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Questões jurídicas do homeschooling

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Questões jurídicas do homeschooling: uma entrevista com o dr. Édison Prado de Andrade
CESF BLOG WEBMASTER 2 COMENTÁRIOS ENTREVISTA, HOMESCHOOLING
 
 
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TEMPO DE LEITURA: 13 MINUTOS
Atendendo a pedidos de muitos de nossos leitores, o tema de hoje é homeschooling. A equipe do blog entrevistou o advogado Édison Prado de Andrade, gestor da ABDPEF (Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar), que nos contou um pouco sobre as questões legais e jurídicas do ensino domiciliar no Brasil.
CESF:  Você poderia se apresentar para os leitores do blog que ainda não o conhecem? O que faz, como foi que se interessou pela educação domiciliar e como começou a dedicar-se a ela?
Dr. Édison: Meu nome é Édison Prado de Andrade, casado com Cláudia há 28 anos, professora de educação física e instrutora de Pilates. Tivemos duas filhas lindas, Julia, fisioterapeuta, e Carolina, nutricionista. Profissionalmente sou advogado, professor de Direito em nível de graduação e pós-graduação e consultor governamental, com mestrado e doutorado em Educação pela USP, tendo defendido, no ano de 2014, a Tese intitulada: Educação Familiar Desescolarizada e o Direito da Criança e do Adolescente: relevância, limites e possibilidades na ampliação do direito à educação.
Sou também idealizador e gestor da ABDPEF (Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar), entidade que criamos com a finalidade de oferecer defesa às famílias praticantes de educação desescolarizada cujos casos foram judicializados, além de promover novos modelos educacionais que levem em conta que a família é o centro do processo educacional e de desenvolvimento da criança e do adolescente, e não a escola, ou mesmo outras instituições públicas ou privadas.
Ao longo de quase vinte anos tenho exercido diversos cargos públicos, a maior parte deles ligados às políticas de defesa, promoção e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes e das famílias, dentre eles advogado pela Casa da Cidadania de Jundiaí (SP) – serviço público que oferecia assistência judiciária gratuita a milhares de famílias de baixa renda – e assessor Técnico-Jurídico da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
Meu interesse pela Educação Domiciliar provém de meu trabalho e reflexão em todas estas áreas, meu cuidado pela integridade física, mental, moral, social e espiritual das crianças, adolescentes e suas famílias. Além disso, tenho convicção de que há um esforço consciente e deliberado orquestrado por parte expressiva da mídia, universidades e governos brasileiros – fenômeno este que é universal e que encontra suas raízes na antiguidade – no sentido de desconstruir os valores que acredito serem os fundamentos de qualquer civilização que se possa denominar cristã, algo que já se entranhou nas instituições jurídicas e na consciência da maior parte das famílias brasileiras por razões diversas.
CESF: Atualmente no Brasil é obrigatório matricular as crianças na escola quando completam quatro anos?
Dr. Édison: A Emenda Constitucional no 59//2009, ao alterar o inciso I do art. 208 da Constituição Federal, define que é dever do estado brasileiro garantir a “Educação Básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”.
Em razão deste dispositivo, e diversas outras normas legais e  administrativas que dela provêm, os agentes de Estado têm entendido, em quase toda a sua totalidade, que todas as crianças deverão estar matriculadas e frequentando assiduamente escolas já aos quatro aninhos de idade, independentemente da vontade dos pais ou da própria criança, ou mesmo da qualidade do ensino ofertado pela escola. Tampouco levam em conta os riscos que as crianças passaram a sofrer dentro do espaço escolar, ou a deficiência do próprio conteúdo a elas ministrado, que passou a ser crescentemente orientado pela mentalidade materialista ensinada nas universidades e pautado pelas políticas públicas nacionais, desconsiderando-se o que de fato ocorre no dia-a-dia das escolas em geral, especialmente das escolas públicas – mas também das privadas.
CESF: Se eu não matricular meu filho no tempo exigido por lei, mas depois desse tempo, o que poderá me acontecer?
Dr. Édison: Caso a matricula não seja realizada na idade indicada não há previsão legal de sanção aos pais, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – que está orientada pelo ideal de que todas as crianças e adolescentes de quatro a dezessete anos devem estar matriculadas e frequentando escolas – admite a hipótese de que a criança esteja fora do sistema escolar, situação que era comum antes de 1997, ano em que muitas crianças não tinham acesso à escola. Assim, caso o Conselho Tutelar ou o Ministério Público – órgãos estes que estão investidos do poder-dever de proteger crianças e adolescentes de ilícitos diversos – constate que alguma criança não esteja sendo escolarizada, o que eles podem fazer é tomar medidas constritoras ou ameaçadoras para obrigar os pais ou responsáveis legais a colocá-las na escola, aplicando multas administrativas, instaurando procedimentos administrativos para verificar se a criança sofre algum tipo de violação, ou mesmo pressionando os pais de modo ilícito e abusivo por meio de ameaças, como de prisão ou de perda da guarda ou do poder familiar. Frustrados esses esforços, os pais que insistem em não escolarizar seus filhos poderão ainda vir a ser processados junto a uma vara criminal ou da infância e juventude. O juiz do processo, então, deverá citar os pais para oferecer defesa por meio de advogado, quando as famílias terão oportunidade de apresentar suas razões com ampla produção de provas e defesa técnica.
Em última instância, se condenada por crime de abandono intelectual ou mesmo em outro processo qualquer, caso os pais insistam em não matricular os filhos na escola, poderão sofrer processos de destituição do poder familiar ou de modificação de guarda, e seus filhos poderão ser transferidos para a guarda de um familiar ou terceira pessoa. Essa hipótese é muito improvável quando o único “problema” encontrado na família é a educação domiciliar e quando os pais agem concordemente em favor da opção pela educação domiciliar. Entretanto, caso a família estendida da criança (seus avós, tios ou outras pessoas ligadas à família) seja terminantemente contrária à sua decisão (sendo, inclusive, muitas vezes eles quem comunicam ao conselho tutelar ou ao ministério público que as crianças não estão frequentando a escola), a mudança de guarda é bastante possível.
CESF: Afinal, é ou não proibido educar meus filhos em casa?
Dr. Édison: Não há previsão constitucional ou legal sobre educação domiciliar no Brasil. Existem apenas dispositivos legais e constitucionais que parecem indicar a obrigatoriedade da matrícula e da frequência escolar, dispositivos estes que, a contrario sensu, indicariam também a ilegalidade da prática da educação domiciliar.  Anteriormente, quando do julgamento de um dos primeiros processos sobre educação domiciliar no Brasil que corria no Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Nacional de Educação se manifestou no sentido de que no Brasil não é permitida a prática de Educação Domiciliar, sendo este o entendimento que prevalece até hoje.
Felizmente, e graças a Deus, representando duas famílias que foram processadas, obtivemos duas sentenças judiciais favoráveis a elas, sendo estes os dois mais expressivos casos em favor das famílias que optam pela educação domiciliar, uma vez que essas decisões judiciais tendem a fazer jurisprudência favorável.
Há, também, no Supremo Tribunal Federal, um Recurso Extraordinário procedente de uma família gaúcha que está para ser julgado. Liminarmente, foi determinado pelo Ministro Relator a suspensão dos processos sobre ensino domiciliar no Brasil, até o julgamento final pelo Plenário, decisão esta que, infelizmente, não tem impedido que o Ministério Público continue a processar as famílias. Esteprocesso, caso venha a ser julgado seu mérito, se reveste de grande importância, pois poderá colocar na ilegalidade inúmeras famílias brasileiras que, hoje, sem previsão legal específica sobre o ensino domiciliar, têm a seu favor a vantagem de poder vir a demonstrar no processo judicial que seus filhos estão aprendendo mais em casa que na escola, e que as crianças encontram-se felizes e saudáveis na presença de seus pais e irmãos.
CESF: Como devo proceder para retirar meus filhos da escola e começar a praticar o homeschooling?
Dr. Édison: Quanto ao processo para retirar os filhos da escola é algo bastante melindroso, porque os sistemas público-sociais, especialmente nas áreas de educação, saúde e assistência social, todos ligados ao sistema de defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente, estão organizados no sentido de fazer a chamada “busca ativa”, de tal modo que é praticamente impossível tirar um filho da escola sem que se note esse fato. Mesmo que um diretor ou diretora escolar, ou um conselheiro ou conselheira tutelar, sejam favoráveis à prática da educação domiciliar eles se sentirão constrangidos a informar ao conselho tutelar (no primeiro caso), ou ao Ministério Público, (no segundo caso), que seu filho não está na escola, por medo de virem a ser responsabilizados por omissão.  
O ideal é não colocar a criança no sistema. Caso ela já tenha sido introduzida nele pelos pais, há muito pouco a fazer para dele fugir, e cada caso deverá ser orientado individualmente por um advogado ou gestor escolar que sejam favoráveis à decisão da família, de modo a encontrar o caminho menos traumático e com menos possibilidades de descoberta e comunicação aos órgãos que já citei.
CESF: O que os pais que educam os filhos em casa devem fazer caso sejam denunciados?
Dr. Édison: Você deverá procurar um advogado que conheça os meandros dos processos que envolvam direito da criança e do adolescente e direito à educação familiar desescolarizada imediatamente. Não procure se defender sozinho, pois o sistema é complexo, e há muitas implicações graves e permanentes que poderão advir de uma conduta passiva ou altiva dos pais face aos poderes de Estado, de prender, perseguir e destitui-lo da guarda de seus filhos.  Se não houver tempo para fazer isso, converse amigavelmente com o conselheiro tutelar. Explique a ele suas razões e seu trabalho com seu filho. Deixe-o conversar com ele para que o conselheiro perceba que a criança está bem, amando e sendo amada, e que ela não está sofrendo qualquer violação de seus direitos, que não se encontra em situação de risco, ao contrário.
Finalmente, e independentemente de você vir a ser processado ou não, associe-se à ABDPEF, pois estamos empenhados em garantir a todas as famílias brasileiras o direito de praticar educação domiciliar sem perturbação do Estado. Associando-se a nós, você estará não apenas assessorado juridicamente no caso de vir a ser processado, mas também estará ajudando milhares de outras famílias brasileiras – quiçá, no futuro, milhões de famílias – que, assim como vocês, encontram-se amedrontadas com a possibilidade de serem processadas caso escolham praticar educação domiciliar com seus filhos.  Envie um e-mail para abdefamiliar@gmail.com e lhe daremos informações de como fazê-lo.
CESF: É possível meus filhos obterem algum certificado estudando em casa?
Dr. Édison: Os únicos modos de a criança educada domiciliarmente obter certificados de conclusão de Ensino Fundamental ou Médio no Brasil, atualmente, são os seguintes: cursando o ENCEJA (http://portal.mec.gov.br/encceja) ou realizando o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), neste último caso por meio de medida judicial.
Entretanto, é importante ressaltar que mesmo que o adolescente esteja na posse do certificado do ENEM ainda poderá encontrar obstáculo para matricular-se em alguma faculdade, pois não disporá de histórico escolar. Portanto, o ENCEJA é, em geral, a melhor opção, porque oferece a possibilidade de o adolescente obter algum histórico escolar oficial, válido perante as instituições de Ensino Superior.
CESF: O sr. tem alguma dica para quem pretende iniciar o homeschooling?
Dr. Édison: Procure instruir-se muito antes de começar a fazê-lo, e não despreze o conhecimento técnico dos bons professores, pedagogos e psicopedagogos, advogados experientes na área contenciosa, ou seja, que operam no âmbito dos processos judiciais, e sabem como funciona a justiça e a disputa judicial.
Ouça e participe das redes sociais, mas as ouça com reservas, sabendo que há muitas informações cruzadas e equivocadas. Em meu site disponibilizo informações que considero seguras e indispensáveis para quem está pensando em praticar educação familiar desescolarizada: www.direitoaeducacao.com.br.
Acima de tudo, avalie o preço de praticar educação domiciliar, pois não se trata apenas de uma mudança de ensino, mas de paradigma de vida e de conduta, uma vez que fazê-lo como deve ser feito implica em a mulher e mãe, na maior parte das vezes, renunciar, durante algum tempo, a muitos dos seus projetos pessoais e profissionais.
Finalmente, e o mais importante: tenha humildade e saiba que educar filhos é a tarefa mais sublime que Deus confiou a uma pessoa, e que não podemos fazê-lo de modo displicente.
Lembre-se sempre de que o grande desafio dos pais educadores – pessoas cheias de imperfeições como são todos os adultos – é educar os pequeninos, ajudando-os a entender o mundo confuso no qual nasceram sem que, ao mesmo tempo, sua belíssima pureza de coração seja corrompida por nossos próprios olhares, tomados ao longo do tempo por tantas marcas e mágoas que vão se acumulando pelo caminhar no mundo sem Deus.
Deixemos que cada um deles, cada um no seu devido tempo, adquira suas próprias marcas, e não imprimamos as nossas nas suas delicadas e doces almas…
A você, que tem esse amor, meu forte abraço!

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