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A Personificação do Herói Nacional Republicano na Obra Tiradentes Esquartejado (1893) de Pedro Américo (1843-1905)

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A Personificação do Herói Nacional Republicano na Obra Tiradentes Esquartejado (1893) de Pedro Américo (1843-1905)
Letícia Alves
Isabela Pedotti
Rafael Romão
Resumo:
Nosso ponto de partida é a obra intitulada Tiradentes Esquartejado (Figura 1), composição em óleo sobre tela, de 270 cm por 165 cm, pintada em 1893 por Pedro Américo, localizada no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora no estado de Minas Gerais. O artigo encaminhou-se em decorrência da problemática: Como a imagem de Tiradentes é representada no quadro Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo, para a construção de um herói nacional? A partir da obra objetivamos analisar o contexto no qual o quadro foi produzido e a sua autoria. Além disso, 	traçar uma investigação acerca da construção da personalidade de Tiradentes como revolucionário republicano e sua intencionalidade. Por fim, analisar a obra e seus simbolismos. Utilizou-se de uma pesquisa qualitativa, analisando a fonte primária aqui apresentada e apoiando-se em pesquisas realizadas por profissionais da área como Emília Viotti da Costa e Maraliz de Castro Vieira Christo.
Palavras-chave: Tiradentes esquartejado, Pedro Américo, República
Introdução
A proclamação da República em 1889 visava uma revolução política, através de ideais positivistas, o movimento republicano da o golpe na corte imperial e assume a regência do Estado com Marechal Deodoro da Fonseca como primeiro presidente do Brasil.
Apesar de buscar uma ruptura com o sistema monárquico os republicanos ainda foram muito conservadores em suas mudanças, muito devido a conciliação que foi feita entre as diversas frentes do movimento (positivistas, liberais e jacobinos) e na tentativa de que o povo se identificasse com o novo regime.
Nesta busca era necessário que se criassem e recriassem novos símbolos nacionais procurando uma nova identidade para o país, agora “republicano, democrático, e não mais atrasado”. “A República proclamada pelos republicanos de última hora, sem a participação direta do povo, devia exprimir sua legitimidade por meio de símbolos” (JURT, 2012). 
Muitos símbolos foram discutidos, como a bandeira nacional, que teve duas versões vigentes durante a República, o hino nacional, a representação de Republica como figura humana e feminina, e também a afirmação de heróis republicanos, sendo Tiradentes o mais significativo deles. 
Foi uma figura histórica que se tornou seu substituto, através do processo clássico de "invenção da tradição" (Hobsbawm). Esta figura, que funciona como uma espécie de mito de origem, foi Joaquim José da Silva Xavier, "Tiradentes", apelido que se devia às suas atividades ocasionais como dentista, arrancando dentes. A província de Minas Gerais sofria com os impostos extremamente altos a serem pagos, ainda que a produção de ouro declinasse constantemente. Sob o comando de Tiradentes, atrás do qual se escondiam personalidades importantes da província, fomentou-se uma conspiração, mais tarde denominada Inconfidência Mineira (1789). (JURT, 2012)
Pedro Américo e o Contexto Republicano
Considerado um dos mais importantes e conhecidos pintores da nossa história, Pedro Américo de Figueiredo e Melo, nasceu em 1843 na cidade de Areia, município brasileiro do estado da Paraíba. Artista de grande prestígio durante sua existência, Américo chegou a receber o título de pintor oficial do Império de Dom Pedro II, realizando importantes e reconhecidas obras como O Grito do Ipiranga (1888) e Tiradentes Esquartejado (1893). Além de pintor, Pedro Américo foi também romancista, filósofo, poeta e professor brasileiro, falecendo em Outubro de 1905 em Florença na Itália. 
Pedro Américo viveu em um contexto bastante marcante para a história brasileira, pois no final do século XIX, o Brasil fora marcado por enormes transformações politicas e sociais, advindas da queda do Império para a instauração da República Federativa. Dom Pedro II, sucessor de Dom Pedro I e ultimo monarca a dirigir o país, governava desde seus quinze anos de idade e apesar das muitas mudanças urbanas e sociais do período terem o apoio do Imperador, Pedro II estava sendo largamente pressionado pela burguesia cafeeira que estava insatisfeita com a abolição da escravatura, pela imprensa, que apesar de ser ainda pequena, era favorável ao fim da Monarquia e pela igreja que, juntos, acabaram concedendo apoio à baixa classe de militares das Forças Armadas, culminando no golpe de Estado de 1889, destituindo o Monarca do poder e estabelecendo o modelo Republicano com um governo Civil-militar.
Após a proclamação da República, Américo perde o posto de pintor oficial do Império e é aposentado de seu cargo na Academia de Belas Artes, nos possibilitando criar o imaginário de que a República talvez não tenha trazido boas expectativas para o artista (CHRISTO, 2007). Após esse ocorrido, ele foi eleito deputado da Paraíba e em uma tentativa de recuperar o apoio do Estado ás artes, propôs um projeto de lei para a criação de uma Galeria Nacional de Belas Artes, e foi nesse contexto que criou uma série de pinturas sobre a Conjuração Mineira, a fim de expô-las nessa Galeria, o que acabou não acontecendo, pois ela não foi criada. 
Com a instituição da República, a demanda artística se transforma, ascendendo o objetivo de criar, através da arte, uma espécie de “tradição inventada” como demonstra Maraliz de Castro Vieira Christo (2009): “A República impunha aos artistas novas questões. A mais urgente era construir a versão oficial dos fatos, maximizar o papel dos atores principais e minimizar o acaso nos acontecimentos; fabricando novos heróis.”.
A partir dessa necessidade e motivado, sobretudo, pelo centenário da morte de Joaquim Norberto de Souza Silva, mais conhecido como Tiradentes, o talentosíssimo paraibano da inicio a uma série de estudos a cerca da inconfidência mineira, tendo como projeto inicial a execução de cinco quadros, a fim de estabelecer uma narrativa sobre o acontecimento. Apesar do projeto inicial de Américo possuir cinco quadros, o artista concluiu apenas seu ultimo esboço, o qual intitulou de Tiradentes Esquartejado (1893).
Para a elaboração do quadro, Pedro Américo, como atesta Maraliz de Castro Vieira Christo (1992), utilizou das seguintes referências: 
Paro o Tiradentes esquartejado, Pedro Américo baseou-se na obra de Joaquim Norberto de Souza Silva, Historia da Conjuração Mineira, de 1873, no Almanack de Minas Gerais do mesmo ano e em artigos publicados em 1892, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e no Jornal do Commercio.
Como já mencionado, a ideia inicial do artista era uma série com cinco quadros: “A cena idílica de Gonzaga a bordar a fio de outro o vestido nupcial de sua Marília”, “A mais importante das reuniões dos conjurados”, “A cena da constatação de óbito, passa diante do cadáver de Cláudio Manuel Costa”, “A prisão de Tiradentes em uma casa da antiga rua dos latoeiros” e “Tiradentes Supliciado”, sendo esse último título nosso objeto de estudo. Segundo a historiadora Maraliz Christo, os títulos dados ás telas propõem uma narrativa que pode ser atribuída a uma estrutura de tragédia, com um começo feliz, um erro e em seguida uma catástrofe: “Gonzaga, feliz na expectativa do casamento, Tiradentes errando ao confiar nos conjurados e a catástrofe das prisões e execução do único condenado à morte” (CHRISTO, 2007).
A construção da imagem de Tiradentes e sua intencionalidade
Tiradentes já era figura comentada antes mesmo da proclamação da República (1889), mesmo não sendo visto com bons olhos durante o período do Segundo Reinado, por ter feito parte do movimento da Inconfidência Mineira, Tiradentes era já um personagem heroico nos clubes republicanos por volta de 1870. Por conta dos objetivos da Inconfidência Mineira, Tiradentes representava um símbolo anti monarquista. Representando a busca pela liberdade, pelo fim da opressão monarquista e pelo fim da exploração, o que combinou muito com os ideais Republicanos da época. 
Com o levante e a conquista Republicana
inicia-se um período de estabelecimento e conciliação dos republicanos para sua permanência e funcionamento, deixaram de lado tendências radicais jacobinas e tentaram apaziguar os ainda apoiadores da monarquia. Havia ainda a necessidade de criar uma identidade nacional republicana que unisse toda a população. Assim, Tiradentes passa a ser um herói nacional sendo representado de uma forma mística, como um mártir, fazendo em muitas produções alusão à imagem de Jesus Cristo, devido a formação histórica predominantemente cristã no Brasil a adesão do povo á essa figura foi fortificada por essas representações de um inocente condenado injustamente à morte como criminoso. 
Na figura de Tiradentes todos podiam identificar-se, ele operava a unidade mística dos cidadãos, o sentimento de participação, de união em torno de um ideal, fosse ele a liberdade, a independência ou a república. Era o totem cívico. Não antagonizava ninguém, não dividia as pessoas e as classes sociais, não dividia o país, não separava o presente do passado nem do futuro. Pelo contrário, ligava a república à independência e a projetava para o ideal de crescente liberdade futura. A liberdade ainda que tardia (CARVALHO, 1990, p.68) 
Entretanto a obra de Pedro Américo não foi aceita neste momento por representar o inconfidente morto, frágil, fazendo crítica à agressividade do sistema colonial, e sem fazer alusão às esperanças republicanas de progresso e ressureição. O Estado buscava a representação de Tiradentes de uma forma mais vívida e imponente, realmente heroica, do personagem em ação e de preferencia que fosse posto junto à bandeira nacional. Esta intencionalidade esta estritamente ligada ao desejo dos republicanos de criar um sentimento patriota acolhedor e ativo, no qual a população se inspirasse neste herói que morreu em prol da liberdade da nação.
Portanto, a imagem de um Tiradentes “em pedaços” foi veementemente rejeitada em sua primeira amostra no Rio de Janeiro em 1893, foi adquirida pela Prefeitura de Juiz de Fora e ficou esquecida durante cinquenta anos, sendo reproduzida novamente só em 1943 no livro biográfico de Pedro Américo, escrito por Cardoso de Oliveira, genro do pintor. 
Figura 1 Tiradentes esquartejado (1893) - Pedro Américo/wikimedia Commons
A Obra e seus Simbolismos
Sobre a obra, Américo mostra mais a brutalidade do sistema colonial do que as virtudes do herói. A tela não passa o sentimento de esperança de um mundo melhor, muito pelo contrário, é uma obra que pode ser considerada pessimista. Os ideais republicanos eram de progresso, de melhora, de salvação, e a obra de Américo contradiz tudo isso. Na tese de Christo, a autora afirma que muito provavelmente o pintor não acreditava na força revolucionária e que ao pintar Tiradentes aos pedaços despreza a possibilidade de uma ressurreição, demonstrando um sentimento de fracasso e solidão. E por conta disso, a obra foi rejeitada pela crítica, que preferiu as obras que mostravam Tiradentes vivo. 
No quadro Tiradentes, apesar de ninguém saber sua real aparência, Pedro Américo o apresenta com barba e cabelos longos, se assemelhando a imagem que se fazia de Jesus Cristo (Figura 1.1), seu corpo se encontra despedaçado na estrutura de uma forca, nas escadas, o que se faz lembrar um altar, reforçando assim a representação religiosa e de sacrifício (Figura 1.2). A forma como o braço está disposto lembra a figura de Jesus no quadro “Pietà” de Michelangelo, reforçando mais uma vez o caráter religioso da obra (Figura 1.3). E todo o conjunto do corpo dilacerado pode lembrar o formato do mapa da Brasil, representando assim que ele foi uma figura de importância nacional (Figura 1.4). 
Figura 1.1
						Figura 1.2
Figura 1.3 Figura 1.4
Conclusão
Tendo em vista o contexto de sua criação, as condições do autor e os elementos da pintura, podemos concluir que a obra de Pedro Américo apesar de assemelhar-se as demais obras do período no que corresponde a figura do herói nacional oficializada e o apelo religioso na construção dessa imagem, difere-se das demais por não representar uma cena heroica de Tiradentes, mas representa-lo como uma vítima da repressão. Subentende-se que Pedro Américo não tinha uma visão positiva quanto a Proclamação da República, que o progresso tão esperado pelos republicanos cairia por terra, que a esperança e a determinação não bastariam para concretizar as mudanças esperadas e que os mesmos não escapariam do sistema bruto do Brasil, assim como Tiradentes não escapou, é uma obra de desesperança quanto ao futuro do Brasil.
A construção da imagem de Tiradentes na obra, como herói, é muito mais posterior à sua criação do que potencialmente foi em época, com uma crítica subversiva aos movimentos revolucionários, crítica esta que tenta camuflar-se nos simbolismos religiosos e na apresentação do mártir. Esta ambiguidade pode representar os afobados anseios da República por construir uma figura nacionalmente forte, que remetesse ao novo regime político, sem que houvesse realmente a seguridade do avanço, do progresso, da liberdade, qual seus integrantes discursavam. 
REFERÊNCIAS
AIRES, José Luciano de Queiroz. PINTANDO O HERÓI DA REPÚBLICA: A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO MITIFICADO DE TIRADENTES E O ENSINO DE HISTÓRIA. Disponível em: <https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548772005_5e30640dc306e76bd19608db4388dd1c.pdf> Acesso em: 04 de agosto de 2019.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. O esquartejamento de uma obra: a rejeição ao Tiradentes de Pedro Américo. Disponível em: < https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/20474/10893 > Acesso em: 04 de agosto de 2019.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A PINTURA DE HISTÓRIA NO BRASIL DO SÉCULO XIX: PANORAMA INTRODUTÓRIO. Disponível em: < http://arbor.revistas.csic.es/index.php/arbor/article/view/386/387> Acesso em: 04 de agosto de 2019.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Herói em pedaços. Disponível em: < https://www.historia.uff.br/impressoesrebeldes/wp-content/uploads/2017/02/Her%C3%B3i-em-peda%C3%A7os-Revista-de-Hist%C3%B3ria.pdf> Acesso em: 04 de agosto de 2019.
COSTA, Emília Viotti da. A Proclamação da República/Emília Viotti da Costa. Da Monarquia à República: momentos decisivos – 6. Ed. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p. 447 – 490.
JURT, Joseph. O Brasil: um Estado-nação a ser construído. O papel dos símbolos nacionais, do Império à República. Scielo. Mana vol.18 no.3 Rio de Janeiro Dec. 2012. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132012000300003> Acesso em : 04 de agosto de 2019

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