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Os Condenados da Terra - Franzt Fanon_compressed

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CO'leç,ãO'
PERSPECTIVAS DO HOMEM
Volume 42
SériePolítica
DireçãO' de MOACYR FELIX
FRANTZ FANON
Os Condenados
da Terra
SBD·FFLCH-USP
1111/1111111111111111111111111111111 /111
273603
Pretádode
JEAN~PAUL SARTRE
TraduçãO'de
JosÉ LAURÊNIO DE MELO
civilizacão
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brasileira
~r~A3A?
et 3
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11,1~~,
Título do original francês:
LES DAMNÉS DE LA TERRE
Copyright© 1961by MasperoéditeurS.A.R.L.
Desenhode capa:
MARIUS LAURlTZEN BERN
Diagramaçãoe supervisãográfica:
ROllmno PONTUAL
Direitosparaa línguaportuguêsaadquiridospela
EDITÓRA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.
Rua7 deSetembro,97
RIO DE JANEIRO
quesereservaa propriedadedestatradução.
1968
ImpressonoBrasil
Printed in Brazil
]
Índice
PREFÁCIO de Jean~PaulSartre
1. DA VIOLÊNCIA 23
Da violênciano contextointernacional 75
2. GRANDEZA E FRAQUEZAS DA ESPONTANEIDADE 87
3. DESVENTURAS DA CONSCIÊNCIA NACIONAL 121
".1:. SÔBRE A CULTURA NACIONAL 169
Fundamentosrecíprocosda culturanacionale das lutas
de libertação 197
5. GUERRA COLONIAL E PERTURBAÇÕES MENTAIS 209
Série A 216
SérieB 230
Série C: Modificaçõesafetivo~inte1ectuaiseperturbações
mentaisapósa tortura 239
Série D: Perturbaçõespsicossomáticas249
Da impulsividadecriminaldo norte~africano'à guerrade
libertaçãonacional 253
CONCLUSÃO 269
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NÃo FAZ muito tempoa terra tinha dois bilhões de
habitantes,isto é, quinhentosmilhõesde homense umbilhão
e quinhentosmilhõesde:indígenas.Os primeirosdispunham
do Verbo, os outrospediam~noemprestado.Entre aquêles
a êstes,régulosvendidos,feudatáriose uma falsa burguesia
pré~fabricadaserviamde intermediários.Às colôniasa ver~
dade:se mostravanua; as "metrópoles"queriam~navestida;
era precisoque o indígenaas amasse.Como às mães,por
assimdizer. A elite européiatentouengendrarum indige~
nato de elite;selecionavaadoIe:scentes,gravava~lhesna testa,
com ferro embrasa,os princípiosda culturaocidental,me~
tia~lhesna bôca mordaçassonoras,expressõesbombásticas
e pastosasquegrudavamnos dentes;depoisde br'eveestada
na metrópole,recambiava~os,adulterados.Essas contrafa~
çõesvivasnão tinhammaisnada a dizer a seusirmãos;fa~
ziam eco; de Paris, de Londres, de Amsterdã lançávamos
3
palavras:"Part,enon!Fraternidade!",e, numponto qualquer
da África, da Ásia, lábiosse abriam: "... tenon! ... nida~
de!" Era a idade de ouro.
Isto acabou.As bôcaspassarama abrir~sesàzinhas;as
vozesamarelase negrasfalavamaindado nossohumanismo,
maspara censurara nossadesumanidade.Escutávamossem
desagradoessas cortesesmanifestaçõesde amargura. De
iníciohouveum espa'ntoorgulhoso:Quê!Êles falampor êles
mesmos!Vejam sóo quefizemosdêles!Não duvidávamosque
aceitassemo nossoidealporquantonosacusavamde não s,er~
mosfiéis a êle;por estavez a Europa acreditouemsuamis~
são:haviahelenizadoos asiáticose criadoestaespécienova:
os negrosgreco~latinos.Ajuntávamos,só para nós, astutos;
deixemosque se esgoelem,isso os alivia; cão que ladra
não morde.
Surgiu umaoutrageraçãoquealterouo problema.Seus
escritores,seus poetas,com incrível paciênciatrataramde
nos explicarquenossosvalôresnão se ajustavambemà v,er~
dade de sua vida, que não lhes era possívelrejeitá~losou
assimilá~losinteiramente.Em suma,issoqueriadizer: de nós
fiz,estesmonstros,vosso humanismonos supõeuniversaise
vossaspráticasracistasnos particularizam.E nós os escutá~
vamosdespreocupados;os administradorescoloniaisnão são
pagospara ler Hegel,aliáslêem~nopouco,masnão precisam
dêssefilósofoparasaberqueas consciênciasinfelizesse ema~
ranhamnas próprias contradições.Nenhumaeficácia. Por
conseguinte,perpetuemos~lhesa infelicidade,que dela não
resultarácoisa alguma. Se houvesse,diziam~nosos peritos,
umasombrade reivindicaçãoemseusgemidos,outranão se~
ria quea de integração.Não se trata de outorgá~la,é claro:
isso arruinariao sistema,que repousa,comos,e: sabe,na su~
perexploração.Mas bastariaacenar~lhescom'essapatranha:
viriam correndo. Quanto à possibilidadede revolta,estáva~
mos tranqüilos. Que indígenaconscienteiria massacraros
filhos da Europa como fim únicode se tornareuropeucomo
êles?Numa palavra,estimulávamosessasmelancoliase não
achamosmau,uma vez, concedero prêmioGoncourt a um
negro. Isto ocorreuantesde 39.
1961. Escutai: "Não percamostempocomlitaniasesté~
reisoumimetismosnauseabundos.DeixemosessaEuropaque
não cessade faIar do homemenquantoo massacrapor tôda
4
a parte ondeo encontra,emtôdasas esquinasde:suaspró~
prias ruas, emtôdasas esquinasdo mundo. Há séculos...
que emnomede umasuposta'aventuraespiritual'vemasfi~
xiandoa quasetotalidadeda humanidade."Êste tomé nôvo.
Quemousaadotá~lo?Um africano,homemdo TerceiroMun~
do, antigo colonizado.Acrescentaê1e:"A Europa adquiriu
umavelocidadetão louca,tão desordenada... quea arrasta
parao abismo,do qualé melhorquenos afastemos."Em ou~
tras palavras:ela estáatolada. Uma verdadequenão é boa
de dizer masda qual - não é mesmo,meuscarosco~con~
tinentais?- estamostodosintimamentecon\lie:ncidos.
Cumprefazerumaressalva,porém.Quandoum francês,
por exemplo,diz a outrosfranceses;"Estamosatolados!"-
o que,peloquesei,severificaquasetodosos diasdesde1930
- trata~sede um discursopassional,ardentede cólera e
amor, em que o orador se compromde:com todos os seus
co~patriotas.E depois geralmenteacrescenta:"A menos
que... " Sabe~seo queisto significa:é impossívelenganar~se
a êste r,espeito:se suas recomendaçõesnão foremseguidas
à risca,entãoe sàmenteentãoo paísse desintegrará.Enfim,
é uma ameaçaseguidade um conselho,e essasconversas
chocamtantomenosquantojorramda intersubjetividadena~
ciona!.Quando Fanon, ao contrário,diz que a Europa cava
a própriaruína,longede soltarumgrito de alarma,apresenta
um diagnóstico.Êste médiconão pretendenem condená~la
sem apelação- há tais milagres- nem lhe forneceros
meiosde cura; constataque ela agoniza. De fora, basean~
do~senos sintomasque pôde recolher. Quanto atratá~la,
não. .Êle tem outraspreocupaçõesna cabeça;poucose lhe
dá queela arrebenteou sobreviva.Por êstemotivo,seulivro
é escandaloso.E se murmurais,entredivertidose embaraça~
dos: "Que é queêlenospropõe?",deixaisde percebera ver~
dadeiranaturezado escândalo,umavez que Fanon não vos
"propõe" absQlutamentenada; sua obra - tão abrasadora
para outros- para vós permanecegelada;amiúdefala de
vós, mas nuncaa vós. Acabaram~seos Goncourtnegrose
os Nobel amarelos;não voltarámaiso t'empodos laureados
colonizados. Um ex~indígena"de Hngua francesa"sujeita
estalíngua a exigênciasnovas,serve~sedela para dirigir~se
apenasaos colonizados:"Indígenasde todos os paísessub~
desenvolvidos,uni~vos!"Que rebaixamento:para os pais,
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éramosàs unÍCosinter1ocutores;os filhos nem nos conside~
ram maiscomointerlocutoresadmissíveis:somosos objetos
do discurso. EvidentementeFanon mencionade passagem
nossoscrimesfamosos,Sétif, Hanoi, Madagascar,mas não
perdeo s,e-utempoa condená~los;utiliza~os.Se desmontaas
táticasdo colonialismo,o complexojôgo das relaçõesque
uneme opõemos colonosaos "metropolitanos",faz isso para
seus irmãas; seuobjetivoé ensiná~losa desmantelar~nos.
Numapalavra,o TerceiroMundo se de-scobree se expri~
mepor meiodestavoz. Sabemosqueêlenão é homogêneoe
que nêle se encontramainda povos subjugados,outros que
adquiriramuma falsa independência,outros que s,e-batem
para conquistara soberania,outros enfim que obtiverama
liberdadeplena masvivemsob a constanteameaçade uma
agressãoimperialista.Essas diferençasnasceramda história
colanial,isto é, da opr,e-ssão.Aqui a Metrópolecontentou~se
em pagar alguns feudatários;ali, dividindopara reinar, fa~
bricou em bloco uma burguesiade colonizados;mais além
matoudois coelhosde umasó cajadada:a colôniaé ao mes~
motempode exploraçãoe povoamento.Assima Europamul~
tiplicouas divisões,as oposições,forjou classese porvêzes
racismos,t,entoupor todos os meiosprovocare incrementar
a estratificaçãodas sociedadescolonizadas.Fanon não dis~
simulanada: para lutar contra nós, a antiga colônia deve
lutar contraela mesma.Ou melhor,as duas formasde luta
são uma só. No fogo do combate,tôdasas barreirasinte~
riaresdevemderreter~se.A impot,e-nteburguesiade negocis~
tase compradat1es,o proletariadourbano,sempreprivilegiado,
o lumpenproletariat das favelas,todostêmde se alinharnas
posiçõesdas massasrurais,V1e-rdadeiroreservatóriodo exér~
cito nacionale revolucionário;nas regiõescujo desenvolvi~
mentofoi deliberadamentesustadopelo colonialismo,o cam~
pesinato,quandose revolta,aparecelogo comoa classera~
dical: conhe-cea opressãonua, suporta~amuitomaisqueas
trabalhadoresdas cidadese, para que não morra de fome,
precisanadamenosquede um estourodetôdasas estruturas.
Triunfando,a Revoluçãonacionalserá socialista;detidoseu
ímpeto,a burguesiacolonizadatomao poder,e o nôvo Es~
tado,a despeitode umasoberaniaformal,continuanas mãos
dos imperialistas.a exemplode Katangaé bastanteilustra~
Uvo. Assim, a unidadedo TerceiroMundo não estáconcluí~
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da: é um empreendimento'eméursoquepassa pelaunião,em
cadapaís,antese tambémdepoisda independência,de todos
os colonizadossob o comandoda classecamponesa.Eis o
que Fanon exp,licaa seus irmãos da África, da Ásia, da
América Latina: realizaremostodosem conjuntoe por tôda
a part,eo socialismorevolucionárioou seremosderrotadosum
a um por nossosantigostiranos.Não dissimulanada, nem
as fraquezas,nemas discórdias,nemas mistificações.Aqui
o movimentocomeçamal;ali, apósêxitosfulminantes,perde
velocidade;noutraparte estáparado:para quese reinicie,é
necessárioque os camponeseslancemsua burguesiaao mar.a leitor é severamenteacauteladocontraas alienaçõesmais
perigosas:o líder, o culto da personalidade-,a cultura oci~
dentale, também,o retôrnodo longínquopassadoda cultura
africana;a verdadeiraculturaé a Revoluç,ão;isso querdizer
queelaseforja a quente.Fanon fala emvoz alta;nós,os eu~
ropeus,podemosouvi~lo:a provaé quetemosnas mãosêste
livro. Não teme'êlequeas potênciascoloniaistiremproveitode sua sinceridade?
Não. Não temenada. Nossosprocessosestãoperemp~
tos;podemtalvezretardara 'e-mancipaçãomasnãoa impedi~
r,ão. E não imaginemosque poderemosreajustaros nossos
métodos:o neocolonialismo,sonhopreguiçosodasMetrópoles,
é vão; as "TerceirasFôrças" não existemou são falsasbur~
guesia,squeo colonialismojá co.locouno poder. Nosso ma~
quiavdismotempOU,cospodêressôbreêstemundoextrema~
mentevigilanteque desmascarouumaapós outra as nossas
mentiras.a colonosó temumrecurso:a fôrça,quandoesta
ainda lhe sobra;o indígenasó temumaalternativa:a servi~
dão ou a soberania.Que importaa Fanon que leiamosou
não a suaobra?'É a seusirmãosque-êle denuncianossasve~
lhas artimanhas,para as quaisnão dispomosde sobressalen~
tes. É a fIes queFanon diz: a Europapôs as patasemnos~
sos continentes,urge golpeá~lasaté queela as retire;o mo~'
mentonos favorece;nada acont'e'ceem Bizerta, em Eliza~
bethville,no desertoargelino,que não chegueao conheci~
mentode tôdaa Terra; os blocostomampartidoscontrários,
encaram~secomrespeito;aproV1e'Ítemosessaparalisia,entre~
mosna históriae que nossairrupçãoa torne universalpela
primeiravez; na falta de outrasarmas,.a perseverançada
faca será suficiente.
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Europeus,abri êsNi;livro, entrai'nêle.Depois de alguns
passosna noite,vereis estrangeirosreunidosao pé do fogo,
aproximai-vos,escutai:êles discutema sorte que reservam
às vossasfeitorias,aos mercenáriosque as def,endem.Êles
vosverãotalvez,mascontinuarãoa falar entresi, semmesmo
baixar a voz. Essa indiferençafustigao coração: os pais,
criaturasda sombra,vossascriaturas,eramalmasmortas,vós
lhes dispensáveisa luz, êlessó se dirigiama vós, ,e:vós não
perdíeistempoem respondera êsseszumbis. Os fiJhos não
fazemcasode vós; um fogo os iluminae aquece,e vós vos
sentir'e:isfurtivos,noturnos,transidos;a cadaum a suavez;
nessastrevasde ondevai surgir umaoutraaurora,os zumbis
sois vós.
N essecaso,direis,joguemosêstelivro pela janela. Por
quetemosde o ler se não foi escritoparanós?Por dois mo-
tivos. O primeiroé que:Fanon vos explicaa seusirmãose
desmontapara êIeso mecanismode nossasalienações;apro-
veitaipara vos descobrira vós mesmosemvossaverdadede
objetos.Nossasvítimasnosconhecempor suasferidase s,e:us
grilhões;é isto que torna seu testemunhoirrefutável. Basta
que nos mostremo que fizemosdelaspara que conheçamos
o que:fizemosde nós. Isso é útil? Sim, visto que a Europa
está na iminênciade rebentar. Mas, direis vós ainda, vi-
vemosna Metrópolee reprovamosos excessos.',É verdade:
não sois colonos,mas não sois melhoresdo que êles. São
vossospioneiros,vós os enviastespara o ultramar,êlesvos
enriqueceram;vós os tínheis prevenido:se fizessemcorrer
muitosangue,vós os reprovaríeiscomdesdém;da mesmafor-
ma, um Estado - qualquerque seja - mantémno 'e:stran-
geiroumaturbadeagitadores,de provocadorese espiões,aos
quaisreprovaquandosão apanhados.Vós, tão liberais,tão
humanos,quelevaiso amorda culturaatéaopreciocismo,fin-
gisesquecerque:tendescolôniase quenelassepraticammas-
sacresem vosso nome. Fanon revelaa seus camaradas-
a algunsdentreêles,sobretudo,quecontinuamumpoucooci-
dentalizadosdemais- a solidariedadedos "metropolitanos"
e:de seusagentescoloniais.Tende a coragemde o ler, por
estaprimeirarazãode queêle fará comquevos sintaisen-
vergonhados,e a vergonha,como disseMarx, é um senti-
mentorevolucionário.Vêde: eu tambémnão possodespren-
der-me:da ilusãosubjetiva.Eu tambémvos digo: "Tudo está
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perdido,a menosque... " Europeu,furto o livro de um ini-
migoe façodêleummeiodecurara Europa. Aproveitai.
Eis o segundomotivo:se rejeitarmosa Ie:nga-Iengafas-
cistade Sorel,veremosqueFanoné o primeirodesdeEngels
a repor emcenaa parteirada história. E não se creiaque
um sanguedemasiadoardenteou desventurasda infâncialhe
tenhamdadoparaa violêncianão sei quegôstosingular:êle
se faz o intérpreteda situação,nada mais. Mas isso basta
paraque êleconstitua,etapapor etapa,a dialéticaquea hi-
pocrisia liberal oculta de nós e que nos produziu tanto
quantoa êle.
No séculopassadoa burguesiaconsideravaos operários
inv,e:josos,corrompidospor apetitesgrosseiros,mas teve o
cuidadode incluir êssesselvagensemnossaespécie:se não
fôssemhomense livres, comopoderiamvender livremente
sua fôrça de trabalho?Na França,na lnglat,e:rra,o humanis-
mo pretendeser universal.
Com o trabalhoforçado,dá-seo contrário:nadade con-
trato; alémdisso,é precisointimidar;patenteia-seportantoa
opressão.Nossos soldadosno ultramarrechaçamo univer-
salismometropolitano,aplicamao gênerohjfmanoo numerus
clausus;uma vez que ninguémpode semcrimeespoliarseu
semelhante,escravizá-Ioou matá-Io,êlesdãopor assenteque
.~<1colonizadonão é o semelhantedo homem.Nossatropa de
choquereeebeua missãode transformar'essacertezaabstrata.
.emrealidade:a ordemé rebaixaros habitantesdo território
anexadoao nível do macacosuperiorpara justificar que o,'
c()lonoos trate comobêstasde carga. A ..vi()lênciacolonial
não temsàme:nteo objetivode garantir-ó"resp"éitodêssesho-
mens subjugados;procura desumanizá-Ios.Nada d:-veser
poupadopara liquidaras suastradições,para substituira lín-
gua dêlespela nossa,para destruira sua cultura semlhes
dar a nossa;é precisoembrutecê-Iospela fadiga. Desnutri-
dos, enfermos,se:ainda resistem,o mêdoconcluiráo traba-
lho: assestam-seos fuzis sôbreo camponês;vêmcivisquese
instalamna terrae o obrigama cultivá-Iapara êles. Se re-
siste,os soldadosatiram,é um homemmorto;se cede,de-
grada-se,não é maisum homem;a vergonhae o temorvão
fender-lhe o caráter, desintegrar-lhea personalidade.A
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coisa é conduzidaa toquede caixa,por peritos: não é de
hoje que datamos "serviçospsicológicos".Nem a lavagem
cerebral.E no entanto,malgradotantosesforços,o objetivo
não é atingidoempartenenhuma:no Congo,ondese corta:~
vamas mãosdos negros,nememAngola onde,bemrecente~
mente,furavam~seoslábiosdos descontentespara os fechar
com cadeados.E não afirmo que seja impossívelconverter
um homemnum animal;digo que não se chegaa tanto sem
o enfraquecerconsideràvelmente;as bordoadasnão bastam,
é necessáriorecorrerà desnutrição.:É o tédio,com a servi~
dão. Quando domesticamosum membrode nossa espécie,
diminuímoso seurendimentoe, por poucoquelhe demos,um
homemreduzidoà condiçãode animaldomésticoacabapor
custarmaisdo queproduz. Por 'êssemotivoos colonosvêem~
se obrigadosa parar a domesticaçãono meiodo caminho:o
resultado,nemhomemnemanimal,é o indígena.Derrotado,
subalimentado,doente,amedrontado,massó até certoponto,
tem êle, seja amarelo,negro ou branco,sempreos mesmos
traçosde caráter:é um preguiçoso,sonsoe ladrão,quevive
de nadae só reconhecea fôrça.
Pobre colono: eis sua contradiçàopostaa nu. Deveria,
dizem,comofaz o gênio,mataras vítimasde suaspilhagens.
Mas isso não é possível. Não é precisotambémque as ex~
pIore?Não podendolevar o massacreaté ao genocídioe a
servidãoaté ao embrutecimento,perdea cabeça,a operação
de desarranjoe umalógica implacá.velhá de conduzi~laaté
à descolonização.
Não de imediato.A princípioo europeureina; já per~
deumasnão se dá contadisso;aindanão sabeque os indí~.
genas são falsos indígenas;atormenta~os,conformealega,
para destruirou reprimiro mal que há nêles. Ao cabode
três gerações,seusinstintospe:rniciososnão renascerãomais.
Que instinto?Os que compelemos escravosa massacraro
senhor?Como não reconhecenisto a suaprópriacruezavol~
tada contra 'êle?A selvageriados camponesesoprimidos,
comonão reencontranela sua selvageriade colono,queêles
absorverampor todosos poros e de que não estãocurados?
A raz,ãoé simples.:Êssepersonagemarrogante,enlouqueci~
do por todo o seupodere pelo mêdode o perder,já não se
lembrarealmenteque foi um homem:julga~seuma chibata
ou um fuzil; chegoua acreditarquea domesticaçãodas Ura_
10
çasinferiores"se:obtématravésdo condicionamentodosseus
reflexos. Negligenciaa memóriahumana,as recordaçõesin~
deléveis;e depois,sobretudo,há isto que talvez êle jamais
tenhasabido:nós não nos tornamoso quesomossenãopela
negaçãoíntimae radicaldo que fizeramde nós. Três gera~
ções?Desdea segunda,malabriramos olhos,os filhosviram
os pais ser espancados.Em têrmosde psiquiatria,ei~los
"traumatizados".Para a vida interna. Mas essasagressõe's
ince'ssantementerenovadas,longede os induzir à submissão,
atiram-nosnumacontradiçãoinsuportávelpela qual cedoou
tardeo europeupagará. Depoisdisso,o aprendizadoa que
por sua vez ser,ãosubmetidos,aprendizadode humilhação,
dore fome,suscitaráem seuscorposumaira vulcânicacujo
poderé igual ao da pressãoquese exercesôbreêles. Será.,
dizeisvós, quesó conhecema fôrça?Por certo;de inícioserá
apenasa do colonoe, poucodepois,a dêles,isto é, a mesma
querecai sôbrenós da mesmamaneiraque o nossoreflexo
vem do fundo de um espelhoao nossoencontro. Não nos
iludamos;por essacóleralouca,por essabile e êssefel, por
seu desejopermanentede nos matar,pela contraçãocons~
tantede músculospoderososque:têmm'êdode se esticar,êles
são homens:pelo colono,que os quer servos,e contraêle.
Cego ainda,abstrato,o ódio é seuúnicotesouro. O Patrão
provoca~oporqueprocura bestializá~lo,falha em destruí~lo
porqueseus interêsseso detêma meiocaminho.Assim, os
falsos indígenasainda são humanos,pela fôrça e a impo~
tênciado opressorquese transformamnêlesnumaobstinada
recusaà condiçãoanimal. Quanto ao mais, já se sabe: são
preguiçosos.é claro, e isso é sabotagem.Dissimulados,la~
drões,semdúvida;seuspequenosfurtosassinalamo comêço
de umaresistênciaaindadesorganizada.Isso nãobasta;para
que se afirmemtêm de investirdesarmadoscontraos fuzis.
Êstes sãoos seusheróis,e outrosse fazemhomensassassi~
nando europeus.São mortos. Bandidose mártires,seu su~
plício exaltaas massasaterrorizadas.
Aterrorizadas,sim. Nestenôvomomentoa agressãoco~
lonial se interiorizaemTerror entreos colonizados.Não me
refiro sàmenteao temorque experimentamdiantede nossos
inesgotáveismeiosde repressãocomotambémao que lhes
inspira seu próprio furor. Estão entaladosentre as armas
queapontamoscontraêlese as tremendaspulsões,os desejos
11
de carnificinaquesobemdo fundodo coraçãoe que'êlessem~
pre reconhecem,porque:não é de inícioa violênciadêles,mas
a nossa,voltadapara trás, que se avolumae os dilacera;e
o primeiromovimentodêssesoprimidosé ocultar profunda~
menteessacólera inconfessávelque a sua moral e:a nossa
reprovame que,todavia,é o último redutode sua humani~
dade. LeiamosFanon: descobriremosque,no tempode sua
impotência,a loucura sanguináriaé o inconscie:ntecoletivo
dos colonizados.
Essa fúria contida,que não se extravasa,anda à roda
e destroçaos própriosoprimidos.Para se livraremdela,en~
trematam~se:as tribos batem~seumascontra as outraspor
não poderematacarde frenteo verdadeiroinimigo- e po~
demoscontarcoma políticacolonialpara alimentaressasri~
validades;o irmão,empunhandoa faca contrao irmão,acre~
dita destruir,de umavez por tôdas,a imagemdetestadade
seu aviltamento,comum.Mas essasvítimasexpiatóriasnão
lhes aplacama s'êdede sangue. Abstendo~sede marchar
contraas metralhadoras,êles se tornar,ãonossoscúmplices:
vão por sua própriaautoridadeaceleraros progressosdessa
desumanizaçãoque lhes re:pugna.Sob o olhar divertidodo
colono,premunir~se~ãocontraêlesmesmoscombarreirasso~
brenaturais,ora reavivandovelhosmitos terríveis,ora atan~
do~sefortementecomritos meticulosos;assim,o obsessoli~
vra~sede sua exigênciaprofunda abandonando~sea manias
que o solicitama todo instante. Dançam,e isto os ocupa,
aliviando~lhesos músculosdolorosamentecontraídos. De
resto,a dançaexprimepor mímica,secretamente,muitasvê~
zessemqueo saibam,o Não quenão podemdizer,os homi~
cídiosquenão se atrevema cometer.Em certasregiõesva~
lem~sedêsteúltimorecurso:a possessão.O que era outrora
o fato religiosoem sua simplicidade,umacertacomunicaç,ão
do fiel com o sagrado,se transformanumaarma contrao
desespêroe a humilhação;os zars,as loas,os Santosdescem
nêles,governam~lhesa violênciae:a dissipamem transesaté
ao esgotamento.Ao mesmotempoêssesaltospersonagensos
protegem;isso querdizerqueos colonizadosse defendemda
alienaçãocolonialvoltando~separa a alienaçãoreligiosa.No
fim decontas,o úni00resultadoé a acumulaçãode duasalie~
nações,cada qual reforçadapela outra. Assim, em ,certas
psicoses,cansadosde sereminsultadostodosos dias, os alu~
12
cinadosimaginamde repenteouvir umavoz de anjo que os
cumprimenta;por outro lado, não cessamas graçolas,que
daí em diantealternamcoma saudação.É uma defesae é
o fim de suaaventura:a pessoaestádissociada,o doentese
encaminhapara a demência.Acrescentemos,para algunsin~
felizes rigorosamenteselecionados,essa outra possessãode
que já falei anteriormente:a cultura oddental. No lugar
dêles, direis vós, eu preferia meuszars à Acrópole. Bom,
compreendestes.Não completamente,porém,porquenão es~
taisno lugardêles.Ainda não. De outromodo,saberíeisque
nãopodemescolhere acumulam.Dois mundos,isso faz duas
possessões:dançama noite inteirae de manhãapinham~se
na igrejaparaouvirmissa;a fendaaumentasemparar.Nosso
inimigotrai seusirmãose se faz nossocúmplice;seusirmãos
fazemoutro tanto. O indigenatoé umaneuroseintroduzida
e mantidapelocolonoentreos colonizadorescomo consenti~
mentodêles.
,Reclamare renegar,a um só tempo,a condiçãohumana:
a contradiçãoé explosiva.Efetivamenteexplode,bemo sa~
bemos.E vivemosno tempoda deflagraç,ão:que:ro aumento
da 'natalidadeampliea miséria,quer os recém~chegadosde~
vam recearviver um pouco mais que morrer,a torrenteda
violênciaderrubatôdasas barreiras. Na Argélia e:. em An~
gola os europeussão massacradosondeaparecem.Ê o mo~
mentodo bumerangue,o terceirotempoda violência:ela se
volta contranós, atinge~nose, comodas outrasvêzes,não
compree:ndemosque é a nossa. Os "liberais" ficamaparva~
lhados;reconhecemque não fomosbastantepolidos comos
indígenas,quê teria sido mais justo e maisprudenteconce~
der~lhescertosdireitosna medidadopossível;êlespreten~
diamapenasser admitidosemmassae sempadrinhosnesse
clube:fechadíssimoqueé a nossaespécie;e eis que êssede~
sencadeamentobárbaroe louco não os poupa assimcomo
não poupa os maus colonos. A Esquerda Metropolitana
inquieta~se:conhecea verdadeirasorte dos indígenas,a
opressãoimpiedosade que são objeto,não lhes condenaa
revolta,sabendoquetudo fizemosparaprovocá~la.Mas, ain~
da assim,pensaela,há limites:êssesguerrilheirosdeveriam
empenhar~seemmostrarcertocavalheirismo;seriao melhor
meiode provar que são homens.Às vêzesela os censura:
"Vocês estãose excedendo,não os apoiaremosmais."Eles
13
não dãobola; ela bemquepodepegarêsseapoioe pendurar
no pescoço.Desdequesua guerracomeçou,êlesperceberam
estaverdaderigorosa:nós todosvalemospelo quesomos,to~
dosnos aproveitamosdêles,e êIesnão têmqueprovarnada,
não dispensarãotratamentode favor a ninguém. Um dever
único,um únicoobjetivo:combatero colonialismopor todos
os meios. E os maisavisadosdentrenós estariam,a rigor,
prontosa admiti~lomasnão podemdeixarde ver nessapro~
va de fôrça o recursointeiramentedesumanode que se ser~
viram os sub~homenspara se fazer outorgaruma carta de
humanidade:vamosconcedê~lao mais depressapossívele
que êles tratementão,por métodospacíficos,de a merecer.
Nossa bela alma é racista.
Ela só teráa lucrar coma leiturade Fanon. Essa vio~
lência irreprimível,êle o demonstracabalmente,não é uma
tempestadeabsurdanem a ressurreiçãode instintosselva~
gense nemmesmoum efeitodo ressentimento;é o próprio
homemque se recompõe.Sabíamos,creio eu, e' esquecemos
estaverdade:nenhumasuavidadeapagaráas marcasda vio~
lência;só a violênciaé quepode destruí-Ias.E o colonizado
se cura da neurosecolonialpassandoo colonopelasarmas.
Quando sua raiva explode,êle reencontrasua transparência
perdidae se co'nhecena medidamesmaem que se faz; de
longeconsideramosa guerracomoo triunfoda barbárie;maS
elaprocedepor si mesmaà emancipaçãoprogressivado com~
batente,liquidandonêlee fora dêle,gradualmente,as trevas
coloniais.Uma vez iniciada,é impiedosa.Ê necessárioper~
maneceraterrorizadoou tornar-seterrível,quer dizer: a.ban~
donar~seàs dissociaçõesde umavida falsificadaou conquis~
tar a unidadenatal. Quandoos camponesestocam'nosfuzis,
os velhosmitos,empalidecem,e caempor terra, umaa uma,
as interdições.A armado combatenteé a sua humanidade.
Porque,no primeirotempoda revolta,é precisomatar;aba~
ter um europeué matardois coelhosde umasó cajadada,é
suprimirao mesmotempoum opressor,eum oprimido: res·
tamum homemmortoe umhomemlivre;o sobrevivente,pela
primeiravez, senteum solo nacionalsob a planta dos pés.
Nesse instantea Nação não se afasta dêle';êle a encontra
aondefôr, ondeestiver- 'nuncamaislonge,ela se confunde
com sua liberdade. Mas, após a primeirasurprêsa,o exér~
cito colonialreage;entãoé necessáriounir~seou deixar~se
14
massacrar.As discórdiastribaisatenuam~se,tendema desa~
parecer,emprimeirolugar porquepõememperigoa Revo·
luçãoe, maisprofundamente,porquenãotinhamoutrafunção
que desviara violênciapara falsos inimigos. Quando con~
tinuam- comono Congo- é porquesão alimentadaspelos
agentesdo colonialismo.A Nação põe~seem marcha;para
cadairmãoelaestáemtôdaa parteondeoutrosirmãoscom~
batem.Seu amorfraternalé o inversodo ódio que êIesnos
votam:irmãospelo fato de quecadaum dêlesmatou(:)4 po",
deria de um instantepara outro ter matado. Fé\nonmostrq
a seusleitoresos limitesda "espontaneidad~",a ne~essidaçle;
e os perigosda "organização". Mas, s~jªqual fôr a i1UenS!",
dadeda.tarefa,a cadadesdobramentoda empreitadaaco-lls",
ciênciarevolucionáriase:aprofunda.Desvanecem~seos der",
ràdeiroscomplexos:não nos venhamfalar no "çomplexode
dependência"do soldadodo Exércitode LibertaçãoNacional,
Livre dos seusantolhos,o camponêstomaconheçimentodas
suas necessidades;matavam",nomas êle tentavaignorá-Ias:
descobre~asagoracomoexigênciasinfinitas. Nessaviolência
popular- quedura cincoanos,oito anoscomono casodos
argelinos- não se podemdistinguiras necessidadesmilitª",
res, sociaise políticas. A guerra,suscitandoo problemado
comandoe dasresponsabilidades,estabelecenovasestruturas
queserãoasprimeirasinstituiçõesdapaz. Eis entãoo homem
instauradoaté emtradiçõesnovas,filhas futurasde um hor~
rível presente,ei-lo legitimadopor um direitoquevai nascer,
quenascecadadia no fogo da batalha.Com o últimocolono
morto,reembarcadoou assimilado,a espécieminoritáriade~
saparece,cedendoo lugar à fraternidadesocialista.E isso
ainda não é suficiente:êssecombatentequeimaas etapas;
cuidaisque êle não arriscaráa pele para se reencontrarao
nível do velhohomem"metropolitano".Vêde sua paciência:
é possívelqueêle sonhealgumasvêus comum nôvo Dien~
Bien~Phu;mas ficai certosde quenão contarealmentecom
isto; é ummendigolutando,emsuamiséria,contraricospo~
derosamentearmados.Esperandoas vitóriasdecisivase mui-
tas vêzessemnada esperar,atormentaseusadversáriosaté
ao enfado. Isso é inseparáveIde perdastremendas;o exér~
cito colonialtorna-seferoz: patrulhas,operaçõesde limpezé\,
reagrupamentos,expediçõespunitivas;mulheresecriançassão
massacradas.Sabe dist9 êssehomemnôyo; êle começasua
15
vida de homempelo fim; considera~seummortovirtual.Será
morto,e não somenteaceitao risco mas tem a certezade
queseráeliminado.Êsse mortovirtualperdeua mulhere os
filhos e viu tantasago'niasque antesquervencerque sobre~
viver;outrosaproveitarãoa vitória,não êle,que estácansa~
do demais. Contudo,essafadiga do coraçãoestá no prin~
cípio de umacorageminacreditável.Encontramosnossahu~
manidadedo lado de cá da mortee do desespêro,êle a en~
contra do lado de lá dos suplíciose da morte. Fomos os
semeadoresde ventos;êleé a tempestade.Filho da violência,
extraidelaa cadainstantea suahumanidade;fomoshomens
à custadêle;êlese faz homemà nossacusta. Um outroho~
mem,de melhor qualidade.
Aqui Fanon faz alto. Mostrou o caminho;porta~vozdos
combatentes,reclamoua união,a unidadedo continenteafri~
cano contra tôdas as discórdiase todos os particularismos.
Atingiu seu objetivo. Se quisessedescreverintegralmenteo
fato históricoda descolonizaç,ão,teria de:falar emnós,o que
certamentenão é seupropósito. Mas o livro, depoisque o
fechamos,continuaa acossar~nos,apesarde seu autor,por~
quesentimoso vigor dospovosemrevoluçãoe r,espondemos
coma fôrça. Há portantoum nôvo momentoda violência,
e é para nós, destavez, quetemosde nos voltar porqueela
nos estátransformandona medidaem que o falso indígena
se transformaatravésdela. Cada qual poderáconduzirsuas
reflexõescomoquiser. Contanto,porém,que tenhaisto em
mente:na Europa de hoje, completamenteaturdidacomos
golpesquelhe são desferidosna França, na Bélgica,na I'n~
glaterra,a menordistraçãodo pensamentoé uma cumplici~
dadecriminosacomo colonialismo.Êste livro não precisava
de prefácio,tantomenosporquenão se dirigea nós. Contu~
do, eu lhe fiz um para levara dialéticaatéao fim.Ê neces~
sário quenós, europeus,nos descolonizemos,isto é, extirpe~
mos,por meiode:umaoperaçãosangrenta,o colonoque há
em cadaum de nós. Examinemo~nos,se tivermoscoragem,
e vejamoso que sepassaconosco.
Encaremosprimeiramenteêsteinesperado:o strip~tease
de nossohumanismo.Ei~lo inteiramentenu e não é nada
belo: não era senãouma ideologiamentirosa,a reqUintada
16
i
il
;j
II
justificaçãoda pilhagem;sua ternurae seupreciosismocau~
cionavamnossasagressões.Têm boa aparênciaos não~vio~
lentos:nemvítimasnemverdugos!Vamos!Se não sois víti~
mas, quando o govêrnoque referendastesnum plebiscito
e quandoo exércitoem que serviramvossosjovens irmãos
levarama cabo,semhesitaçãonemremorso,um "genocídio",
sois indubitàvelmenteverdugos. E se escolheisser vítimas,
arriscarum ou doisdias de cadeia,escolheissimplesmenteli~
vrar~vosde umaembrulhada.Mas não vos livrareis;é mis~
ter permanecernela até ao fim. De restoé necessáriocom~
preenderisto: se a violênciativessecomeçadoestanoite,se
lt1uncaa exploraçãonema opressãotivessemexistidona face
da terra,talveza não~violênciaalardeadapudesseapaziguara contenda.Mas se o próprio regimee até os Vüssosnão~
violentospensamentosestãocondicionadospor umaopressão
milenar,vossapassividadesó servepara vos colocardo lado
düs opressores.
Sabeismuitobem que somosexploradores.Sabeisque
nos apoderamosdo ouro e dos metaise, posteriormente,do
petróleodos "continentesnovos" e que.üs trouxemospara
as velhasmetrópoles.Com ,excelentesresultados:palácios,
catedrais,capitaisindustriais;e quandoa criseameaçava,es~
tavamali üs mercadoscüloniaisparaa amürtecerou desviar.
A Europa,empanturradade riquezas,concedeude jure a hu~
manidadea todosos seushabitantes;entrenós, um homem
significaum cúmplice,visto que todosnós lucramoscom a
exploraçãocolonial. 'Êste continentegordo e lívido acabou
por dar no que Fanon chamacomjusteza0' "narcisismo".
Coeteauirritava~secom Paris, "estacidadeque fala o tem~
po todo de si mesma". E a Europa, que faz ela? E êsse
monstrosupereuropeu,a Américado Norte? Que tagarelice:
liberdade,igualdade,fraternidade,amor, honra, pátria, que
sei eu? Isso não nos impediade fazermosdiscursosracistas,
negrüsujo,judeusujo etc. Bonsespíritos,liberaise ternos-
neocolOlnialistasem suma - mostravam~sechocadoscom
essainconseqüência;êrro ou má~fé:nada mais conseqüente,
em nossomeio,que um humanismoracista,uma vez que o
europeu só pode fazer~sehomemfabricandü escravose
monstros.Enquantohouveum indigena,essaimposturanão
foi desmascarada;encontrávamosno gênero humanouma
17
abstratapostulaçãode universalidadeque servia para en~
cobrirpráticasmaisrealistas:havia, do outro lado dos ma~
res,umaraça de sub~homensque,graçasa nós, emmil anos
talvez,teria acessoà nossacondição. Em resumo,confun~
díamoso gênerocom a elite. Hoje o indíge:narevela sua
verdade;de repente,nossoclubetão fechadorevelasua fra~
queza:não passavade umaminoria. Há coisapior: umavez
queos outrosse faze:mhomenscontranós, fica evidenteque
somosos inimigosdo gênerohumano:a eliteexibesua ver~
dadeiranatureza:uma quadrilhade bandidos. Quereis um
exemplo?Lembrai~vosdestaspalavrasgrandiloqüentes:como
é ge'nerosaa França! Generosos,nós? E Sétif? E êssesoito
anosde guerraferoz quecustarama vida a maisde ummi"
lhão de argelinos?Mas compreendamosquenão nos censu-
rampor têrmostraídonãosei quemissão,pelaboa razãode
que não tínhamosnenhuma.iÊ a própria'generosidade:que
estáem causa;essabelapalavrasonorasó temum sentido:
estatutooutorgado.Para os novoshomensemancipadosque
nos enfrentam,ninguémtemo podernemo privilégiode:dar
nada a ninguém. Cada qual tem todos os direitos. Sôbre
todos. E nossaespécie,quandoum dia se fizer a si mesma,
não se definirá comoa somados habitantesdo globo mas
comoa unidadeinfinita de suas reciprocidades.Paro aqui.
Concluireiso trabalhosemdificuldade.Basta que olheisde
frente,pelaprimeirae últimavez,as nossasaristocráticasvir~
tudes;elasrebentam,e:comosobreviveriamà aristocraciade
sub~homensque as engendrou?Há algunsanos,um comen~
taristaburguês- e colonialista- só achouisto para defen~
der o Ocidente: "Nós não somosanjos, mas pelo menos
temosremorsos." Que confissão!Outrora nosso continente
tinhaoutrossustentáculos:o Partenon,Chartres,os Direitos
do Homem,a suástica.Sabemosagora o que valeme não
pretendemosmais salvar~nosdo naufrágiosenãopelo senti~
mentomuito cristãode nossaculpabilidade:.Ê o fim, como
vêdes:a Europa faz águapor todosos lados. Que aconteceu
*-então?Simplesmenteisto: éramosos sujeitosda história e
atualmentesomosos objetos.Inverteu~sea correlaçãode fôr~
ças,a descolonizaçãoestáemcurso;tudo o quenossosmer~
cenáriospodemtentaré retardar~lhea conclusão.
É precisoainda que as ve:lhas"Metrópoles" metamo
bedelho.empenhandotôdasas suasfôrçasnumabatalha,de
18-
antemão,perdida. Essa velha brutalidadecolonial,que fêz
a glória duvidosados Bugeaud,vamosreencontrá~la.no fim
da aventura,decuplicada,insuficiente.Envia~seo contingente
para a Argélia, e êle lá se mantémhá seteanos semresul~
~ado. A violênciamudoude sentido;vitoriosos,nós a exer~
damos sem que ela parecessealterar~nos:decompunhaos
outrose a nós,os homens,masnossohumanismocontinuava
intacto;unidospelo lucro, os metropolitanosbatizavamcom
osnomesdefraternidadee amora comunidadedeseuscrimes.
Agora, a violência,por tôda a partebloqueada,volta"se:çon~
tra nós atravésde nossossoldados,_interioriza~see nos pos"
suL C0'meçaa involução:o colonizadose recompõee nós,
fanáticose liberais,colonose "metropolitanos",nós nos de~
compomos.Já a furor e o mêdo estã0'nus; mostram~sea
d1e'scobertonas "pexotadas"de Argel. Onde estãoagoraos
selvagens?Onde estáa barbárie?Não falta nada,nemmes~
mo o tantã. As buzinasritmam"Argélia Francesa"enquanto
ose:uropeusqueimamvivos os muçulmanos.Não faz muito
tempo,lembraFanon, psiquiatrasem Congressoaf1igiam~se
coma criminalidadeindígena. Êsse:shomenssê entrematam,
diziamêles,issonão é normal;o córtexdo argelinodeveser
subdesenvolvido.Na Africa centraloutrosestabeleceramque
"o africanoutiliza muito pouco seus lobos frontais". Êsses
sábiosachariaminteressanteprosseguirhoje sua investigação
na Europa e particularmenteentreoS franceses.Porque nós
também,de algunsanospara cá, devemosestarsofrendode
preguiçafrontal: os Patriotasassassinamum poucoos seus
compatriotas;emcasode ausência,faze:m ir pelosareso por~
teiroe a casa.É apenasum~nício:a guerracivil estáprevista
para o outonoou a próximaprimavera.Nossos lóbulos,po~
rém, parecemem perfeito estado. Não será que, por não
poderesmagaro indíg.e'na,a violênciaseconcentra,seacumula
dentrode nós e procuraumasaída?A união do povo arge~
lino produza desunIãodo povo francês:emtodo o território
da ex~metrópoleas tribosdançame preparam~separao com~
bate. O terror deixoua África para instalar~seaqui,porque
há os furiososque comtôda a simplicidadequeremQbrigar~
nosa pagarcomnossosanguea vergonhade têrmossidoba~
tidospelo indígenae há tambémos outros,todosos outros,
igualmenteculpados- apósBizerta,apósos linchamentosde
se:tembro,quemfoi à rua paradizer: chega?- masbemmais
19
sossegados:os liberais,os durosdosdurosda Esquerdamole.
Nêlestambéma febresobe.E o mauhumor.Mas quecagaço!
Mascarama raiva sob mitos,sob ritos complicados;para re~
tardaro ajustede contasfinal e a hora da verdade,puseram
à nossafrenteum Grande Feiticeirocuja funçãoé manter~
nos a todo.custona escuridão.Inutilmente;proclamadapor
uns, recaIcadapelos outros,a violênciavoIteia: um dia ex~
plodeemMetz, no outroemBordéus;passoupor aqui,pas~
sarápor ali; é o jôgo do anel.Por nossavez,passoa passo,
percorremoso caminhoque leva ao indigenato.Mas para
que nos tornássemosinteiramenteindígenasseria necessário
quenossosolo fôsseocupadopelosantigoscolonizadose que
morrêssemosde fome. Isto não acontecerá;não, é o colo~
nialismodecaídoque nos possui, é êle que nos cavalgará
dentroembreve,decrépitoe soberbo;aí estão nosso zar,
nossaloa. E vós vos persuadireis,leilldoo últimocapítulode
Fanon,queé preferívelserum indígenano pior momentoda
misériaque um ex~colono.Não é bom que um funcionário
da polícia seja obrigadoa torturar dez horaspor dia; nessa
marcha,seusnervos ficam abaladosa menosque se proíba
aos algôzes,em seupróprio interêsse,de fazer horas suple~
mentares.Quando se quer proteger,com o rigor das leis,
o moralda Nação e do Exército, não é bom que estades~
moralizesistemàticamenteaquela. Nem queum país de tra~
diçãorepublicanaconfiecentenasde milharesde seusjovens
a oficiaisgolpistas.Não é bom,meuscompatriotas,vós que
conheceistodos os crimescometidosem nossonome,não é
realmentebomquenão digamosnadaa ninguém,nemsequer
a nossaalma,por temorde têrmosque nos julgar. A prin~
cípio ignoráveis,concedo,depoistivestesdúvidas,presente~
mentesabeis,mas continuaiscalados.Oito anos de silêncio,
isso degrada. E em vão: hoje o sol ofuscanteda tortura
estáno zênite,alumiao país inteiro;sob essaluz não há mais
um riso que soe justo, um rosto que não traia nossosdes~
gostos e cumplicidades.Basta hoje que dois francesesse
encontrempara que haja um cadáverentreêles.E quando
eu digo: um... A França,outrora,era o nomede um país;
tomemoscuidadopara quenão seja em 1961o nomede uma
neurose.
Nós nos curaremos?Sim. A violência,comoa lança de
Aquiles, pode cicatrizaras feridasque ela mesmafêz. Hoje
2,0
estamosagrilhoados,humilhados,doentesde mêdo,arruina~
dos. Felizmenteisso aindanão é suficientepara a aristocra~
cia colOlnialista;elanão podeconcluirsuamissãoretardadora
na Argélia enquantonão tiverprimeiroacabadode colonizar
os franceses.Recuamoscada dia diante da luta, mas ficai
certosde quenão a evitaremos:os matadoresprecisamdela
e vão precipitar~sesôbrenós e moer~nosde pau. Assim ter~
mi'naráo tempodos feiticeirose dos fetiches:ou nos batere~
mosou apodreceremosnasprisôes.É o momentofinal da dia~
lética: condenaisesta guerra mas ainda não ousais decla~
rar~vossolidárioscomos combatentesargelinos;não tenhais
mêdo,confiainos colonose mercenários;êlesvos obrigarão
a lutar. Talvez então,levadosà parede,desenfreareisenfim
es~aviolêncianova que velhoscrimesrequentadossuscitam
emvós. Mas isto,comodizem,é outrahistória.A do homem.
Aproxima~seo tempo,estoucertodisso,emquenós nos jun~
taremosàquelesqueafazem.
Setembrode 1961
JEAN~PAUL SARTRE
21
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~
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LlBERTA'ÇÃO NACIONAL, renascimentonacional,restitui~
ção da naçãoao povo, CommonweaIth,quaisquerquesejam
ás rubricasutilizadasou as novas fórmulasintroduzidas,a
descolonizaçãoé sempreum fenômenoviolento.Em qualquer
nível que a estudemos- encontrosinterindividuais,deno~
minaçõesnovasdosclubesesportivos,composiç,ãohumanadas
cocktails-parties,da polícia,dos conselhosadministrativosdos
bancosnacionaisou privados- a descolonizaçãoé simples~
mentea substituiçãode uma "espécie"de homenspor outra
"espécie"de homens.Sem transição,há substituiçãotõtaI.
cOIIlPleta,absoluta.Semdúvidapoder~se~iaigualmentemostrar
o aparecimentode umanovanação,a instalaçãode umnôvo
Estado, suas relaçõesdiplomáticas,sua orientaçãopolítica,
econômica.Mas nóspreferimosfalarprecisamentedêssetipo
de tábularasa quecaracterizade saídatôda descolonização.
Sua importânciainvulgardecorredo fatode queelaconstitui,
25
desdeo primeirodia, a reivindicaçãomínimado colonizado.
Para dizera verdade,a provado êxitoresidenumpanorama
socialtransformadode aIto a baixo.A extraordináriaimpor~
tânciade tal transformaçãoé serela querida,reclamada,exi~
gida.A necessidadeda transformaçãoexisteemestadobruto,
impetuosoe coativo,na consciênciae na vida dos homense
mulheres.colonizados.Mas a eventualidadedessamudançaé
igualmentevivida sob a forma de um futuro terrificante:na
consciênciade uma outra "espécie"de homense mulheres:
os colonos.
A descolonização,que se propõe mudar a ordem do
mundo,é,estávisto,umprogramade desordemabsoluta.Mas
não pode ser o resultadode uma operaçãomágica,de um
abalonaturalou de um acôrdoamigável.A descolonização,
sabemo~lo,é umprocessohistórico,isto é, nãopodeser com~
preendida,não encontraa sua inteligibilidade,não se:torna
transparenteparasi mesmasenãona exatamedidaemquese
faz discernívelo movimentohistoricizanteque lhe:dá forma
e conteúdo.A descolonizaçãoéo encontrO'deduasfôrçascon~
gênitamenteantagônicasque extraemsua oriç,inalidadepre~
cisamentedessaespéciede substantificaçãoquesegregae ali~
mentaa situaçãocolonial.Sua primeiraconfrontaçãose de~
senrolousob o signo da violência,e sua coabitação- ou
melhor,a exploraçãodo colonizadopelo colono- foi levada
a cabocomgranderefôrçode baionetase canhões.O colono
e o colonizadosão ve:1hosc~nhecidos.E, de fato, o colono
temrazãoquandodiz que "os" conhece.lÉ O'colonoque fêz
e continua a fazer o colonizado.O colonotira a suaverdade,
istoé, os seusbens,do sistemacolonial.
A descolonizFlçãojamais passa de:spercebidaporque
atingeo ser,modificafundamentalmenteo ser, transformá
espectadoressobrecarregadosde inessencialidadeem afôres
privilegiados,colhidosde:modo quasegrandiosopela roda~
viva da história.Introduz no ser um ritmo próprio,transmi~
tido por homensnovos,umanova linguagem,umanova hu~
manidade.A descolonizaçãoé,emverdade,criaçãodehomens
novos.Mas estacriaç,ãonão recebesua legitimidadede ne~
26
~
I:
I
1:1
nhumpodersobrenatural;a "coisa"colonizadase faz no pro-
cessomesmr-' '1uaIse liberta.
Há pc ' ."colonizaçãoa exigênciade umreexa-
meintegralC1",.:olonia1. Sua definiçãopode,se que-
remosdescrevê-Iacom exatidão,estar contidana frase bem
conhecida:"Os últimosserãoos primeiros".A descoloniza-
çào é a verificaçãodestafrase.É por isto que,no plano da
descriç,ào,tôda descolonizaçãoé um triunfo.
Expostaem sua nudez,a descolonizaçãodeixaentrever,
atravésde todosos seusporos,granadasincendiáriase facas
ensangüentadas.Porquese os últimosdevemser os primeiros
isto só podeocorreremconseqüênciade um combatedecisi-
vo e mortal,entredois protagonistas.Esta vontadede:fazer
chegaros últimosà cabeçada fila, de os fazersubircomca-
dência (demasiadorápida,dizemalgu'ns)os famososesca-
lõesquedefinemumasociedadeorganizada,só podetriunfar
se se lançamna balançatodosos meios,inclusive:a violência,
evidentemente.
Não se desorganizauma sociedade,por mais primitiva
que seja,comtal programase não se estádecididodesdeo
início, isto é, desde:a formulaçãO'mesmadêsteprograma,a
destruirtodosos obstáculosencontradosno caminho.O co-
lonizado que resolve cumprir êste programa,tornar-se o
motorque o impulsiona,estápreparadosemprepara a vio-
lência. Desde:seu nascimentopercebeclaramenteque êste
mundoestreito,semeadode interdições,não pode ser refor-
muladosenãopelaviolênciaabsoluta.
O mundocolonial é um mundodividido em .comparti-
mentos.Semdúvidaé superfluo,no planoda descrição,lem-
brar a existênciade cidadesindígenase cidadeseuropéias,de
escolaspara indígenase escolaspara europe:us,como é su-
pérfluolembraro apartheid na Àfrica do Sul. Entretanto,se
penetrarmosna intimidadedestadivisão,obteremospelo me-
nos o benefíciode'pôr emevidênciaalgumaslinhasde fôrça
que ela comporta.Êste enfoquedo mundocolonial,de seu
arranjo, de sua configuraçãogeográfica,vai permitir~nos
27
indolente,cuj0'ventreestápermanentementerepletode boas
coisas. A cidadedo colonoé umacidadede brancos,de es~
trangeiras.
A cidadedo colonizado,ou pelomenosa cidadeindíge~
na, a cidadenegra,a médina,* a reserva,é umlugarmalafa~
mado,povoadode homensmal afamados.Aí se nascenão
importaonde,nã0'importacomo.Morre~senão importaonde,
nãoimportade quê.IÉ ummundosemintervalos,ondeos ho~
mensestãouns sôbreosoutros,ascasasumassóbreasoutras.
A cidadedo colonizadoéumacidadefaminta,famintadepão,
de carne,de sapatos,de carvào,de luz. A cidadedo coloni~
zadoé umacidade:'acocorada,umacidadeajoelhada,umaci~
dadeacuada.,É umacidadedenegros,umacidade:'de árabes.
O olharqueo colonizado.lançaparaa cidadedo colonoé um
olharde luxúria,umolhar de inveja.Sonh0'sdeposse.Tôdas
as modaligadesde posse: sentar~seà mesado c0'lono,dei~
tar~seno leito do colono,coma mulherdêste,se possível.Q.
colonizadoé um invej0'so.O colonosabedisto;surpreenden~
do-lhe o o.lhar,constataamargamentemas se:mprealerta:
":Êlesqueremtomaro nossolugar." :É verdade,não há um
colonizadoque não sonhepelo menosumavez por dia em
se instalarn0'lugar do c0'lono.
Êste,11lll'11do,diyidiclo,em compartimentos,êste munqo
cindiélo'elIldois~é habitadoJ2()re~pé~iesdiferentes.AOJ-:igi;-
l1~lra:ãêlêdü"cõn:feXtocolonialrésideem queas realidadeseco~
nômicas,as desigualdades,a ,enormediferençados modos,de
vida não logramnuncamascararas rea,lidadeseconômicas,as
desigualdades,a enormediferença,dos modos de vida não
logramnunca mascararas realidadeshumanas.Quando se
observaem sua imediatidadeo c0'ntextocolo'nial,verifica~se
queo que retalhao mundoé antesde maisnada o fato de
pertencerou nãoa tal espécie,a tal raça.Nas c0'lôniasa infra~
estruturaeconômicaéigualmenteumasuperestrutura.A causa
é conseqüência:o indivíduoé rico porqueé branco,é branco
porqueé rico. :É por issoqueas análisesmarxistasdevemser
sempreligeiramentedistendidascada vez que abordamoso \problemacolonial.Não há nemmesmoconceitode sociedade"
pré~capitalista,bemestudadopor Marx, quenão exigisseser .
repensadoaqui. O servoé de essênciadiferenteda do cava~
delimitaras are:stasa partir das quais se há de reorganizar
a sociedadedescolonizada.
O mundocolonizadoé um mundocindido em dois. A
linha divisória,a fronteira,é indicadapelos quartéise dele~
gaciasde polícia.Nas colôniaso interlocutorlegal e:institu~
cionaldo colonizado,o porta~vozdo colonoe do regimede
opressãoé o gendarmeou o soldado.Nas sociedadesde tipo
capitalista,o ensinoreligiosoou leigo,a formaçãode reflexos
moraistransmissíve:isde pai a filho, a honestidadeexemplar
de operárioscondecoradosao cabode cinqüentaanosdebons
e leaisserviços,o amorestimuladoda harmoniae da prudên~
cia,formasestéticasdo respeitopelaordemestabelecida,criam
emtôrnodo exploradoumaatmosferade submissãoe inibição
que torna consideràvelmentemais leve a tarefa das fôrças
da ordem.Nos paísescapitalistas,entre°exploradoe o poder
interpõe~seuma multidãode professôresde moral, de con~
selheiros,de "desorientadores".Nas regiõescoloniais,ao con~
trário, ° gendarmee o soldado,por sua presençaimediata,
por suas interve:nçõesdiretase freqüentes,mantêmcontacto
como col0'nizad0'e o aconselham,a coronhadasou comex~
pl0'sõesde napalm,a não se mexer.Vê~seque° intermediá~
ri0'do poderutiliza uma linguagemde pura violência.O in~
termediárionão torna maislevea opressão,não dissimulaa
dominação.Exibe~as,manifesta~ascoma boa consciênciadas
fôrçasda ordem.O intermediáriolevaa violênciaà casae ao
cérebrodo colonizado.
"~A zona habitadapelos .colonizadosnã0'é complementar
da z0'nababitadapeloscolonos.Estas duaszonasse opõem,
mas não em função de uma unidadesuperior.Regidas por
uma lógicapuramentearistotélica,0'bedecemao principioda
exclusãorecíproca:nãohá conciliaçãopossível,umdostêrmos
é demais.A cidadedo colonoé umacidadesólida,tôda de
,pedra e ferro. É uma cidadeiluminada,asfaltada,onde 03
caixotesdo lixo regurgitamde sobrasdesc0'nhecidas,jamais
vistas,nemmesmosondadas.Os pés do ,colononuncaestão
à mostra,salvotalvezno mar,masnuncaninguéme:'stábas~
tantepróximodêles.Pés protegidospor calçadosf0'rtes,en~
quantoqueas ruas de sua cidadesão limpas,lisas,sembu~
racos,semseixos.A cidadedo colonoé umacidadesaciada,
28
"
Cidadeárabeao ladoda qualseerguemedificaçõesparaeuropeus.
29
leiro, masumareferênciaao direitodivino é necessanapara
legitimaressadiferençaestatutária.Nas colôniaso estrangei~
1'0 vindo de qualquerparte se impôscomo auxílio dos seus
canhõese das suasmáquinas.A despeitodo sucessoda do~
mesticaç,ão,malgrado a usurpação,o colono continuasendo
um estrangeiro.Não sãoas fábricas'nemaspropriedadesnem
a conta no banco que caracterizamem primeil"olugar a
"classedirigente".A espéciedirigenteé antesde tudoa que
vem de fora, a que:não se parececom os autóctones,"os
outros".
',A violênciaquepresidiuao arranjo do mundocolonial,
que ritmou incansàvelmentea destruiçãodas formassociais
indígenas,que arrasoucompletamenteos sistemasde refe~
rênciasda economia,os modosda aparênciae do vestuário,
seráreivindicadae assumidapelo colonizadono momentoem
que,decidindosera históriaem atos"a massacolonizadase
engolfarnas cidadesinterditas.~Fazer explodiro mundoco~
lonial é doravanteuma imagemde:ação muito clara,muito
compreensívele quepodeser retomadapor cadaum dos in~
divíduos que constituemo povo colonizado.Desmancharo
mundocolonialnãosignificaquedepoisda aboliçãodasfron~
teiras se vão abrir vias de passagementreas duas zonas.
Destruiro mundocolonialé, nemmaisnemmenos,aboliruma
zona,enterrá~laprofundamenteno solo ou expulsá~lado ter~
ritório.
A discussãodo mundocolonialpelocolonizadonãoé um
confrontoracionalde pontos de vista. Não é um discurso
o universal,masa afirmaçãode:senfreadade umasin~
gularidadeadmitidacomoabsoluta.Ql11undo.colonialé um
n;lundol11El:t1iqJJ~lsta.Não bastaao colonolimitar fisicamente,
com00 auxílio de suapolícia e de sua gendarmaria,o espaço
do colonizado.Como que para ilustrar o carátertotalitário
da exploraçãocolonial,o colonofaz do colonizadoumaespé~
cie de quintessênciado mal? A sociedade:colonizadanão é
1 Mostramosem Peau Noire, Masques Blancs (ediçãode Seuil) o
mecanismodêssemundomaniqueísta.
30
J:i
j
I
,
T
apenasdescritacomoumasociedadesemvalôres.Não basta
ao colonoafirmar que üs valôresdesertaram,ou melhorja~
maishabitaram,o mundocolonizado.O indígenaé declarado
impermeáve:là ética,ausênciade valôres,comotambémne~
gaçãodosvalôres.:É, ousemosconfessá~lo,o iinimigodosva~
lôres. Neste sentido,é o mal absoluto.ElementO'corrosivo,
que destróitudo o quedêlese aproxima,elementO'de:forma~
dor, quedesfiguratudoo quese refereà estéticaou à moral,
depositáriode fôrçasmaléficas,instrumentoinconscientee ir~
recuperávelde fôrçascegas.E M. Meyer podia afirmar so~
lenementeperantea AssembléiaNacional Francesaque não
era necessárioprostituira Repúblicafaz€ndopenetrarnela
o povo argelino.Os valôres,com efeito,se tornamirreversi~
velmenteenvenenadose pervertidosdesdequeentramemcon~
tactocoma populaçãocolonizada.Os costumesdocolonizado,
suastradiçõ~s,seusmitos,sobretudoseusmitos,sãoa própria
marcadesta'indigência,destadepravaçãoconstitucional.Por
issoé precisocolocarno mesmoplanoo DDT quedestróios
parasitas,portadoresde doença,e a religiãocristã que com~
bateno nascedouroas heresias,os instintos"o mal.O retro~
cessoda febreamarelae osprogressosdaevange.lizaçãofazem
partedo mesmobalanço.Mas os comunicadostriunfantesdas
missõesinformam,na realidade,sôbrea importânciados.fer~
mentosde alienaçãointroduzidosno seio do povo coloniza~
do. Falo da religiãocristãe 'ninguémtemo direitode se es~
pantar:\A Igreja nas colôniasé umaIgreja de Brancos,uma
igreja de estrangeiros.Não chamao homemcolonizadopara
a via de Deus maspara a via do Branco,a via do patrão,a
via do opressor.E comosabemos,nestenegóciosão muitos
os chamadose poucosos escolhidos'f
",Por vêzesêstemaniqueísmovai atéao fim de sua lógica
e desumanizao colonizado.A rigor, animaliza~o.E, de fato,
a .linguagemdo colono,quandofala do colonizado,é umalin~
guagemzoológica.Faz alusãoaosmovimentosréptisdo a:ma~
relo,às emanaçõesda cidadeindígena,às hordas,ao fedor,à
pululação,ao bulício,à gesticulação.O colono,quandoquer
descreverbeme encontrara palavraexata,recorreconstan~
tementeao bestiário.O europeuraramenteacertanos têrmos
"figurados",Mas o colonizado,que apreendeo projeto do
:n
colono,o processoprecisoqueseinstaura,sabeimediatamen~
te o que o outro pensa. Essa demografiagalopante,essas
massashistéricas,êssesrostosde onde fugiu qualquertraço
de humanidade,êssescorposobesosquenão se assemelham
mais a nada, estacoortesemcabeçanemcauda,essascrianças
quedãoa impressãodenãopertencerema ninguém,essapre~
guiçaestendidaao sol, êsse:ritmovegetal,tudo issofaz parte
do vocabuláriocolonial.O Generalde Gaulle fala das "mul~
tidõesamarelas"e o Sr. Mauriac das massasnegras,more~
,.))ase amarelasque dentroempoucovão soltar as amarras,
I O colonizadosabede tudo isso e dá uma gargalhadacada
I vez que aparececomo animalnas palavras do outro. Pois
sabequenão é um animal.E justamente,no instantemesmo
em que descobresua humanidade,começaa polir as armas
para fazê~latriunfar.
",
Quandoo colonizadopassaa pensaremsuasamarras,a
inquietaro colono,enviam~lhe_boasalmasque,nos "Congres~
sos de:cultura",lhe expõema especificidade,as riquezasdos
valôresocidentais.Mas tôdasas vêzesque se trata de valô~
res ocidentaisproduz~se,no colonizado,uma espéciede re~
tesamento,de tetania muscular. No período da desco~
lonizaçãoapela~separaa razãodoscolonizados.Propõem~lhes
valôresseguros,explicam~lhesabundantementeque a desco~
lonizaç,ãonão deve significar regressão,que: é preciso
apoiar~seem valôresexperimentados,sólidos, citados.Ora,
aconteceque quandoouveum discursosôbrea culturaoci~
dental,o colonizadosacada faca de matoou pelo menosse
certificade quea temao alcanceda mão. A violênciacom
que se afir,moua supremaciadosvalôresbrancos,a agressi~
vidade que impregnouo confrontovitorioso dêssesvalôres
com os modosde:vida ou de pensamentodos .colonizados
fazemcomque,por umajusta reviravoltadas coisas,o CQJo~
nizado.t:iacomescárnioantea evocaçãode tais valôres.No
contextocolonial,o_colonosó dá por findo seu trabalhode
desancamentodo colonizadoquando êste último reconhece
em voz alta e inteligívela supremaciados valôresbrancos.
No período de descolonizaçãoa massa.colonizadazomba
dêssesmesmosvalôres,insulta~os,vomita~os.
32
De ordinárioêste f~nômenoé dissimu.ladoporque,du~
ranteo períodode descolonização,certosintelectuaiscoloni~
zadosestabeleceramulll diálogocoma burguesiado país co~,
-lonialista.No curso dêsseperíodo,a populaçãoaut.óctoneé
percebidacomomassaindistinta.As poucasindividualidades
indígenasque os burguesescolonialistastiveramocasiãode
conheceraquie ali nãopesamsuficientementesôbreestaper~
cepç.ãoimediatapara dar origema nuanças.Durante o pe~
ríodo de libertação,pelo contrário,a burguesiacolonialista
busca febrilmentecontactoscom as "elites". ,É com estas
elitesquese travao conhecidodiálogosôbreos valôres.Ao
dar~secontada impossibilidadede manterseu domínionos
paísescoloniais,a burguesiacolonialistaresolveiniciar um
combatederetaguardano terrenoda cultura,dosvalôres,das
técnicasetc. Ora, é preciso nunca perder de vista que a
imensamaio~iados povoscolonizadosé impermeávela êsses
problemas.Para a populaçãocolonizadao valor mais esse:n~
cial, por ser o maisconcreto,é emprimeirolugar a terra: a
terraquedeveasseguraro pão e, evidentemente,a dignida-
de. Mas 'estadignidadenada tem que ver coma dignidade
da "pessoahumana".Dessapessoahumanaidealjamaisouviu
falar. O queo colonizadoviu emseu solo é quepodiamim~
punementeprendê~lo,espancá~lo,matá~loà fome;e nenhum
professorde moral,nenhumcura,jamaisveioreceberas pan~
cadasemseu.lugarnempartilharcomêle o seupão. Para o
colonizado,ser moralistaé, de modobemconcreto,imporsi~
lênci~à soberbado colono,despedaça~lhea violênciaosten~
tosa,numapalavra:expulsá~lofrancamentedo panorama.O
decantadoprincípio que quer que todos os homenssejam
iguais acharásua ilustraçãoIllas colôniasassimque o colo~
nizadose apresentarcomoo igual do colono.Mais um pas~
so e êlequererábater~separasermaisqueo colono.De fato
já decidiusubstitl1iro colono, tomar~lheo lugar. Como se
vê, é todo um universomateriale moralque se desmorona.
Por seuturno,o intelectualqueseguiuo coloni~listano pla~
no do universalabstratovai lutar para queo colonoe colo~
nizadopossamviver empaz num mundonôvo. Mas o que
não percebe,exatamanteporque o colonialismoseinfiltrou
nêlecomtodosos seusmodosdepensar,é queo colono,uma
vez desaparecidoo contextocolonial,não tem mais interês~
se em ficar, em coexistir. Não é por acasoque, antesmes~
33
mo de qualquernegociaçãoentre o Govêrno argelino e o
Govêrnofrancês,a minoriaeuropéiadita "liberal" já anun~
ciou sua posição: reclama,nem mais l11emmenos,a dupla
cidadania. iÊ que no plano abstratopretende~secondenaro
colono a dar um salto bastanteconcretono desconhecido.
Digamo~lo:o colono sabeperfeitame:nteque nenhumafra~
seologiase substituiao real.
~l)tª()o colonizado,desco,breque.suavida, sua,J:'espira~
ção, as pulsaçõesde:seu coração,são as mesmasdo colouo.
Descobrequeumapelede colononão vale illai.sdo.queulll,a
12ele.c1,~,i~c1}.9,ena.Essa descobertaintroduzu~~balo,esseti':.
~Jãrnc>l11ün~~)DelLd~~º~E~.,tê>da..a .tl8yae:fevoJuc~onária(se:)\\}1t1'ãnÇa";db',,~()lomzado.Se, com efeIto, mmha VIda tem o
nfê'S'fi'rô'pêsoquea do colono,seuolhar não mefulmina,não
meimobilizamais,suavoz já não mepetrifica.Não meper~
turbomaisemsuapresença.Na verdade:eu oc(}ntrario.N~o
s0!J1elltesuapresençadeixade meintimidar~coriiotámbém'já
es!ouprontopara lhe preparartais elTIhQscadasque dentro
ele.pql1cº.,!$;ll1Rº.Jl~.2:JhtrestaráoutrasaídasenãoaJuga.
Q.,.s;,Çm,tWQ..,,ç,Q~,jt!"üclissemos, cq,racte,riza,,,,sepela
,dicotomia,que inflige ao mundà)A".descolonizaçãounifica
ês~emu'n~o,exal~al1do",Ihepo~lIma decisão,radicalah.etero~
g~neiC1ade,conglobando-o'àJ)~se:da naç,ão,às vêzesda raça.
Todos conhecemoso dito ferozdospatriotassenegalesesevo~
candoas manobrasde seu PresidenteSenghor: "Reclama~
mosa africanizaçãodos quadros,e eis que Senghorafricani~
za os europeus".Isto querdizerque o colonizadotempossi~
bilidadede percebernumaimediatidadeabsolutase a desco~
lonizaçãoocorreuou não: o mínimoexigidoé queos últimos
se:tornemos primeiros.
Mas o intelecttléllcolonizadooferece"arialltesa essaexi~
gência-'e;"'de~'lãto,-pa~ec~que,l1ão,..lhe Jillúúu1rí0Hvações:
qU:ªârôs:-:-ãa"íiIiiil$Ir~t1vo's;ciuadrosf~cnicos,especialistas.,gra,
~,..colol1izac!~L!l1l:.e.rPrgtª_~<.=:§,sasp~~teriç§~s,colllo"outras..,tan~as
m,St.t:lº:b!,,ª.§"gesª,,b"ºill,ggwJ.".g~,!2ª.<;Lg:"l:ªXQo1J\::ir,,,~.e,.'agl;lie,ali, tlm
coloniz§c\(),Qe:clª!ªI:,"Nªºya,lia",a.pena,'..eijt%o,·séE.,i~d~pen~
dente... " "
" Nas regiõescolonizadasondese travouumaverdadeira
luta de libertação,ondecorreuo sanguedo povoe ondea du~
34
raçãoda fasearmadafavoreceuo refluxo dos intelectuaisàs
basespopulares,assiste:~sea umamdiscutíve1erradicaçãoda
superestruturabebidapor êssesintelectuaisnos meiosbur~
guesescolonialistas.Em seu monólogonarcisista,a burgue~
sia....colonialista,.porinEefiiú~ôlÔdeseús.'.universitários,havia
de fato inculéadoprofundamente:no espírito do colonizado
queas essênciaspermaneceill~t~rnªsa de,speitode todosos
erros atribuíveisaos h.omens.As essênciasocidentais,bem
ente:ndido.O colonizadoaceitava;Iundâllielífo dessasid~ias,
e'erapossíveldescobrir,numadobradeseucérebro,umasen~
tinelavigilanteencarregadade defendero alicercegre'co~la~
tino. Ora, aconteceque,durantea lutade libertação,no mo~
mentoemque ocoJonizadoretomao contactocorn.seupovo,
essasentinelafactícia.,é: pulverizada.Todos.os,yálôresmedi~
tei':'râliéos,triunfo da pessoahumana,da'clarezae:do Belo,
convertem~.seem quinquilhariasse:mvida e seill c9r. Todos
êssesdiscuRsosaparecemcomoagregadosdepalavrasmortas.
Êssesvalôresquepareciamenobrecera almarevelam~seinú~
te:isporquenão se referemao combateconcretono qual o
povo está engajado. ."
E antesde tudooilldividuáHsmq.O inteledualcoloniza~
d? .élprenderacom seusmestres'.que oc'índivíduodeve afir~
mar~se.A burguesiacolonialistaintroduziraa golpesde pilão
n:.'§~~:êír(tºçle}colonizadoa idéia de:umasociedadede indi~
Yídl1()semque cadaum se encerraem suasubjetividade,em
quea riquezaé a do pensamento.Qra,..()colonizacloquetiveri
a sortede see:ntranharno povo durantea luta delibertaçãoI
ci~,s.çobdráafalsiçladedessat~ºl'i.ª,As formasde organiza.)
ção da luta logo .lhepropor.ãoum vocabulárioinsólito. O
irmão,a irmã, o camaradasão palavrasproscritaspela bur~
guesiacolonialistaporque,para ela,meuirmãoé meubôlso,
meu camaradaé minhacomilança.O. intele;çtl1ªl,colonizadq
assiste,numae:spéciede auto,...de~fé,a destruiçãode todosos
s,eusídolos: o egoísmo,a recriminaçãoorgulhosa,à imbecili~
dade infantil de quemquerter semprea últimapalavra.~sse
intele;çtllalcolonizado,atomizadopglaQJ.lturacolonialista..des~
c.obriráigualmentea consistênciadas asse111bléia,scleaJC1ei,as,
a.densidade:das comissõesdo,povo,a. extraordináriaf~c).ln~
didadedas reuniões.dequarteir.ão~de cél~Üi,Qinterêssede
cadaumnãocessamaisdese:rc10ravanteoii1t.~r~~tõcr<>s
porque,concretamente,serão ió(fos-êIêSc'õbertõ's~peros-Iegio~'
35
nãnose portantomassacrados,ou serãotodo~salvos.Neste
contexto,o "jeitinho",formaatéiade salvação,estáproibido.
De certotempoparacá fala~semuitoemautocrítica,mas
será que se sabe que ela é, antes de tudo, uma instituição
africana?Seja nas djemaasda África do Norte:ou nas reu~
niõesda África Ocidental,mandaa tradiçãoqueos conflitos
surgidosnumaaldeiasejamdebatidosempúblico.Autocríticaemcomum,é certo,mascomumanotadehumorporquetodo
o mundoestáà vontade,porqueemúltimaanálisetodosque~
re:mosas mesmascoisas.O cálculo,os silênciosinsólitos,as
segundasintenções,o espíritosubterrâneo,o segrêdo,tudo
isso o intelectualvai abandonandoà medidaque imergeno
povo.E é verdadequesepodedizere:ntãoquea comunidade
triunfa já nestenível, que ela segregasua própria luz, sua
própriarazão.
Mas pode acontecerquea descolonizaçãose ef~~u.enas
regiõesquenãõ-§~~.}iiTISl~l]I~iheil[~'~ã~âfãªã~"p~lãlu{ã'de
Ií'l5erfâçãõ'"e'-gUê~se.ençontr~lllaí.osmesmosintele~iua~sl~di~
n?s,..astutos"..arcü1ôsôs.·'f\JÜes...continuarãorntactasisnopiías
de éorú:1iití:té'as'To'rmasde pensamentoacumuladasno curso
dEtsúã''C·'ü'j,tên{:lã'·'câ'ill-·a:-'i:5ü'r'''Uesla•••··êõlonralistâ::··1Vfêninôs
--, ••,.'w•.•••R..".Y.~.".•~...••,.•."".~,...••.."..".....•.•.........g '.'.'' L •.•.•••..•.>.••..•.••...•....'. •..•.."."'.'.' '.•.......••.'llóií.•"mimados-2,~~l!!....Qflq;,..colQ.I.Üilli§m2!.hoj~pela autoridao"êna;;
~~j~~lí~~r~cX!êI~i~~r1ll{l~;;;~~~eR~;··~~~~p~~~g..~1~c~f~i~~~~~;
rõüJjos l~~ais__~ ·ope~~ções.ª~"impõrtãçãôe"expoifâçãô,"sõ~
ci~~~des.~nim~~m~f.l;lJªÇ§~e.s}~ª.~:§I~~L.c~vações- aci~a
dessamisérialiõj e nacional.Reclamamcominsistênciaa na~
cionâJIzaçaõ.•..das atiyiª~ª:~~<:()ie:~fr~i§;:':'i§lQ:~~:i:r'r~seryª..4'os
merC'i:fâcis§dasb()él~.oQ()rtunic:Iéldesexçlusivamelltepélra.os
nacIÕllél1,s:D()~trinãlil1~üt~tprodalllaman~cessidad~impeEiosà
de nacionalizaE()rgYP9clélllaçªQ,N essaaridez do período
nacional,na fase dita de austeridade,o sucessode suasra~
pinagensprovocaràpidamentea cólerae a violênciado povo.
Êste povomiserávele independente,no atualcontextoafrica~
no e internacional,chegaà consciênciasocialnumacadência
acelerada.Isso não tardaráa ser compreendidopelaspeque~
nas individualidades.
Para assimilara C:1!Jt1.!r,él~99l?r~~~9Ee~V'~nturélr:-selle1él'
o colonizadotey~d~JQrn,?ç_~i,gâr~ntias.·Entre outrascoisas,
36
tevede fazersuasas formas.çl.~'4~,ensam~'ntoda burguesiaco~
lonial. Isso seyerifica mi'jnC<lpacidade•.ao intelectUalcoloni~
iãâõpãi:.';Cdiãl?~~SJflÔrqu~";l1ãõsãõ·íttáze~r:'sê"íiles'seilciâl"em
faéedo ó1)jetoóú'daidéia.Em compensação,quandomilitano
seiodo povo,vai de surprêsa'emsurprêsa.É literalmentede~
sarmadopela.boa~fée pelahonestidadedo povo.O riscoper~
manentequeo espreitaé entãoo de fazer populismo.Con~
verte~senumaespéciede amenistaqueaprovacadafrasedo
povo, logo transformadapor êle emsentença.Mas 0' felá, o
desempregado,o faminto,não se gabade ter a verdade.Não
diz queé a verdade,porque:o é emseupróprioser.
Objetivamente, o",~,~:!~~l,~s,~1,1élL~e.ç().1llJl()l'tél,.n~s.tg.p~ríodo
comoumoportunistavulgar. Suas manobras,na reabdade,
nãó ces·saraiii~·para·õ·p·ovô·ii,ã.õ.sE:írâfií1Úilci de o. rechaçar
ouencilrralar. O queo povo exigeé quese ponhatudo em
comum.A inserçãodo intelectualna marépopularserá re~
tardadapela existên.cianêle de um curiosoculto do detalhe.
Não é queo povosejarefratárioà análise.Gosta de receber
explicações,gostade compreenderas articulaçõesde um ar~
gumento,gostade ver para ondevai. ,lytélê())ntdectualéo;-
1011izad9,.no início.d~.sua coabitaçãoC01llo povo, privilegia
o·êl~!alh~ec~eg~aesqu~C:eE..~'.d~rr()tad()colo~ialismo,..o ()bje~
t~·'inesÍÍ10.daluta. ·.Arràstàdopelo movimentoÍnultiformeda
luta, tendea f1xar~seem tarefaslocais, levadaspor diante
C0'mardormasquasesemprecomexageradasolenidade.Nem
semprevê o todo. Introduza noçãode disciplinas,de espe~
cialidades,de:domínios,nessaterrívelmáquinade misturare
triturar queé umarevoluçãopopular.Empenhadoemdeter~
minadospontosda frentede combate,a~º;nt~se~lh~per~er~e
Vf~!.e••~..1,111jcl,e:tS!g,cl,ºm2YÜ;g~llt2,.:,~;..,~fn.Sél.~Q:".çl,~::i~i~~::19,çill".:clei~
xar~seleyarpela.dúviclªeat~l:J:).eSlllQpelodesesJl~rp.O povo,
ao contrário,adotade saídaposiçõesglobais.A terrae o pão:
que fazerparater a terrae o pão?E êsteaspect0'obstinado,
aparentementelimitado,estreito,do povo é em definitivoo
modêlooperativomaisfecundoe maiseficaz.
orpr'õblé~~'d;;~;d'~'d~devetambémretera nossaaten~
ção. N() selô'da pov()âyêrda~e:sell1preper,te:llseaos l1acio~
nais. Nenhumaverdadeabsoluta,nenhumdiscursosôbre a
transparênciada almapode esboroarestaposição.À mentira
37
'"
da situaçãocolonialo colonizadorespondecomumamentira
iguaL O comportamentoé francocomos nacionais,crispado
e ilegívelcomos colonos.A~têntico.é.~t~doaquiloquepreci~
pita.odeSmOrOllé:llneJ?-to..dà····fégimêcolorii~l,ql1efavorece.:a
emergêndél:ªa.l1,ªç?Q:.Ãutênficoé oqueprotegeos indígenas
eã-i"FUIí1â'QS·estrangeiros·.····Nócontextocolônialllao·hãcOll~
dutã"de v'erdâCIe::E6hem é simplesmenteo queprejudicaocolono.
Vemos portantoque o maniqueísmoprimeiroque regia
a sociedadecolonialconserva~seintactono períodode coloni~
zação.É queo coJonojamaisdeixade ser o inimigo,o anta~
gonista,maisexatamenteainda,o homema abater.O opres~
sor, emsua zona,faz existiro movimento,movimentode do~
minação,de exploração,de pilhagem.Na outrazona,a coisa
colonizada,oprimida,espoliada,alimentacomopodeêssemo~
vimento,que vai semtransiçãodos confinsdo territórioaos
paláciose às docasda "metrópole".Nestazonacoagulada,a
superfícieestáparada,a palmeirase balançadiantedas nu~
vens,as o.ndasdo marricocheteiamnas pedras,as matérias~
primasvão e vêm,legitimandoa presençado colono,enquan~
to que acocorado,mais.morta do que vivo, o colonizadose
eternizanum sonhoqueé sempreo mesmo.O colonofaz a
história.Suavida é umaepopéia,umaodisséia.Êleéo comê~
çaabsoluto:"Esta terra,fomosnósquea fizemos".:Éa causa
contínua:"Se partirmos,tudo estaráperdido,estaterra re~
grediráà Idade Média". Diante dêle, os sêres embotados,
atormentadosinteriormentepelas febres e pelos "costumes
ancestrais",constituemumquadroquasemineralno dinamis~
mo inovadorda mercantilismocolonial.
Q.s.olon~z a histó:.~e sa~~ue ajaz. E porquesere~fere constantementeà história e sua metrópole,indica de
modoclaroqueêle é aqui o prolongamentodessametrópole.
A históriaqueescrevenãoéportantoa históriada regiãoEor
êle-sa ueãêtã,'"m:éls"ã·"Fi'istbrlâ=·cresúã'·llâção~·llo~fêrrItórIo~"exlo~
r~,ª9!.§i21~.ª9~•..~..~§IªImªdQ':::7rI~ôbmdà·de:â"·qu'e·estã·~o~dfr;:a~
do coloni 'o . ~~º-lonizado se~ispusera
p r tê.t:moà históriada coloniz~çª, àJi~tº!}a-âa'ni11iagêin,
paré\~./_'···-ã-::rÍfstÓri,-I·7-Cfà"itã'Çã()~.!:!llstõriâdaêIesêõlôn~~~9., •. , ·'·'-'~".C'""_._._ " .,_" .",," '" ,,__' "_ "";:"', ,.:." ..,.••,~:_.;..•",~."",,,t,,,., .. -""'0""" -•.-.•·..;-,·<•.••_., •.c,.••,-.,.',.,.....,._..•__ ",,...•.,.,".."' "_"""".""'.'.__"'"
38
;?-
.'··~,·,(JJ'~114().<:()~Eél.~.tj~.~~i~~Q;,::,illªDjq~·~is,t'ª~:,im~yir:='g;7;~~?.:~
(:st~tua~;)!a estátuado generalqueefetuoua conquista,a es~
'fáhíâ'dÜ engenheiroque construiua ponte.Mundo segurode
si, queesmagacomsuaspedrasos lom.bosesfoladospelochi~
cote.Eis o mundocolonial.O indígenaé um serellcurralado,
o apartheidé apenasumat!!.9~2,!iç!.~slL~1~~.fsún:iiªil!i~5~0do mundocolonial. l\..pl'imeirit..f2!mL.ill!.eo indígenaaprende
é_':-liç§l.L~S,.~~!:1)ld,9~I4,!Jlª,~.J,!!S.!ªll$l§J:i!ªJ~,~~]lml~s:"'POi"lSSO'é
queos sonhosdo indígenasãosonhosmusculares,sonhosde
ação,sonhosagressivos.Eu sonhoquedouumsalto,quenado,
quecorro,que subo.Sonho que estourona gargalhada,que
transponhoo rio comumapernada,que sou perseguidopor
bandosde veículosquenão mepegamnunca.[)urantea co~
lonização,o colonizadonão cessade se libert~eiirre"nõve
1iõrâs.'·'dâ"rioifé'éseii:ihorás' dá mánli,ã':·'....··"....
~!.,Esta"agresslvidadesedimell.tâ.dâ"'·r;:ôsmúsculos,vai o co~
lonizadomanifestá~laprimeiramentecontraos seus..É o pe~
ríodoemqueosnegros~gam entre~ie ospoliciais,os juízes
de:instruçãoexasperam':seã~sombrosa criminalidade
norte~africana.Veremosmais adianteo que se devepensar
dêssefenâmeno,2Em facedodispositivocolonialo colonizado
se achanumestadode tensãopermanente.O mundodo,co~
lono é um mundohostil,querejeita,masao mesmotempoé
um mundoquecausainveja."Vimosque.o colol1iz<:t9()~()1:!:a
~~~g~ea·t;€~~b~Httf;';f~i;~~~9~~~;:~u%·~~~~st1r~:~sado,agr.essivó;'po'is"'que"rêcnáçà'êom tâdasas suasaspere~
zasa massacolonizada,representanãoo infernodoqualtodos
desejariamafastar~seo mais depressapossívelmas um pa~
raísoao alcanceda mão,protegidopor terríveismolossos.
O colonizadoestásempreatentoporque,decifrandocom
dificuldadeos múltiplossignos do mundo colonial, jamais
sabesepassouollnão d()liInite..Di<:Ill~e9()~?nd()arralljªçlo
pe:1g,.c(),Ionialista,~ô-colonizadoa·tôdo...m'omentôosepresuni'~
\<:ulp~9()JA..culpªQnrdªde,.'.aQ~.çQI§lli~llQJ2iªo.t?:!...!-1illél..~?lpa~ili~
dªçlj:~.,assumida,é, antes,umaespéciede maldiçã'ü:êIêespaêIâ
de DâillôcTés:"1J'fâ:'uõ"iiiiiiini:llioo"recês'sõ:âe'sêu"ser,o colo~
2 "Guerracoloniale perturbaçõesmentais",capítulo5.
39
nizado não reconhecenenhumajurisdição. ~"~,..".5!9};fÜllaqo,
m?snãpgpIll~sticad9.Est~.inferiorizad?,.mas.naoconvencido
d~~'~~ii~{~ii.~'~;~~ª~.·Éspera"pacientementeque o COJo,iOré~
raxea vigilânciapara lhe saltar emcima.Em seusmúsculos,
o colonizadoestásempreà espera.Não se:podedizerquees~
teja inquieto,queestejaaterrorizado.Na realidadeestásem~
pre prontoa abandonarseu papel de caçapara tomaro d~
caçador.Q.~~~?~!,~~~~~t!JJ:l2~~se~tt1i~o.(U!~~Onhé!:,J2~~mane?~
t~,~!JJ~,,,~rn._~.~,"J.QnlªJ.'..•~pgr~egJJ,i,ç{Qr..,lJI~ímbolós socl'àis-
gendarmes,cornetassoandonos quartéis,desfilesmilitarese
a bandeiraarvorada- ~%o~OJJ:lE7§mo,temp()inibitivose ex~
citantes.Não significam:"Nã; semexa",mas: "Preparebem
õ""seü'golpe".E, de fato, se o colonizadotivesse:tendência
paraadormecer,para esquecer,a arrogânciado colonoe seu
cuidadode pôr à prova a solidez do sistemacolonial, lem~
brar~lhe~iam.commuita freqüênciaque o grande:confronto
não poderia ser indefinidamenteadiado. Êsse impulsopara
tomaro lugar do colonoconstituia te:nsãomuscularde todos
os instantes.Sabe~se,comefeitO',que em condições'e:mO'cio~
nais dadas,a presençado obstáculoacentuaa tendênciaao
movimento.
'. As relaçõescolon()~colonizadO'sãorelaçê):~cfe. ~, ntJE~~E()ocoI9rm..ºpôe.suafôrça.O côlonoé ülJjx'iB~9'.
Su~.preocupaçã()c1~se~t1rançaIev~:?a .leillbrarema a.voz
à'ó'colón'oqu'e;···QP:atrªQ,?qyispu eii."., O COIOl;lOalimentaa
cÓlerado colonizadoe sufoca~a.O colonizadO'estáprêsO'nas
malhasapertadasdo colonialismo.Mas vimos que no inte~
rior o colonologra apenasumapseudopetrificação.A te:nsão
musculardo colonizadolibera~seperiodicamenteemexplosões
sanguinárias:lutas tribais. lutas de sobas, lutas entre in~
divíduos.
Ao nível dos indivíduosassiste~sea umaverdadeiran~~
gaç,ãodo bomsenso.Enquantoo colonoou o policialpodem
a qualquermomentoespancaro colonizado,insultá~lo,fazê~lo
ajoelhar~se,vê~seo colonizadosacara faca aO'menorgesto
postil ou agressivode O~tf'o~"'{:r}lõ''iiz'ãtlfr.·-P,0'FE[.u~oúl,~,~9'.",E.~::cursod?c()l~)ni:z?doé,d;~ferçclg.,.~u51..p~r~9.nªJid.a~><d1antede
s'êi:i~con'generE7,}\slutastripâ'l§ÇlPenasPÇl:petuamvelhª~ani~
mosidadesafundadas";t1ª"mgIlló.t'iq.Lançando~seimpetuosa~
40
j menteemsuasvinganças,o .colonizadobuscapersuadir~sedequeo colonialismonão existe:,quetudose passacomoantes,
que a históriacontinua.Aprendemosaí em plena evidência,
ao.nív~lªas coletividades,as costuIlleiras~ondutasdeabst~n~
çã6,comoseo IllerguÍhon"estesai}gueIraie:r1úilperíiiHisse'11i1'9
ver o obstáculoe adiar para maistarde a opçãoinevitável,
a.. q..u.,.e.lá·nued"e·semEÔca..·'-iiâ·-luta"arillãdã---côíitIa.···-Q·.êôloniâHsm.o........... ,"'.">~.";'.'I.""J••.••.•••.••.'''._,"'''~,,.~.I01.:'..,,'''--';.,~~,,"""" '" ',.'.,-,,-,',,--' -."..,~..,'-"., ,... .. .." ", 0••.'···,',.·.,·,".,·,.,,.•••••••,',"•••••,
~litode~truiçãocoletiv~bastanteconcretanas lutastribais-
t~r-~-portantouma_i!i~__y~~_§_E<?E,gBsl~_~~J_i~~:~_~,,~e!~~ã3mus~
cular do colonizado.Todos 'êssescomportamentos'saorefle~
xos demorteemfacedo perigo,condutas~suicidasquepermi~
temao colono,cujavida e domínioseachamassimmaiscon~
solidados,verificarna mesmaocasiãoque êsseshomensnão
são".Íãç;ionais.O colonizadoconsegueigualmente,POL"~O
da\z~L~g:i.ªg)não ter emcontao colono.Atravésdo(fãtali~ill9,
tôda a iniciativaé arrebatadaao opressor.atrmuilla'õ:,:se.a
Deus a causados males,da miséria,do destino.Dessama~
neirao indivíduoaceitaa dissoluçãodecididapor Deus,avil~
ta~sediallted()colonoe dianteda sortee,por umaespéciede
teeqÚili~ii~i~terE>)f,chegaa umaserenidade:de pedra.
'---"Enfrériierites,porém,a vida continua,e é atravésdos
mitosterrificantes,tão prolíficosnas sociedadessubdesej1Vor~
vidas,queo cõ1onTz:ããõ-vãTexfrãir-rm,D1çÕes-p·a·ra~suã-ãgressi~
ii:a;;.Q~L]'êrilõsmãlIãzê1õs~-qlf(~--ij:1fêfVê'intõããS'âs·vezês-·qiTea
gentesemovedetravés,hom~ns~leopardos,homens~serpentes,
cachorrosde seispatas,zumbis,t2da umél.gallla il1e~gotáve.l
d~anünalejosou .deg:ig:antesdispõe~mti>f1lÔaQ!;:ploniz?do
~~.Illundode proibiçõe~,de.barreiras1clt(interd{çõ~~u1"tQIllais aterrorizantesque o .,JJ:lunªo..colonialis~~;·,.:gS'tgsuperes~
truturamágicaqueimpregnaa sociedadeIndigenadesempe~
nha, no dinamismoda economialibidinal. funçõesprecisas.
Com efeito,umadas característicasdassociedadessubdesen~
volvidasé quea libidoé antesdetudoumaques,tãode grupo,
de família.É conhecido'êste:traço,bemdescritopelosetnólo~
gos,de sociedadesemqueo homemquesonhaquetemreIa~
çõessexuaiscomumamulherquenãoé a suadeveconfessar
publicamenteêstesonhoe pagar um tributo em gênerosO'U
em dias de trabalhoao maridoou à família lesada.O que
prova,diga~sedepass?g~m,queas chamadassociedadespré~
históricasatribuem"grandeimportânciaao inconscient~.
'''''-;-.
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A éltlllosfer~..delllitoelllagia, causando:memêdo,com~
porta":se.•comó.uma realidadeÍlldubit&ye1.Atçp:,ori;;:éilldo:me,
â~~·i;ift~;!!i~1E.~~~~~~~~;~!~~~~~Í~~~~ti!~~~fâ~··,··...,~.··.,.~,pw.,~.,.~'",."',."""",.,"'>."".,,.,."'•....".".. .p q
UllL~~L~~!!?!""!:!!ll:,.,C_~~!i(~Sé,!92...,91,~",.$§t?(t(),,Slyi).O plano do mis~tério, nos paísessubdesenvovidos, é um plano coletivoque
dependeexclusivamenteda magia.Quando me enredonessa
teiainextricávelondeos atosse repetemcomumapermanên~
ciacristalina,é a perenidadede ummundomeu,de ummundo
nossoque dessamaneirase afirma.Os zumbis,acreditai~me,
sãomaisterrificant:e:sdo queos colonos.E o problema,então,
não consistemaisemexe.cutaras ordensdo mundoblindado
do colonialismomasemrefletirtrêsvêzesantesde urinar,de
cuspirou de sair de noite.
As.l.ôr.Ç,q,L~~br:!':~!!!!.§l~,~",Xllg"gi.Çe,§,l,",E!Ve!§.l~~~!".~~2~a~
mente.entranhadas.emmeu,eu. As fôrçasdo CõTonoapresen~
t.;n'~seii1tií1itãmenfe'ãmesqúíii'hadas,marcadasde estraneida~
de.Na r'ealidade,nãosevai lutar contraelas,vistoqueafinal
o~gJ:!~i~P,,9E.t,~é.,.,.a 1?él~"~E~"~!3:él,ª.Y~f§js!ª.cl"~,.,,,clª§;~,K§tt1!11!I~,~.,,lllí~
ticas.Tudo se iéd"iiz,est~._d~U;Q,<.",ª2~confrontopermanenteno-I -'-f ~-,..",.".:,-_._,.._. ·""-,"~~,·".,._.."~m""••""",•••".,~,,,.,,,.,.,,,.,,.,, .•Plano antasmagonco.~""""'·""""'_""'~_~"""''-~:,,";k~.\:.i:'lt''''M
Todavia, na l11ta~E;)ibe~taçª<?,êssepovo0tltr<?;éldis~
~E~º!llçl~L~g:t.círC:lllQêjxi~ªis,,~..~~s:i'pºvQ..~tljeitO;ª'jjiti.t~r.r.ºx·Jp~
di::íV'e1."IJ:l§l§..J~~Lz"g~,,§e;.,p~.rdç:r;,numa,tormenta.oníricapdeslo~
cá~sê,.~e:or~":'l1iz,,,:~se~.S<?Bc:~l:>e::tl()§angll~~r~§l§Iª,Q:..r,iruas.,.c.Q;n~
rr:§nro'~:'b'em,_i~§l§..$~~ÜriiªIeJ.Qs.Alimentar os mudjahidines.
postarsentinelas,ajudaras famíliasprivadasdo necess'ário,
substituire maridoassassinadoou prêso- tais são as tare~
fas concretasque o povo é convidadoa executarna luta de
libertaç.ão.
No mundocoloniala afetividadedocolonizadosemantém
à flor da pelecomoumachagaviva queevitao agentecáus~
tico. E o psiquismoretrai~se,oblitera~se,despeja~seem de:~
monstraçõesmuscularesque levamos eruditosa dizer queo
colonizadoé umhistérico.Essa afetividadeeme:reção,esprei~
tada por guardiãesinvisíveismas que se comunicamsem
transiçãocom o núcleoda personalidade,vai comprazer~se
comerotismonasdissoluçõesmoterasda crise.
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Em outroplanoveremosa afe:tividadedo colonizadoes~
gotar~seem dançasmaisou menosextáticas.Por isso é que
umestudodo mundocolonialdeveobrigatõriamenteaplicar~se
à

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