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64 Unidade II Unidade II A seguir trataremos da proteção social da política pública de assistência social, na lógica da garantia e defesa de direitos. 5 EIXOS ESTRUTURANTES DO SUAS A ressignificação e materialização da política de assistência social substituem, sobretudo, o paradigma do assistencialismo pelo da proteção social, por meio da proposição de um sistema único, que propõe acesso universal aos: benefícios, serviços e programas voltados aos usuários, na perspectiva de desenvolvimento de capacidades, de convívio e socialização, de acordo com potencialidades e projetos pessoais e coletivos, ampliando, inclusive, sua participação, quer como representação nos conselhos de assistência social, quer incentivando-os à inserção em organizações e movimentos sociais e comunitários (BRASIL, 2008a, p. 19). Na lógica da descentralização político-administrativa e territorialização, tal sistema propõe, além do respeito às diferenças e autonomias regionais, também a proximidade do cidadão, a possibilidade da articulação intersetorial e a integração público-privado, ampliando as possibilidades de alcance de suas ações e a cobertura às várias seguranças previstas em sua concepção de proteção social (BRASIL, 2008a). Os serviços socioassistenciais no Suas são organizados segundo as referências propostas na PNAS e seguem as seguintes referências: Vigilância social Proteção social Defesa Figura 17 – Eixos estruturantes do Suas Explicando cada eixo a partir da PNAS: • Vigilância social: refere-se à produção, sistematização de informações, indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidade e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/pessoas nos diferentes ciclos da vida (crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos); pessoas com redução da capacidade pessoal, com deficiência ou em abandono; 65 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL crianças e adultos vítimas de formas de exploração, de violência e de ameaças; vítimas de preconceito por etnia, gênero e opção pessoal; vítimas de apartação social que lhes impossibilite sua autonomia e integridade, fragilizando sua existência; vigilância sobre os padrões de serviços de assistência social em especial aqueles que operam na forma de albergues, abrigos, residências, semirresidências, moradias provisórias para os diversos segmentos etários. Os indicadores a serem construídos devem mensurar no território as situações de riscos sociais e violação de direitos (BRASIL, 2004a, p. 40). A vigilância socioassistencial se fundamenta na PNAS, art. 2º, inciso II, que a apresenta como responsável por “analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimizações e danos” (BRASIL, 2011g); e no artigo 6º, inciso VII, quando trata da gestão das ações de assistência social, como forma de sistema descentralizado e participativo e, entre seus objetivos, propõe o de “afiançar a vigilância socioassistencial e a garantia de direitos” (BRASIL, 2011g). A NOB/Suas, aprovada em 2012, reitera os artigos e incisos mencionados anteriormente e acrescenta que a vigilância, juntamente com as funções de proteção social e a defesa de direitos, “possuem fortes relações entre si, e, em certo sentido, podemos afirmar que cada uma delas só se realiza em sua plenitude por meio da interação e complementariedade com as demais” (BRASIL, 2012a, p. 11). Somente com a vigilância social será possível conhecer os territórios onde ocorrem as vulnerabilidades e os riscos sociais que serão prevenidos ou enfrentados no âmbito da política de assistência social, como: • situações de violência intrafamiliar; negligência; maus tratos; violência, abuso ou exploração sexual; trabalho infantil; discriminação por gênero, etnia ou qualquer outra condição ou identidade; • situações que denotam a fragilização ou rompimento de vínculos familiares ou comunitários, tais como: vivência em situação de rua; afastamento de crianças e adolescentes do convívio familiar em decorrência de medidas protetivas; atos infracionais de adolescentes com consequente aplicação de medidas socioeducativas; privação do convívio familiar ou comunitário de idosos, crianças ou pessoas com deficiência em instituições de acolhimento; qualquer outra privação do convívio comunitário vivenciada por pessoas dependentes (crianças, idosos, pessoas com deficiência), ainda que residindo com a própria família (BRASIL, 2013b, p. 13). 66 Unidade II Figura 18 – Violência doméstica intrafamiliar No que diz respeito à violência intrafamiliar, é importante abordarmos alguns termos antes de continuar. Ela pode ocorrer contra crianças e adolescentes, mulher, homem, pessoa idosa, pessoa com deficiência e pessoa LGBTI+ que convivam no mesmo núcleo familiar. Entende-se núcleo familiar como as pessoas que convivem no mesmo espaço físico com possibilidade de afeto, cuidado e proteção, sem necessariamente ter laços consanguíneos ou civis. Azevedo e Guerra (1995) mencionam que podem ocorrer violências intrafamiliares por negligência, além de outros tipos, sendo considerados tipos de violência doméstica: violência física, sexual, psicológica, fatal e, mencionada anteriormente, por negligência. Para Silva (2002), violência doméstica ou intrafamiliar pode ser: • Abuso/violência física: atos de agressão praticados pelos pais e/ ou responsáveis que podem ir de uma palmada até ao espancamento ou outros atos cruéis que podem ou não deixar marcas físicas evidentes, mas as marcas psíquicas e afetivas sempre existirão. Tais agressões podem provocar fraturas, hematomas, queimaduras, esganaduras. • Abuso/violência sexual: geralmente praticada por adultos que gozam da confiança da criança ou do adolescente, tendo também a característica de, em sua maioria, serem incestuosos. Nesse tipo de violência, o abusador pode se utilizar da sedução ou da ameaça para atingir seus objetivos, não tendo que, necessariamente, praticar uma relação sexual genital para configurar o abuso, apesar de que ela acontece com uma incidência bastante alta. Mas é comum a prática de atos libidinosos diferentes da conjunção carnal como toques, carícias, exibicionismo etc., que podem não deixar marcas físicas, mas que nem por isso deixam de ser abuso grave devido às consequências emocionais para suas vítimas. 67 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL • Abuso/violência psicológica: forma de violência doméstica que praticamente não aparece nas estatísticas, por sua condição de invisibilidade. Manifesta-se na depreciação da criança ou do adolescente pelo adulto, por meio de humilhações, ameaças, impedimentos, ridicularizações, que minam a sua autoestima, fazendo com que acredite ser inferior aos demais, sem valor, causando-lhe grande sofrimento mental e afetivo, gerando profundos sentimentos de culpa e mágoa, insegurança, além de uma representação negativa de si mesmo, que podem acompanhá-lo por toda a vida. A violência psicológica pode se apresentar ainda como atitude de rejeição ou de abandono afetivo; de uma maneira ou de outra, provoca um grande e profundo sofrimento afetivo às suas vítimas, dominando-as pelo sentimento de menos valia, de não merecimento, dificultando o seu processo de construção de identificação-identidade. • Negligências: violência doméstica que pode se manifestar pela ausência dos cuidados físicos, emocionais e sociais, em função da condição de desassistência da qual a família é vítima. Mas também pode ser expressão de um desleixo propositadamente infligido em que a criança ou o adolescente são malcuidados, ou mesmo não recebem os cuidados necessários às boas condições de seu desenvolvimento físico, moral, cognitivo, psicológico, afetivo e educacional. • Trabalho infantil: esse tipo de violência contra crianças e adolescentes tem sido atribuídoà condição de pobreza em que vivem suas famílias, que necessitam da participação dos filhos para complementar a renda familiar, resultando no processo de vitimização, já mencionado. Porém, se considerarmos que muitas dessas famílias obrigam suas crianças e adolescentes a trabalharem, enquanto os adultos apenas recolhem os pequenos ganhos obtidos e, quando não atendidos em suas exigências, cometem abusos, podemos dizer que a exploração de que são vítimas essas crianças e esses adolescentes configura uma forma de violência doméstica/intrafamiliar, tanto pela maneira como são estabelecidas as condições para que o trabalho infantil se realize como pelo fim a que se destina: usufruir algo obtido por meio do abuso de poder que exercem, para satisfação de seus desejos, novamente desconsiderando e violando os direitos de suas crianças e de seus adolescentes. Agora que esclarecemos esses termos, podemos retomar que as ações da política de assistência social estarão sempre relacionadas à incidência de eventos que coloquem em risco as condições de sobrevivência, dignidade, autonomia e socialização dos indivíduos, das famílias e das coletividades. Por isso, é importante “conhecer a realidade específica das famílias e as condições concretas do lugar onde elas vivem”, sendo para isso “fundamental conjugar a utilização de dados e informações estatísticas e a criação de formas de apropriação dos conhecimentos produzidos pelas equipes dos serviços socioassistenciais, que estabelecem a relação viva e cotidiana com os sujeitos nos territórios” (BRASIL, 2013a, p. 11). Assim, a vigilância socioassistencial relaciona-se ao: planejamento, organização e execução de ações desenvolvidas pela gestão e pelos serviços, produzindo, sistematizando e analisando informações territorializadas: 68 Unidade II a) sobre as situações de vulnerabilidade e risco que incidem sobre famílias e indivíduos; b) sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, considerando questões afetas ao padrão de financiamento, ao tipo, volume, localização e qualidade das ofertas e das respectivas condições de acesso (BRASIL, 2013b, p. 11). A vigilância deve se debruçar sobre as situações de vulnerabilidade e risco social que ocorrem e as que têm potencialidade de ocorrer, sendo fundamental o reconhecimento dos territórios do município – feito também pela União e pelo Estado, a partir de um olhar ampliado e ressignificado pelo diagnóstico socioterritorial –, pelas equipes que nele atuam, “especificando sempre que possível os fatores de vulnerabilidade e os grupos, famílias ou indivíduos afetados por tais fatores” (BRASIL, 2013b, p. 16), bem como as características das famílias (culturais, educacionais, físicas etc.), a oferta ou inexistência/ necessidade de serviços e quantificação da população afetada para estimar a demanda potencial para o serviço ou benefício que deverá prover a ação protetiva (BRASIL, 2013b). Vejamos um exemplo prático de vulnerabilidade com potencial risco social: [...] o trabalho infantil (fator de vulnerabilidade), a quantidade de crianças afetadas integra a demanda potencial para o serviço de convivência dirigido a essa faixa etária. Da mesma forma, pode-se considerar que crianças de famílias em situação de pobreza (fator de vulnerabilidade) não incluídas em escolas de tempo integral (fator de vulnerabilidade), que residem em territórios com altos índices de violência (fator de vulnerabilidade) e que permanecem parte do dia sem a companhia de um adulto (fator de vulnerabilidade), igualmente compõem a demanda potencial para o serviço de convivência (BRASIL, 2013a, p. 16). Na sequência, os eixos da vigilância devem estar articulados, assim, além do planejamento, considerando as vulnerabilidades, tem-se a atenção para os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, por meio dos quais é possível conhecer “as características e distribuição da rede de proteção social instalada para a oferta de serviços e benefícios” (BRASIL, 2013a, p.16): O eixo da vigilância dos padrões dos serviços busca produzir e sistematizar informações referentes à oferta dos serviços e benefícios, de forma a contribuir com o aprimoramento da qualidade destes e com sua necessária adequação ao perfil de demandas do território. [...] deve desenvolver estratégias para coletar informações sobre todas as unidades públicas e privadas que ofertam os serviços, benefícios, programas e projetos da assistência social, e especialmente dos Cras’s, dos Creas’s e das unidades de acolhimento. É desejável que os dados coletados junto aos serviços/unidades sejam capazes de aferir: 69 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL a) a quantidade e perfil dos recursos humanos; b) o tipo e volume dos serviços prestados; c) a observância dos procedimentos essenciais vinculados ao conteúdo do serviço e necessários à sua qualidade; d) o perfil dos usuários atendidos; e) as condições de acesso ao serviço; f) a infraestrutura, equipamentos e materiais existentes (BRASIL, 2013b, p. 17). Para além do reconhecimento do território sobre as ocorrências de vulnerabilidades e riscos sociais que incidem sobre indivíduos e famílias, e sobre os padrões de oferta dos serviços e benefícios socioassistenciais, a vigilância socioassistencial deve se ocupar também do: monitoramento da incidência das situações de violência e violação de direitos. Esse monitoramento é importante não apenas pelo fato de que esses eventos repercutem sobre a demanda por serviços, mas, sobretudo, pelo fato de que manifestam graves situações que necessitam ser prevenidas e combatidas. Identificar os territórios com maior incidência, as variações no volume de ocorrências e o perfil das pessoas vitimadas permite aprimorar as ações de prevenção e de combate às situações, além de ações de aprimoramento dos próprios serviços responsáveis pelo atendimento das vítimas (BRASIL, 2013b, p. 17). Dando prosseguimento aos eixos estruturantes da PNAS, temos a proteção social, que se sustenta a partir de três seguranças afiançadas, sendo elas: Proteção social – 2º eixo estruturante da PNAS. — Segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia: através de benefícios continuados e eventuais que assegurem: proteção social básica a idosos e pessoas com deficiência sem fonte de renda e sustento; pessoas e famílias vítimas de calamidades e emergências; situações de forte fragilidade pessoal e familiar, em especial às mulheres chefes de família e seus filhos. — Segurança de convívio ou vivência familiar: através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais, familiares, de vizinhança, de segmento social, mediante a oferta de experiências socioeducativas, lúdicas, socioculturais, desenvolvidas em rede de núcleos socioeducativos e de convivência para os diversos ciclos de vida, suas características e necessidades. 70 Unidade II — Segurança de acolhida: através de ações, cuidados, serviços e projetos operados em rede com unidade de porta de entrada destinada a proteger e recuperar as situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, restaurando sua autonomia, capacidade de convívio e protagonismo mediante a oferta de condições materiais de abrigo, repouso, alimentação, higienização, vestuário e aquisições pessoais desenvolvidas através de acesso às ações socioeducativas (BRASIL, 2004a, p. 40) Quando se fala em proteção social, reconhece-se que ela exista em princípio pela obrigatoriedade de o Estado prover aos cidadãos garantia à vida com dignidade. A partir do sistema capitalista, o cidadão, por meio da venda da sua força de trabalho, gera renda para prover sua subsistência, entretanto, em uma economia, como é a do Brasil, de mínimos sociais, há muita fragilidade no que tange a um Estadogarantidor de trabalho e renda, culminando muitas vezes em situações de desproteção dos níveis de emprego, consequentemente de renda. Para a aquisição dos bens e serviços para a garantia da sobrevivência individual e familiar, quando o cidadão, mesmo dentro do sistema econômico no modelo capitalista, não tem como adquirir condições para a qualidade de vida, demandará do Estado que os provenha. A Constituição Federal de 1988, intitulada por constituição cidadã, legisla em proteção a seguridade social, estabelecendo responsabilidades para que o Estado provenha a proteção social por meio das políticas públicas, na lógica da garantia de direitos com abrangência de universalidade, ou seja, legitima o direito de todo cidadão brasileiro. No que concerne à política de assistência social, diante à singularidade vivenciada, o cidadão que necessitar dessa política será atendido, considerando a realidade socioterritorial. Acolhida Renda/ autonomia Convívio familiar e comunitário Figura 19 – Seguranças afiançadas Assim, a acolhida se refere ao direito à dignidade, de ser atendido com respeito pela sua singularidade enquanto usuário da política de assistência social, e envolve todas as estratégias previstas pela equipe profissional. 71 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL A situação de renda é geradora da autonomia, não é possível se pensar em autonomia sem o poder de escolha de ir e vir, e se considerarmos que estamos em um sistema capitalista, esse ir e vir não se legitima apenas pelo desejo, mas se concretiza com recursos para tal. E, por fim, a convivência familiar se sustenta quando vínculos estão protegidos e respeitados, considerando, assim, que toda a perspectiva de atuação da política de assistência social se sustente na diretriz da centralidade da atenção e intervenção no convívio familiar. A efetivação dessas seguranças afiançadas se materializa nas ações previstas pela proteção social por meio dos serviços, programas, projetos, benefícios e da transferência de renda. No que tange ao terceiro e último eixo estruturante da PNAS, temos a defesa social e institucional: Defesa social e institucional: a proteção básica e a especial devem ser organizadas de forma a garantir aos seus usuários o acesso ao conhecimento dos direitos socioassistenciais e sua defesa. São direitos socioassistenciais a serem assegurados na operação do Suas a seus usuários: — Direito ao atendimento digno, atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos. — Direito ao tempo, de modo a acessar a rede de serviço com reduzida espera e de acordo com a necessidade. — Direito à informação, enquanto direito primário do cidadão, sobretudo àqueles com vivência de barreiras culturais, de leitura, de limitações físicas. — Direito do usuário ao protagonismo e manifestação de seus interesses. — Direito do usuário à oferta qualificada de serviço. — Direito de convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004a, p. 40). Antes de prosseguirmos, temos que compreender o termo “usuário”, sendo cidadãos e grupos que se encontram em situações de vulnerabilidade e risco, tais como: famílias e indivíduos com perda e fragilidade de vínculos de afetividade, pertencimento e sociabilidade; ciclos de vida; identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual; desvantagem pessoal resultante de deficiências; exclusão pela pobreza e no acesso às demais políticas públicas; uso de substâncias psicoativas; diferentes formas de violência advindas de grupo familiar, grupos e indivíduos; inserção precária ou não inserção no mercado de trabalho formal e informal; estratégias e alternativas diferenciadas de sobrevivência que podem representar risco pessoal e social. Conceito de usuário a partir da Resolução CNAS n. 11, de 23 de setembro de 2015: 72 Unidade II Art. 2º Usuários são cidadãos, sujeitos de direitos e coletivos que se encontram em situações de vulnerabilidade e riscos social e pessoal, que acessam os serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito da política pública de assistência social e no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (CNAS, 2015). O conceito possibilita um olhar que concretiza que todo sujeito social que necessite, a partir de sua própria demanda, pode e deve acessar o Suas. E ainda reforça a singularidade de ser considerado o usuário que deseja ser incluído nos serviços programas e projetos, não ser caracterizado pela necessidade econômica, e sim pelos vários níveis de vulnerabilidade social. E se esclarece que, para o acesso aos benefícios econômicos e transferência de renda, existem critérios que se balizam pelo per capta familiar. É importante reconhecer no sujeito social o direito de estar atendido pelo Suas, indiferentemente de sua condição socioeconômica, mas que o foco seja na vulnerabilidade e risco social. Observação O significado de per capta é a renda pessoal, considerando o núcleo familiar. Trata-se da soma de todos os rendimentos do grupo familiar dividido pelo número de membros. Em uma família que tem cinco membros, cuja mãe receba um salário mensal de $1.500,00, e que o filho mais velho tenha um salário de $1.200,00, sua renda é de $2.700,00. A per capta da família será o total dividido pelo número de membros –nesse caso, 5 –, dando um total, per capta, de $540,00. Assim os critérios de inclusão para alguns benefícios de descontos em contas públicas e para transferência de renda são estabelecidos a partir do per capta familiar. Mas, para ampliar o conceito de usuário, foi publicada pelo CNAS uma cartilha para informar à população sobre o Suas, e essa define quem é o usuário do Suas: É qualquer cidadão que esteja passando por momentos de dificuldades ou por algumas situações que podem estar relacionadas à pobreza, à falta de acesso a serviços públicos, a problemas familiares e discriminação. Também podem acessar o Suas pessoas que dependem de cuidados especiais, se envolvem com drogas ou álcool, perdem o emprego ou, ainda, quando há algum desastre natural na comunidade. Na assistência social, essas situações de desproteção são conhecidas pelo termo vulnerabilidade social. 73 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Também são usuários do Suas aquelas pessoas que estão em situação de risco, ou seja, passam por situações de violência física, psicológica, sexual, entre outros. E lembre-se, qualquer cidadão, seja refugiado, imigrante, indígena, quilombola, cigano ou membros de outros povos e comunidades tradicionais, tem direito à assistência social (CNAS, 2017). Assim, os horizontes se abrem e permitem o reconhecimento ampliado de quem é usuário do Suas. A vulnerabilidade e risco social foram anteriormente esclarecidos. Quando falamos de direitos, entretanto, dos usuários garantidos pela da política de assistência social, é necessário reconhecer de quais diretos a resolução fala. Assim, estão previstos no art. 4º da resolução do CNAS os direitos a: I – ter acesso a atendimento, assessoramento e defesa e garantia de direitos, que lhes garanta suporte socioassistencial; II – ter acesso a informações e orientações sobre serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda, no âmbito da política pública de assistência social, em linguagem clara, simples e acessível; III – usufruir do reconhecimento de seus direitos frente à sociedade; e, IV – usufruir de serviços e programas socioassistenciais de qualidade (CNAS, 2015). Fica definido que o acesso se efetiva quando a informação chega aos usuários, devendo ser amplamente difundida e claramente esclarecedora, com terminologia que garanta a compreensão, posto que muitas vezes os conteúdos causam dúvidas. Apresentaremos um exemplo de informação pública que pode gerar duvidas aos usuários. O BPC é uma transferência de rendagarantida pela PNAS, entretanto ao se acessar a informação no site do Ministério de Desenvolvimento Social e se realizar a busca pelo BPC, o usuário será encaminhado para uma página cujo título é Trabalho e Previdência, o que gera conflito de informação, gerando dúvida aos usuários da PNAS e do Suas. Afinal, esse é um benefício da assistência social ou da previdência social? Esse site foi publicado nesse formato em 29 de maio de 2019. São essas contradições de informações que deixam de ser plenamente esclarecedoras aos usuários. Sendo esse um site sob responsabilidade da gestão pública, deveria apresentar informações desde sua chamada inicial com a maior clareza e transparência. O art. 4º também esclarece sobre o acesso e aqui cabe conceituar o que se considera acesso, sendo que para o senso comum, é chegar a um lugar ou à informação que se quer obter. Entretanto, o acesso 74 Unidade II só se efetiva quando existe uma legislação, a concretização do que está previsto na legislação, ou seja, sua materialidade. Por exemplo: o usuário terá acesso ao BPC somente se ele tiver a informação sobre seu direito, reconhecer-se dentro dos critérios e ter acesso aos serviços que o conduziram até a transferência de renda. O usuário deverá receber a informação, ser esclarecido sobre os critérios, receber os formulários que deverão ser preenchidos pela equipe do Cras ou outro serviço do Suas ou de outra política, como a saúde. Realizar o agendamento no Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio do site da previdência social, e comparecer ao local para entrega dos documentos. Ser inserido na garantia desse direito, para então receber o BPC mensalmente. Esse caminho de acesso ao BPC para pessoa idosa, se for pessoa com deficiência, o acesso deverá ter um percurso com mais profissionais, posto que deverá ter um laudo médico, e deverá ser avaliado pelo medidor do INSS. Perceba que quando se fala de acesso, não significa acessar um lado da ponte ao outro lado dessa mesma ponte, mas a política pública tem um percurso que deve ser garantido por legislação, materialização dos serviços, programas, projetos e benefícios, contanto com recursos: materiais, humanos e financeiros. Se conversamos sobre acesso, precisamos entender o que são serviços? Será a mesma coisa de programas? Ou que projetos? O que são esses termos? Esses serão descritos e discutimos posteriormente, entretanto vamos esclarecer as terminologias: Quadro 8 – Caráter da ação socioassitencial Serviço Desenvolvem ações continuadas, por tempo indeterminado, com transferência regular e automática por meio dos pisos da assistência social. Programa e projetos Desenvolvem ações especificadas, a partir de diagnóstico socioterritorial, tendo como fonte de recursos convênios públicos/privados. Benefícios e transferência de renda Recursos financeiros (Bolsa Família, BPC etc.) que são encaminhados diretamente para o usuário beneficiário inscrito da política de assistência social, com critérios específicos para cada benefício. Ainda no art. 4º da Resolução n. 11 de 2015, são apresentados, a partir de parágrafos, os esclarecimentos sobre os direitos dos usuários do Suas: §1º O direito de acesso ao atendimento, ao assessoramento e à defesa e garantia de direitos deve oportunizar e garantir ao usuário: I – conhecer o nome e a credencial de quem o atende; II – ser respeitado em sua dignidade humana, sendo tratado de modo atencioso e respeitoso, ausente de procedimentos vexatórios e coercitivos; III – ser atendido com menor tempo de espera e de acordo com as suas necessidades; 75 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL IV – receber os encaminhamentos para outros serviços ou instituições por escrito, de forma clara e legível, e identificados com o nome do profissional responsável pelo encaminhamento; V – ter protegida sua privacidade, observada a ética profissional dos trabalhadores do Suas, desde que não acarrete riscos a outras pessoas; e, VI – ter sua personalidade preservada e sua história de vida resgatada (CNAS, 2015). O CNAS deixa claro que para se ter o direito plenamente respeitado do usuário esse deve ter acesso ao atendimento digno e respeitoso, ao assessoramento de sua defesa de direitos, receber as informações pertinentes a esses direitos e deveres, ser reconhecido em suas peculiaridades e singularidades, isso ocorrendo em tempo real as suas necessidades, por ele apresentadas. A mesma resolução avança no art. 4º, parágrafo 2º, esclarecendo sobre os acessos socioassistenciais: §2º O direito de ter acesso a informações e orientações relativas aos serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito da política pública de assistência social, em linguagem clara, simples e acessível, abrange: I – informações e orientações sobre como manifestar suas demandas e necessidades no campo da assistência social por serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda no âmbito da política pública de assistência social; II – registro realizado nos prontuários que lhe dizem respeito, se assim o desejar; III – informações sobre organizações públicas e privadas que oferecem suporte para o desenvolvimento de produções coletivas, associadas ou cooperativadas; IV – informações sobre programas e, ou, projetos de apoio às associações e cooperativas populares de produção; e, V – quaisquer informações que possam contribuir para a construção de sua autonomia como sujeito de direitos (CNAS, 2015). Todas as informações que são perquiridas pelo usuário do Suas devem ser apresentadas de forma que seja possível efetivar o acesso, mantendo, assim, prioritariamente, a independência e autonomia do usuário, oportunizando que esse se perceba apto a se incluir em serviço, programas, projetos e benefícios que são de sua necessidade. 76 Unidade II O parágrafo 3º do art. 4º da resolução discorre sobre a participação social do usuário, trazendo para esse o verdadeiro caráter de cidadania. §3º O direito dos usuários de usufruir do reconhecimento de seus direitos frente à sociedade deve garantir ao usuário: I – o reconhecimento da importância da sua intervenção na vida pública e no acesso a oportunidades para o exercício do protagonismo social e político e da sua cidadania; II – o acesso à participação em diferentes espaços de organização dos usuários e de representação de usuários e coletivos de usuários, tais como associações, fóruns, conselhos de políticas públicas e de defesa e garantia de direitos, movimentos sociais, conselhos locais de usuários, organizações comunitárias, dentre outras; e, III – a acessibilidade às tecnologias assistivas asseguradas a todos os usuários (CNAS, 2015) Sendo a participação social prevista na Constituição Federal de 1988, legitima a democracia, pois é na participação social que o cidadão pode realizar protestos, encaminhar propostas legislativas e especiais por meio dos conselhos de direitos. Esse aspecto será amplamente abordado posteriormente. Saiba mais O Governo Federal no ano 2019 determinou que as conferências nacionais de assistência social seriam de quatro em quatro anos. Em organização, os estados e municípios determinaram que manteriam as conferências nas duas esferas de governo: municipal e estadual. O CMAS revogou a resolução federal e convocou, extraordinariamente, a 12ª Conferência Nacional de Assistência Social pela resolução do CNAS n. 12, de 18 de abril de 2019. Leia: CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (CNAS). Resolução n. 12, de 18 de abril de 2019. Dispõe sobre a convocação extraordinária da 12ª Conferência Nacional de Assistência Social. Brasília: 2019. Disponível em: <http://www.in.gov.br/web/dou/-/re solu%C3%87%C3%83o-n%C2%BA-12-de-18-de-abril-de-2019- 85048653>. Acesso em: 10 jul. 2019. 77 POLÍTICASETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL E por fim o art. 4º apresenta no parágrafo 4º a qualidade dos serviços prestados aos usuários: §4º O direito à qualidade dos serviços e programas socioassistenciais deve garantir ao usuário: I – o atendimento, a orientação e o encaminhamento para a rede socioassistencial, em seus serviços, básicos e especializados, ou para instituições e, ou, serviços de outras políticas públicas, por profissionais com formação adequada e preparados para atuarem no Suas; II – o acesso a espaços de referência de proteção social, integrados à rede socioassistencial, que lhe garanta acolhida, autonomia, convívio ou convivência familiar; III – a garantia do acesso à rede de serviços socioassistenciais; IV – atenção profissional que promova o desenvolvimento de sua autoestima, de suas potencialidades e capacidades e o alcance de sua autonomia pessoal e social; V – o acesso a atividades de convivência e de fortalecimento de vínculos, ancoradas na cultura local e na laicidade do Estado; VI – a vivência de ações profissionais direcionadas para a construção de projetos pessoais, coletivos e sociais, e para o resgate de vínculos familiares e sociais; VII – a orientação jurídico-social em casos de ameaça e, ou, violação de direitos individuais e coletivos, mediante atuação técnica e processual e articulação com o Sistema de Garantia de Direitos; VIII – a efetivação do direito à convivência familiar e comunitária associada à garantia de proteção integral da criança, do adolescente, do jovem e da pessoa idosa; IX – o acesso a oportunidades para inserção profissional e, ou, social, além de ações de inclusão produtiva, bem como a serviços públicos e a programas ou projetos que possibilitem a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de competências (habilidades, conhecimentos e atitudes) que facilitem o/a ingresso/a reinserção no mundo do trabalho; e. X – a possibilidade de avaliar o serviço recebido, contando com espaço de escuta para expressar sua opinião (CNAS, 2015) Nesse parágrafo se apresenta a importância da qualidade do atendimento, de forma respeitosa e comprometida com os usuários e sua necessidade. 78 Unidade II Durante o atendimento, o profissional deverá ter conhecimento da rede intersetorial dos serviços, seja nas políticas de educação, saúde, assistência social, cultura, trabalho e renda, previdência social, habitação, esporte etc., podendo, assim, a partir da escuta qualificada, oferecer a informação, o esclarecimento e, se for do interesse do usuário, o encaminhamento. Salienta ainda que toda a intervenção da equipe profissional – e aqui quer se aprofundar no assistente social – deve permear uma atenção com matricialidade sociofamiliar, em que um membro do grupo familiar é reflexo das relações intrafamiliares e precisa ser atendido a partir dessa percepção, de forma que todas as estratégias, articulações e mediações fortaleçam os vínculos familiares. E, diante da realidade neoliberal, em que o Estado reduz direitos e proteção social, há redução da possibilidade de inserção no mundo do trabalho, e as classes ficam economicamente menos favorecidas, com a reduzida inclusão no universo do trabalho e da renda. Sendo essa a maior demanda apresentada pelos usuários do Suas, cabe às equipes profissionais fazerem um enfrentamento da realidade, articulando canais políticos para a percepção dessa realidade, especialmente indicando em relatórios a real situação da população. Cabe, também, articular oportunidades de qualificação profissional, tanto na rede socioassistencial como junto à política de educação, sustentando encaminhamentos para a formação e qualificação profissional dos usuários. Em um sistema econômico que desemprega, deixando a classe trabalhadora cada vez com menos oportunidades, é importante articular novas estratégias como o trabalho empreendedor e as cooperativas, sempre de forma a propiciar autonomia e independências pelos usuários. Dessa forma, o usuário sente que é ouvido em suas demandas, e que pode decidir e opinar pelos serviços prestados requeridos e a sua qualidade pode ser discutida e avaliada por ele. É importante que o profissional saia para o mercado de trabalho com um novo olhar, muito ampliado, com uma forte tendência crítica, e formação para a compreensão da política de assistência social. Figura 20 – Usuários do Suas 79 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Se fala tanto em proteção social e em serviços, programas e projetos. Mas como essa proteção social se efetiva na política nacional de assistência social pelo Suas? Veremos a seguir. 6 NÍVEIS DE PROTEÇÃO SOCIAL PELO SUAS Para a efetivação da proteção social da política de assistência social, o Suas hierarquiza um conjunto de atenções materializadas em proteção social básica e especial, por meio de um sistema integrado, organicamente estruturado em torno da promoção, preservação e/ou superação das condições de vida e convívio familiar e comunitário. Acima da ideia de um sistema funcionalista, aqui a interpretação da noção de sistema se refere à organização dos serviços que compõem o conjunto de direitos de cidadania, na perspectiva de garantir a equidade no atendimento das necessidades sociais, bem como sua completude e abrangência. Como nos apresenta a NOB/Suas 2005: O Suas é um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo que tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira. Em termos gerais, o Suas: • consolida o modo de gestão compartilhada, o cofinanciamento e a cooperação técnica entre os três entes federativos que, de modo articulado e complementar, operam a proteção social não contributiva de seguridade social no campo da assistência social; • estabelece a divisão de responsabilidades entre os entes federativos (federal, estadual, Distrito Federal e municipal) para instalar, regular, manter e expandir as ações de assistência social como dever de Estado e direito do cidadão no território nacional; • fundamenta-se nos compromissos da PNAS/2004; • orienta-se pela unidade de propósitos, principalmente quanto ao alcance de direitos pelos usuários; • regula, em todo o território nacional, a hierarquia, os vínculos e as responsabilidades do sistema-cidadão de serviços, benefícios, programas, projetos e ações de assistência social, de caráter permanente e eventual, sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada de âmbito municipal, do Distrito Federal, estadual e federal; • respeita a diversidade das regiões, decorrente de características culturais, socioeconômicas e políticas, em cada esfera de gestão, da realidade das cidades e da sua população urbana e rural; 80 Unidade II • reconhece que as diferenças e desigualdades regionais e municipais, que condicionam os padrões de cobertura do sistema e os seus diferentes níveis de gestão, devem ser consideradas no planejamento e execução das ações; • articula sua dinâmica às organizações e entidades de assistência social com reconhecimento pelo Suas (BRASIL, 2005, p. 86). No que concerne aos objetivos da política de assistência social e as suas funções já discorremos, no que tange a proteção social, vigilância socioassistencial e seguranças afiançadas. Já avançamos em conceitos, reconhecendo que se busca um trabalho preventivo das situações de vulnerabilidade e risco social, considerando a gradualidade e hierarquia das ocorrências de situações geradoras da desigualdade social, e os níveis protetivos afiançados por essa política, conforme a escola de agravamento e o grau de vínculo de pertencimento ao convívio familiar e comunitário. Segundo a NOB/Suas 2005, a proteção social de assistência social consiste no: conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo Suaspara redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação afetiva, biológica e relacional. A proteção social de assistência social, ao ter por direção o desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania, tem por princípios: • a matricialidade sociofamiliar; • territorialização; • a proteção proativa; • integração à seguridade social; • integração às políticas sociais e econômicas (BRASIL, 2005, p. 90). A relação da política de assistência social ao tripé da seguridade social estabelecida pela Constituição Federal de 1988 e às políticas sociais e econômicas em sua historicidade de implantação e implementação foram vistas anteriormente. Falamos, agora, da articulação territorial intersetorial e o sistema de proteção social previstos pela seguridade social, compostos pelas políticas de assistência social, saúde e previdência social. A territorialização se refere à descentralização político-administrativa do Suas, e com níveis de gestão compartilhada entre municípios, estados, Distrito Federal e Governo Federal, sendo aprofundado na gestão e no controle social, que será visto posteriormente. 81 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Foi abordada, também, a territorialização, no que concerne à universalidade de acesso dos indivíduos e famílias em situações de risco e vulnerabilidade, bem como essa questão referente diretamente à questão da vigilância socioassistencial. Nesse sentido, a proteção proativa está permeada por todas as diretrizes do Suas, por meio da implementação da vigilância socioassistencial e da proposição da proteção social por níveis de complexidade, principalmente na proteção social básica, “na condição de conjunto de ações capazes de reduzir a ocorrência de riscos e a ocorrência de danos sociais” (BRASIL, 2005, p. 91). A matricialidade sociofamiliar no âmbito da política de assistência social se refere: • a família é o núcleo social básico de acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social; • a defesa do direito à convivência familiar, na proteção de assistência social, supera o conceito de família como unidade econômica, mera referência de cálculo de rendimento per capita e a entende como núcleo afetivo, vinculado por laços consanguíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero; • a família deve ser apoiada e ter acesso a condições para responder ao seu papel no sustento, na guarda e na educação de suas crianças e adolescentes, bem como na proteção de seus idosos e portadores de deficiência; • o fortalecimento de possibilidades de convívio, educação e proteção social, na própria família, não restringe as responsabilidades públicas de proteção social para com os indivíduos e a sociedade (BRASIL, 2005, p. 90). Há de se reconhecer, conforme esclarece Mioto (2004a), que a relação estabelecida com as famílias pode ser entendida de duas formas, que se opõem: uma que invade a privacidade do núcleo familiar e se coloca no controle da vida individual e familiar, que muitas das vezes tolhe a legitimidade desse espaço de convivência e o desorganiza quando impõe valores externos, que se contrapõem aos valores da família; e, por outro lado, quando intervém de forma a garantir direitos e protege da desproteção, potencializando os indivíduos e grupos a sua emancipação. Muitos autores reafirmam que mesmo com o foco na centralidade na família, para a proteção social e os serviços propostos pelo Suas, muitas das intervenções penalizam e criminalizam membros do grupo familiar, invertendo a proteção para a lógica da precarização da instituição familiar, considerando-a desestrutura e negligente, colocando na família a responsabilização pela desproteção social estatal e pelo círculo da violência e das violações de direitos impetrados aos sujeitos sociais, pela ordem capital. 82 Unidade II Essa contradição se regulamenta legislativamente pela Constituição Federal de 1988, no art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: I – aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II – garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III – garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; 83 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL VI – estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII – programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins; § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204. § 8º A lei estabelecerá: I – o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; II – o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do Poder Público para a execução de políticas públicas (BRASIL, 1988). Especialmente pela Emenda Constitucional n. 65, de 13 de julho de 2010, fica evidente que não cabe apenas à família a responsabilidade de arcar com as demandas pela proteção e cuidado de seus membros, mas a sociedade por meio do Estado na oferta de serviços, programas, projetos, benefícios e transferência de renda, para garantir a proteção social pela lógica dos direitos humanos e sociais. Assim as equipesprofissionais precisam ter clareza na leitura sociohistórica das vulnerabilidades e riscos sociais sofridos pelos indivíduos e famílias sem criminalizá-los, mas reconhecendo o dever estatal na lógica dessa chamada proteção social. Para Mioto (2004a) existem duas categorias de famílias: sendo uma que consegue suprir suas demandas via mercado, trabalho e organização interna, atender o afeto, cuidado e proteção; e outra, que devido às vulnerabilidades e riscos sociais concretizados pelas desigualdades sociais, sejam elas apenas pelas questões econômicas, delas recorrentes e/ou aspectos relacionais, demandam pela intervenção do Estado, por meio das seguranças afiançadas, especificamente discutidas pela política de assistência social. 84 Unidade II Aspectos de demanda pelo cuidado, há de se desconsiderar clichês de senso comum, em que questões relacionais nem sempre estão afetados por comprometimentos na área da saúde, especialmente da saúde mental, mas podem estar interligados e intergestados pelas violências e violações gerada pelas mazelas da desproteção social, que culminam em processos de exclusão social. Esse tipo de análise deve ser desconsiderada no âmbito dos serviços, para se efetivar uma lógica de predominância de conduta profissional e da gestão pública pela prevalência da centralidade de ações na família, com respeito e empoderamento de suas potencialidades. O grau de valorização da família vai aumentando até chegar a ser colocada como instância primordial da sociedade (...). Enfim, na formação capitalista sob a égide do liberalismo, a família se conforma com o espaço privado por excelência, e como espaço privado, deve responder pela proteção social de seus membros (MIOTO, 2008b, p. 133). Considerando o eixo da matricilidade sociofamiliar, introduz-se uma das redefinições no âmbito da política de assistência social, pois tira a exclusividade da ação voltada ao indivíduo e do olhar direcionado à segmentação de uma única violação de direito, deslocando-o para um núcleo de ação, por meio do qual a família é vista como um todo integrado, ou seja, não somente as necessidades das famílias devem ser levadas em conta, mas também suas potencialidades, seus condicionantes históricos e culturais e as relações que são estabelecidas entre seus integrantes. Todas essas intercorrências que ocorrem nas esferas político-econômico-social do espaço público repercutem na esfera privada, ou seja, na família. Reconhecer essas intercorrências e incorporá-las na proposição das políticas públicas e dos serviços é um desafio proposto pelos eixos estruturantes do Suas. Assim, a matricialidade sociofamiliar reconhece a família não apenas “como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida” (BRASIL, 2004a, p. 41). Família, segundo a PNAS, refere-se a “um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade” (BRASIL, 2004a, p. 41). Em consonância com as demais legislações pertinentes à área da assistência social (Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, a Loas e o Estatuto do Idoso), adota a família como “mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida” (BRASIL, 2004a, p. 41), independentemente da organização que ela assuma. Mesmo reconhecendo as significativas mudanças permitidas pelo conceito de matricialidade sociofamiliar apresentadas pelo Suas, bem como as novas configurações que atingem as famílias contemporâneas, como, por exemplo, seus novos arranjos e composições, “observa-se na prática profissional a permanência de antigos padrões e expectativas em relação ao desempenho de papéis de cada um dos seus membros, reforçando-se obrigações e tarefas que não correspondem à realidade concreta que vivenciam no seu cotidiano” (ARAUJO, 2009, p. 62). 85 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Lembrete Cada peculiaridade individual está correlacionada ao contexto sociofamiliar e em muitas das vezes são expressões da questão social, que demandam por uma leitura crítica macroestrutural. O assistente social, ao atender uma família, deverá buscar as referências na PNAS, nas NOBs e nas orientações técnicas para cada proteção social e demais legislações para garantir que o atendimento seja voltado para todo o grupo familiar. A superação da focalização prevista nesse eixo se relaciona às situações de riscos e vulnerabilidade que, como já visto, não se referem apenas à esfera econômica, mas devem levar em consideração outros indicadores das necessidades familiares, para que: se desenvolva uma política de cunho universalista, que em conjunto com as transferências de renda em patamares aceitáveis se desenvolva, prioritariamente, em redes socioassistenciais que suportem as tarefas cotidianas de cuidado e que valorizem a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004a, p. 42). Dessa forma, garante-se a inclusão da assistência social no tripé da seguridade social, como direito de cidadania e articulada a lógica da universalidade (BRASIL, 2004a). Esta disciplina está desenhando, a partir dos documentos legislativos, as concepções adotadas quanto às noções de riscos e vulnerabilidades, alvos da proteção social da assistência social, que, por sua vez, ocorrem por “níveis de complexidade do processo de proteção, por decorrência do impacto desses riscos no indivíduo e em sua família” (BRASIL, 2005, p. 92). A PNAS de 2004 foi a primeira normativa a abordar a proteção social, introduzindo os conceitos básicos que constituem cada um dos níveis de proteção previstos e os locais onde eles seriam prioritariamente desenvolvidos. Na NOB/Suas de 2005, esses conceitos são ampliados pela discussão que tange à questão dos níveis de gestão e financiamento dos municípios. Em 2009, foi publicada a resolução 109 do CNAS, que dispõe sobre a Tipificação nacional dos serviços socioassistenciais, apresentando as características básicas para os serviços que compõem o Suas. Após essas etapas de consolidação da atenção aos usuários da política de assistência social, fez-se necessário pensar individualmente nas orientações técnicas de todos os serviços em especial. A partir de então, foi publicada uma série de cadernos de orientação técnica que dispõem sobre a organização, competências e ações de cada serviço previsto na tipificação. 86 Unidade II Proteção social especial de alta complexidade Proteção social de média complexidade Proteção social básica Vínculos familiares e comunitários fragilizados Vínculos familiares e comunitários mantidos Es ca la d e vu ln er ab ili da de e ri sc o Assistência social e as proteções afiançadas Ausência de vínculos familiares e comunitários Figura 21 – Proteção socioassistencial e níveis de complexidade À medida que as vulnerabilidades se instalam, os riscos aumentam e as fragilidades se ampliam; os usuários que não receberem a proteção básica de forma preventiva, podem migrar para outras proteções, sem nunca deixarem de ser da proteção básica, locos privilegiado de todos os usuários da proteção socioassistencial. A proteção social se complementa em duas proteções, a básica e a especial, sendo que essa última tem dois estágios, sendo de média e de alta complexidade, conforme os vínculos se fragilizam ou ainda se rompem – a rede de proteção social do Suas, compreendendo as duas proteções sociais que se articulam entre si e intersetorialmente. Quadro 9 – Serviços ofertados por proteção social e nível de complexidade Proteção social básica (PSB) 1. Serviço de proteção e atendimento integralà família (Paif) 2. Serviço de convivência e fortalecimento de vínculos (para os ciclos de vida: de 0-6, 6-15, 15-17, 18-29, 30-59 anos e pessoas idosas) 3. Serviço de proteção social básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas Proteção social especial (PSE) Média complexidade 1. Serviço de proteção e atendimento especializado a famílias e indivíduos (Paefi) 2. Serviço especializado em abordagem social 3. Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa (MSE) de liberdade assistida (LA) e de prestação de serviços à comunidade (PSC) 4. Serviço de proteção social especial para pessoas com deficiência, idosas e suas famílias 5. Serviço especializado para pessoas em situação de rua Centros de referência especializados para população em situação de rua (Centro POP) 87 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Alta complexidade 6. Serviço de acolhimento institucional 7. Serviço de acolhimento em república 8. Serviço de acolhimento em família acolhedora 9. Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências 10. Instituição de longa permanência para idoso (Ilpi) Adaptado de: CNAS (2009, p. 5-6). Saiba mais Todos os documentos legislativos podem ser baixados na biblioteca do site do Ministério da Cidadania, Secretaria Especial do Desenvolvimento Social. Disponível em: <http://mds.gov.br/>. Acesso em: 24 jul. 2019. A rede socioassistencial é o conjunto de ações públicas e privadas que compõem o Suas nos territórios, compreendendo todos os níveis de proteção afiançados pela política. Constituem-se em serviços, programas e projetos que operam os benefícios previstos na Constituição Federal de 1988, Loas de 1993 e ações propostas pelos governos federais e estaduais. De acordo com a PNAS e com a Loas, são entendidos por: Serviços: atividades continuadas, definidas no art. 23 da Loas, que visam à melhoria da vida da população e cujas ações estejam voltadas para as necessidades básicas da população, observando os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas nessa lei. A Política Nacional de Assistência Social prevê seu ordenamento em rede, de acordo com os níveis de proteção social: básica e especial, de média e alta complexidade. Programas: compreendem ações integradas e complementares, tratadas no art. 24 da Loas, com objetivos, tempo e área de abrangência, definidos para qualificar, incentivar, potencializar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais, não se caracterizando como ações continuadas. Projetos: definidos nos arts. 25 e 26 da Loas, caracterizam-se como investimentos econômico-sociais nos grupos populacionais em situação de pobreza, buscando subsidiar técnica e financeiramente iniciativas que lhes garantam meios e capacidade produtiva e de gestão para a melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão de qualidade de vida, preservação do meio ambiente e organização social, articuladamente com as demais políticas públicas. De acordo com a PNAS/2004, esses projetos integram o nível de proteção social básica, podendo, contudo, voltar-se ainda às famílias e pessoas em situação de risco, público-alvo da proteção social especial (BRASIL, 2011g, p. 17-19). 88 Unidade II Benefícios: • Benefício de prestação continuada – BPC: previsto na Loas e no Estatuto do Idoso, é provido pelo Governo Federal, consistindo no repasse de 1 (um) salário mínimo mensal ao idoso (com 65 anos ou mais) e à pessoa com deficiência que comprovem não ter meios para suprir sua subsistência ou de tê-la suprida por sua família. Esse benefício compõe o nível de proteção social básica, sendo seu repasse efetuado diretamente ao beneficiário. Prevê a garantia de 1 salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. Benefício de prestação continuada Figura 22 – BPC O BPC possui alguns critérios de seleção, conforme descritos a seguir: • entende-se por família pessoas que vivam sob o mesmo teto; • entende-se por pessoa com deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho; • o critério de acesso são famílias cuja renda per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo; • não pode ser acumulado com benefício da seguridade social; • a situação de internado não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício; • a concessão do benefício, para pessoa com deficiência, ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do INSS; • na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo; • o benefício passará por revisão a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem; • benefícios eventuais: são previstos no art. 22 da Loas e visam o pagamento de auxílio por natalidade ou morte, ou para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa com deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública (BRASIL, 2011g). 89 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Benefícios que visam o pagamento de auxílio por natalidade, calamidade pública ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Benefício de prestação continuada Figura 23 – Beneficíos eventuais Saiba mais O BPC atende a população indígena. Para saber mais, leia: QUERMES, P. A. A.; CARVALHO, J. A. Os impactos dos benefícios assistenciais para os povos indígenas. Serviço Social & Sociedade, n. 116, p. 769-791, out.-dez. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/ n116/10.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2019. A concessão desses benefícios deverá ser regulamentada pelos conselhos de assistência social dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, mediante critérios e prazos definidos pelo CNAS. Ademais, acrescenta-se que: • Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais, para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa com deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. • O CNAS, ouvidas as respectivas representações de estados e municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de benefícios subsidiários no valor de até 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput (BRASIL, 2011f). • Transferência de renda: programas que visam o repasse direto de recursos dos fundos de assistência social aos beneficiários, como forma de acesso à renda, visando o combate à fome, à pobreza e outras formas de privação de direitos, que levem à situação de vulnerabilidade social, criando possibilidades para a emancipação, o exercício da autonomia das famílias e indivíduos atendidos e o desenvolvimento local (BRASIL, 2005). 90 Unidade II Figura 24 – Bolsa Família Saiba mais O Bolsa Família é um programa que contribui para o combate à pobreza e à desigualdade no Brasil, criado em outubro de 2003. Para saber mais, veja: CAMPELLO, T.; NERI, M. C. (Orgs.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013. Disponível em: <www.ipea.gov.br/ portal/index.php?option=com_content&id=20408>. Acesso em: 2 jul. 2019. SECRETARIA DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL. Conheça o programa Bolsa Família. Brasília, jul. 2015. Disponível em: <http://mds.gov.br/assuntos/bolsa-familia/o-que-e>. Acesso em: 2 jul. 2019. Quadro 10 – Descrição de Cras e Creas Cras Creas Descrição Busca prevenir a ocorrência de situações de risco antes que aconteçam, por meio do desenvolvimento de potencialidade e aquisições, de fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania. Oferece apoio e orientação especializados a indivíduos e famílias vítimas de violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaça, maus tratos e discriminações sociais. Público-alvo Famílias e indivíduos em situação de desproteção, pessoas com deficiência, pessoas idosas, crianças retiradas de trabalho infantil, pessoas inseridas no Cadastro Único e usuários de programas de transferência de renda: Bolsa Família, benefício de prestação continuada (BPC), programa de capacitação para o trabalho, entre outros. Trabalho com indivíduos em que o risco já se instalou, tendo seus direitos violados, sendo vítimas de violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaças, maus tratos e discriminações sociais. Adaptada de: Brasil (2004a). 91 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Segundo a NOB/Suas de 2005, a rede socioassistencial deve se organizar a partir da oferta integrada de ações descritas anteriormente, visando a cobertura de riscos, vulnerabilidade, danos, vitimizações, agressões ao ciclo de vida e à dignidade humana. Deve ser mantido o caráter público de corresponsabilidade e complementariedade das ações da rede, evitando paralelismo e fragmentação das ações, tendo o Cras e o Creas como unidade de referência das ações e porta de entrada dos serviços da rede e a territorialidade como princípio da oferta de serviços, com objetivo de desenvolver ações de caráter educativo e preventivo nos territórios mais vulneráveis e com maior incidência de risco social. As ações devem ter caráter continuado, com planejamento, monitoramento e avaliação, bem como garantia de financiamento com recursos públicos e próprios quando se tratar da rede não governamental. Deve ser assegurada a referência unitária em todo território nacional de nomenclatura, conteúdo, padrão de funcionamento e indicadores de resultados (BRASIL, 2005). O território de abrangência do Cras tem por referência até 5.000 famílias sob situação de vulnerabilidade e como meta de atendimento 1.000 famílias/ano, sendo que essa referência pode mudar conforme o porte do município, como no quadro a seguir: Quadro 11 – Porte do município em relação aos serviços da proteção social básica Município Cras Pequeno porte I Mínimo de um Cras para até 2.500 famílias referenciadas Pequeno porte II Mínimo de um Cras para até 3.500 famílias referenciadas Médio porte Mínimo de dois Cras, cada um para até 5.000 famílias referenciadas Grande porte Mínimo de quatro Cras, cada um para até 5.000 famílias referenciadas Metrópoles Mínimo de oito Cras, cada um para até 5.000 famílias referenciadas Adaptada de: Brasil (2004a). Serviço de proteção e atendimento integral à família (Paif) Serviço de proteção social básica no domicílio para pessoas com deficiência e idosas Secretaria Municipal de Assistência Social Serviço de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV) Centro de convivência inclusivo e intergeracional Organizações da sociedada civil (OSC) Creas Outras políticas públicas Rede socioassistencial local De ma nd a esp on tân ea Busca ativa Figura 25 – O Cras e a gestão do território PSB 92 Unidade II 6.1 Proteção social básica 6.1.1 Cras‑Paif O principal serviço ofertado na proteção social básica, dentro do Cras, é o Paif, que segundo a Tipificação nacional de serviços socioassistenciais: consiste no trabalho social com famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das famílias, prevenir a ruptura dos seus vínculos, promover seu acesso e usufruto de direitos e contribuir na melhoria de sua qualidade de vida. Prevê o desenvolvimento de potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, por meio de ações de caráter preventivo, protetivo e proativo. O trabalho social do Paif deve utilizar-se também de ações nas áreas culturais para o cumprimento de seus objetivos, de modo a ampliar universo informacional e proporcionar novas vivências às famílias usuárias do serviço. As ações do Paif não devem possuir caráter terapêutico (BRASIL, 2014a, p. 12). Ainda para o Paif, que terá como objetivo ofertar o trabalho social com famílias, as orientações técnicas sobre o Paif definem o trabalho como: conjunto de procedimentos efetuados a partir de pressupostos éticos, conhecimento teórico-metodológico e técnico-operativo, com a finalidade de contribuir para a convivência, reconhecimento de direitos e possibilidades de intervenção na vida social de um conjunto de pessoas, unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade – que se constitui em um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, com o objetivo de proteger seus direitos, apoiá-las no desempenho da sua função de proteção e socialização de seus membros, bem como assegurar o convívio familiar e comunitário, a partir do reconhecimento do papel do Estado na proteção às famílias e aos seus membros mais vulneráveis. Tal objetivo materializa-se a partir do desenvolvimento de ações de caráter “preventivo, protetivo e proativo”, reconhecendo as famílias e seus membros como sujeitos de direitos e tendo por foco as potencialidades e vulnerabilidades presentes no seu território de vivência (BRASIL, 2012b, p. 12). Partindo dessa definição, relembramos alguns conceitos já trabalhados nas bases conceituais do Suas, como a universalidade de direitos, matricialidade sociofamiliar, por meio da introdução de “novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear” (BRASIL, 2004a, p. 35) e na territorialização. Esses temas perpassarão todas as fases de execução da política, e no Cras são identitários de sua constituição, tomando-os inclusive como instrumentos de gestão do Cras. 93 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Os Cras estão localizados privilegiadamente nos territórios de vulnerabilidade, e se caracterizam “como a principal porta de entrada do Suas, ou seja, é uma unidade que possibilita o acesso de um grande número de famílias à rede de proteção social de assistência social” (BRASIL, 2009b, p. 9) e deve atuar “com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, visando a orientação e o convívio sociofamiliar e comunitário” (BRASIL, 2004a, p. 35). Como verificamos na tabela síntese da proteção social, previstos na Tipificação nacional dos serviços socioassistenciais, compõem a rede de serviços da proteção social básica o Paif; o serviço de convivência e fortalecimento de vínculos; e o serviço de proteção social básica no domicílio, para pessoas com deficiência e idosas. O Paif deve ser ofertado exclusivamente pelo Cras e desenvolvido pela instituição pública, com funcionários públicos. Os demais serviços podem ser também ofertados no Cras, desde que disponham de espaço físico, equipamentos e recursos materiais e humanos compatíveis, específicos para cada serviço, ou podem ocorrer em outras unidades públicas ou em organizações da sociedade civil (OSC), denominadas nos cadernos de orientações e demais normativas como entidades privadas sem fins lucrativos, prestadoras de serviços. Se desenvolvidos por instituição pública ou privada, em espaço externo ao Cras, devem estar referenciados e articulados ao Paif. Estar referenciado ao Cras significa receber orientações emanadas do Poder Público, alinhadas às normativasdo sistema único e estabelecer compromissos e relações, participar da definição de fluxos e procedimentos que reconheçam a centralidade do trabalho com famílias no território e contribuir para a alimentação dos sistemas da Rede Suas (e outros). Significa, portanto, estabelecer vínculos com o Sistema Único de Assistência Social (BRASIL, 2009b, p. 22). A articulação dessa rede é um instrumento de gestão da política, uma possibilidade de ampliar o alcance das ações e “superar a fragmentação na prática dessa política, o que supõe constituir ou redirecionar essa rede, na perspectiva de sua diversidade, complexidade, cobertura, financiamento e do número potencial de usuários que dela possam necessitar” (BRASIL, 2005, p. 92). O que significa que o Cras é a única unidade de serviço que, além de ofertar o Paif, é responsável por fazer a gestão da proteção social básica no seu território de abrangência, além de promover a articulação com a proteção social especial, por meio do Creas ou, na sua ausência, a quem for designado para coordenar a proteção social especial no município ou Distrito Federal (BRASIL, 2009b). Destacando a articulação da rede socioassistencial e da rede intersetorial e a busca ativa. É a articulação da rede socioassistencial que promove o acesso efetivo da população aos serviços, programas, projetos e benefícios da política de assistência social, bem como a gestão integrada dos benefícios e programas de transferência de renda, estabelecendo fluxos e procedimentos pelo referencial das ações, contribuindo para definição de atribuições com vistas a evitar a sobreposição de ações, 94 Unidade II rompendo, assim, com a fragmentação das ações por meio do “estabelecimento de contatos, alianças, fluxos de informações e encaminhamentos entre o Cras e as demais unidades de proteção social básica do território” (BRASIL, 2009b, p. 21). Nesse sentido, essa articulação compreende que todos os serviços da proteção social básica executados no território deverão estar referenciados no Cras; assim, caberá às equipes conhecerem o território, conhecer quem são as famílias atendidas nessa rede, quais as fragilidades e potencialidades apresentadas, se a oferta de serviços é suficiente ou não para atender à demanda do território, se os serviços prestados seguem ou não as diretrizes da política da assistência social, tanto no que tange à universalidade dos direitos sociais quanto às metodologias sugeridas pelo Ministério da Cidadania. Contribui, ainda, para: dar unidade aos objetivos e concepção do Suas; para alinhar os serviços socioassistenciais à PNAS, NOB-Suas, e para fazer cumprir as normativas de vinculação ao Sistema: instituições necessariamente reconhecidas pelo Conselho de Assistência Social, ofertando serviços de acordo com Tipificação nacional dos serviços socioassistenciais e com os parâmetros de qualidade estabelecidos. Contribui ainda para a definição da periodicidade de envio de informações para o Cras necessárias à alimentação da Rede Suas e de outros sistemas, bem como para o acompanhamento dos serviços (BRASIL, 2009b, p. 23). A articulação intersetorial permite o diálogo da política da assistência social com as demais políticas sociais, garantindo o acesso das famílias aos direitos sociais, definindo a prioridade de acesso e ampliando o potencial de resolutividade da situação pela resposta integrada a um objetivo comum. Demanda a abertura do diálogo das políticas na busca de uma resposta comum ao enfrentamento das dificuldades oriundas do processo de exclusão social, por meio da “superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais, para produzir efeitos mais significativos na vida da população, respondendo com efetividade a problemas sociais complexos” (BRASIL, 2009b, p. 26). No entanto, faz-se importante ressaltar que apesar da articulação intersetorial depender de uma “ação deliberada, que pressupõe a ideia de conexão, vínculo, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços, respeito à diversidade e às particularidades de cada setor”, não está sob a governabilidade da política de assistência social, ou seja, para que aconteça “é necessário um papel ativo do Poder Executivo municipal ou do DF, como articulador político entre as diversas secretarias que atuam nos territórios dos Cras, de modo a priorizar, estimular e criar condições para a articulação intersetorial local” (BRASIL, 2009b, p. 26). 95 POLÍTICA SETORIAL - ASSISTÊNCIA SOCIAL Saiba mais Para saber mais sobre o assunto, leia: BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Orientações técnicas: centro de referência de assistência social – Cras. Brasília: MDS, 2009. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_ social/Cadernos/orientacoes_Cras.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2019. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Sistema Único de Assistência Social. Orientações técnicas sobre o Paif. Brasília, 2012. v. 2. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/ Cadernos/Orientacoes_PAIF_2.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2019. A busca ativa é um instrumento para as equipes obterem o conhecimento do território, fundamentais para planejar e elaborar o diagnóstico social, identificando as vulnerabilidades e potencialidades, compreendendo melhor a realidade dos usuários e possibilitando a proposição de ações contundentes e proativas. A busca ativa refere-se à procura intencional, realizada pela equipe de referência do Cras, das ocorrências que influenciam o modo de vida da população em determinado território. Tem como objetivo identificar as situações de vulnerabilidade e risco social, ampliar o conhecimento e a compreensão da realidade social, para além dos estudos e estatísticas. Contribui para o conhecimento da dinâmica do cotidiano das populações (a realidade vivida pela família, sua cultura e valores, as relações que estabelece no território e fora dele); os apoios e recursos existentes e seus vínculos sociais (BRASIL, 2009b, p. 29). Com o objetivo de prevenir situações de risco, desenvolver potencialidade e aquisições e fortalecer os vínculos familiares e comunitários, a proteção social básica visa atuar de forma preventiva, protetiva e proativa. Sendo que: A ação preventiva tem por escopo prevenir ocorrências que interfiram no exercício dos direitos de cidadania. O termo ‘prevenir’ tem o significado de “preparar; chegar antes de; dispor de maneira que se evite algo (dano, mal); impedir que se realize”. Assim, a prevenção no âmbito da Proteção Social Básica (PSB) denota a exigência de uma ação antecipada, baseada no conhecimento do território, dos fenômenos e suas características específicas (culturais, sociais e econômicas) e das famílias e suas histórias. O caráter preventivo requer, dessa forma, intervenções orientadas a evitar a ocorrência ou o agravamento de situações de vulnerabilidade e risco social, que impedem o acesso da população aos seus direitos. 96 Unidade II A atuação protetiva significa centrar esforços em intervenções que visam amparar, apoiar, auxiliar, resguardar, defender o acesso das famílias e seus membros aos seus direitos. Assim, a PSB deve incorporar em todas as intervenções o caráter protetivo, envidando esforços para a defesa, garantia e promoção dos direitos das famílias. Já a atuação proativa está ligada ao reconhecimento, à tomada de responsabilidade e à intervenção frente a situações-problema que obstaculizam o acesso da população aos seus direitos, mas que ainda não foram apresentadas como tal. A proatividade é o contrário de reatividade, que é a propriedade de reagir aos estímulos externos. Assim, ser proativo no âmbito da PSB é tomar iniciativa, promover ações antecipadas ou imediatas frente a situações
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