍNICAS Por causa da maior solubilidade em água, a trifluorotimidina é ativa contra HSV-1 e 2. É também útil no tratamento de infecções causadas pelo CMV humano e de infecções por VZV. A vantagem do uso dessa droga em comparação com a idoxuridina é a sua elevada eficácia tópica na cura da ceratoconjuntivite e da ceratite epitelial recorrente. A trifluorotimidina é também útil em casos difíceis de irite herpética e ceratite estromal. FARMACOCINÉTICA A trifluorotimidina é disponível em solução oftálmica a 1%, a qual é eficaz também em úlceras dendríticas. Apresenta sensibilidade e toxicidade cruzadas entre trifluorotimidina, idoxuridina e vidarabina. Os efeitos colaterais mais frequentes são queimação temporária, prurido, edema localizado e toxicidade na medula óssea. É menos tóxica que a idoxuridina, porém mais cara. Vidarabina (Ara-A) MECANISMO DE AÇÃO A vidarabina é um nucleosídio adenosínico obtido de culturasde Streptomyces antibioticus. As enzimas celulares convertem a vidara- bina em mono-, di- e trifosfato, que interferem na replicação do ácido nucleico viral, inibindo especificamente os passos iniciais da síntese do DNA. Esse fármaco foi usado originalmente como droga antineoplásica. Em alguns casos, seu efeito antiviral é superior ao da idoxuridina ou da citarabina. APLICAÇÕES CLÍNICAS A vidarabina é usada principalmente na encefalite humana causada por HSV-1 e 2, reduzindo a mortalidade de 70% para 30%. Whitley e cols. reportaram que a terapia precoce com vidarabina é útil para controlar as complicações do herpes-zóster localizado ou dis- seminado em pacientes imunocomprometidos. A vidarabina é também eficaz contra herpes labial em recém-nascidos ou herpes genital, vírus da vacínia, adenovírus, vírus de RNA, papova- vírus, CMV e vírus da varíola. O FDA aprovou um unguento a 3% de vidarabina para tratamento de ceratoconjuntivite causada por herpes simples e em ceratite epitelial recorrente e a injeção IV a 2% para tratamento de encefalite por herpes simples e herpes-zóster. Uma preparação oftálmica de uso tópico de vidarabina é útil em cera- tite por herpes simples, mas pouco eficaz em herpes labial ou genital. Os ésteres de monofosfato de vidarabina são mais hidrossolúveis e podem ser usados em volumes menores e até por via intramuscular. Esses ésteres estão sendo investigados no tratamento da hepatite B, em herpes simples sistêmico e cutâneo e no herpes-zóster, em pacientes imunocomprometidos. FARMACOCINÉTICA A vidarabina é rapidamente desaminada pela adenosina desaminase, que está presente no plasma e nos eritrócitos. A enzima converte a vida- rabina no seu metabólito principal, a arabinosil hipoxantina (ara-HX), que possui fraca ação antiviral. Os efeitos colaterais da vidarabina são, em sua maioria, distúrbios gastrointestinais tais como anorexia, náuseas, vômito e diarreia. Os efeitos no SNC incluem tremores, tontura, síndromes dolorosas e convulsões. Em doses elevadas, pode haver supressão da medula óssea. Como a vidarabina provoca efeitos mutagênicos, carcinogênicos e teratogênicos em estudos animais, deve-se evitar seu uso durante a gravidez. O alopurinol e a teofilina podem interferir no metabolismo da vida- rabina em doses mais elevadas por causa do metabolismo da vidarabina pela xantina oxidase. O ajuste de doses da vidarabina deve ser feito em pacientes com insuficiência renal. Aciclovir O aciclovir foi a droga que deu início à farmacoterapia antiviral se- letiva. O aciclovir é um análogo da 2-desoxiguanosina. Para exercer sua ação antiviral, o aciclovir é transformado em trifosfato de aciclovir. Inicialmente, é convertido em monofosfato, sob a ação de uma timidina cinase que é induzida nas células infectadas pelo vírus do herpes simples, ou pelo vírus de varicela-zóster, ou por uma fosfotransferase produzida pelo citomegalovírus. Em seguida, as enzimas celulares adicionam fosfatos para formar difosfato e trifosfato de aciclovir. O trifosfato de aciclovir inibe a síntese do DNA viral, competindo com o trifosfato de desoxiguanosina, como substrato para a DNA po- limerase viral. Quando o aciclovir (em lugar da 2-desoxiguanosina) é inserido no DNA viral em replicação, a síntese é impedida. A incorporação do monofosfato de aciclovir ao DNA viral é irreversível porque a 3, 5-exonuclease associada à polimerase não pode retirá- lo. Nesse processo, a DNA polimerase é também inativada. O trifosfato de aciclovir inibe a síntese do DNA viral, competindo com o trifosfato de desoxiguanosina, como substrato para a DNA polimerase viral. O trifosfato do aciclovir inibe a síntese viral do DNA por dois mecanismos: (a) Inibição competitiva com a desoxi GTP pela polimerase do DNA viral, o que resulta em ligação ao molde do DNA, formando um complexo irreversível; (b) terminação da cadeia após incorporação ao DNA viral. A fraca produção de trifosfato de aciclovir nas células não infecta- das e sua especificidade pela DNA polimerase viral resultam em efeitos tóxicos celulares mínimos. Além disso, mais de 80% do aciclovir que atinge a circulação é excretado inalterado pela urina. O aciclovir pode ser aplicado topicamente, oralmente ou por via intravenosa. O aciclovir é eficaz no tratamento de infecções causadas pelos tipos 1 e 2 do vírus do herpes simples, pelo vírus de varicela-zóster e por al- gumas formas da doença por citomegalovírus. Nos pacientes infectados pelo vírus da varicela-zóster que estejam imunocompetentes, o aciclovir é aplicado por via oral e, nos pacientes imunocomprometidos, por via intravenosa. Nas infecções pelo herpes simples, as formas principais são: herpes genital, mucocutâneo e encefalite herpética. O aciclovir é também usado para tratar varicela em pacientes imu- nocomprometidos. Profilaticamente, esse antiviral pode ser usado em pacientes que serão tratados com drogas imunossupressoras ou pela ra- dioterapia e que apresentam risco de infecção pelo herpesvírus, devido à reativação de vírus latente. Outro uso profilático do aciclovir se faz em indivíduos que sofrem frequentes recidivas de herpes genital. O aciclovir pode agir contra os vírus de Epstein-Barr e contra o ví- rus B do herpes. Os efeitos adversos do aciclovir são mínimos. Pode haver inflamação local, durante a administração intravenosa, se houver extravasamento da solução. Já foi registrada disfunção renal com aplicação intraveno- sa, que pode ser reduzida se a infusão é lenta. Podem ocorrer cefaleia e náuseas e, raramente, encefalopatia. Valaciclovir O valaciclovir é o éster L-valil do aciclovir. Esse antiviral só é utilizado por via oral. Após a ingestão, a droga é rapidamente convertida em aciclovir, pela valaciclovir hidrolase, no trato gastrointestinal e fígado. O valaciclovir é eficaz contra infecções causadas pelo vírus do herpes simples de varicela-zóster, e é usado profilaticamente na doença causada pelo citomegalovírus. Os efeitos adversos do valaciclovir são semelhan- tes aos do aciclovir. Raramente, o valaciclovir provoca, por mecanismo ainda desconhecido, uma microangiopatia em pacientes com AIDS. Ganciclovir O ganciclovir difere do aciclovir pela adição de um grupo hidrometil na posição 3’da cadeia lateral do aciclovir. O metabolismo e o mecanismo de ação desse antiviral são semelhan- tes aos do aciclovir, com exceção do carbono 3␣ com um grupo hidroxila, que permite a extensão do molde genético, de modo que o ganciclovir não é um inibidor absoluto da cadeia de DNA. O ganciclovir é transformado em monofosfato de ganciclovir por uma fosfotransferase produzida em células infectadas com citomega- lovírus. O ganciclovir é melhor substrato do que o aciclovir para essa fosfo- transferase, e a meia-vida intracelular do trifosfato de ganciclovir é de, pelo menos, 12 horas, em comparação com a de 1 a 2 horas do aciclovir. Essa diferença explica por que o ganciclovir é superior ao aciclovir no tratamento da doença causada pelo citomegalovírus. A concentração plasmática máxima, após administração intraveno- sa de doses usuais, excede de muito os 3 μM necessários para inibir a maioria das raças de citomegalovírus. O ganciclovir intravenoso é eficaz para supressão e tratamento da doença por citomegalovírus. Quando usado por via oral, seu valor é li- mitado pela sua baixa biodisponibilidade (8% a 9%). As infecções pelo citomegalovírus ocorrem principalmente em pa- cientes imunocomprometidos. São infecções oportunistas frequentes nos aidéticos e constituem grande obstáculo para o transplante de órgão e de medula óssea, que necessita de terapia imunossupressora. O ganciclovir provoca sérios efeitos adversos, como, por exemplo, depressão da medula óssea e carcinogênese potencial, e, por tal motivo, só é usado em infecções por citomegalovírus queameaçam a vida de pacientes imunocomprometidos. A via oral pode ser usada no tratamento de manutenção de pacientes aidéticos. Penciclovir O penciclovir é estruturalmente similar ao ganciclovir, diferindo apenas na substituição de uma ponte metilênica pelo oxigênio etéreo na parte acíclica da ribose da molécula. O metabolismo e o mecanismo de ação do penciclovir são similares aos do aciclovir, exceto por não possuir atividade absoluta de inibidor da cadeia de DNA. Os efeitos inibitórios in vitro do penciclovir, contra vírus tipos 1 e 2 do herpes simples e vírus de varicela-zóster, são simi- lares aos do aciclovir. O penciclovir é apenas indicado, em formulação de uso tópico, no tratamento do herpes labial. Fanciclovir O fanciclovir é o análogo diacetil-6-desóxido do penciclovir. Esse antiviral é bem absorvido após administração oral e é rapi- damente metabolizado em penciclovir por desacetilação no trato gas- trointestinal, sangue e fígado, depois do que é oxidado pelo fígado na posição 6 do anel purínico. A meia-vida intracelular de droga ativa, o trifosfato de penciclovir, é muito longa (7 a 20 horas), o que permite posologia de 1 vez por dia. É eficaz contra herpes genital e infecções de herpes-zóster. Foscarnet O foscarnet, ou fosfonoformiato trissódico, é um análogo do piro- fosfato inorgânico. O foscarnet forma complexo com a DNA polimerase viral no seu local de ligação do pirofosfato, evitando a clivagem de pirofosfato de trifosfatos dos nucleosídios, bloqueando assim ulterior extensão esti- mulada pelo molde genético. O foscarnet é aplicado por via intraveno- sa. Não é metabolizado em nível apreciável e é eliminado por filtração glomerular e secreção tubular. O foscarnet é equivalente ao ganciclovir no tratamento da doença por citomegalovírus e superior no tratamento de infecções por vírus do herpes simples, resistentes ao aciclovir. Ribavirina A ribavirina é um análogo da guanosina que possui um anel purínico incompleto em lugar de uma parte acíclica da ribose. Após a fosforilação intracelular, o trifosfato de ribavirina interfere com os eventos iniciais da transcrição viral, tais como cobertura e alon- gamento do RNA mensageiro, e inibe a síntese de ribonucleoproteína. A ribavirina possui largo espectro de atividade in vitro contra vírus RNA. Assim é que atua contra vírus da febre de Lassa, hantavírus (síndrome renal da febre hemorrágica), hepatite C (em hepatites crônicas, em asso- ciação com interferon alfa) e, também, contra vírus sincicial, da influenza A e B, do sarampo e da síndrome pulmonar do hantavírus. A concentração do metabólito mais importante, o 1,2,4-triazol-3- carboxamida, é mais elevada na urina após administração intravenosa, o que implica que a droga seja degradada no trato gastrointestinal e no fígado. A ribavirina, em forma de aerossol, é absorvida sistemicamente, co- mo demonstram as concentrações plasmáticas mensuráveis. A eficácia clínica da ribavirina é demonstrada no tratamento de infecções causadas por vírus da febre hemorrágica, por via oral ou intravenosa, e na hepatite C em associação com interferon alfa. FARMACOTERAPIA DA AIDS O agente etiológico da AIDS é o vírus da imunodeficiência humana HIV. O HIV era antigamente conhecido como HTLV-III ou LAV. O HIV é transmitido por contato sexual, sangue e produtos sanguí- neos, uso de agulhas contaminadas e da mãe para o feto. Foram reconhecidos dois subtipos do HIV. O mais comum é HIV-1, que ocorre no mundo inteiro. O HIV-2 é principalmente encontrado na África e está associado a progressão mais lenta da AIDS do que com HIV-1. O HIV possui elevada afinidade com o receptor CD4 dos linfócitos T, e seu maior efeito sobre o sistema imunológico consiste na depleção progressiva dos linfócitos T-CD4+. Embora não haja padrão rígido para a progressão a partir da infec- ção pelo HIV até a doença da AIDS, um curso típico é representado pelo seguinte. A infecção é seguida por desenvolvimento de anticorpos anti-HIV (soroconversão). Durante a soroconversão, o paciente pode permanecer assintomático ou pode apresentar sintomas transitórios como rash, garganta inflamada e linfadenopatia. A despeito dos anticorpos, a infecção progride, durante um período de meses a vários anos, para linfadenopatia generalizada persistente (síndrome da linfadenopatia) ou para um conjunto mais grave de sin- tomas, conhecido como complexo relacionado à AIDS (ARC), que inclui cansaço, perda de peso, febre recorrente, diarreia e infecções oportunistas. A AIDS se caracteriza por comprometimento grave do sistema imune, o que provoca o desenvolvimento de infecções secundárias (oportunis- tas), especialmente pneumonia pelo Pneumocystis carinii, encefalite por Toxoplasma, candidíases orofaríngeas e esofágicas, meningite cripto- cócica, retinite por citomegalovírus, tuberculose e também neoplasmas secundários tais como sarcoma de Kaposi, linfoma primário do SNC, câncer cervical invasivo e linfoma não Hodgkin. Existem outras complicações que podem incluir trombocitopenia e demência. A definição da AIDS pelo US Centers for Disease Control indica todos os pacientes infectados pelo HIV com a contagem de CD4+ nos linfócitos T menor que 200/microlitro ou menos do que 14% da conta- gem total de linfócitos. A contagem dos CD4+ linfócitos e do RNA do HIV, talvez um método mais preciso, pode ser usada como indicador do quadro clínico da AIDS. Este método é muito utilizado para avaliar o prognóstico, antes de iniciar-se o tratamento e para monitorar o progresso da doença durante o tratamento. A OMS publicou orientação para o diagnóstico e tratamento da in- fecção pelo HIV e distúrbios relacionados em regiões subdesenvolvidas onde, em 2005, havia 3 milhões de pacientes utilizando drogas antirretrovirais. Em geral, as infecções pelo HIV resultam por fim em AIDS, que é invariavelmente fatal. Entretanto, em pequena proporção dos pacientes, o sistema imunológico se estabiliza após um declínio inicial na contagem de CD4+, a despeito de continuada infecção pelo HIV. Até recentemente, a monoterapia com zidovudina (ou com inibidor da transcriptase reversa dos nucleotídios) era a mais utilizada. Atualmente, entretanto, a terapêutica combinada é essencial. As drogas principais utilizadas na terapêutica combinada são: ini- bidores nucleosídicos da transcriptase reversa (zidovudina, abacavir, didanosina, lamivudina, estavudina e zalcitabina), inibidores da pro- tease do HIV (amprenavir, atazanavir, nelfinavir) e inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa (delavirdina, efavirenz e nevirapina). A combinação de três antirretrovirais, isto é, dois inibidores nucle- osídicos de transcriptase reversa mais um inibidor de protease do HIV ou um inibidor não nucleosídico da transcriptase reversa, referida como terapia antirretroviral altamente eficaz ou HAAT (do inglês, highly ac- tive antiretroviral therapy), produz redução nas cargas virais, frequen- temente a níveis abaixo dos limites de detecção, e melhora sustentada na progressão da doença. Parece que a HAAT é necessária para suprimir a replicação viral a fim de inibir o aparecimento de variantes resistentes e a consequente progressão da doença. DROGAS ANTIRRETROVIRAIS São representadas por: (1) inibidores da transcriptase reversa (ini- bidores nucleosídicos e não nucleosídicos); (2) inibidores da protease do HIV. Inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa do HIV Diversos fármacos inibem a replicação viral, agindo como análo- gos nucleosídicos e interferindo com a função da DNA polimerase da transcriptase reversa viral. Após captação pelas células do hospedeiro, os análogos nucleosí- dicos são transformados em suas formas de trifosfato pelas cinases ce- lulares. A fosforilação pelas nucleosídio cinases é essencial para queas dro- gas se tornem ativas na supressão da replicação viral. As formas de trifosfato dos fármacos possuem elevada afinidade pela transcriptase reversa do HIV-1 e competem com os substratos naturais da enzima (fosfatos de desoxinucleosídio) pela ligação à transcriptase reversa (RT). Os trifosfatos dos fármacos são incorporados à cadeia de DNA em crescimento, provocando o término prematuro da cadeia, porque os fármacos não possuem o grupo 3␣-hidroxila para formar a ligação fos- fodiéster com o nucleotídio que chega. Os análogos nucleosídicos inibidores da transcriptase reversa pos- suem atividade contra diversos retrovírus, tais como HIV-1, HIV-2 e o tipo 1 de vírus linfotrópico-T humano (HTLV-1). Os análogos nucleo- sídicos inibidores da RT são representados pelos seguintes fármacos: zidovudina, didanosina, zalcitabina, estavudina, lamivudina, abacavir e tenofovir. ZIDOVUDINA A zidovudina é também conhecida como retrovir, AZT, ZDV ou 3␣-azido-3␣-desoxitimidina. AZT é um análogo da timidina que possui um grupamento 3␣-azido em lugar da 3␣-hidroxila. A zidovudina é um sólido cristalino que se funde a 119-121oC e é solúvel em água na proporção de 20 mg/mL. Farmacocinética A zidovudina é rapidamente absorvida, e sua biodisponibilidade varia de 60 a 70%. Nos pacientes infectados com HIV, a absorção varia amplamente e é retardada após a ingestão de alimentos. As concentrações plasmáti- cas máximas e mínimas são, respectivamente, de 0,4 a 0,5 g/mL e 0,1 g/mL, com a posologia de 400 mg de 4 em 4 horas. A concentração no liquor é muito variável, mas, em média, se apro- xima de 53% da concentração plasmática em adultos e de 24% em crianças. As concentrações sanguíneas são semelhantes às da saliva, porém levemente mais altas que as do sêmen. As concentrações sanguíneas nos recém-nascidos são levemente mais elevadas que as do sangue materno. As concentrações no líquido amnió- tico são diversas vezes mais elevadas que as plasmáticas maternas. A meia-vida plasmática de eliminação é de aproximadamente 0,9 a 1,5 por hora. A zidovudina sofre metabolismo hepático de primeira passagem e é rapidamente transformada no metabólito 5-0-glicuronídio, que possui a mesma meia-vida de eliminação, mas é destituído de atividade anti- HIV. Um outro metabólito, a 3-amino-3-desoxitimidina, pode contri- buir para a mielotoxicidade. Após administração oral, recuperam-se zidovudina e seu glicuronídio na urina, na percentagem de 14% a 75%, respectivamente. A excreção renal é feita por filtração glomerular e por secreção tu- bular. Na cirrose, a meia-vida de eliminação e as concentrações plasmáti- cas aumentam 2 a 3 vezes. A zidovudina atravessa a barreira hematoencefálica, propriedade importante se houver lesão neurológica associada à AIDS. Mecanismo de ação e resistência Após a difusão da droga para o interior das células do hospedeiro, a zidovudina é inicialmente fosforilada pela timidina cinase. Em seguida é transformada em difosfato pela timidilato cinase, de modo que níveis elevados de monofosfato, porém níveis muito mais baixos de difosfato e de trifosfato, são encontrados nas células. O trifosfato de zidovudina, que tem uma meia-vida intracelular de eliminação de 3 a 4 horas, inibe a transcriptase reversa em competição com o trifosfato de timidina. Como o grupamento 3␣-azido evita a formação da ligação 5␣-3␣-fos- fodiéster, a incorporação da zidovudina provoca o término da cadeia de DNA. O monofosfato é também um inibidor competitivo da timidilato ci- nase celular, o que provoca redução do trifosfato de timidina intrace- lular. A seletividade antiviral da zidovudina se deve à sua maior afinidade pela transcriptase reversa do HIV do que pelas DNA polimerases humanas. A transcriptase reversa transcreve as cadeias infectantes de RNA dos vírus em moléculas complementares de DNA, que se integram ao genoma da célula hospedeira. Os retrovírus são assim chamados porque, como parte do seu ciclo vital normal, eles revertem o processo normal no qual o DNA é trans- crito em RNA. A enzima transcriptase reversa usa RNA ou DNA como moldes ge- néticos. A enzima é codificada pelo RNA viral e é alojada no interior de cada capsídio viral, durante a produção de novas partículas virais. Quando o RNA de um só filamento do retrovírus penetra na célula, a transcriptase reversa trazida pelo capsídio faz, em primeiro lugar, uma cópia de DNA a partir do filamento do RNA, formando uma hélice hí- brida de DNA-RNA que é utilizada pela mesma enzima para produzir uma hélice dupla com dois filamentos de DNA. As duas extremidades da molécula linear viral do DNA são reconhe- cidas por uma integrase que catalisa a inserção do DNA viral em virtu- almente qualquer local num cromossomo da célula hospedeira. O passo seguinte no processo infeccioso é a transcrição do DNA viral integrado pela RNA polimerase da célula hospedeira, produzindo grande número de moléculas RNA virais idênticas ao genoma infec- tante original. Essas moléculas de RNA são traduzidas para produzir o capsídio, o invólucro e as proteínas da transcriptase reversa que são alojados, ao lado do RNA, nas novas partículas virais envolvidas por invólucro, par- tículas essas que brotam das membranas plasmáticas. A resistência do HIV se deve à mutagênese da transcriptase reversa. As mutações de resistência aparecem sequencialmente, e são ne- cessárias mutações múltiplas para que surja resistência de elevado nível. Uso clínico A zidovudina, ou AZT, é usada no tratamento de adultos infectados pelo vírus HIV-1 e cuja imunidade tenha sido reduzida, como se veri- fica pela contagem de linfócitos T CD4 abaixo de 500/mm3. É também usada no tratamento de crianças aidéticas com mais de 3 meses de idade e imunocomprometidas. A zidovudina pode ser usada para evitar a transmissão materno- fetal de HIV. Em associação com a zalcitabina, é indicada no tratamento de adul- tos infectados por HIV e que apresentam contagens de linfócitos T CD4 abaixo de 300/mm3. Na AIDS e no ARC (complexo sintomático relacionado com a AIDS), a zidovudina prolonga a sobrevida, reduz as infecções opor- tunistas, promove ganho de peso, melhora o estado funcional geral e aumenta as contagens de linfócitos T CD4. A associação de zidovudina com zalcitabina ou didanosina promove melhores aumentos de linfócitos T CD4 do que a monoterapia. Quando se utilizava a zidovudina como monoterapia, o seu efeito be- néfico em retardar a progressão da AIDS era temporário, durando apro- ximadamente 2 anos. Depois se verificou que a zidovudina exercia ações aditivas ou sinérgicas quando era associada a outros fármacos antivirais como didanosina, zalcitabina, lamivudina, com diversos inibidores da transcriptase reversa não nucleosídicos e também com os inibidores de protease. Essas associações múltiplas representam o tratamento atual da AIDS, com resultados muito promissores. Por outro lado, a zidovudina e a estavudina, quando associadas, apresentam efeitos antagônicos. Reações adversas Podem ocorrer reações hematológicas tais como neutropenia, leuco- penia e anemia macrocítica. A supressão da medula óssea depende da dose e da reserva medular do paciente. A mielossupressão é rara (4%) em pacientes que recebem 500-600 mg/m2/dia de zidovudina se a in- fecção pelo HIV ainda não lesou a medula óssea. Ainda podem ser observadas cefaleia, insônia e mialgia. O metabólito 3-amino-3-desoxitimidina pode ser responsável por algumas reações adversas do AZT. Didanosina O alimento reduz a biodisponibilidade da didanosina em 2 vezes, motivo pelo qual deve ser administrada em jejum. A didanosina atravessa a barreira hematoencefálica. Mecanismo de ação A didanosina é fosforilada em 5␣-monofosfato de didanosina (ddIMP), pela atividade da fosfotransferase associada à enzima 5␣-nucleotidase. OddIMP é aminado em ddAMP pela ação combinada da adenilsuccinato sintetase com a adenilsuccinatoliase. Como o ddAMP (didesoxiadenosina-5␣-monofosfato) pode ser convertido de volta ao ddIMP, existe um ciclo entre esses dois metabólitos. O ddAMP é transformado em ddATP (2␣, 3␣- didesoxiadenosina -5␣-trifosfato), que é o metabólito da ddI responsável pela inibição da replicação do HIV-1. O ddATP, que é análogo do dATP, possui afinidade muito maior pela transcriptase reversa do HIV-1 do que o próprio dATP. Uso clínico A didanosina é usada no tratamento de adultos com doença avançada pelo HIV-1 que receberam tratamento prévio e prolongado com zidovu- dina. É também indicada naqueles pacientes que não toleram AZT ou que tenham piorado com o AZT. Não se recomenda a didanosina para tratamento inicial de aidéticos porque foi demonstrado que o AZT melhorava a sobrevida dos pacientes e reduzia a incidência de infecções oportunistas. Quando se usa a didanosina em associação com outros antivirais, os resultados clínicos são melhores do que quando se usa a mono- terapia. Reações adversas As reações adversas à didanosina mais graves são pancreatite e neu- ropatia periférica. A pancreatite pode ser grave ou fatal e ocorre em 7 a 13% dos pacientes estudados. Nesses estudos, também foi comum a neuropatia sensório-motora periférica, ocorrendo em 34% dos pacien- tes. Insuficiência hepática raramente ocorre, assim como a despigmen- tação retiniana. Outros efeitos colaterais incluem cefaleia, diarreia, insônia, náusea, vômito, exantema, prurido, dor abdominal, depressão, estomatite, mial- gia, boca seca, tontura, alopecia. ZALCITABINA Mecanismo de ação A zalcitabina é inicialmente fosforilada, no interior da célula, pela desoxicitidina cinase e, em seguida, metabolizada por outras enzimas celulares no seu metabólito ativo, o 5␣-trifosfato de didesoxicitidina (ddC TP). O trifosfato inibe a transcriptase reversa competitivamente com o trifosfato de desoxicitidina, provocando o término da elongação do DNA viral. A droga também inibe a DNA polimerase. Podem surgir variantes resistentes de HIV-1 devido a mutações de transcriptase reversa nos códons 65, 69 ou 184. Uso clínico Usa-se a zalcitabina, em associação com zidovudina em adultos, no tratamento de infecção avançada por HIV e em contagens de linfócitos T CD4+ menores do que 300/mm3. Nos aidéticos que não toleram ou pioram com zidovudina, pode-se usar zalcitabina isolada. Nesse caso, a zalcitabina é tão eficaz quanto a didanosina em retardar o avanço da doença. Até 40% dos pacientes podem desenvolver resistência à zal- citabina. Reações adversas A reação adversa mais importante é a neuropatia sensório-motora em 17 a 37% dos pacientes. Pode surgir pancreatite, mas é muito menos comum que com a didanosina. Também foram observadas úlceras orais e esofagianas, com o uso isolado de zalcitabina. Os pacientes que usam a associação de zalcitabina com zidovudina podem apresentar queixas gastrointestinais, vômito, náuseas, úlceras orais, dor abdominal, diarreia, anorexia, prurido, exantema, cefaleia, fadiga e febre. ESTAVUDINA Mecanismo de ação Depois que penetra na célula infectada, a estavudina é inicialmente fosforilada pela timidina cinase; em seguida formam-se o di- e o trifos- fato de estavudina. O trifosfato de estavudina é um inibidor competiti- vo da transcriptase reversa, em relação ao trifosfato de desoxitimidina, causando o término da elongação da cadeia de DNA. O trifosfato de estavudina também bloqueia as DNA polimerases beta e gama.Há variantes do HIV-1 que criam resistência à estavudina. Uso clínico A estavudina é usada do tratamento de infecção avançada por HIV-1 em adultos que não toleram outros antivirais. Em aidéticos com doença avançada e contagens de linfócitos T CD4 inferiores a 400/mm3, a estavudina provocou melhora significativa nas contagens de linfócitos T CD4, nos níveis de antígenos p24 e nos sin- tomas clínicos. Reações adversas A principal reação adversa da estavudina é uma neuropatia perifé- rica sensorial dolorosa, que aparece em 15% a 20% dos pacientes. A neuropatia é reversível com a suspensão da droga, e o tratamento pode ser retomado com o uso de doses menores. Observam-se também pancreatite, anemia, artralgia, febre, exantema e elevação das transaminases. Estudos em animais demonstraram que a estavudina provoca anormalidades cromossômicas, mas não é embriotóxica nem teratogênica, a não ser em doses elevadas. LAMIVUDINA A lamivudina, ou 3TC, é o (-)enantiômero da 2␣-desoxi-3␣-tiacitidina. Trata-se de um análogo nucleosídico no qual o carbono 3␣ da ribose da zalcitabina é substituído pelo enxofre. Tem sido empregada num dos protocolos de hepatite crônica pelo vírus B na AIDS. ABACAVIR O abacavir é um análogo da guanosina que é bem absorvido por via oral. A meia-vida plasmática do abacavir é menor que 2 horas, e a meia- vida intracelular do seu derivado biologicamente ativo, o trifosfato de carbovir, dura 3,3 horas. A penetração do fármaco no liquor é limitada. O abacavir é metabolizado primariamente por glicuronidação e carbo- xilação. A dose para adulto é de 300 mg, por via oral, a cada 12 horas. Quando se associa o abacavir à zidovudina e lamivudina ou a qual- quer inibidor de protease, observa-se maior queda da concentração plasmática do RNA do HIV, que dura até pelo menos 16 semanas de tratamento. O abacavir é, em geral, bem tolerado. Seus principais efeitos adversos são: náuseas, cefaleia, fraqueza, insônia e dor abdominal. Seu efeito adverso mais grave é constituído por uma reação de hipersensibilidade que ocorre em cerca de 3% dos pacientes. Os sintomas aparecem 1 a 3 semanas após início do tratamento, e incluem mal-estar, náusea, vômito, diarreia, mialgia, artralgia e, às vezes, exantema. As anormalidades laboratoriais são representadas por linfopenia, ele- vação das provas de função hepática e da concentração de creatinina fos- focinase. Nesses casos, a droga deve ser suspensa e não mais usada. TENOFOVIR O tenofovir é um inibidor da transcriptase reversa e, como tal, não necessita de fosforilação intracelular para formar uma molécula ativa da droga. O tenofovir possui diversas propriedades favoráveis: potência, con- veniência (uma dose diária), perfil de resistência praticamente nula e excelente tolerabilidade. Em ensaios clínicos, o tenofovir demonstrou atividade durável de até 48 semanas, com pouca resistência à droga, mesmo em pacientes com supressão incompleta da replicação viral. Inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa Os inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa incluem compostos de diferentes composições químicas. São representados por: nevirapina, delavirdina e efavirenz. Esses inibidores de RT não necessitam de fosforilação ou de proces- samento intracelular para se tornarem ativos. São inibidores de RT não competitivos e provocam inibição alostérica da função enzimática, através da ligação em locais distintos dos locais de ligação dos nucleosídios. A nevirapina e a delavirdina provocam a disrupção do local catalítico da RT e bloqueiam a atividade da DNA polimerase e da RT. Todos esses derivados exercem excelente atividade contra HIV-1, mas nenhum deles possui atividade contra HIV-2. NEVIRAPINA É bem absorvida, por via oral, com uma biodisponibilidade supe- rior a 90%. Sua absorção não é alterada pelos alimentos. Tem a meia- vida plasmática de mais de 24 horas. A droga penetra no liquor e é extensamente metabolizada no fígado pelo complexo enzimático do citocromo P450. A nevirapina induz o seu próprio metabolismo e de outras drogas apli- cadas concomitantemente tais como anticoncepcionais orais, rifampicina, rifabutina e alguns inibidores de protease (saquinavir e indinavir). Usada isoladamente, a nevirapina reduz o RNAviral em 2 semanas de tratamento. O rápido aparecimento de resistência tem limitado o uso de nevira- pina em monoterapia. In vitro, apresenta atividade aditiva e sinérgica contra HIV-1, quando associada a zidovudina, didanosina, estavudina e saquinavir. A nevirapina pode apresentar benefícios clínicos potentes e duráveis, quando associada a análogos nucleosídicos inibidores da RT. O efeito adverso mais frequente da nevirapina é um exantema que apresenta uma erupção maculopapular eritematosa. Têm sido observados níveis enzimáticos hepáticos elevados com o uso da nevirapina. DELAVIRDINA A delavirdina é bem absorvida por via oral e tem uma biodisponi- bilidade de 85%. Para absorção total, esse antiviral necessita de meio ácido. O uso de antiácidos dentro de 1 hora da administração de delavirdina ou o uso de bloqueadores da bomba de hidrogênio podem reduzir sua absorção. A meia-vida da delavirdina é de 58 horas, e sua ligação proteica atinge 98%, com pouca penetração no sistema nervoso central. Esse antiviral é metabolizado primariamente pelo complexo enzimático he- pático do citocromo P450. Diversas drogas podem induzir o metabolismo hepático da delavirdi- na, diminuindo assim seus níveis plasmáticos, tais como o nelfinavir, a rifabutina, a rifampicina e vários fármacos anticonvulsivantes. Por outro lado, a delavirdina inibe o metabolismo de diversas drogas, aumentando seus níveis plasmáticos, como acontece com o saquinavir, o indinavir, o nelfinavir, a claritromicina, a rifabutina, o nifedipino e outros. Esses níveis plasmáticos podem provocar sérios efeitos adversos. A dose diária de delavirdina, em adultos, é de 400 mg 3 vezes ao dia. A delavirdina tem maior eficácia quando usada em associação a ou- tros antivirais. Como acontece com a nevirapina, pode ocorrer exantema em cerca de 18% dos pacientes, nas primeiras 3 semanas de tratamento. Na maioria dos casos, o exantema é transitório, atinge seu máximo em 2-3 dias e depois desaparece gradualmente. Foram também observadas elevações dos níveis de transaminases hepáticas. EFAVIRENZ O efavirenz é bem absorvido por via oral, e sua absorção não é pre- judicada pelos alimentos. Sua meia-vida é de mais de 24 horas, o que permite posologia diária de 1 vez. A droga tem elevada ligação proteica (99,5%) e apresenta boa pene- tração no sistema nervoso central. É metabolizada primariamente pelo complexo enzimático hepático do citocromo P450. O efavirenz altera o metabolismo de diversas drogas, reduzindo os níveis plasmáticos de algumas delas, tais como claritromicina, saqui- navir, indinavir e amprenavir. A dose para adultos é de 600 mg, 1 vez por dia. Quando associado ao indinavir, o efavirenz pode provocar a redu- ção do nível plasmático de RNA do HIV-1 no nível de 2,5 log10, e essa redução pode ser mantida durante 60 semanas de tratamento, como ob- servaram Kahn e cols. Esta associação de efavirenz e indinavir também produziu um aumento médio na contagem de linfócitos T CD4+ de 267 células/mm3 nas 60 semanas de tratamento. A associação de efavirenz com zidovudina e lamivudina no trata- mento de aidéticos proporcionou também resultados favoráveis, até 24 semanas de tratamento, como verificaram Hicks e cols. A resposta virológica à associação de efavirenz, zidovudina e lami- vudina é tão eficaz quanto a da associação de indinacir, zidovudina e lamivudina. Os efeitos adversos mais frequentes do efavirenz são as queixas neu- rológicas de cabeça oca, tontura, síndrome de desinteresse e cefaleia. Também foi observado exantema, mas de pouca gravidade. Os efeitos adversos neurológicos diminuem com a continuação do tratamento e quando se aplica o medicamento na hora de dormir. Análogos nucleotídicos inibidores da transcriptase reversa A expressão genética da nucleosídio cinase responsável pelo primei- ro passo de fosforilação dos análogos nucleosídicos varia em diferentes tecidos e células, durante os diferentes estados de ativação. Isso pode limitar a capacidade das células de ativar os análogos nucleosídicos inibidores da transcriptase reversa. Os análogos de nucleotídios (ou monofosfato de nucleosídio), por outro lado, necessitam apenas dos dois últimos passos de fosforilação. Como as enzimas responsáveis por esses passos são ubíquas, os inibi- dores nucleotídicos da transcriptase reversa podem exercer atividade antiviral mais ampla em diversos tipos de células e tecidos. Quando são convertidos intracelularmente na forma de difosfato, os análogos nucleotídicos competem com os substratos naturais da transcriptase reversa e podem funcionar como extintores da cadeia do DNA. O adefovir, ou 9-(2-fosfonometoxietil) adenina, ou PMEA, é um análogo da adenina que possui atividade contra muitos vírus, inclusive HIV-1, vírus da hepatite B e alguns herpesvírus. Na sua forma nativa, o adefovir é pouco absorvido por via oral. En- tretanto, com combinação a duas porções de ácido piválico, formando o dipivoxil adefovir, o produto passa a ter uma biodisponibilidade de 40%. Os efeitos adversos do adefovir em uso prolongado podem ser graves. Observa-se toxicidade renal séria, inclusive com a síndrome de Fanconi, que pode ocorrer em mais de 20% dos pacientes. Outros efeitos adversos comuns são representados por náusea, diar- reia, fraqueza e elevação das enzimas hepáticas. Inibidores de protease A protease ou proteinase do HIV é uma enzima aspartílica que é es- sencial para a clivagem pós-tradução da poliproteína gag e gag-pol. Diversas proteínas virais, inclusive as que formam os componentes proteicos do cerne viral, a própria protease, a RT e a integrase são sin- tetizadas como poliproteínas que exigem clivagem pela protease viral a fim de produzir as proteínas maduras. Os inibidores da protease bloqueiam a clivagem necessária dessas poliproteínas nos últimos passos do ciclo de replicação viral, causando a produção de partículas virais defeituosas e imaturas. Diferentemente dos análogos nucleosídicos inibidores da RT, os ini- bidores de protease não precisam de processamento intracelular para serem ativados. Os inibidores de protease são ativos contra HIV-1 e HIV-2. Os atuais inibidores de protease são extensamente metabolizados no fígado pelo complexo enzimático do citocromo P450, principalmente pela isoenzima P450 III A 4. Os inibidores de protease podem interferir com o metabolismo de outras drogas, agindo como indutores ou inibidores do citocromo P450, podendo surgir efeitos adversos devido a essa interação. Os inibidores de protease, por exemplo, podem aumentar os níveis plasmáticos da terfenadina e do astemizol, baixando o limiar para ar- ritmias que ameaçam a vida. Os inibidores do citocromo P450, como o cetoconazol, podem elevar acentuadamente os níveis sanguíneos de inibidores da protease, enquanto os indutores, como rifampicina e rifabutina, podem reduzir esses níveis de modo significativo. O uso crônico de inibidores de protease pode pro- vocar os seguintes efeitos adversos: hiperglicemia, síndrome de distrofia gordurosa, elevação dos níveis de glicerídios, depósitos anormais de gordura na base posterior do pescoço e nas vísceras abdominais. Os inibidores de protease usados atualmente no tratamento da AIDS são: saquinavir, ritonavir, indinavir, nelfinavir e amprenavir. SAQUINAVIR Esse antirretroviral é apresentado em duas formas farmacêuticas: cápsula de invólucro rígido e cápsula de invólucro rígido e cápsula de gel mole. A forma em gel mole melhorou substancialmente a biodisponibilidade do saquinavir. O saquinavir deve ser tomado com refeição rica em gordura para facilitar a absorção do fármaco. A droga tem elevada ligação proteica (97%). As seguintes drogas aumentam o metabolismo do saquinavir, reduzindo consideravelmente seus níveis plasmáticos: rifampicina, ri- fabutina, nevirapina, efavirenz, anticonvulsivantes. Por outrolado, as seguintes drogas inibem o metabolismo do saqui- navir, elevando de modo pronunciado os seus níveis plasmáticos: ceto- conazol, claritromicina, ritonavir, indinavir, nelfinavir e delavirdina. Por sua vez, o saquinavir pode inibir o metabolismo de cisaprida, derivados do ergot, benzodiazepínicos e anti-histamínicos. A dose usual do saquinavir, para adultos, é de 1.200 mg por via oral, a cada 8 horas. Doses menores são usadas quando o antiviral é usado em associação a outros fármacos. O uso de saquinavir na terapia combinada com outros antivirais produz efeitos mais duráveis do que a monoterapia. A associação de saquinavir com ritonavir exerce potente atividade antirretroviral. Os efeitos adversos do saquinavir são representados por diarreia, náusea, desconforto abdominal e dispepsia. Foram também observados níveis elevados de triglicerídios, de enzimas hepáticas e da creatinina fosfocinase. RITONAVIR Várias drogas alteram o metabolismo do ritonavir, elevando seus níveis plasmáticos, como a claritromicina, o fluconazol e a fluoxetina, ou então reduzindo seus níveis plasmáticos, como a rifampicina e al- guns anticonvulsivantes. Por sua vez, o próprio ritonavir pode alterar o metabolismo de outras drogas. O ritonavir pode induzir o metabolismo hepático das seguintes drogas: anticoncepcionais orais, teofilina, atovaquona, morfina, napro- xeno, cetoprofeno. O ritonavir pode também inibir o metabolismo das seguintes drogas, provocando sérios efeitos adversos: antiarrítmicos, al- guns anti-histamínicos não sedativos (astemizol e terfenidina), cisaprida, meperidina, derivados do ergot, vários benzodiazepínicos, saquinavir, indinavir, nelfinavir, analgésicos etc. A dose usual de ritonavir, para adulto, é de 600 mg por via oral a cada 12 horas, e em doses menores quando associado a outros antir- retrovirais. O ritonavir deve ser guardado em geladeira e ao abrigo da luz. Na terapia antirretroviral associada, o ritonavir apresenta benefícios clínicos potentes e duráveis. Os efeitos adversos provocados pelo ritonavir são representados por náuseas, vômitos e diarreia em até 52% dos pacientes e, menos frequen- temente, anorexia, dor abdominal, fraqueza, parestesias, gosto alterado e cefaleia e, às vezes, elevação dos níveis de transaminases hepáticas e de creatinina fosfocinase. INDINAVIR O indinavir necessita de meio ácido para boa solubilidade. O alimento rico em proteína ou em gordura interfere com a sua absorção, devendo a droga ser administrada em jejum ou 2 horas após uma refeição. O indinavir tem uma meia-vida de 1,8 horas e ligação proteica de 60-65%. As seguintes drogas inibem o metabolismo do indinavir, ele- vando seus níveis plasmáticos: ritonavir, delavirdina, cetoconazol e cla- ritromicina. As seguintes drogas induzem o metabolismo do indinavir, reduzindo seus níveis plasmáticos: nevirapina, efavirenz, rifampicina, rifabutina e fluconazol. Por sua vez, o indinavir inibe o metabolismo do saquinavir, da cla- ritromicina, do cetoconazol e da rifabutina, de alguns anti-histamínicos e de benzodiazepínicos. A dose usual do indinavir, para adultos, é de 800 mg por via oral, de 8 em 8 horas. Quando usado em associação com outros antirretrovirais, o indinavir proporciona benefícios potentes e duráveis. O efeito adverso mais sério provocado pelo indinavir é representado pela nefrolitíase, com cálculos formados de indinavir cristalizado, causando sintomas em 4% a 9% dos pacientes. A nefrolitíase causada pelo indinavir é tratada com hidratação e analgesia, e usualmente sem suspensão da medicação. Pode-se também observar irritação gastrointestinal, insônia, garganta seca, pele seca e hiperbilirrubinemia indireta. NELFINAVIR O nelfinavir tem boa disponibilidade, e sua absorção é facilitada pelo alimento. A droga apresenta elevada ligação proteica (acima de 98%) e meia- vida de 3,5 a 5 horas. As seguintes drogas reduzem o metabolismo do nelfinavir, aumentando seus níveis plasmáticos: delavirdina, ritonavir e cetoconazol. A rifampicina e a rifabutina aumentam o metabolismo de nelfinavir e reduzem seus níveis plasmáticos. Por sua vez, o nelfinavir reduz os níveis plasmáticos dos anticon- cepcionais orais e pode aumentar, de modo pronunciado, os níveis plas- máticos da delavirdina, do saquinavir, da rifabutina, da cisaprida, de derivados do ergot, de alguns anti-histamínicos (terfenidina, astemizol) e de vários antiarrítmicos e benzodiazepínicos. A dose do nelfinavir, para adultos, é de 750 mg, por via oral, a cada 8 horas, ou então 1.250 mg a cada 12 horas. A associação com estavudina ou zidovudina e lamivudina propor- ciona os mais potentes e duráveis efeitos antivirais. De modo geral, o nelfinavir é bem tolerado. São comuns as queixas gastrointestinais, que incluem flatulência e diarreia moderada. AMPRENAVIR O amprenavir é bem absorvido, e o alimento não interfere na sua absorção. Sua meia-vida é de 9 horas. A dose para adultos é de 1.200 mg a cada 12 horas. Quando usado em associação com zidovudina e lamivudina, mais de 60% dos pacien- tes não apresentam níveis detectáveis de RNA viral até 24 semanas de tratamento, de acordo com Murphy e cols. Em estudo realizado por Eron e cols., com associação de amprenavir e saquinavir ou indinavir e nelfinavir, verificou-se redução dos níveis de RNA do HIV-1, que permaneceu até a 14a semana de tratamento. Em monoterapia, o am- prenavir proporcionou queda da carga viral que não se manteve após a 2a semana de tratamento. O amprenavir usualmente é bem tolerado. Os efeitos adversos mais comuns são: cefaleia, queixas gastrointestinais (náuseas e diarreia) e exantema. ATAZANAVIR Trata-se de uma droga geralmente bem tolerada, de dose diária úni- ca, que parece não elevar o colesterol nem os triglicerídios, como se observa com os outros inibidores de protease. Pode surgir resistência a essa droga. A toxicidade principal e única dessa droga consiste em hiperbilirru- binemia. Esse efeito tóxico se relaciona com a dose e é reversível com a redução da dose ou a suspensão do tratamento. Inibidores de entrada Existe uma interação entre o vírus e as proteínas superficiais celu- lares do hospedeiro. O invólucro do vírus se liga a um conjunto de pro- teínas celulares chamadas receptores de quimiocinas, antes de sofrer uma alteração estrutural que facilita a fusão de um dos seus domínios hidrofóbicos com a membrana celular. A interferência nesse processo inibe a replicação viral in vitro e in vivo. ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES DE QUIMIOCINAS Após a ligação do invólucro viral à molécula CD4 na superfície de células, tanto a molécula CD4 quanto o invólucro viral sofrem alterações estruturais que permitem a ligação de outra porção do invólucro viral a um dos dois receptores de quimiocina (CXCR4 e CCR5). O bloqueio da ligação do HIV-1 ao receptor CCR5 inibe a replicação viral in vivo. Drogas com essa propriedade estão sendo investigadas. INIBIDORES DA FUSÃO Após a ligação ao receptor da quimiocina, o componente gp41 do invólucro viral sofre alterações da configuração e alinha um segmento de aminoácidos com seis fitas que se funde à membrana celular, per- mitindo a entrada do vírus na célula. Esse processo pode ser inibido por análogos dessa sequência de aminoácidos que interferem com a hexamerização. Em um ensaio clínico, uma proteína com 36 aminoácidos (T20 ou enfuvirtida) reduziu a replicação viral in vivo. INIBIDORES DA INTEGRASE Após a transcrição reversa, a cópia do DNA do RNA do HIV-1 deve ser integrada ao DNA da célula do hospedeiro. Esse processo é facilitado por uma integrase viral codificada que penetra na célula com a partícula viral. Estão em estudo os inibidores dessa enzima. ANTITIREOIDIANOS Efeitos dos hormônios tireoidianos Como todo hormônio, suas ações só começam após ligação com o receptor, nesse caso nuclear. A tireoidecontrola um grande número de processos, que envolvem desde o crescimento e desenvolvimento até o ritmo cardíaco. As ações são observadas após um certo período da ad- ministração, pois pressupõem síntese proteica. Desenvolvimento fetal A T3 e a T4 maternas, que atravessam a barreira placentária, são inati- vadas pela 3,5-desiodinase, presente em grande quantidade na placenta. Assim, o feto é dependente de sua própria produção, que se inicia em torno de 11 semanas, período a partir do qual a tireoide fetal já concentra iodo. O desenvolvimento cerebral e a maturação esquelética são altamen- te dependentes da ação dos hormônios tireoidianos, e o hipotireoidismo congênito é a principal causa reversível de retardo mental. Consumo de oxigênio, produção de calor e formação de radicais livres T3 estimula a bomba Na+,K+-ATPase em praticamente todos os tecidos, exceto cérebro, baço e testículos, e esse é o mecanismo básico pelo qual se observa um aumento do consumo de oxigênio e da produção de calor. Isso explica a ação determinante da tireoide no metabolismo basal, que estará aumentado ou diminuído, respectivamente, no hiper- ou no hipotireoidismo. Os hormônios tireoidianos diminuem os níveis de enzima dismutase do superóxido, o que aumenta a formação de radicais livres, somando mais um fator deletério no hipertireoidismo. Hanna et al. (1995) acreditam que a T4 possa ser um inibidor natural da aterogê- nese, pelo efeito redutor da oxidação do LDL-colesterol. Efeitos simpáticos Os receptores beta-adrenérgicos são aumentados no músculo car- díaco, tecido adiposo e linfócitos. A ação das catecolaminas é amplifi- cada ao nível pós-receptor. Os receptores alfa-adrenérgicos miocárdicos diminuem em número. Conclui-se que a sensibilidade às catecolaminas aumenta, e esse é um conceito bastante importante no estudo do hiper- tireoidismo, mais adiante. Metabolismo de carboidratos e lipídios Várias etapas do metabolismo da glicose são afetadas pelos hor- mônios tireoidianos: eles estimulam a absorção intestinal de glicose, bem como a produção hepática por glicogenólise ou gliconeogênese. Há um aumento da lipólise, com a liberação de ácidos graxos e glice- rol. A síntese e a degradação do colesterol são aumentadas pela ação dos hormônios tireoidianos. Os receptores de LDL-colesterol ao nível hepático são aumentados, o que determina sua maior captação e con- sequente eliminação. O nível de lipoproteína também sofre influência dos hormônios tireoidianos. Sistema nervoso central Memória, concentração, humor, sono e reflexos são influenciados pelos hormônios tireoidianos. Os efeitos no desenvolvimento são mais pronunciados, sendo necessário um bom funcionamento da tireoide para que a mielinização ocorra normalmente. Sistema cardiovascular A T4 aumenta a contratilidade muscular cardíaca, pelo aumento na transcrição da miosina de cadeia pesada ␣ e inibição da transcrição da miosina da cadeia ␣. A contração diastólica melhora pelo aumento na transcrição da bomba CA2+-ATPase no retículo sarcoplasmático. A ação sobre a bomba Na+,K+-ATPase estimula a função cardíaca. Uma impor- tante ação indireta se faz pelo aumento dos receptores beta-adrenérgi- cos, aumentando a resposta cardíaca à adrenalina. Todos esses efeitos resultam nas ações inotrópica e cronotrópica positivas dos hormônios tireoidianos sobre o coração. Sistema respiratório Os hormônios tireoidianos influenciam a resposta do centro respi- ratório a estímulos de hipoxia e hipercapnia. Aparelho digestivo A motilidade intestinal é altamente influenciada pela taxa de hor- mônios tireoidianos, ocasionando diarreia ou obstipação ou casos de hiper- ou hipertireoidismo, respectivamente. Sistema hematopoético Os hormônios tireoidianos regulam a eritropoese através da eritropoe- tina, que aumenta em resposta a alterações do consumo de oxigênio. O turnover das hemácias também varia de acordo com a concentração dos referidos hormônios. T3 aumenta a concentração de 2,3-difosfoglicerato na hemácia, o que aumenta a dissociação da hemoglobina, ofertando mais oxigênio para os tecidos. Sistema endócrino A produção e a metabolização de vários hormônios são influenciadas diretamente pela tireoide, que influencia desde a produção de cortisol até a ovulação. A relação com a adrenal é de extrema importância, pois um estado de hipertireoidismo pode desencadear insuficiência adrenal em pacientes cuja reserva esteja comprometida. Os hormônios tireoi- dianos determinam o turnover do cortisol, aumentando ou diminuindo a sua metabolização, e isso é compensado por uma produção que man- tém os níveis hormonais normais. Em um paciente com reserva adre- nal diminuída, a produção de cortisol não vai aumentar, resultando o hipertireoidismo em insuficiência adrenal, um estado que pode levar à morte. A ovulação só acontece quando os hormônios tireoidianos estão em níveis normais, e, portanto, infertilidade pode estar presente tanto no hiper- como hipotireoidismo. Nesse último, níveis de prolactina au- mentados vão interferir mais ainda no eixo hipotálamo-hipófise-gona- dal; o aumento de TRH estimula a produção de prolactina. A tireoide ainda determina a velocidade de secreção e degradação de estrógenos, testosterona e insulina. Sistema musculoesquelético Os hormônios tireoidianos estimulam a síntese de várias proteínas, bem como o seu turnover. Eles afetam a velocidade de contração muscu- lar e o relaxamento. O metabolismo ósseo é estimulado pelos hormônios tireoidianos, notadamente a reabsorção, que pode aumentar mais que a formação em estados de excesso de hormônios tireoidianos, levando à osteopenia. O estímulo à reabsorção é demonstrado por hipercalciúria e aumento da excreção de hidroxiprolina. USOS E LIMITAÇÕES DOS HORMÔNIOS TIREOIDIANOS A principal indicação de uso dos hormônios tireoidianos é o hipoti- reoidismo, que se caracteriza por função diminuída da tireoide, que é o distúrbio de produção hormonal mais comum dessa glândula. Na grande maioria dos casos, o problema básico é na própria tireoide, com o hipoti- reoidismo primário, mas ele pode ser decorrente de uma alteração hipofi- sária com diminuição da produção de TSH, o hipotireoidismo secundário ou hipotalâmico, por diminuição dos níveis de TRH, e o hipotireoidismo terciário. Qualquer que seja o caso, o tratamento de reposição é com T4 ou T3, visto que TSH e TRH existem apenas para uso em procedimentos diagnósticos, sendo de uso parenteral e custo elevado. A principal causa de hipotireoidismo é a tireoidite de Hashimoto, uma doença autoimune associada à presença de anticorpos contra a glându- la. Nos jovens, ela normalmente se associa à presença de bócio; já nos idosos, a tireoide pode apresentar-se completamente destruída, e não há bócio. A doença de Graves, principal causa de hipertireoidismo, pode evoluir para um estado de hipotireoidismo após vários anos. O hipoti- reoidismo pode ainda ser transitório, fazendo parte do quadro de tireoi- dite subaguda. Algumas drogas, como carbonato de lítio, podem induzir hipotireoidismo. Uma causa também frequente é o hipotireoidismo pós- cirúrgico; a tireoidectomia pode ser total, como nos casos de câncer, ou subtotal, como nos casos de nódulos benignos, mas o tecido tireoidiano remanescente pode não ser suficiente para manter um equilíbrio. A apresentação clínica inclui fadiga fácil, intolerância ao frio, ganho de peso, obstipação, alterações do ciclo menstrual e dor muscular. Ao exame físico observamos pele seca, mãos e face com aparência edemacia- da, voz rouca e reflexos lentos. Alguns pacientes apresentam fácies bem característica, com aparência edemaciada e edema não depressível nas extremidades, devido à produção excessiva de uma substância hidrofílicano tecido subcutâneo. Há mixedema da língua, faringe, cordas vocais e pálpebras. A pele pode ter uma coloração amarelada nas palmas das mãos e dos pés, devido a uma alteração do metabolismo do betacaroteno. Todos os sistemas que necessitam de ações de tireoide para o seu funcionamento mostram evidências de um ritmo lento e funções prejudicadas. Ao nível cardiovascular há uma contração diminuída, bradicardia e débito cardíaco menor. Pode haver um aumento das câmaras cardíacas por edema intersticial, cardiomiopatia com dilatação e derrame peri- cárdico, demonstrados facilmente pelo ecocardiograma. O eletrocar- diograma evidencia baixa voltagem das ondas P e T e complexo QRS. Estudos mostram que a doença arterial coronariana é mais frequente em portadores de hipotireoidismo, e o aumento do colesterol pode ser um dos fatores determinantes. Esses pacientes podem estar protegidos pelo menor consumo de oxigênio da disfunção tireoidiana e a reposição hormonal deve ser bastante cuidadosa, lenta e monitorizada, para evitar eventos clínicos desagradáveis. A resistência vascular periférica está aumentada, e pode haver aumento da pressão arterial média. A respiração é lenta, e a dificuldade em responder à hipoxia ou hi- percapnia pode ser um grave problema no coma mixedematoso. A dimi- nuição da motilidade intestinal pode ocasionar íleo paralítico. A filtração glomerular está diminuída, e a excreção de água, prejudicada. Anemia é um achado frequente, podendo ocorrer por diminuição da síntese de hemoglobina ou por deficiência de ferro, ácido fólico ou vitamina B, posto que a absorção desses está diminuída e a perda pode estar aumen- tada em mulheres com fluxo menstrual abundante. Os pacientes hipotireoidianos são muito quietos e calmos; chamam atenção a letargia, dificuldade de concentração e lentidão dos reflexos. Alguns podem sofrer de depressão. Ao nível reprodutivo, observa-se com frequência alteração da secreção de LH e FSH, resultando em ci- clos anovulatórios. Atualmente, diagnosticamos cada vez mais pacientes que não apre- sentam os sintomas listados anteriormente ou apresentam apenas uma ou outra anormalidade isolada. O hipotireoidismo subclínico pode ser encontrado em um paciente depressivo que não mostra boa resposta aos esquemas antidepressivos comumente utilizados, ou numa paciente do sexo feminino com dificuldade de engravidar. Dworking et al. (1995) enfatizaram que a doença tireoidiana autoimune tem maiores repercus- sões em idosos e doentes. Por outro lado, Moore (1996) ressalta que, em jovens, alterações subclínicas têm um curso benigno. A facilidade que temos de realizar dosagens hormonais nos permite avaliar mais precoce- mente o eixo hipotálamo-hipófise-tireoidiano. USOS FARMACOLÓGICOS As preparações de hormônios tireoidianos podem ser de quatro tipos: T4 sintética, T3 sintética, mistura de T4 e T3 sintéticas ou extratos de ti- reoide. A melhor forma, sem dúvida, é a tiroxina sintética, por sua maior confiabilidade e efeito farmacológico. A meia-vida da T3 é menor, e pode haver variabilidade na absorção, bem como maior incidência de efeitos indesejáveis, como taquicardia em idosos. Clinicamente, a frequência cardíaca é o melhor parâmetro para se acompanhar o tratamento, mas o primeiro sinal de que a medicação iniciou o seu efeito é a perda de peso, devido a uma maior excreção de água. Laboratorialmente, devemos che- car níveis de T4, T4 livre e TSH. Os níveis de T4 livre são mais sujeitos a variações metodológicas, mas refletem a fração metabolicamente ativa. Nos adultos jovens, a dose a ser injetada pode ser próxima da dose de manutenção, que fica em torno de 2,2 μg de T4/kg. Alguns autores acham que se pode conseguir um bom controle com doses inferiores a 1,6 μg/kg. Essa preocupação surgiu após a observação de que doses de reposição elevadas podem caracterizar-se num estado de hipertireoi- dismo subclínico. Cummings et al. (1995) mostraram recentemente que o hipertireoidismo é um fator de risco importante para o desenvolvimento de osteoporose. Em meta-análise publicada em 1994, Faber & Galloe observaram que doses de supressão de T4 levando a um hipertireoidismo subclínico têm maior efeito deletério sobre o osso quando as pacientes estão no período pós-menopausa, recomendando maior atenção no tra- tamento dessas mulheres. Nos pacientes idosos, ou em casos de hipotireoidismo grave, ou ain- da quando há associação com doenças cardíacas, a dose inicial deve ser menor, com aumentos gradativos em intervalos maiores. Pode-se come- çar com 12,5 a 25 μg de T4, aumentando a dose na mesma proporção a cada 2 ou 4 semanas. Pacientes com possível insuficiência adrenal, como em casos de hipopituitarismo, devem ser inicialmente avaliados, e, se necessário, a reposição de corticoides deve ser feita antes de introduzir- se o hormônio tireoidiano. TERAPIA SUPRESSIVA Além da terapia de reposição vista anteriormente, os hormônios ti- reoidianos podem ser utilizados para suprimir níveis de TSH em pa- cientes portadores de nódulos, bócio difuso, câncer da tireoide, ou ain- da para impedir a formação de neoplasias da tireoide após a exposição à radiação ionizante. Esse uso baseia-se no fato de que as células ti- reoidianas e neoplásicas se desenvolvem e crescem pelo estímulo do TSH. O uso de hormônio exógeno leva a diminuição de TSH, por me- canismo de feedback negativo. As doses utilizadas variam entre 2,5 e 3 μg/kg/dia de tiroxina DROGAS ANTITIREOIDIANAS Drogas antitireoidianas são aquelas que interferem na função dos hormônios tireoidianos, podendo interferir no metabolismo do iodo, na formação hormonal, na liberação dos hormônios pela tireoide, ou ainda nos passos finais que determinam os efeitos da T3. Algumas delas são utilizadas clinicamente, e as etapas envolvidas são as seguintes: a) transporte de iodo – perclorato, tiocianato, pertecnetato, fluoro- borato; b) iodação da tireoglobulina–propiltiouracil, metimazol, carbomazol, iodo, tiocianato, sulfonamidas; c) acoplamento das iodotironinas – propiltiouracil, metimazol, carbimazol, sulfonamidas; d) liberação dos hormônios – lítio, iodo; e) desiodação das iodotironinas – amiodarona, agentes colecistográficos orais; f) excreção dos hormônios – fenobarbital, rifampicina, carbamaze- pina, fenitoína; g) ação dos hormônios – amiodarona, análogos da tiroxina, propra- nolol, bloqueadores dos canais de cálcio. TIONAMIDAS MECANISMO DE AÇÃO As tioamidas são as drogas mais utilizadas para o tratamento do hipertireoidismo, e sua principal ação é a diminuição da produção de hormônios tireoidianos dentro da glândula. Elas inibem a tireoide pe- roxidase, a enzima que catalisa a iodação das tirosinas, bem como o acoplamento das iodotirosinas (MIT e DIT). O grau de inibição é dose- dependente, mas o acoplamento é mais sensível que a iodação. A libera- ção dos hormônios não é afetada; assim, embora o início de ação desses medicamentos seja rápido, seus efeitos clínicos demoram a aparecer, pois o hormônio pré-formado continua a chegar na circulação. Conclui- se, portanto, que elas não são drogas recomendáveis em situações de emergência como a crise tireotóxica. O propiltiouracil, mas não o metimazol, inibe a conversão periféri- ca de T4 em T3, o que é um efeito complementar importante. Algumas evidências também apontam para um possível efeito das tioamidas na diminuição da produção de imunoglobulina estimuladora da tireoide. Alguns autores, no entanto, acham que isso se deve à própria melhora do hipertireoidismo, afetando favoravelmente o sistema imunológico, posto que o fenômeno também foi demonstrado com o perclorato. Reações adversas leves incluem rash, urticária e queda de cabelo e podem atingir 2% a 12% dos pacientes, geralmente ocorrendo nos 2 primeiros meses de terapia; sãotransitórias. A mais grave é a agranulocitose, de início rápido, donde não haver justificativa para contagens periódicas de leucócitos. Frequentemente aparente por febre e amigdalite, é dose-dependente para o metimazol, mas não existe tal relação com o propiltiouracil. INDICAÇÕES O estado de hiperfunção tireoidiana é a grande indicação para o uso das tioamidas, independentemente da causa básica, pois, como visto anteriormente, elas agem diminuindo os níveis hormonais. O hiperti- reoidismo tem na grande maioria das vezes uma base imunológica. A etiologia mais frequente é a doença de Graves, cuja tríade é composta de hipertireoidismo, bócio difuso e oftalmopatia. Nódulos autônomos, como na doença de Plummer e tireoide subaguda, são outras causas. Menos frequentemente, podem encontrar tumores hipofisários produ- tores de TSH, mola hidatiforme e struma ovarii, esses por produção anômala de T3 e T4. Na doença de Graves, os linfócitos secretam uma imunoglobulina com efeito estimulador, semelhante ao TSH, que se liga ao mesmo receptor, com uma duração do efeito maior do que a da tireotropina. O quadro clínico é o oposto do hipotireoidismo visto anteriormente. As manifestações comuns incluem palpitações, fadiga fácil, tremores, sudorese excessiva, intolerância ao calor, nervosismo e diarreia. O ape- tite é exagerado, mas há perda de peso. Fraqueza muscular pode ser um achado proeminente, principalmente em idosos. Em crianças, observamos um crescimento rápido, com maturação óssea acelerada. O metabolismo basal está aumentado, bem como o consumo de oxi- gênio. No sistema cardiovascular, temos taquicardia e algumas vezes ar- ritmias e insuficiência cardíaca de alto débito nos pacientes cronicamente descompensados. IODO MECANISMO DE AÇÃO O iodo reduz a secreção de hormônio tireoidiano pela inibição de sua síntese e liberação, além do efeito que o próprio íon tem de controlar o seu transporte para dentro da glândula. Sabemos que são efeitos in- completos, que requerem altas concentrações para que ocorram. Doses elevadas de iodo inibem a organificação e diminuem a hormonogênese; é o chamado efeito de Wolff-Chaikoff, que ocorrre provavelmente por inibição da geração de H2O2, devido ao alto conteúdo intratireoidiano de iodo. H2O2 participa nos processos que envolvem a peroxidase. O efeito é transitório, ocorrendo um fenômeno de escape, através da redução do transporte de iodo para dentro da tireoide, o que diminui os seus níveis intracelulares, permitindo que a hormonogênese se processe normalmente. T3 e T4 começam a diminuir em 24 horas, chegando ao mínimo em 1 ou 2 semanas. A inibição rápida da liberação de hormônios pré- formados justifica o seu uso no tireotoxicose; os efeitos são observados clinicamente em 24 horas. INDICAÇÕES O início de ação relativamente rápido coloca o iodo no grupo das drogas utilizadas na crise tireotóxica. É um quadro grave em que os sin- tomas do hipertireoidismo estão exacerbados. Observamos febre, náusea, vômitos, diarreia, agitação e confusão; coma e morte podem ocorrer em 20% dos indivíduos. Como o efeito do iodo é incompleto, deve-se usar associadamente uma droga que tenha uma ação sobre a síntese dos hor- mônios, como o propiltiouracil. A sequência de administração é impor- tantíssima: primeiro uma tioamida, depois de um intervalo de 1 hora o iodo, para evitar que mais hormônio se forme com o iodo administrado. Nesse caso, preferimos o propiltiouracil, pois ele tem uma ação auxi- liar na diminuição da conversão periférica da tiroxina. Dexametasona e betabloqueadores podem também ser utilizados. Outra indicação é no preparo de pacientes hipertireoidianos para a cirurgia. A inibição da secreção hormonal resulta na retenção de coloide dentro dos folículos, e, consequentemente, há uma involução da hiper- plasia celular. Isso faz com que a glândula fique menos friável e com uma vascularização menor, facilitando o manejo cirúrgico. Da mesma forma, pode ser utilizado no hipotireoidismo neonatal grave. TOXICIDADE Reações adversas graves ocorrem raramente em indivíduos susce- tíveis, como síndrome tipo doença do soro com angioedema, lesões de pele hemorrágicas em pacientes com vasculite, com baixa de com- plemento. Outras reações menos graves e um pouco mais frequentes incluem sialoadenite, conjuntivite, artralgias, aumento de linfonodos, gosto metálico. Portadores de bócio nodular autônomo podem desen- volver hipertireoidismo. IODO RADIOATIVO MECANISMO DE AÇÃO O isótopo radioativo destrói a integridade da glândula, e é utilizado com fins terapêuticos no hipertireoidismo, em nódulos autônomos e no câncer da tireoide. Em doses mais baixas, é usado com fins diagnósticos nas cintilografias. A radiação beta é a responsável pelo dano ao tecido, tendo um alcance de 0,4 a 2 mm no tecido. No hipertireoidismo, tenta- se administrar uma dose que não destrua completamente a glândula. No câncer, é utilizado como um tratamento complementar para queimar tecido residual deixado após procedimento cirúrgico. INDICAÇÕES A radioterapia no hipertireoidismo é um método eficaz e relativamen- te seguro. Não deve ser administrado em gestantes, principalmente após o 1o trimestre, quando a tireoide fetal já é capaz de captar o íon. Até o momento, não há provas de que aumente a incidência de neoplasias, pois o efeito é mais destrutivo que mutagênico. Pode haver uma exacerbação do hipertireoidismo devido a maior liberação de hormônio pré-formado do tecido lesado, e isso é importante em pacientes com doenças cardía- cas. A maior complicação da radioterapia é o hipotireoidismo, que pode ocorrer na evolução natural da doença de Graves, mas cuja incidência aumenta em doentes tratados com o radioisótopo. No tratamento do câncer podem ser necessárias doses repetitivas, posto que o objetivo é a destruição total. Radiações repetidas em altas doses podem induzir leucemia ou aplasia medular. Metástases pulmo- nares podem acabar lesando tecido adjacente, pois o volume dessas lesões não é suficiente para absorver toda a radiação, e então porções não comprometidas podem ser atingidas. O 131I é apresentado na forma de Na131I, em solução ou cápsulas ge- latinosas, administradas por via oral. O 123I é apresentado em solução, apenas para uso diagnóstico, não é isotopicamente puro, e num período curto pode estar contaminado com isótopos de meia-vida longa, que al- teram suas propriedades químicas e segurança. LITIO MECANISMO DE AÇÃO O lítio diminui a liberação do hormônio tireoidiano, interferindo na resposta ao TSH e ao AMP cíclico. Vale ressaltar que seu efeito não é completo. Secundariamente, ele diminui o clearance da tiroxina da circulação. Pode potencializar a ação do iodo radioativo se a sua meia- vida estiver diminuída. Possui outras ações em vários tecidos. Ele interfere na ação do hor- mônio antidiurético, levando a maior excreção de água, e aumenta a produção de granulócitos. INDICAÇÕES Pode ser utilizado, juntamente com o iodo, na crise tireotóxica, mas seus efeitos tóxicos exigem muita cautela no seu uso. Atualmente, só é usado quando não se dispõe de outros agentes mais seguros. Outra possibilidade de uso seria em situações em que a meia-vida do iodo esteja diminuída, como em alguns casos de câncer, para potencializar o efeito do íon. A preparação utilizada é o carbonato de lítio; a dose recomendada é a mesma para uso psiquiátrico: 0,6 a 1,2 mEq/L. Inicialmente, adminis- tram-se 600 mg seguidos de 300 mg, 3 a 4 vezes por dia. A monitoriza- ção dos níveis sanguíneos é indispensável, sendo realizada em amostra pela manhã, antes de a dose seguinte ser administrada. TOXICIDADE Em doses elevadas, pode causar reações adversas sérias nos sistemas nervoso e cardiovascular. Podem-se desenvolverarritmias, bloqueio AV, confusão mental e até mesmo coma. Isso pode ser evitado pela moni- torização com fotometria de chama. PERCLORATO Interfere no transporte de iodo para a tireoide. Outros íons, como o pertecnetato e o tiocianato, possuem a mesma propriedade, podendo, inclusive, ter maior afinidade para o transporte que o próprio iodeto. O tiocianato também interfere na iodação; couve, fumo e nitroprussiato de sódio são fontes desse ânion. O pertecnetato é usado em estudo de imagem, como visto anteriormente. Ele bloqueia a captação do iodeto pela célula folicular e é utilizado para avaliar em que extensão o iodo acumulado pela tireoide é organi- ficado. O bloqueio é superado com alta ingestão de iodo. Tem um papel na avaliação de defeitos da organificação, principalmente no bócio con- gênito. Alguns autores acham que ele diminui a produção de imunoglo- bulinas estimuladoras da tireoide na doença de Graves. Alguns relatos de agranulocitose e nefrose com o uso crônico de perclorato levaram à descontinuação do seu uso no tratamento do hi- pertireoidismo. No entanto, não há toxicidade grave com o uso de uma dose única de perclorato. Outras drogas com efeito antitireoidiano Meios de contraste iodados, como o iodopaco e o ácido iopanoico, inibem a conversão periférica de T4 em T3. Além disso, devido à oferta de iodo, pode-se observar diminuição da liberação de hormônio, poden- do ser utilizados em crise tireotóxica e em situações nas quais iodeto ou tionamidas estejam contraindicados. Tiopental e hipoglicemiantes orais da classe das sulfonilureias têm uma ação antitireoidiana fraca, mas que não é importante nas doses usu- almente utilizadas. Dimercaprol e aminoglutetimida são outras drogas com a mesma ação, mas cujo uso não é muito frequente. Amiodarona é uma droga cuja molécula é rica em iodo; é utilizada no tratamento de arritmias, com efeitos complexos sobre a glândula ti- reoide. Sua ação vai depender da concentração de iodo do organismo. Em áreas de deficiência de iodo, o hipertireoidismo predomina, pelo iodo oferecido ou por tireoidite. Em regiões com aporte suficiente de iodo, há mais comumente hipotireoidismo. Ela é um inibidor potente da conversão periférica de tiroxina. Seu principal metabólito, a desmetila- miodarona, diminui a ligação da T3 com o receptor celular. Analisamos as diversas drogas antireoidianas, apontando para o uso de cada uma nas situações específicas. O hipertireoidismo implica basi- camente três possibilidades terapêuticas: medicamentosa, cirúrgica ou com iodo radioativo. Vários são os fatores que influenciarão na esco- lha de uma delas. Em princípio, todo paciente deve receber tratamento clínico, e, com a evolução, podemos optar por outras modalidades. Às vezes, inclusive, as modalidades são adjuvantes. Vale ressaltar que não há um consenso sobre qual a melhor opção para determinado paciente, e aspectos culturais, bem como a experiência de determinado centro, podem influir na condução terapêutica dos pacientes.